Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 19/04/2013
HABEAS CORPUS Nº 0003091-25.2013.4.03.0000/SP
2013.03.00.003091-4/SP
RELATORA : Desembargadora Federal VESNA KOLMAR
IMPETRANTE : NATHALIA ROCHA DE LIMA
PACIENTE : ROBSON MARCOS LOPES
ADVOGADO : NATHALIA ROCHA DE LIMA
IMPETRADO : JUIZO FEDERAL DA 9 VARA DE CAMPINAS >5ªSSJ>SP
No. ORIG. : 00093448120124036105 9 Vr CAMPINAS/SP

EMENTA

HABEAS CORPUS. DESCAMINHO. CRIME FORMAL. DESNECESSÁRIO O PRÉVIO ESGOTAMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA. INQUÉRITO POLICIAL. PROSSEGUIMENTO. ORDEM DENEGADA.
1. O descaminho é crime formal, cuja consumação ocorre com o mero ingresso da mercadoria em território nacional, sem o recolhimento dos tributos devidos. Não há que se falar em prévio esgotamento da via administrativa.
2. No delito de descaminho o bem jurídico tutelado é a Administração Pública, que exerce o controle da entrada e saída de mercadorias do território nacional, além da proteção das atividades econômicas nacionais, daí a função extrafiscal dos tributos incidentes sobre importações, além do interesse arrecadatório da Fazenda Nacional. O procedimento fiscal no caso de apreensão de mercadorias descaminhadas não visa a constituição do crédito tributário, mas a aplicação da pena de perdimento (artigo 23 e seguintes do Decreto-lei n° 1.455/76).
3. A cessação da investigação criminal e o trancamento de inquérito policial, por ausência de justa causa, somente é possível quando se verifica de pronto a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou a inexistência de indícios de autoria ou materialidade, circunstâncias que não foram evidenciadas no presente caso. O inquérito deve ter seu regular prosseguimento, procedendo-se as investigações para que os fatos sejam devidamente apurados.
4. Ordem denegada.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, denegar a ordem, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 09 de abril de 2013.
Vesna Kolmar
Desembargadora Federal Relatora


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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HABEAS CORPUS Nº 0003091-25.2013.4.03.0000/SP
2013.03.00.003091-4/SP
RELATORA : Desembargadora Federal VESNA KOLMAR
IMPETRANTE : NATHALIA ROCHA DE LIMA
PACIENTE : ROBSON MARCOS LOPES
ADVOGADO : NATHALIA ROCHA DE LIMA
IMPETRADO : JUIZO FEDERAL DA 9 VARA DE CAMPINAS >5ªSSJ>SP
No. ORIG. : 00093448120124036105 9 Vr CAMPINAS/SP

RELATÓRIO

A EXCELENTÍSSIMA SENHORA DESEMBARGADORA FEDERAL VESNA KOLMAR:


Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado por Nathalia Rocha de Lima em favor de Robson Marcos Lopes, por meio do qual objetiva o trancamento do inquérito policial n° 0009344-81.2012.403.6105, que tramita perante a 9ª Vara Federal de Campinas/SP e apura a prática dos delitos descritos nos artigos 334, caput e 299, todos do Código Penal.


O impetrante alega, em síntese, que o procedimento administrativo instaurado para averiguar irregularidades fiscais ainda não se encerrou, o que impede a instauração de inquérito policial para apuração da prática do crime de descaminho e de falsidade ideológica. Afirma que o crime de descaminho é material e tem natureza tributária, razão pela qual exige o esgotamento da via administrativa. Aduz, por fim, que o crime de falsidade ideológica deve ser considerado como meio para o crime de descaminho, sendo por este absorvido.


Antes da análise do pedido de liminar foram requisitadas informações à autoridade impetrada.


As informações foram prestadas às fls. 53/56.


O pedido de liminar foi indeferido às fls. 68/70.


A Procuradoria Regional da República, por seu representante Dr. Pedro Barbosa Pereira Neto opinou pela denegação da ordem às fls. 72/73.


À fl. 75, Nathalia Rocha de Lima, advogada do paciente, peticionou requerendo que fosse intimada previamente, acerca da data do julgamento do presente habeas corpus. O pedido foi deferido e a advogada devidamente intimada (fl. 77 verso).


É o relatório.



Vesna Kolmar
Desembargadora Federal Relatora


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HABEAS CORPUS Nº 0003091-25.2013.4.03.0000/SP
2013.03.00.003091-4/SP
RELATORA : Desembargadora Federal VESNA KOLMAR
IMPETRANTE : NATHALIA ROCHA DE LIMA
PACIENTE : ROBSON MARCOS LOPES
ADVOGADO : NATHALIA ROCHA DE LIMA
IMPETRADO : JUIZO FEDERAL DA 9 VARA DE CAMPINAS >5ªSSJ>SP
No. ORIG. : 00093448120124036105 9 Vr CAMPINAS/SP

VOTO

A EXCELENTÍSSIMA SENHORA DESEMBARGADORA FEDERAL VESNA KOLMAR

Consta dos autos que no dia 13.06.2012 foi instaurado inquérito policial para apurar a prática do crime previsto no artigo 334, caput, do Código Penal. O paciente Robson Marcos Lopes é aviador e constou como representante da empresa Global Jet Leasing INC no Procedimento Fiscal para Fins Penais - Aduaneiro.


De acordo com as informações prestadas pela autoridade impetrada, uma aeronave estrangeira, da marca DASSAULT, modelo FALCON 900, ano de fabricação 1987, matrícula norte-americana N900CZ, foi retida pela Alfândega do Aeroporto Internacional de Viracopos.


Referida aeronave ingressou em território nacional por meio do Termo de Entrada e Admissão de Entrada Temporária de Aeronave, registrado pelo comandante Paulo César Ferreira, na Alfândega de Manaus/AM, com declarada finalidade de viagem de diretor ou representante da empresa proprietária da aeronave, qual seja, Global Jet Leasing INC.


Todavia, a Receita Federal do Brasil informou a existência de fortes indícios de que a aeronave estrangeira "estaria no país para servir interesses particulares de nacionais, sem regular importação ou pagamento de tributos" (Conf. Representação Fiscal para fins penais - fls. 13/15).


Há informações de que a aeronave permaneceria no Brasil por grandes períodos e a serviço de membros da Igreja Universal do Poder de Deus, o que não seria possível no regime de admissão temporária, regulado pelo Decreto n° 97.464/1989.


O MM° Juiz de primeiro grau apontou, ainda, a existência de dúvida acerca do real proprietário da aeronave, bem como fortes suspeitas de fraudes visando ocultar a verdadeira propriedade do veículo, com o fito de uso indevido do regime especial de admissão temporária e supressão dos tributos pertinentes.


Compulsando os autos verifica-se que não está configurado o constrangimento ilegal.


Com efeito, o descaminho é crime formal, cuja consumação ocorre com o mero ingresso da mercadoria em território nacional, sem o recolhimento dos tributos devidos. Assim, não há que se falar em prévio esgotamento da via administrativa.


Importante observar que no delito de descaminho o bem jurídico tutelado é a Administração Pública, que exerce o controle da entrada e saída de mercadorias do território nacional, além da proteção das atividades econômicas nacionais, daí a função extrafiscal dos tributos incidentes sobre importações, além do interesse arrecadatório da Fazenda Nacional. É exatamente por isso, que o procedimento fiscal no caso de apreensão de mercadorias descaminhadas não visa a constituição do crédito tributário, mas a aplicação da pena de perdimento (artigo 23 e seguintes do Decreto-lei n° 1.455/76).


Nesse sentido o julgado desta Primeira Turma:


TRF3 - HC 200703000524868 - Relator(a) JUIZ MÁRCIO MESQUITA - PRIMEIRA TURMA - DJU:17/07/2007 - Ementa: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ARTIGO 334 DO CÓDIGO PENAL. LIBERDADE PROVISÓRIA. NECESSIDADE DA CUSTÓDIA CAUTELAR PARA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. REINCIDÊNCIA. ALEGAÇÃO DE QUE O CRIME SÓ É TIDO COMO CARACTERIZADO AO FIM DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO FISCAL: FALTA DE PLAUSIBILIDADE JURÍDICA.
(...) 9. Inexistência de plausibilidade jurídica na tese sustentada na impetração, de que o crime de descaminho só resta caracterizado ao término do procedimento administrativo fiscal, devendo ser aplicado o entendimento do Supremo Tribunal Federal com relação aos crimes contra a ordem tributária, sob pena de ofensa ao princípio da igualdade.
10. Em primeiro lugar, sequer há nos autos prova de que o paciente apresentou defesa administrativa contra a lavratura de auto de infração decorrente da apreensão das mercadorias descaminhadas.
11. É certo que no julgamento do HC 81.611 o STF entendeu que o delito descrito no artigo 1º da Lei 8.137/90, por ser material, demanda, para sua caracterização, o lançamento definitivo do débito tributário, estabelecendo o lançamento definitivo como condição objetiva de punibilidade ou, ainda, como um elemento normativo do tipo.
12. Contudo, o paciente foi preso em flagrante de delito de descaminho, crime em que o bem jurídico tutelado é não só a proteção do erário, como também a regularidade nas importações e exportações e, consequentemente, a eficácia das políticas governamentais de defesa do desenvolvimento da indústria nacional.
13. Tal entendimento coaduna-se com a nítida função extrafiscal dos tributos incidentes sobre importações e exportações, ou seja, mais do que o interesse do Estado na arrecadação tributária, tais exações cumprem a função de instrumentos de implementação da política de desenvolvimento da indústria e comércio nacionais.
14. Bem por isso, o procedimento fiscal no caso de apreensão de mercadorias descaminhadas não visa a constituição do crédito tributário, mas sim a aplicação da pena de perdimento (artigo 23 e seguintes do Decreto-lei n° 1.455/76) e, dessa forma, não há como aplicar-se o precedente do STF (HC n° 81.611) posto que este restringe-se aos crimes contra a ordem tributária elencados no artigo 1° da Lei n° 8.137/90, em que a lei objetiva coibir exclusivamente a sonegação fiscal.
15. Acrescente-se que os delitos do artigo 1º da Lei nº 8.137/90 são de natureza material - importando a necessidade de demonstração da ocorrência de resultado naturalístico, ou seja, da supressão ou redução do tributo devido - de forma que o procedimento fiscal visa à constituição do crédito tributário suprimido ou reduzido pelo agente e o crime do artigo 334 do CP, ao contrário, é de natureza formal.
16. Assim, não é de se exigir, para a ação penal por crime de descaminho, o encerramento da instância administrativa. Precedentes deste Tribunal Regional Federal da 3a Região.
17. Ordem denegada.

Também, a decisão do Supremo Tribunal Federal:


STF - HC 99740 - HABEAS CORPUS - Relator(a) AYRES BRITTO - 2ª Turma, 23.11.2010 - Ementa: HABEAS CORPUS. DESCAMINHO. IMPORTAÇÃO DE PRODUTOS DE INFORMÁTICA E DE TELECOMUNICAÇÕES. SIMULAÇÃO DE OPERAÇÕES COMERCIAIS. MERCADORIAS IMPORTADAS DE FORMA IRREGULAR. DESNECESSIDADE DE CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO DÉBITO TRIBUTÁRIO. ORDEM DENEGADA.
1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme em considerar excepcional o trancamento da ação penal pela via processualmente acanhada do habeas corpus (HC 86.786, da minha relatoria; HC 84.841, da relatoria do ministro Marco Aurélio). Habeas corpus que se revela como trilha de verdadeiro atalho, somente admitida quando de logo avulta o desatendimento das coordenadas objetivas dos arts. 41 e 395 do CPP.
2. Quanto aos delitos tributários materiais, esta nossa Corte dá pela necessidade do lançamento definitivo do tributo devido, como condição de caracterização do crime. Tal direção interpretativa está assentada na idéia-força de que, para a consumação dos crimes tributários descritos nos cinco incisos do art. 1º da Lei 8.137/1990, é imprescindível a ocorrência do resultado supressão ou redução de tributo. Resultado aferido, tão-somente, após a constituição definitiva do crédito tributário. (Súmula Vinculante 24)
3. Por outra volta, a consumação do delito de descaminho e a posterior abertura de processo-crime não estão a depender da constituição administrativa do débito fiscal. Primeiro, porque o delito de descaminho é rigorosamente formal, de modo a prescindir da ocorrência do resultado naturalístico. Segundo, porque a conduta materializadora desse crime é "iludir" o Estado quanto ao pagamento do imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria. E iludir não significa outra coisa senão fraudar, burlar, escamotear. Condutas, essas, minuciosamente narradas na inicial acusatória.
4. Acresce que, na concreta situação dos autos, o paciente se acha denunciado pelo descaminho, na forma da alínea "c" do § 1º do art. 334 do Código Penal. Delito que tem como elementos nucleares as seguintes condutas: vender, expor à venda, manter em depósito e utilizar mercadoria estrangeira introduzida clandestinamente no País ou importada fraudulentamente. Pelo que não há necessidade de uma definitiva constituição administrativa do imposto devido para, e só então, ter-se por consumado o delito.
5. Ordem denegada.

Dessa forma, considerando que a cessação da investigação criminal e o trancamento de inquérito policial, por ausência de justa causa, somente é possível quando se verifica de pronto a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou a inexistência de indícios de autoria ou materialidade, circunstâncias que não foram evidenciadas no presente caso, o inquérito deve ter seu regular prosseguimento, procedendo-se as investigações para que os fatos sejam devidamente apurados.


Por esses fundamentos, denego a ordem.


É o voto.


Vesna Kolmar
Desembargadora Federal Relatora


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): VESNA KOLMAR:10060
Nº de Série do Certificado: 34D835FBE5975E67
Data e Hora: 08/04/2013 16:36:19