Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 11/04/2013
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0010066-44.2010.4.03.6119/SP
2010.61.19.010066-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : MARIA VICENTA ORTIZ CORTES reu preso
ADVOGADO : DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00100664420104036119 6 Vr GUARULHOS/SP

EMENTA

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS: ART. 33, CAPUT, C/C ART. 40, I DA LEI 11.343/06. CRIME EQUIPARADO A HEDIONDO: REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA: INICIAL FECHADO. DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE: VEDAÇÃO DECORRENTE DE PRECEITO CONSTITUCIONAL E DE LEI ESPECIAL: CF ART. 5º, XLIII, ART. 2º, II, DA LEI 8.072/90, ARTS. 33, § 1º, 34, 37 E 59 DA LEI 11.343/06. REJEIÇÃO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. MATERIALIDADE DELITIVA COMPROVADA. AUTORIA INEQUÍVOCA. ERRO DE TIPO OU ERRO DE PROIBIÇÃO: INOCORRÊNCIA. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA DA PENA: PENA-BASE: FIXAÇÃO: ART. 42 DA LEI 11.343/06 C/C ART. 59 DO CP: CRITÉRIO ARITMÉTICO EM RAZÃO DA QUANTIDADE: AUSÊNCIA DE RESPALDO LEGAL: DESPROPORCIONALIDADE COM AS CIRCUNSTÂNCIAS GERAIS E ESPECIAIS: REDUÇÃO. TRANSNACIONALIDADE: CONDUTA DE "EXPORTAR" DROGAS: CAUSA DE AUMENTO DO INC. I DO ART. 40 DA LEI 11.343/06: COMPATIBILIDADE COM O NÚCLEO DO ART. 33 DA MESMA LEI: CRIME DE AÇÃO MÚLTIPLA: INEXISTÊNCIA DE "BIS IN IDEM": MERA DISTÂNCIA ENTRE PAÍSES: IRRELEVÂNCIA NA FIXAÇÃO DO PATAMAR DE AUMENTO. ACRÉSCIMO NO MÍNIMO LEGAL. AGENTE PRESO COM DROGAS OCULTAS ANTES DE EMBARCAR EM AERONAVE: NÃO INCIDÊNCIA DA MAJORANTE DO INCISO III DO ART. 40 DA LEI 11.343/06. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA: 4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/06: INAPLICABILIDADE: "MULA": PROVAS DE ENVOLVIMENTO COM ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. EXCLUSÃO DO BENEFÍCIO. PENA DE MULTA: PRECEITO SECUNDÁRIO: LEGALIDADE. MANUTENÇÃO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS: IMPOSSIBILIDADE.
1 . A Lei 8.072/90, com a alteração da Lei 11.464/07, dispõe que a pena do crime de tráfico de drogas será cumprida inicialmente em regime fechado. Permite-se apenas a progressão para o menos gravoso. O art. 33, § 3º do CP reporta-se expressamente aos critérios estabelecidos pelo art. 59 do mesmo texto legal. Apenas a quantidade da pena não justifica que o réu tenha o direito de iniciar o cumprimento da pena em regime menos gravoso, já que as circunstâncias judiciais consideradas como desfavoráveis na fixação da pena-base repercutem diretamente na fixação do regime inicial de cumprimento da pena. Ademais, no caso concreto, a fixação de regime semi- aberto ou aberto para o cumprimento da pena mostra-se absolutamente insuficiente para prevenção e repreensão da conduta, ainda que não fosse legalmente vedada, por ser absolutamente incompatível com o tratamento mais gravoso que o legislador atribuiu aos crimes hediondos e equiparados. Mantido o regime inicial fechado para o cumprimento da pena da acusada.
2 . Comprovadas nos autos a materialidade e autoria do crime previsto no art. 33, caput, c/c o art. 40, I, da Lei 11.343/06 praticado pela ré, presa em flagrante nas dependências do Aeroporto Internacional de Guarulhos/SP, quando tentava embarcar em vôo com destino a Lisboa/Portugal, trazendo consigo, para fins de comércio ou entrega de qualquer forma a consumo de terceiros, no exterior, 5.835 g. (cinco mil, oitocentos e trinta e cinco gramas) de cocaína, oculta embalagens de alimentos que se encontravam em sua bagagem.
3 . Inocorrência de erro sobre os elementos do tipo do caput do artigo 33, da Lei 11.343/06 ou de erro de proibição como causa de redução de pena, sob o fundamento de desconhecimento do transporte de drogas, diante da falta de comprovação de ausência de consciência da ilicitude da conduta. Dolo configurado.
4 . Condenação mantida.
5 . Não há previsão legal para a utilização de critérios aritméticos na fixação do patamar do aumento da pena-base em razão da quantidade da droga. Na individualização da pena dos crimes de tráfico, deve-se examinar os critérios estabelecidos pelo art. 59 do CP e o comando expresso no art. 42 da Lei 11.343/06.
6 . Não pode ser considerada de pequena monta a quantidade de cocaína apreendida nos autos (quase seis quilos), ainda mais quando comparada às quantidades normalmente portadas pelo criminoso no tráfico urbano de varejo, quando é vendida diretamente aos consumidores pelos pequenos traficantes.
7 . A natureza da droga (cocaína) é tão maléfica ao organismo quanto as demais que são usualmente traficadas, além do fato de que a que é exportada possui grau de pureza altíssimo, sendo misturada a outras substâncias antes da entrega ao consumidor para elevar o rendimento.
8 . Ainda que o réu, na qualidade de "mula" do tráfico não decida acerca da quantidade e natureza da droga que transportaria, é inegável que, por agir mediante promessa de pagamento, possui consciência que colabora com a atuação de uma organização voltada ao tráfico de entorpecentes, e não como aqueles que repassam pequenas quantidades de drogas aos usuários.
9 . A fixação da pena-base em oito anos e quatro meses de reclusão mostrou-se exacerbada e desproporcional às circunstâncias judiciais gerais e especiais para a fixação da pena desse crime. Ainda que primária e de bons antecedentes, a ré não faz jus à fixação da pena-base no mínimo legal, tendo em vista a existência de outros elemento desfavoráveis. Pena-base reduzida para seis anos de reclusão e pagamento de seiscentos dias-multa.
10. Incidência da causa de aumento de pena prevista no inc. I, do art. 40, da lei de drogas, diante da comprovação da transnacionalidade do tráfico. Não se há de falar em dupla punição pelo mesmo fato ante o argumento de que a conduta de "exportar" está contida no núcleo do art. 33 da Lei 11343/06, que é crime de ação múltipla e prevê a conduta imputada à ré, ou seja, a de transportar ou trazer consigo o entorpecente quando estava em vias de embarcar para o exterior.
11 . A simples distância entre países não justifica a aplicação da causa de aumento do inciso I do art. 40 da lei de drogas em patamar acima do mínimo, admitindo-se apenas nos casos em que a droga deixe o território nacional para ser distribuída em mais de um país no exterior. O legislador previu, nos incisos desse artigo, uma série de causas de aumento de pena, que justificam um aumento variável de um a dois terços, porém não estabeleceu os parâmetros para a quantificação do percentual. O índice de aumento deve ser calculado de acordo com as circunstâncias especificamente relacionadas com a causa de aumento, (e não às do crime), e variar de acordo com a quantidade de majorantes que estiverem presentes, de forma que na incidência de apenas um inciso não se justifica a elevação do percentual mínimo. Caso em que a ré foi presa com a droga ainda em território brasileiro e, em que pese sua intenção de levá-la a outro continente, não está comprovado que pretendesse difundi-la em mais de um país.
12 . Se o agente é surpreendido e preso em flagrante nas dependências de um Aeroporto portando drogas de maneira oculta antes de embarcar em aeronave que irá transportar o entorpecente ao seu destino, não se justifica a incidência da majorante do inc. III, do art. 40, da Lei 11.343/06, ainda porque, sob tais circunstâncias, a conduta não causa lesões a outros setores da segurança pública, como a fiscalização da polícia e a repressão do crime.
Pena agravada apenas com base no inciso I, do art. 40 da Lei n. 11.343/06 no patamar de um sexto, totalizando 7 (sete) anos de reclusão.
13 . Impossibilidade de aplicação da causa de redução de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas. Ainda que não se dedique a atividades criminosas e não haja notícias de ter praticado anteriormente algum crime, a ré agiu na condição de "mula" integrando, de maneira voluntária, uma estrutura criminosa voltada à prática do tráfico transnacional de drogas, pois promoveu a conexão entre os membros da organização, transportando a droga de um país para outro, de forma que não preencheu um dos requisitos necessários para gozar do benefício, que é o de "não integrar organização criminosa". Exclusão do benefício. Pena fixada definitivamente em sete anos de reclusão.
14 . A imposição de pagamento de pena pecuniária para os crimes não ofende a proibição constitucional de prisão civil por dívida (art. 5º, LXVII, da CF), uma vez que não se está punindo a inadimplência civil, mas sim a prática de um delito. A aplicação da pena pecuniária decorre do preceito secundário expresso no art. 33 da lei de drogas, previsão legal e incondicional, que incide obrigatoriamente em cumulação com a pena privativa de liberdade , independentemente da situação econômica do réu.
15 . Nos termos do art. 51 do CP, a pena de multa é considerada dívida de valor após o trânsito em julgado da condenação, aplicando-se-lhe as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, de forma que a pena pecuniária prevista no preceito secundário de um tipo penal não pode ser convertida em pena privativa de liberdade caso não seja paga, cabendo sua execução na forma da legislação tributária, razão pela qual não há possibilidades de que a ré permaneça custodiada por período superior ao da condenação. Pena pecuniária fixada em setecentos dias-multa, no valor unitário estabelecido pela sentença.
16 . Impossibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. A conversão não se mostra como medida social recomendável, diante do estímulo para a prática do tráfico de drogas, crime que causa grave lesão ao bem jurídico tutelado (saúde pública), sendo insuficiente para a prevenção e repressão do delito. Ainda que se admita a substituição das penas pelo fato de os estrangeiros serem iguais aos brasileiros perante a Constituição Federal, para a concessão será necessário que não estejam em situação irregular no país e que nele possuam residência fixa.
17 . Caso em que as particularidades do crime não recomendam a substituição, tendo em vista o grau elevado de culpabilidade da ré, com provas de que participou de uma organização criminosa complexa, coordenada de forma a aliciar "mulas" para transportar drogas.
18 . Pedido de antecipação de tutela requerido pela defesa rejeitado.
19 . Apelação da defesa a que se dá parcial provimento para reduzir a pena-base para seis anos de reclusão.
20 . Apelação ministerial a que se dá parcial provimento para excluir a causa de redução de pena do § 4º do artigo 33 da mesma lei, fixando a pena da ré definitivamente em 7 (sete) anos de reclusão e 700 (setecentos) dias-multa.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar o pedido de antecipação de tutela requerido pela defesa e, no mérito, dar parcial provimento à sua apelação para reduzir a pena-base da ré para seis anos de reclusão e dar parcial provimento à apelação ministerial para excluir a causa de redução de pena do § 4º do artigo 33 da mesma lei, fixando a pena da ré definitivamente em 7 (sete) anos de reclusão e 700 (setecentos) dias-multa, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 01 de abril de 2013.
Antonio Cedenho
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Data e Hora: 08/04/2013 21:23:35



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0010066-44.2010.4.03.6119/SP
2010.61.19.010066-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : MARIA VICENTA ORTIZ CORTES reu preso
ADVOGADO : DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00100664420104036119 6 Vr GUARULHOS/SP

RELATÓRIO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO:


Trata-se de apelações criminais interpostas pela JUSTIÇA PÚBLICA e por MARIA VICENTA ORTIZ CORTES, natural da Espanha e atualmente sob custódia na Penitenciária Feminina da Capital de São Paulo, contra sentença de fls. 134/141, que condenou a ré à pena de 3 (três) anos, 2 (dois) meses e 26 (vinte e seis) dias de reclusão, a ser cumprida em regime inicial fechado, e ao pagamento de 322 (trezentos e vinte e dois) dias-multa no valor de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos, por infração ao artigo 33 caput, combinado com o artigo 40, I, ambos da Lei nº. 11.343/06.


Consta da denúncia (fls. 44/46) que, no dia 24 de outubro de 2010, nas dependências do Aeroporto Internacional de Guarulhos/SP, Maria Vicenta Ortiz Cortes foi presa em flagrante delito ao tentar embarcar em vôo com destino a Lisboa/Portugal, trazendo consigo, para fins de comércio ou entrega de qualquer forma a consumo de terceiros, no exterior, 5.835g (cinco mil, oitocentos e trinta e cinco gramas) de cocaína, sem autorização, armazenada em sete pacotes plásticos transparentes ocultos em embalagens de massa de tomate, maionese e polpa de frutas, que se encontravam no interior de sua bagagem.


Inconformados, apelaram a Justiça Pública e a ré condenada.


Às fls. 151/159, o representante do "Parquet" Federal requer a reforma parcial da sentença para que seja aplicada, na dosimetria da pena da ré, a causa de aumento prevista no inciso I do artigo 40, da Lei 11.343/6 no máximo legal, bem como a majorante prevista no inciso III do mesmo artigo da mesma lei, e para que seja excluída a causa de redução de pena prevista no § 4º do artigo 33 da Lei 11.343/06 ou então a aplicação no mínimo legal.


Contrarrazões da defesa às fls. 161/165.


A Defensoria Pública da União, às fls. 166/177, apresentou as razões de apelação da ré.


Requer inicialmente a antecipação da tutela recursal, para determinar o regime inicial de cumprimento da pena no semi-aberto ou aberto, confirmando-a ao final, concedendo à ré o direito de recorrer em liberdade, tendo em vista a inconstitucionalidade do uso da prisão cautelar como antecipação do cumprimento da pena.


No mérito, requer a absolvição da acusada em razão de ter praticado o crime em evidente erro de tipo ou, pelo princípio da eventualidade, que seja reconhecido como causa de redução de pena ou ainda como atenuante genérica.


Caso não alcance a absolvição, requer a reforma parcial da sentença para:


1 . a fixação da pena-base no mínimo legal;


2 . o afastamento da causa de aumento derivada da transnacionalidade do tráfico;


3 . a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos;


4 . a exclusão da pena de multa.


Contrarrazões ministeriais às fls. 179/207.


A Procuradoria Regional da República, no parecer de fls. 219/225, opina seja dado provimento à apelação ministerial e negado provimento à apelação da defesa.


É o relatório.


À revisão.







Antonio Cedenho
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Data e Hora: 15/02/2013 18:35:30



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0010066-44.2010.4.03.6119/SP
2010.61.19.010066-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : MARIA VICENTA ORTIZ CORTES reu preso
ADVOGADO : DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00100664420104036119 6 Vr GUARULHOS/SP

VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO:


Maria Vicenta Ortiz Cortes foi condenada pela prática do crime previsto no artigo 33, caput, c/c o artigo 40, I, ambos da Lei 11.343/06 por ter sido presa em flagrante nas dependências do Aeroporto Internacional de Guarulhos/SP, ao tentar embarcar em vôo com destino a Lisboa/Portugal, trazendo consigo 5.835g (cinco mil, oitocentos e trinta e cinco gramas) de cocaína, armazenada em sete pacotes plásticos transparentes oculta em embalagens de massa de tomate, maionese e polpa de frutas, que se encontravam no interior de sua bagagem.


Não procede o pleito defensivo, no tocante à antecipação da tutela recursal para determinar o regime inicial de cumprimento da pena da ré no semi-aberto ou aberto, sob a alegação de inconstitucionalidade do uso da prisão cautelar como antecipação do cumprimento da pena.


A Lei 8.072/90, em sua redação original, estabelecia que, no caso do delito de tráfico de entorpecentes, deveria ser imposto o regime integralmente fechado. Com a alteração da Lei 11.464/07, o artigo 2º, § 1º, dessa lei, passou a ter a seguinte redação:


"Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de :
(...)
§ 1: A pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado. "

Da interpretação desse artigo, denota-se que é imperativo legal que seja cumprida a pena desses crimes em regime inicial fechado, e não integralmente fechado, permitindo-se apenas que seja efetuada a progressão para o menos gravoso. Em outras palavras, foi apenas suprimida a vedação da progressão de regime prisional para os condenados pelos crimes citados.


Ademais, o § 3º do artigo 33 do Código Penal reporta-se expressamente aos critérios estabelecidos pelo artigo 59 do mesmo texto legal, de maneira que apenas a quantidade da pena não justifica que o réu tenha o direito de iniciar o cumprimento da pena em regime menos gravoso, já que as circunstâncias norteadoras da fixação da pena nos crimes de tráfico (art. 42 da Lei 11.343/06) repercutem diretamente na fixação do regime inicial de cumprimento da pena.


No caso concreto, a fixação de regime semi-aberto ou aberto para o cumprimento da pena mostra-se absolutamente insuficiente para prevenção e repreensão da conduta, ainda que não fosse legalmente vedada, por ser absolutamente incompatível com o tratamento mais gravoso que o legislador atribuiu aos crimes hediondos e equiparados.


Nesse sentido:



"PENAL. HABEAS CORPUS. ARTS. 33, CAPUT, DA LEI N.º 11.343/06 E 304, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE. FUNDAMENTAÇÃO. GRANDE QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA. CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DESFAVORÁVEL. POSSIBILIDADE. CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE. PERCENTUAL DE REDUÇÃO. JUÍZO DISCRICIONÁRIO. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA. ART. 33, § 4º, DA LEI N.º 11.343/2006. REQUISITOS. PACIENTE QUE SE DEDICA À ATIVIDADE CRIMINOSA. IMPOSSIBILIDADE. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. CRIME EQUIPARADO A HEDIONDO PRATICADO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 11.464/07. REGIME INICIAL FECHADO. SURSIS. SUBSTITUIÇÃO DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. VEDAÇÃO LEGAL. ART. 44, DA LEI 11.343/2006.
(...)
VI - Após a modificação do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90 pela Lei n.º 11.464/07, tornou-se obrigatória a fixação do regime inicial fechado para o cumprimento da pena pelos condenados por crimes hediondos e equiparados, independente do quantum da pena. VII - In casu, tendo o paciente cometido o crime sob a égide da Lei n.º 11.464/07, é incensurável a fixação do regime inicial fechado para o cumprimento da reprimenda penal.
(...)"
(STJ, HC 200901191388, Relator(a) FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, DJE DATA:12/04/2010)
"HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. REEXAME DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. INADMISSIBILIDADE. REGIME INICIAL. TRÁFICO. SEMIABERTO. ABERTO.
(...)
3. A Lei n. 8.072, de 25.07.90, art. 2º, § 1º, em sua redação original, estabelecia que, no caso do delito de tráfico de entorpecentes, deveria ser imposto o regime integralmente fechado. É implícito que o regime inicial é, de regra, o fechado. A declaração de inconstitucionalidade desse dispositivo pelo Supremo Tribunal Federal, escusado lembrar, incide tão somente quanto ao cumprimento integral, não o inicial. Desse modo, válida a norma na parte em que, por implicação, impunha o regime inicial fechado. Com a superveniência da Lei n. 11.464, de 28.03.07, tornou-se possível a progressão, reafirmando-se claramente que a pena deve ser cumprida no regime inicial fechado. Por fim, os critérios do art. 33 do Código Penal para a determinação não são absolutos, pois o § 3º desse dispositivo reporta-se ao art. 59 do mesmo Código e devem ser avaliados pelo Juiz da fixação do regime de cumprimento da pena.
(...)"
(TRF 3, ACR 2010.61.19.003731-9/SP, QUINTA TURMA, DJF3 CJ1 DATA:15/09/2011 PÁGINA: 720, Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL RAMZA TARTUCE)

E a vedação à liberdade provisória, nos casos de crimes hediondos e assemelhados, decorre da própria proibição de fiança, imposta pela Constituição Federal no artigo 5º, inciso XLIII.


Por outro lado, a Lei nº 11.343/2006, que é específica para os crimes de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, no artigo 44 estabelece que os crimes previstos nos artigos 33, caput e § 1º e 34 a 37 são insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória. Dispõe ainda o artigo 59 da mesma lei que, nos crimes de tráfico, o réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória.


Sabe-se, contudo, que não tem o direito de recorrer em liberdade o acusado que permaneceu justificadamente preso durante a instrução criminal, por força de prisão em flagrante ou preventiva, ainda que seja primário e de bons antecedentes e que, sobrevindo sentença penal condenatória, um de seus efeitos é a manutenção da custódia do réu para apelar, o que não constitui ofensa à garantia constitucional da presunção de inocência, nos termos da Súmula 09 do STJ, de forma que eventuais condições favoráveis do agente, como primariedade e bons antecedentes, não são garantidoras de direito subjetivo à liberdade provisória, quando outros elementos recomendarem a prisão.


Postas tais premissas, verifico que a ré foi presa em flagrante e assim permaneceu durante toda a instrução criminal. É estrangeira, sem vínculos com nosso país, com fortes possibilidades de se evadir se for solta, razão pela qual sua prisão tem por finalidade assegurar a aplicação da lei penal e o próprio resultado do processo, com o cumprimento integral da pena.


Por outro lado, a mera circunstância de a ré ter prestado serviços a uma organização criminosa dedicada à prática do tráfico de drogas, conforme se demonstrará, já é suficiente para que permaneça presa, pois sabe-se que essas organizações não se intimidam com ações repressoras no sentido de investigar e punir a ação do grupo, tanto é que a própria Lei nº 9.034/95, que trata das organizações criminosas, prevê expressamente no artigo 7º, que não será concedida liberdade provisória, com ou sem fiança, aos agentes que tenham tido intensa e efetiva participação na organização criminosa, como no caso.


Assim sendo, para a efetivação da ação repressora do Estado, é necessário que o grupo seja desestruturado, o que somente se obtém com a prisão de todos os seus integrantes, daí porque o principal fundamento para a custódia é a garantia da ordem pública.


E ainda que não mais se justifique o requisito concernente à conveniência da instrução criminal, já que a instrução probatória está encerrada, remanesce também a necessidade da garantia da ordem pública e da necessidade de se garantir a aplicação da lei penal, razão pela qual não cabe o deferimento do benefício do apelo em liberdade, ou sob o regime aberto ou semi-aberto, quer seja mediante termo de comparecimento (artigo 310, parágrafo único), ou mediante pagamento de fiança (artigo 324, inciso IV).

Nesse sentido:



"PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. ART. 33 DA LEI Nº 11.343/06. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA. PROIBIÇÃO DECORRENTE DE NORMA CONSTITUCIONAL.
I - A proibição de concessão do benefício de liberdade provisória para os autores do crime de tráfico ilícito de entorpecentes está prevista no art. 44 da Lei nº 11.343/06, que é, por si, fundamento suficiente por se tratar de norma especial especificamente em relação ao parágrafo único do art. 310, do CPP.
II - Além do mais, o art. 5º, XLIII, da Carta Magna, proibindo a concessão de fiança, evidencia que a liberdade provisória pretendida não pode ser concedida.
III - Precedentes do Pretório Excelso (AgReg no HC 85711-6/ES, 1ª Turma, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence; HC 86814-2/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Joaquim Barbosa; HC 86703-1/ES, 1ª Turma, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence; HC 89183-7/MS, 1ª Turma, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence; HC 86118-1/DF, 1ª Turma, Rel. Ministro Cezar Peluso; HC 79386-0/AP, 2ª Turma, Rel. Ministro Maurício Corrêa; HC 83468-0/ES, 1ª Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence; HC 82695-4/RJ, 2ª Turma, Rel. Ministro Carlos Velloso)
Habeas corpus denegado."
(STJ - HC 78.237/RS, 5ª Turma, Rel. Ministro FELIX FISCHER, DJU de 24.9.2007)

Com tais considerações, rejeito a preliminar arguida pela defesa.


No mérito, não prospera o pedido de absolvição pois, ao contrário do alegado, o crime pelo qual a ré foi condenada está comprovado em todos os aspectos.


MATERIALIDADE DELITIVA:


Está consubstanciada pelo auto de exibição e apreensão (fls. 7/8), laudo de constatação (fls. 11/12) e laudo pericial de fls. 106/109, atestando que a substância entorpecente transportada pela ré foi positiva para cocaína, no peso de 5.835g. (cinco mil, oitocentos e trinta e cinco gramas).


AUTORIA DELITUOSA:

Está devidamente comprovada, inicialmente pela prisão em flagrante da acusada, que portava a droga oculta em sua bagagem.


A ré, ao ser interrogada na fase inquisitorial, declarou (fls.05):



"... afirma que comprou os pacotes em Lima e não sabia que continha entorpecente no interior... acreditava que eram sementes... recebe duas pensões e foi a própria quem custeou sua viagem... foi ao Peru visitar uma amiga que conheceu na Internet, de nome Nancy... ficou hospedada em um albergue..."

Consoante consta da sentença, foram estas as declarações da ré em Juízo (fls. 136);



"... Em seu interrogatório, a ré declarou que recebeu cinco mil euros de um terceiro desconhecido para viajar, simplesmente, sem que a viagem tivesse qualquer finalidade, sem que lhe tivesse exigido nenhuma contraprestação, e que aceitou pois queria resolver problemas financeiros e pessoais com seu companheiro.."

ALEGAÇÃO DE ERRO DE TIPO:


A defesa alega que a ré não se envolveu com o tráfico internacional de drogas, e que o meio de prova incisivo para a comprovação da incidência do erro de tipo é apenas o interrogatório, sendo difícil produzir outras provas do desconhecimento da existência da droga. Afirma que a acusada estava prestes a perder sua casa, que era financiada e, além disso, seu companheiro encontrou-se com um indivíduo desconhecido e em seguida, obrigou-a a viajar para o Peru.


Sustenta que a acusada não teve contato, nem recebeu nada de ninguém durante a viagem e que, um dia antes do embarque se ausentou, acreditando que pode ter sido nesse momento que colocaram algo em sua mala, razão pela qual não agiu com má-fé.


Contudo, tais afirmações não se sustentam.


Sabe-se que é certo que parte dos delitos são praticados tendo como causa erro s, juízos falsos, que levam seus autores a realizar condutas tipificadas como crime, e que muitas vezes tais enganos não são espontâneos, mas provocados por terceiras pessoas que se interpõem na mesma relação.


Decorre, portanto, a necessidade de se apreciar cuidadosamente os fatos para verificar o dolo, elemento subjetivo, e a alegação de erro de tipo , a fim de solucionar a questão da forma mais adequada, prevista na Lei Penal.


É imprescindível que a defesa comprove a ausência de consciência da ilicitude da conduta, não sendo suficiente meras alegações do réu acerca do desconhecimento da existência da droga.


No caso, essas alegações, além de inverossímeis, não tem correspondência com as demais provas e indícios constantes nos autos, indicando que a autoria do delito só pode ser imputada à ré.


Tampouco merece prosperar a alegação de ocorrência de erro de proibição, que ocorre quando o agente acredita que sua conduta é admissível no direito, quando, na verdade ela é proibida.


O artigo 21 do CP dispõe:



"Art. 21 - O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço.
Parágrafo único - Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência. "

Em primeiro lugar, não há como argumentar que a ré desconhecia a ilicitude de sua conduta, tendo em vista que o artigo 21 do Código Penal é imperativo no sentido de que o desconhecimento da lei é inescusável.


Note-se que a ré, inicialmente, declarou perante a autoridade policial que acreditava estar transportando sementes e após, em Juízo, não confirmou essa versão, afirmando que uma terceira pessoa teria colocado as embalagens que continham o entorpecente em sua bagagem, de forma que sua palavra não é merecedora de crédito.

Ademais, consoante declarou a testemunha, a ré não transportava a droga exposta, mas sim oculta em embalagens de alimentos, além do fato de que exalava um forte odor, o que demonstra que a acusada agiu com dolo em sua conduta, e que tinha pleno conhecimento do crime que praticava, tendo em vista que, caso desconhecesse a ilicitude de seu ato, não precisaria ocultar o que transportava.


Neste aspecto, vale transcrever as ponderações do representante do Ministério Público Federal nas contrarrazões de apelação (fls. 186):


"... a acusada tenta se esquivar da reprimenda penal utilizando-se do instituto do erro de tipo.
Tal alegação não prospera em nenhum aspecto, pois a acusada, até o momento, não trouxe aos autos qualquer prova capaz de confirmar sua versão. Ao contrário, todo o quadro informativo nos remete à conclusão de que ela sabia do transporte da cocaína e que, portanto, mentiu em seu interrogatório judicial.
Com efeito, as provas colhidas levam à certeza de que a acusada tinha pleno conhecimento de que estava efetuando o transporte de cocaína. A alegação, aduzida por ela em juízo, de que não tinha ciência acerca da droga encontrada dentro da mala que trazia é mera versão concebida com o fim de excluir o dolo de sua conduta, não encontrando qualquer suporte fático.
Não se mostra crível que a ré tenha aceitado transportar uma bagagem a pedido de terceiras pessoas, mediante o pagamento de dinheiro, sem desconfiar do caráter ilícito desta bagagem. Além disso, havia muita cocaína na bagagem, fato que com certeza despertaria a suspeita de qualquer pessoa.
Desse modo, não se mostra digna de crédito a versão lançada pela acusada no sentido de que não tinha conhecimento de que transportava um total de 5.835 g. de cocaína, acondicionada de maneira dissimulada em sua mala, na tentativa de embarcar em vôo com destino final a Lisboa/Portugal.
Assim, é certo que a versão apresentada pela ré se mostra totalmente fantasiosa, não havendo nos autos nenhum elemento que possa conferir credibilidade a tais alegações formuladas. Muito pelo contrário, as provas colhidas indicam , de maneira inequívoca, que a acusada agiu livremente, tendo plena consciência daquilo que estava transportando e da ilicitude de sua conduta..."

DOLO

Demonstradas a materialidade e autoria pela acusação, e diante da ausência de elementos aptos a ilidi-los, resta também evidente o dolo na conduta da ré que, na condição de "mula", com consciência e vontade, transportava a droga entre países, razão pela qual mantenho sua condenação pela prática do crime previsto no artigo 33, caput, c/c o artigo 40, I, ambos da Lei 11.343/06.


DOSIMETRIA DA PENA


A dosimetria da pena da ré foi assim fundamentada (fls. 73/75):


" No tocante à fixação da pena-base da pena privativa de liberdade, de acordo com o novo sistema repressivo do tráfico ilícito de entorpecentes, instaurado pela lei 11.343/06, é preciso levar em conta como circunstâncias preponderantes sobre aquelas do artigo 59, a natureza e a quantidade da droga, conforme o determinado pelo artigo 42 daquela lei. A cocaína é droga que possui alto potencial lesivo, e de grande poder de causar dependência física. Seus efeitos deletérios são devastadores do organismo humano e inclusive capazes de levar o consumidor a óbito. A pena-base deve ser aumentada neste caso, atentando-se ao disposto na lei, eis que o tráfico dessa substância entorpecente deve sofrer maior reprimenda que o de outras drogas de lesividade inferior à saúde. Dito isso, aumento a pena-base de ¼, reconhecendo que esse é o patamar de proporcionalidade mais razoável. Em relação à quantidade da droga, verifico que o réu transportava volume capaz de induzir muitas pessoas ao vício, se considerarmos que o consumo individual da substância restringe-se a poucos gramas. Assim, o potencial lesivo dessa quantidade de cocaína, se levarmos em conta o bem jurídico tutelado, a saúde pública, é de relevo e merece reprimenda compatível ao seu desvalor e necessária ao seu desestímulo. Aumento a pena-base, portanto, em função da quantidade, em 5/12, quantum que se aplica seguindo o critério de aumento de 1/12 para cada quilo transportado. Quanto às demais circunstâncias judiciais, aquelas previstas no artigo 59, não verifico se afaste a conduta do ordinariamente observado nesses casos de posse e transporte de droga por meio de "mulas", razão pela qual não entendo ensejarem o aumento da pena-base, sob pena de incorrermos em bis in idem quanto às circunstâncias já consideradas pelo legislador ao descrever a conduta típica. Resulta o aumento da pena-base aplicado em 8/12, o qual a eleva a 8 anos e 4 meses de reclusão. Na segunda fase da dosimetria da pena, não vislumbro a existência de circunstâncias agravantes ou atenuantes.

Por fim, foi aplicado o acréscimo de um sexto, nos termos do artigo 40, I, da lei de drogas, fixando a pena provisoriamente em 9 (nove) anos, 8 (oito) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e, em seguida, a causa de redução de pena prevista no parágrafo 4º do artigo 33, da Lei 11.343/96 no patamar máximo (dois terços), totalizando a pena definitiva de 3 (três) anos, 2 (dois) meses e 26 (vinte e seis) dias de reclusão.


Entendo que assiste parcial razão à defesa, ao requerer a redução da pena-base.


Em primeiro lugar, o critério aritmético utilizado pela Juíza "a quo" para fixar o patamar do aumento da pena-base em razão da quantidade da droga não encontra respaldo legal ou jurisprudencial e não foi acompanhado da devida fundamentação para que se avalie as circunstâncias concretas do crime, dando, pois, margem a certa arbitrariedade.


Por outro lado, sabe-se que o julgador, na individualização da pena, deve examinar detidamente os elementos que dizem respeito ao fato, segundo os critérios estabelecidos pelo artigo 59 do CP e, no caso de tráfico de drogas, segundo o comando expresso no artigo 42 da Lei 11.343/06, o qual determina expressamente que o Juiz, na fixação da pena, deve considerar, com preponderância sobre as circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do CP, a natureza e quantidade da droga, bem como a personalidade e conduta do agente.


Nesse aspecto, a MMª Juíza se ateve aos parâmetros especiais para a fixação da pena, estabelecidos pelo artigo 42 da Lei 11.343/06, como também aos gerais previstos no art. 59 do CP, ao considerar a potencialidade lesiva do delito, a quantidade e natureza da droga apreendida, as graves conseqüências que o crime causa à saúde pública, parâmetros estes que não são inerentes ao tipo penal infringido pela ré e que merecem ser considerados, a fim de que se alcance uma reprimenda justa e suficiente para a prevenção, reprovação e repressão do crime, mas que devem sempre respeitar o princípio da proporcionalidade.


Com efeito, não pode ser considerada de pequena monta a quantidade de cocaína apreendida (quase seis quilos), ainda mais quando comparada às quantidades normalmente portadas pelo criminoso no tráfico urbano de varejo, quando é vendida diretamente aos consumidores pelos pequenos traficantes.


Tampouco se há de falar que a natureza da droga (cocaína) não é tão maléfica ao organismo quanto as demais que são usualmente traficadas (crack, ecstasy, anfetamina, heroína, LSD, etc). De fato, sabe-se que a cocaína é uma droga que vicia facilmente, sendo alta sua lesividade à saúde dos usuários, pois pode levar a óbito ainda que consumida em pequena quantidade. Por outro lado, a cocaína que é normalmente exportada possui grau de pureza altíssimo, sendo misturada a outras substâncias antes da entrega ao consumidor para elevar o rendimento.


É certo, também, que, como no caso, não foi a ré, na qualidade de "mula" do tráfico que decidiu acerca da quantidade e natureza da droga que transportaria. Contudo, é inegável que evidentemente possuía consciência, por agir mediante promessa de pagamento, que estava colaborando com a atuação de uma organização voltada ao tráfico de entorpecentes, e não como os denominados "aviõezinhos", que repassam pequenas quantidades de drogas aos usuários.


Contudo, penso que a pena-base, estabelecida em oito anos e quatro meses de reclusão, foi fixada com exagerado rigor, tendo em vista que a MMª Juíza reconheceu que as demais circunstâncias judiciais não ensejariam o aumento da pena-base, considerando ainda que não há notícias de envolvimento anterior da acusada em crimes e que o "modus operandi" é o habitual no gênero de transporte da droga pelos "mulas".


No sentido dessas considerações, confira-se os seguintes julgados:



"HABEAS CORPUS. PENAL. CRIME DE TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE DEFESA PRELIMINAR, PREVISTA PELA LEI N.º 10.409/02. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. RITO PROCEDIMENTAL DEVIDAMENTE OBSERVADO. FIXAÇÃO DA PENA-BASE NO DOBRO DO MÍNIMO LEGAL. ART. 59 DO CÓDIGO PENAL. DESPROPORCIONALIDADE. ART. 18, INCISO III, DA LEI N.º 6.368/76. ASSOCIAÇÃO EVENTUAL. MAJORANTE NÃO PREVISTA PELA LEI N.º 11.343/06. ABOLITIO CRIMINIS. RETROATIVIDADE DA LEI PENAL MAIS BENÉFICA.
(...)
2. A fixação da pena-base do ora Paciente se deu no dobro do mínimo legal, tendo a Juíza da condenação utilizado, para tanto, salvo alguns elementos concretos, de considerações genéricas - dados integrantes da própria conduta tipificada - e subjetivas, muito embora tenha reconhecido a primariedade e os bons antecedentes do sentenciado.
3. Tem-se, assim, que os argumentos judiciais tecidos ao fixar o quantum da reprimenda são insuficientes para amparar tamanha exasperação na fixação da pena-base, acarretando, pois, flagrante desproporcionalidade entre a sua fixação e as circunstâncias apresentadas, ferindo, pois, o princípio da individualização da pena.
(...)"
(STJ - HC 200500968640/PR, QUINTA TURMA, DJ DATA:06/08/2007 PÁGINA:545, Relator(a) LAURITA VAZ).
"PENAL - PROCESSUAL PENAL - TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES - LEI 11.343/2006 - AUTORIA E MATERIALIDADE DO DELITO AMPLAMENTE COMPROVADAS - CAUSA DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO § 4º, DO ARTIGO 33, DA LEI 11.343/06 MANTIDA TAL COMO APLICADA PELO JUIZ DE PRIMEIRO GRAU - VEDAÇÃO DA REFORMATIO IN PEJUS - RECURSO EXCLUSIVO DA DEFESA - INTERNACIONALIDADE DEMONSTRADA - DOSIMETRIA DA PENA ALTERADA - PENA BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL EM PATAMAR MENOR QUE O APLICADO EM PRIMEIRO GRAU - ARTIGO 59 DO CÓDIGO PENAL E ARTIGO 42, DA LEI 11.343/06 - CONDIÇÕES JUDICIAIS FAVORÁVEIS - RECURSO DA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDO.
16. Verifico que a dosimetria da pena não atendeu às finalidades de retribuição e ressocialização do apelante, na hipótese dos autos, sendo desproporcional e desarrazoada.
17. As circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal e artigo 42 da Lei nº 11.343/06 são favoráveis ao réu, uma vez que, como reconhecido na sentença, é primário e possui bons antecedentes (fls.528/532). Entretanto, ressalto que a natureza (maconha) e a grande quantidade da substância entorpecente apreendida em seu poder (200 Kg - conforme laudo toxicológico de fls.275/277) se consubstanciam em circunstâncias judiciais desfavoráveis, eis que tal quantidade de entorpecente é capaz de causar danos à sociedade de enormes dimensões e nem sempre suscetíveis de reparo. Precedentes das nossas Cortes Superiores.
18. A fixação da pena no dobro do mínimo legal levando em consideração apenas a circunstância da quantidade da droga apreendida não atendeu às finalidades da pena.
19. Pelo exposto, a pena-base fica fixada em 1/2 acima do mínimo legal, ou seja, 07 (sete) anos e 06 (seis) meses de reclusão, além do pagamento de 750 (setecentos e cinqüenta) dias multa.
(...)"
(TRF 3, ACR 200960060000079, Relator(a) JUIZA RAMZA TARTUCE, QUINTA TURMA , DJF3 CJ1 DATA:16/11/2010 PÁGINA: 577).

Assim sendo, entendo que houve evidente desproporcionalidade entre a fixação da pena-base e as circunstâncias judiciais gerais e especiais para a fixação da pena desse crime (arts. 59 do CP e 42, da Lei nº 11. 343/06).


Todavia, apesar da primariedade e bons antecedentes, a ré não faz jus à fixação da pena-base no mínimo legal, considerando-se os elementos acima citados, de forma que merece ser fixada em patamar menor, razão pela qual reduzo-a para seis anos de reclusão e pagamento de seiscentos dias-multa.


Na segunda etapa da fixação da pena, não há atenuantes ou agravantes a serem consideradas.


TRANSNACIONALIDADE DO TRÁFICO:


Na terceira fase da individualização da pena, não há dúvidas sobre a incidência da causa de aumento derivada da transnacionalidade do tráfico, tendo em vista a comprovação de que a droga estava em vias de ser transportada ao exterior, conforme comprova a cópia do bilhete aéreo acostado à fls. 09 e as circunstâncias em que a ré foi presa em flagrante.


Nesse aspecto, a defesa pleiteia pelo afastamento dessa majorante, sob pena de "bis in idem", ante o argumento de que a conduta de "exportar" está contida no núcleo do art. 33 da Lei 11.343/06.


Tal argumento não procede.


De fato, o crime previsto no artigo 33, caput, da Lei de drogas é de ação múltipla, e à ré foi imputada a conduta de transportar substância entorpecente apreendida em seu poder, quando estava em vias de embarcar para o exterior.


Desde a vigência da lei anterior, é pacífico o entendimento de que a causa de aumento derivada da internacionalidade do tráfico é aplicável em todas as modalidades do crime, sem que isso implique em dupla valoração pelo mesmo fato, pois o objetivo da majorante é o de punir com maior rigor o comércio com o exterior, com finalidades lucrativas, e não apenas a exportação sem essa finalidade, razão pela qual não há se falar em identidade de elementares do tipo.


Nesse sentido:



"PENAL - PROCESSUAL PENAL - TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES - LEI 11.343/2006 - LIBERDADE PROVISÓRIA - IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO - RÉU PRESO DURANTE TODO O PROCESSO - ARTIGO 312 CPP - PRESENTES OS REQUISITOS PARA A PRISÃO CAUTELAR - PRELIMINAR REJEITADA - AUTORIA E MATERIALIDADE DO DELITO AMPLAMENTE COMPROVADAS - INTERNACIONALIDADE DEMONSTRADA - PENA BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL - CONDIÇÕES JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS - CONFISSÃO - CAUSA DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO § 4º, DO ARTIGO 33, DA LEI 11.343/06 - MANUTENÇÃO DO PATAMAR FIXADO - NE REFORMATIO IN PEJUS - PENA PECUNIÁRIA REDIMENSIONADA - RECURSO DA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDO.
(...)
Não há bis in idem na aplicação da causa de aumento referente à internacionalidade do delito, uma vez que, como assinalado pela própria defesa, o verbo exportar significa "vender (algo), remetendo-o para fora do país, estado, município ou região que o produziu. A conduta de "exportar" não está sendo duplamente considerada para agravar a situação do réu, uma vez que tal conduta até mesmo poderia ter sido praticada, v.g., pela venda de drogas entre dois municípios, devendo, portando, incidir a causa de aumento prevista no inciso I, do artigo 40, da Lei 11.343/06, quando a conduta pretende atingir dois países, como no caso dos autos. 9. É certo, ainda, que o apelante não praticou a conduta de "vender", mas sim a de "transportar" ou "trazer consigo", não se podendo falar, in casu, em exportação da droga, por parte do réu.
(TRF 3, ACR 200961190052203, Relator(a) JUIZA RAMZA TARTUCE, QUINTA TURMA, DJF3 CJ1 DATA:27/10/2010 PÁGINA: 810)
"APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. ART. 33, CAPUT, C/C ART. 40, INCISO I, DA LEI 11.343/06. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE. CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. FATOR DE ATENUAÇÃO. TRANSNACIONALIDADE. ART. 40, I, DA LEI Nº 11.343/06. CAUSA DE MAJORAÇÃO. BIS IN IDEM. INOCORRÊNCIA. CAUSA DE REDUÇÃO DO ART. 33, §4º, DA LEI 11.343/06. APLICABILIDADE. FRAÇÃO DE REDUÇÃO. DELAÇÃO PREMIADA. INEFICÁCIA DO AUXÍLIO PRESTADO PELO ACUSADO. MANUTENÇÃO DA REPRIMENDA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE INVIÁVEL ANTE O QUANTUM DA PENA. LIBERDADE PROVISÓRIA. PRESENÇA DOS REQUISITOS DA PRISÃO PREVENTIVA. ART. 312 DO CPP. APELO PARCIALMENTE PROVIDO.
"Não se vislumbra incompatibilidade da combinação da conduta "exportar" com a aplicação da majorante prevista no artigo 40, inciso I, da Lei nº 11.343/06, já que a exportação constitui um dos verbos nucleares veiculados pelo tipo penal com o agravamento representado pela efetiva transposição das fronteiras nacionais. O objetivo da majorante é punir com maior rigor a atividade dos agentes que apresentam, em sua conduta, uma culpabilidade mais exacerbada, ao demonstrarem a audácia de promover a traficância para fora das fronteiras nacionais ou, em sentido inverso, para dentro delas. 7. Portanto, não se cogita de bis in idem se a lei conferiu uma punição mais rigorosa ao agente que pratica as condutas típicas imbuído da pretensão de difundir a droga por outros países, apresentando uma culpabilidade mais intensa do que o criminoso que se presta à prática do mesmo delito no âmbito territorial do mesmo Estado
8. Além disso, o delito em apreço é de natureza multitudinária, podendo o agente incidir no tipo penal praticando quaisquer um de seus verbos nucleares. No caso vertente, o acusado praticou ao menos dois deles, mais precisamente nas modalidades "trazer consigo" e "guardar", não tendo logrado êxito, todavia, em alcançar o seu objetivo principal, que era a exportação do narcótico. Assim, legítima a aplicação da causa especial de aumento.
(TRF3, ACR 200961190091014, Relator(a) JUIZ COTRIM GUIMARÃES, SEGUNDA TURMA , DJ3 CJ1 DATA:02/09/2010 PÁGINA: 321)

Portanto, deve ser mantida a aplicação da majorante prevista no inciso I, do artigo 40, da Lei 11.343/06.


A Justiça Pública insurge-se quanto à aplicação no patamar mínimo (um sexto), requerendo que seja aplicada no máximo previsto.


Para tanto, sustenta (fls. 151 v.):


"... Com efeito, nos casos em que se reconhece a incidência da majorante referente à internacionalidade da conduta, o aumento de pena deve ocorrer, de acordo com o art. 40, da Lei 11.343/06 entre 1/6 e 2/3.
Neste contexto, como causa objetiva de aumento de pena que é, o art. 40, I, da Lei 11.343/2006, deve ser aplicado pelo julgador com atenção ao menor ou maior espectro espacial atingido (ou passível de ser atingido) pela conduta delitiva.
Como tal, a fixação do patamar mínimo deve ser reservada, v.g, para os casos em que o delito é perpetrado em região fronteiriça, como é o caso de tráfico entre Brasil e Paraguai, nos quais o âmbito espacial atingido pela conduta, conquanto afeto a dois Estados distintos, possa ser visto como circunstância meramente ocasional.
Com efeito, como apenar com maior rigor o réu que, vivendo em cidade fronteiriça, cujo trânsito de bens, pessoas e serviços é intenso, compra a droga em um país, para revendê-la a poucos quilômetros (ou talvez, metros), no estado vizinho?
Tal, entretanto, não é o caso dos autos. A apelada levaria a droga para Lisboa/Portugal, só não tendo consumado sua intenção por ter sido presa em flagrante com a substância entorpecente. Ademais, merece ser levada em consideração a tentativa de transposição continental da droga. A apelada pretendia sair da América do Sul para levar a droga à Europa. Tal empreitada, de grande ousadia, deve ser reprimida de forma proporcional.
Além disso, a aplicação do aumento- que, frise-se, tem caráter notadamente objetivo, devendo ser aferido pelas circunstâncias que permearam o caso concreto- num patamar mínimo implicaria, no caso dos autos, evidente desproporção entre a gravidade da conduta e a sanção correlata.
Cumpre destacar que ao magistrado foi conferido discricionariedade para aplicação do quantum da causa de aumento decorrente da transnacionalidade do delito, mensurando a natureza da substância, quantidade de drogas e a distância percorrida ou a percorrer do réu ao individualizar a fração decorrente de tal causa de aumento.
É inegável que a conduta da apelada reveste-se de maior gravidade pois envolve a violação da ordem jurídica e a periclitação da saúde pública de dois continentes, além de revelar a grande periculosidade da organização criminosa que promoveu o transporte internacional da droga.
(...)"

Apesar desse entendimento estar referendado em algumas decisões, tem entendido esta Turma de que a simples distância entre países não justifica a aplicação dessa causa de aumento em patamar acima do mínimo, admitindo-se apenas nos casos em que a droga deixe o território nacional para ser distribuída em mais de um país no exterior.


Ademais, o legislador previu, nos incisos do artigo 40, da Lei 11.343/06, uma série de causas de aumento de pena, que justificam um aumento variável de um a dois terços, porém não estabeleceu os parâmetros para a quantificação do percentual.


À míngua desses critérios, o índice de aumento deve ser calculado de acordo com as circunstâncias especificamente relacionadas com a causa de aumento, (e não às do crime), e variar de acordo com a quantidade de majorantes que estiverem presentes.


No caso, porém, há que ser considerado que a ré foi presa com a droga ainda em território brasileiro e, em que pese sua intenção de levá-la a outro continente, não está comprovado nos autos que pretendesse difundi-la em mais de um país.


Portanto, é razoável a exasperação da pena no mínimo legal (um sexto), considerando-se a natureza e quantidade da droga e a rota planejada por mais de um continente.


A respeito, confira-se os seguintes excertos de alguns julgados da 5ª Turma:


"(...)
16. O caráter transnacional do tráfico restou evidenciado porque o estupefaciente seria transportado entre dois países (Brasil e Malásia), e a mera distância entre os referidos países não se afigura suficiente para justificar a majoração da reprimenda penal em metade, como efetuado pela sentença de primeiro grau: tal causa de aumento poderia incidir em patamar maior se, por exemplo, o entorpecente em questão deixasse o território nacional para ser distribuído em mais de um país no exterior.
17. É de se ressaltar, ainda, que, apesar de integrar a organização criminosa, a apelante não possuía a faculdade de escolher os destinos que percorreria, e que, no caso concreto, a acusada ainda foi presa em solo pátrio, razões pelas quais o aumento referente à internacionalidade do tráfico de drogas não deve ultrapassar seu patamar mínimo.
(...)"
(TRF 3, ACR 34767, Relator(a) JUIZ CONVOCADO EM AUXILIO HELIO NOGUEIRA, QUINTA TURMA, DJF3 CJ1 DATA:13/11/2009 PÁGINA: 693).
"PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. BENEFÍCIO DO RECURSO EM LIBERDADE. PENA. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ART. 33, § 4º DA LEI Nº 11.343/06. TRANSNACIONALIDADE.
A internacionalidade do tráfico se caracteriza pela execução potencial ou efetiva do delito abrangendo o território de mais de um país, não infirmando esta intelecção o pensamento de implicação de "bis in idem" em relação à conduta de exportação, exegese que ignora as características da figura delituosa de conteúdo variado e opera descabida decomposição do tipo penal que como um todo unitário se apresenta à interpretação. Descabida a pretensão da acusação de aumento do percentual em função da distância do destino da droga, o que não se depara de maior censurabilidade, tudo dependendo de casuísmos, numa viagem mais curta mas de riscos maiores podendo o agente revelar maior capacidade para a traficância, mantido o patamar mínimo previsto na sentença.
(...)"
(TRF 3ª REGIÃO, ACR - 2009.61.19.002878-0/SP, QUINTA TURMA , DJF3 CJ1 DATA:02/07/2010 PÁGINA: 259 , Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL PEIXOTO JUNIOR)

CAUSA DE AUMENTO DE PENA DO INCISO III, DO ART. 40, DA LEI 11.343/06:


Não procede o pleito ministerial, no tocante à aplicação da causa especial de aumento de pena referente à utilização de transporte público para a prática do crime.


Vem decidindo esta Corte que, nos casos em que o réu transporta drogas em ônibus, e que o transcurso da viagem é interrompido para a averiguação e identificação de possíveis passageiros que estejam a serviço do tráfico de entorpecentes, a mera utilização desse meio de transporte público para a circulação de substâncias ilícita já é motivo suficiente para a aplicação da causa de aumento de pena prevista no art. 40, inc. III, da Lei nº 11.343/2006, não apenas pelo fato de ser cometido em local mais suscetível para a propagação do tóxico, como também pela lesão a outros setores da segurança pública, no caso o serviço de transporte público, que apenas poderá ser prestado satisfatoriamente quando conduzir o usuário com segurança e no tempo previamente preestabelecido de um ponto para outro.


Assim, a prática de tráfico de drogas em ônibus afeta diretamente e de diversas formas a segurança do serviço, além de prejudicar sua prestação adequada, em razão do tempo despendido para a apreensão das drogas, a realização dos procedimentos administrativos necessários e à dificuldade da identificação dos responsáveis pelo crime, em razão do aglomerado de pessoas, fato que prejudica também a fiscalização da polícia e a repressão do crime.


Porém, não é o que ocorre nos casos como o presente, em que a acusada foi surpreendida e presa em flagrante nas dependências de um Aeroporto quando estava em vias de embarcar com a droga em uma aeronave.


De fato, ainda que pretendesse se utilizar de um transporte que atua mediante concessão pública, ou seja, o avião em que iria levar a droga ao seu destino, se sequer chegou a embarcar na aeronave, e está transportando a droga de forma dissimulada, sem intenção de comercializá-la durante a viagem, não vislumbro motivos para a incidência da majorante, mesmo porque, sob tais circunstâncias, o uso do transporte público não ocorreu, e a conduta não causou lesões a outros setores da segurança pública, como a fiscalização da polícia e a repressão do crime.


A respeito, confira-se o seguinte julgado:



"APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. AUTORIA, MATERIALIDADE E DOLO COMPROVADOS. CAUSA DE AUMENTO DECORRENTE DO USO DO TRANSPORTE PÚBLICO. NÃO INCIDÊNCIA. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ART. 33, § 4º APLICADA NA HIPÓTESE CONCRETA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
Não aplicação do inciso III, do art. 40, da Lei 11.343/06, pois o uso de transporte público pelo réu sequer ocorreu, porque foi surpreendido antes de conseguir embarcar no avião e fazer o transporte de droga.
(...)"
(TRF 3, ACR 200960000019497, Relator(a) JUIZ JOSÉ LUNARDELLI, PRIMEIRA TURMA , DJF3 CJ1 DATA:18/03/2011 PÁGINA: 212).

Portanto, a pena da ré deve ser agravada apenas com base no inciso I, do art. 40 da Lei n. 11.343/06 no patamar de um sexto. Assim, elevo a pena anteriormente fixada em seis anos de reclusão em um sexto, que totaliza a pena definitiva de 7 (sete) anos de reclusão.


CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA: § 4º DO ART. 33 DA LEI Nº 11.343/06:


Ainda na terceira fase da individualização da pena da ré, a MMª Juíza aplicou a causa de redução prevista no § 4º, do artigo 33, da Lei 11.3ª /06 no patamar máximo, afirmando que a ré preenchia todos os requisitos exigidos, não havendo razões que justificassem menor diminuição.


Nesse ponto, entendo que assiste razão à acusação ao requerer a exclusão da causa de diminuição de pena.


De fato, no caso não foram atendidos os pressupostos legais para sua aplicação. Apesar de não se poder afirmar que a ré se dedica a atividades criminosas, restou comprovado que participou de maneira voluntária e consciente de uma estrutura criminosa voltada à prática do tráfico transnacional de drogas ao aceitar a função de transportá-la, de forma que não preencheu os quatro requisitos cumulativos exigidos , ou seja: ser primária, ter bons antecedentes, não se dedicar às atividades criminosas nem integrar organização criminosa.


A ré saiu de seu país, foi até o Peru, onde teve contato com membros da organização durante algum tempo, suficiente para que decidisse participar do esquema, desistir da empreitada, ou, até mesmo, denunciar a organização às autoridades.


Assim, ainda que não haja provas de que se dedicasse à atividade criminosa, integrou a organização em todo o tempo no qual permaneceu realizando os atos preparatórios e a consumação do delito, tendo plena consciência de que estaria participando de um esquema pré-determinado, o que difere dos casos em que o agente, por sua conta e risco, resolve transportar substância entorpecente.


Entendo que a pessoa que age na condição de "mula" do tráfico também integra a organização criminosa, pois torna-se elemento essencial para o sucesso da atividade ilícita, já que tem consciência de que promove a conexão entre os membros da organização, transportando a droga de um país para outro, de forma que, agindo dessa forma, não preenche um dos requisitos necessários para gozar da causa de redução de pena do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006, que é não integrar organização criminosa.


Ainda que não haja notícias de que tenha praticado anteriormente algum crime, e que seja a primeira vez que atua como transportador da droga, o "mula" não é merecedor do benefício, já que a lei não exige a prática reiterada de delitos ou a vontade de praticá-los reiteradamente.


Ressalto que tal assertiva não deriva de mera presunção, de uma criação judicial baseada em critérios subjetivos em desfavor do direito de liberdade, ou ainda de usurpação da função legislativa, mas sim de uma reflexão ponderada e imparcial, baseada na realidade do mundo em que vivemos.


Isso porque é notório e incontestável que, em uma operação típica de tráfico de drogas, como na hipótese, há necessariamente a atuação de uma organização criminosa internacional atuando em dois ou mais países. Em uma ponta, há o fornecimento da droga no país de origem às pessoas que se dispõem a transportá-la e, em outra, membros da organização, que recebem o entorpecente no país de destino, preparando-o para o consumo.


No caso, é evidente que a ré integrou uma organização criminosa voltada ao tráfico transnacional de drogas que atua em mais de um país, na qual há a divisão de tarefas e em que cada integrante tem uma função específica, havendo, de um lado, um membro da organização que fornece a droga, embala, prepara o local para ocultá-la e, de outro lado, uma pessoa que recebe a droga, prepara para consumo e posteriormente fornece a pessoas que irão vendê-la.


Por outro lado, a pessoa que aceita esse tipo de "trabalho", a par de demonstrar ter perdido a sua inocência ou ingenuidade e, assim, optado pelo crime, está plenamente ciente do que faz, afirmação que é reforçada pelos constantes relatos de ameaça e pela raridade de delações. Essa pessoa sabe que está se envolvendo com pessoas inescrupulosas, que vivem do crime e são capazes de cometer atos terríveis para atingir seus objetivos, e que não terá justificativas plausíveis para permanecer por um período no exterior, senão a de transportar drogas e, ao final, receber quantia bastante elevada de dinheiro, que certamente levaria muito tempo para amealhar em condições lícitas de trabalho.


Assim sendo, discordo do entendimento de que, para "integrar a organização criminosa" seja necessária vinculação perene ou prolongada, muito menos saber quem são os donos do entorpecente, os produtores e fabricantes.

Reafirmo que pouco importa, para que se afirme que o acusado integra uma organização criminosa, que esteja atuando pela primeira vez como "mula", que seja contratado por um aliciador ou eventual "olheiro"; com os quais compartilha informações, e que não saiba a função ou identidade de cada elemento que compõe a organização criminosa, já que não saber quem é quem numa dessas organizações é uma medida de segurança para os que a integram, tanto para afastar riscos de delação, quanto para se esquivar da chamada "queima de arquivo".


Penso, ainda, que essa causa de diminuição está voltada ao tráfico de menor expressão, que não possui tamanha estrutura e poderio econômico, nem envolve quantidades tão expressivas de entorpecente; como no tráfico urbano de varejo.


Assim, mesmo sem a estabilidade e permanência, o papel exercido pela acusada na atividade criminosa, fazendo a atividade essencial de transportar o entorpecente de um país para outro, qualifica-a como integrante de organização criminosa e impede a concessão do benefício legal do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006.


Ressalto que a aplicação indiscriminada dessa causa de redução de pena aos "mulas" do tráfico transnacional de drogas certamente servirá como incentivo para que o Brasil se torne, muito em breve, a principal rota para o transporte de drogas provenientes dos países vizinhos para o exterior, fato incompatível com os vários acordos internacionais sobre o combate às drogas firmados pelo nosso País.


É esse também o entendimento de parte dos integrantes da 1ª Seção desta Corte. Confira-se:



"PENAL - PROCESSUAL PENAL - TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES - LEI 11.343/2006 - LIBERDADE PROVISÓRIA - IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO - RÉU PRESO DURANTE TODO O PROCESSO - ARTIGO 312 CPP - PRESENTES OS REQUISITOS PARA A PRISÃO CAUTELAR - PRELIMINAR REJEITADA - AUTORIA E MATERIALIDADE DO DELITO AMPLAMENTE COMPROVADAS - INTERNACIONALIDADE DEMONSTRADA - AUSÊNCIA DE "BIS IN IDEM" - PENA BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL - CONDIÇÕES JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS - CONFISSÃO - OCORRÊNCIA - CAUSA DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO § 4º, DO ARTIGO 33, DA LEI 11.343/06 - INAPLICABILIDADE - RECURSO DA ACUSAÇÃO PROVIDO - RECURSO DA DEFESA IMPROVIDO.
(...)
O apelante, de forma habitual ou não, integrava associação criminosa, participando, como transportador da droga, de esquema criminoso voltado para o comércio ilícito de entorpecentes, impossibilitando a aplicação do benefício legal previsto no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06.
(...)"
(TRF 3, ACR 200861190080255, Relator(a) JUIZA RAMZA TARTUCE, QUINTA TURMA, DJF3 CJ1 DATA:15/06/2010 PÁGINA: 18 )
"PENAL - PROCESSUAL PENAL - TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES - LEI 11.343/2006 - AUTORIA E MATERIALIDADE DO DELITO AMPLAMENTE COMPROVADAS - INTERNACIONALIDADE DEMONSTRADA - PENA BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL MANTIDA - CAUSA DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO § 4º, DO ARTIGO 33, DA LEI 11.343/06: INAPLICABILIDADE - RECURSO DA DEFESA IMPROVIDO.
1 . A autoria e a materialidade do delito restaram bem demonstradas pelo Auto de Prisão em Flagrante, pelo Laudo Preliminar de Constatação, pelo Laudo de Apresentação e Apreensão, pelas Fotos Digitalizadas, pelo Laudo de Exame Químico Toxicológico, com resultado positivo para maconha, pelos depoimentos prestados pelas testemunhas e pelo próprio interrogatório judicial do apelante, que acabou reconhecendo a existência do entorpecente no interior do veículo Astra, embora tenha asseverado desconhecer tal fato.
2. As circunstâncias em que foi realizada a prisão em flagrante do apelante, aliadas aos depoimentos dos agentes policiais, colhidos tanto na fase policial como judicial, confirmam, de forma precisa e robusta, a ocorrência dos fatos delituosos e a responsabilidade do recorrente, que não é excluída com sua pueril alegação de que desconhecia a existência do entorpecente no interior do veículo que conduzia, já que tal versão não se harmoniza com a prova carreada aos autos.
3. A versão de inocência do apelante, além de insulada no acervo probatório, não se afigura verossímil, não sendo crível que o réu aceitasse proposta de paraguaio desconhecido para conduzir veículo Astra, recebido de pessoa estranha em território paraguaio, até a cidade de Eldorado/MS (tendo como destino final a cidade de São Paulo), obtendo valores em dinheiro para tanto, sem que tivesse ciência que no interior do automóvel houvesse enorme quantidade de estupefaciente (mais de 60 Kg de maconha), o que denota, desde logo, que agia dolosamente, cônscio de sua participação na empreitada criminosa. Ademais, ao assumir a responsabilidade de conduzir o veículo Astra, recebido em cidade paraguaia, cumpria-lhe vistoriar o automóvel que recebia, mormente diante da circunstância de já ter sido preso pelo transporte de cigarros também do Paraguai, como declarou em juízo por ocasião de seu interrogatório.
4. A versão do acusado, apresentada por ocasião do interrogatório, deve ser interpretada, apenas, como intenção de eximir-se da responsabilidade penal, pelo que fica rejeitada 5. No que se refere à fixação da pena-base, como se observa do auto de apreensão e do laudo de exame em substância, foi apreendida, em poder do apelante, razoável quantidade de substância entorpecente, com poder de criar vício e dependência (maconha) e em montante considerável, como já dito (60.715 gramas), o que denota, sem dúvida, uma maior culpabilidade e lesão mais intensa ao bem jurídico tutelado (saúde pública), justificando o recrudescimento da sanção penal, atendendo, inclusive, o comando normativo inserto no art. 42 da Lei nº 11.343/06: "O juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância do produto, a personalidade e a conduta social do agente"
6. Ausentes circunstâncias agravantes ou atenuantes, na terceira fase de fixação da pena, com relação à causa de aumento da pena pela internacionalidade do tráfico de drogas, resta patente a sua configuração. A majorante prevista no artigo 40, inciso I da Lei n.º 11.343/06, aplica-se ao tráfico com o exterior, seja quando o tóxico venha para o Brasil, seja quando esteja em vias de ser exportado. Assim, é evidente, in casu, a tipificação do tráfico internacional de entorpecentes, já que o apelante, ao ser preso, confessou aos policiais que vinha do Paraguai conduzindo o veículo no qual o entorpecente era transportado.
7. O apelante, de forma habitual ou não, dedicava-se à atividade criminosa de tráfico de entorpecentes, participando, como transportador da droga, de esquema criminoso voltado para o comércio ilícito de entorpecentes, impossibilitando a aplicação do benefício legal previsto no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06. Nesta trilha já decidiu o Tribunal Regional Federal da 3a. Região que: "(...) Incabível a aplicação do art. 33, §4º, da Lei nº 11.343/06, frente às circunstâncias que norteiam a prática delitiva, a natureza e a grande quantidade de droga apreendida, bem como diante as declarações do réu, que seguramente transportava a droga por conta e ordem de organização criminosa, exercendo a função de mula" (ACR nº 29658 - Proc. nº 2006.61.19.008219-0 - 2ª T. - Rel. Desembargadora Cecília Mello - DJF3 12.06.08).
8. O benefício não é, pois, cabível, dada a notória lesividade do entorpecente e sua significativa quantidade, e o fato de o recorrente, no mínimo, estar colaborando diretamente com as atividades de organização criminosa voltada para o comércio ilícito de drogas. Além disso, como se verifica da certidão de fls. e do próprio interrogatório judicial do acusado, constata-se que este já responde a processo criminal por crime de descaminho, dedicando-se, pois, ao desenvolvimento de atividades delituosas, não fazendo jus, também por essa razão, ao benefício legal previsto no § 4º do art. 33 da Lei Antidrogas.
9. Recurso da defesa improvido.
(TRF 3, ACR 2009.60.06.000074-2/MS , QUINTA TURMA, Fonte: DJF3 CJ1 DATA:13/09/2010 PÁGINA: 626, Relator: JUIZ CONVOCADO EM AUXILIO HELIO NOGUEIRA)

"PROCESSUAL PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI 11.343/2006, EM COMBINAÇÃO COM A LEI 6.368/76. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO "TRAFICANTE OCASIONAL": INAPLICABILIDADE.
(...)
6. Mesmo que se entenda aplicável retroativamente a Lei n° 11.343/06, quanto ao §4° do artigo 33, a ré não faria jus à causa de diminuição de pena do tráfico ocasional.
7. Dispõe o artigo §4° do artigo 33 sobre a possibilidade de redução da pena no crime de tráfico de drogas, de um sexto a dois terços, "desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa". Tais requisitos são exigíveis cumulativamente, e portanto, a ausência de qualquer deles implica na inexistência de direito ao benefício da diminuição da pena .
8. No caso dos autos, restou evidenciado que a ré agia como transportadora de expressiva quantidade de droga, destinada ao exterior. Agia, como se diz no jargão policial, como "mula". Embora não haja nos autos elementos para se concluir que a ré não seja primária ou ostente maus antecedentes, não faz jus ao benefício.
9. O §4° do artigo 33 da Lei n° 11.343/06 não deve ser interpretado de modo a possibilitar a sua aplicação às assim chamadas "mulas" do tráfico de drogas, porquanto tal interpretação favoreceria sobremaneira a operação das organizações criminosas voltadas para o tráfico internacional, o que certamente contraria a finalidade do citado diploma legal, que visa à repressão dessa atividade.
10. A atividade daquele que age como "mula", transportando a droga de sua origem ao destino, na verdade pressupõe a existência de uma organização criminosa, com diversos membros, cada qual com funções específicas. Quem transporta a droga em sua bagagem, ou em seu corpo, cumpre uma função dentro de um esquema maior, que pressupõe alguém para comprar, ou de alguma forma obter a droga na origem, e alguém para recebê-la no destino, e providenciar a sua comercialização.
11. Ainda que se entenda que o traficante que atue como "mula" não integra a organização criminosa, senão que é a pena s contratado por ela, o benefício não alcança àqueles que se dedicam à atividades criminosas, ou seja, aqueles que se ocupam do tráfico , como meio de subsistência, ainda que de forma não habitual.
12. No caso dos autos há elementos que permitem concluir que a ré se dedicava à atividades criminosas. A quantidade da droga apreendida, a remuneração pelo transporte, o tempo dedicado à viagem desde a origem até o destino, a inexistência de prova de ocupação lícita, todas essas circunstâncias conduzem à conclusão de que a ré se dedicava à atividades criminosas, e portanto não faz jus à causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, §4° da Lei n° 11.343/06. Precedentes.
13. Embargos desprovidos."
(TRF 3, EMBARGOS INFRINGENTES ACR 2006.61.19.006726-6, Relator: Juiz Convocado Márcio Mesquita; 1ª Seção; Data do Julgamento: 16/10/2008)

Por tais fundamentos, acolho o pleito ministerial, para excluir, da dosimetria da pena da ré, a causa especial de diminuição de pena prevista no § 4º do artigo 33, da Lei 11.343/06, fixando sua pena definitivamente em 7 (sete) anos de reclusão, mantido o regime inicial fechado para o cumprimento.


PENA PECUNIÁRIA:


A defesa requer o afastamento da pena pecuniária. Para tanto, afirma que os "mulas" do tráfico não dispõem de recursos financeiros, de forma que de nada adiantaria a aplicação de pena pecuniária de grande valor se não há bens a serem penhorados.


Sustenta também que, no caso de cumprir totalmente a pena a que foi condenada, a acusada apenas poderá retornar ao seu país de origem após a conclusão do processo de expulsão, que se concretiza com o pagamento integral da multa, que será impossível diante das condições financeiras da ré, o que fará com que permaneça presa por mais tempo do que realmente deveria.


Inicialmente, consigno que não há de se falar que a falta de pagamento da pena pecuniária se constituiria em ofensa à proibição constitucional de prisão civil por dívida (art. 5º, LXVII, da CF), uma vez que não se está punindo a inadimplência civil, mas sim a prática de um crime.


Por outro lado, a aplicação da pena pecuniária decorre do preceito secundário expresso no artigo 33 da lei de drogas, previsão legal e incondicional, como ocorre com tantos outros tipos penais, e que incide obrigatoriamente em cumulação com a pena privativa de liberdade, independentemente da situação econômica do réu, tendo em vista que não existe, na legislação penal ou processual penal, dispositivo que permita ao juiz isentar o réu do pagamento da pena de multa em razão de insuficiência financeira.


Também não está configurada qualquer afronta ao princípio da isonomia, pois, aqueles que optam pela prática de crimes não podem buscar igualdade com as pessoas que optaram por uma vida honesta, tampouco se podendo cogitar em desrespeito ao mesmo princípio dentre as várias espécies de agentes que cometem o crime de tráfico de drogas.


Deve-se considerar ainda que as "mulas" do tráfico agem sempre movidas pela cobiça, no sentido de obter recompensa financeira patrocinada pelos verdadeiros traficantes, motivo pelo qual a cumulação da pena pecuniária com privativa de liberdade se torna necessária para a prevenção e repressão desse crime.


Assim, se a ré não dispõe de recursos financeiros, tal fato não a isenta do pagamento de multa , justificando apenas a fixação do valor unitário no mínimo legal, como, aliás, acertadamente decidido na sentença.


Por outro lado, a exigibilidade ou não da cobrança da multa trata-se de matéria a ser apreciada em sede de execução.


Ademais, consoante dispõe o artigo 51 do Código Penal, a pena de multa é considerada dívida de valor após o trânsito em julgado da condenação, aplicando-se-lhe as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, de forma que a pena pecuniária prevista no preceito secundário de um tipo penal não pode ser convertida em pena privativa de liberdade caso não seja paga, cabendo sua execução na forma da legislação tributária, razão pela qual não há possibilidades de que a ré permaneça custodiada por período superior ao da condenação.

Portanto, se a aplicação da pena de multa cumulada com a privativa de liberdade está prevista em lei, respeita o princípio da legalidade e não ofende a Constituição, é de rigor sua aplicação.


Por esses motivos, mantenho a pena pecuniária, redimensionando-a para que seja compatível com a pena privativa de liberdade, fixando-a em 700 (setecentos) dias-multa, no valor unitário estabelecido pela sentença.


SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS :


Não procede o pedido da referida substituição.


Em primeiro lugar, a vedação à substituição tem fundamento nos artigos 33, parágrafo 4º e 44, ambos da Lei nº 11.343/06, que proíbem expressamente que a pena privativa de liberdade cominada, embora possa ser objeto de redução, seja convertida em restritiva de direitos, em atenção à função preventivo-repressiva da pena privativa de liberdade como instrumento eficaz ao combate das atividades relacionadas ao tráfico de entorpecentes.


Em que pesem alguns entendimentos em contrário, entendo que a regra prevista no artigo 44 da Lei nº 11.343/2006, ao vedar a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, não fere a Constituição Federal. Ao contrário, a completa, porque tal substituição se mostra incompatível com a necessidade de maior repressão e prevenção aos crimes considerados mais gravosos à sociedade, tais como o de tráfico internacional de entorpecentes, que causa efeitos altamente maléficos aos usuários e à sociedade. Por esses motivos, não se há falar-se em afronta ao princípio da individualização da pena.


Reconheço ainda que o Plenário do STF recentemente declarou, através do "habeas corpus" 97.256, pela via incidental, a inconstitucionalidade da expressão "vedada a conversão em penas restritivas de direitos" contida no parágrafo 4º do artigo 33, da Lei nº 11.343/06, bem como da expressão "vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos", constante do artigo 44 da mesma lei.


Contudo, a ordem não foi concedida para assegurar ao paciente a imediata substituição , mas sim para remover o óbice contido na Lei 11.343/06, devolvendo ao Juízo das Execuções Criminais a tarefa de auferir o preenchimento das condições objetivas e subjetivas para a concessão.

Ainda que seja adotado o entendimento do Supremo Tribunal Federal, há que se considerar que as penas restritivas de direitos dificilmente serão aptas a reprimir o tráfico ilícito de drogas e, portanto, além dos requisitos objetivos exigidos pelo art. 44 do Código Penal, deve haver outros elementos subjetivos altamente favoráveis ao réu para que possa ser concedida a substituição.


No caso, as particularidades não recomendariam a substituição, tendo em vista que os elementos dos autos revelaram um grau elevado de culpabilidade da ré, com provas contundentes de que participou de uma organização criminosa complexa, coordenada de forma a aliciar "mulas" para transportar drogas.


Ademais, é estrangeira e não possui vínculos com o nosso país, de forma que facilmente poderá se evadir de permanecer solta, mais um motivo demonstrando não ser recomendável a substituição, por não se mostrar suficiente para a reprovação e a prevenção do crime, inclusive pela repercussão que terá sobre a aplicação da lei penal.


Destaco que esse fato de forma alguma fere o princípio da isonomia, que consiste em conceder tratamento diferenciado para situações distintas.


Levando-se em consideração os motivos e as circunstâncias do crime, observa-se que a substituição da pena privativa de liberdade não se mostra suficiente para impedir que a ré volte a traficar drogas, refreando o desejo de ganho irrefletido de dinheiro. Por outro lado, prestando serviços em instituições públicas, haverá o sério risco de dar continuidade ao crime de tráfico de drogas.


Assim, entendo não ser socialmente recomendável a substituição da pena privativa de liberdade, que deve limitar-se a crimes considerados de menor gravidade, sendo inadequada sua aplicação aos condenados pelo crime de tráfico de drogas por ser por demais branda e insuficiente para reprimir tão grave delito, em nosso país equiparado a hediondo, tendo em vista os terríveis malefícios que causam aos usuários e à sociedade como um todo.


Confira-se alguns julgados acerca desse tema:



"HABEAS CORPUS. ART. 10, § 2º, DA LEI N. 9.437/97. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ABOLITIO CRIMINIS TEMPORÁRIA. PRETENDIDO RECONHECIMENTO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. WRIT NÃO CONHECIDO.
(...)
SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. REQUISITOS OBJETIVO E SUBJETIVO. AUSÊNCIA DE PREENCHIMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE PROCEDER-SE À PERMUTA.
Inviável substituir-se a pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, haja vista a ausência de preenchimento do pressuposto objetivo previsto no art. 44 do CP e a desfavorabilidade de 2 (duas) circunstâncias judiciais, o que evidencia que, in casu, a conversão da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos não se mostrará suficiente para a prevenção e repressão dos delitos denunciados. (...)"
(STJ, HC 200901593924, Relator(a) JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, DJE DATA:01/02/2011)
"HABEAS CORPUS. NARCOTRAFICÂNCIA. CRIME COMETIDO NA VIGÊNCIA DA LEI 6.368/76. PACIENTE CONDENADO A 4 ANOS DE RECLUSÃO, EM REGIME INICIAL FECHADO, E MULTA, POR TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES (ART. 12, CAPUT, C/C ART. 18, I, AMBOS DA LEI 6.368/76). INGESTÃO DE 72 CÁPSULAS DE COCAÍNA, PARA COMERCIALIZAÇÃO NO ESTRANGEIRO. PENA-BASE FIXADA NO MÍNIMO LEGAL: 3 ANOS. IMPOSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO POR PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. FALTA DO REQUISITO SUBJETIVO. QUANTIDADE, NATUREZA E FORMA DE TRANSPORTE DA DROGA APREENDIDA. REGIME PRISIONAL. INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO PARA EXPULSÃO DO PACIENTE DO PAÍS. MANUTENÇÃO DO REGIME MAIS GRAVOSO. PARECER DO MPF PELO CONHECIMENTO PARCIAL DO WRIT E, NA EXTENSÃO, PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM. ORDEM DENEGADA.
(...)
2. O óbice à substituição por pena restritiva de direitos e o cumprimento da pena em regime progressivo, ou mesmo em regime inicial aberto, decorre de construção jurisprudencial, que versa sobre a impossibilidade de se reconhecer a progressão de regime prisional a estrangeiro condenado pela prática de crime de tráfico ilícito, que tenha contra si decretada a expulsão, ou esteja em vias de ser decretada, quando não detenha residência fixa no país, sendo esta a hipótese dos autos.
(...)"
(STJ, HC 200801221176, Relator(a) NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, DJE DATA:03/11/2010)
"Política criminal. Pena de prisão (limitação aos casos de reconhecida necessidade). Entorpecente ( tráfico internacional). Estrangeiro não-residente no país (caso). Art. 44 do Cód. Penal (não-aplicação). substituição da pena (impossibilidade).
1. A norma penal prevê a possibilidade de se aplicarem sanções outras que não a pena privativa de liberdade para crimes de pequena e média gravidade, como meio eficaz de combater a crescente ação criminógena do cárcere.
(...)
3. Tratando-se de condenado de nacionalidade outra, certamente tal não impede a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, porquanto brasileiros e estrangeiros são iguais perante a lei - di-lo a Constituição -, pressupondo-se, porém, quanto aos estrangeiros, a regular residência no país.
(...)"
(STJ, RESP 200602656993, Relator(a) NILSON NAVES, SEXTA TURMA, DJE DATA:16/06/2008 LEXSTJ VOL.:00229 PG:00396)

"PENAL. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE ENTORPECENTE. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. TRANSNACIONALIDADE DEMONSTRADA. INTERNACIONALIDADE. CAUSA DE AUMENTO DE PENA. SUBSTITUIÇÃO POR PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. IMPOSSIBILIDADE. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DO ART. 44 DO CP. APELAÇÃO DESPROVIDA.
(...)
2 - Embora preenchidos os requisitos objetivos constantes dos incisos I e II do art. 44 do CP, a concessão da substituição resultaria inviável pela inadequação do caso aos requisitos subjetivos do inciso III do dispositivo supra mencionado. Trata-se de acusado estrangeiro, em situação irregular no que diz respeito à permanência no território nacional, sem ocupação lícita e que não demonstrou qualquer vínculo com o distrito da culpa. Logo, a substituição de pena privativa por restritiva certamente frustraria a aplicação da lei penal, não se revelando medida recomendável e suficiente para prevenção e repressão do delito em tela;
(...)"
(TRF 3ª REGIÃO, ACR 2010.61.12.005145-5, SP, SEGUNDA TURMA, DJF3 CJ1 DATA:02/06/2011 PÁGINA: 437 , Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL COTRIM GUIMARÃES )


Por esses motivos, também deixo de substituir a pena privativa de liberdade da acusada por restritivas de direitos.


Diante do exposto, rejeito o pedido de antecipação de tutela requerido pela defesa e, no mérito, dou parcial provimento à sua apelação, para reduzir a pena-base para seis anos de reclusão e dou parcial provimento à apelação ministerial para excluir a causa de redução de pena do § 4º do artigo 33 da lei de drogas, fixando a pena da ré definitivamente em 7 (sete) anos de reclusão e 700 (setecentos) dias-multa.


Determino o envio de ofício ao Ministério da Justiça, com o escopo de verificação da conveniência e oportunidade da instauração de procedimento administrativo tendente à expulsão da ré MARIA VICENTA ORTIZ CORTES, a ser efetivada após o cumprimento da pena.


É o voto.




Antonio Cedenho
Desembargador Federal


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