Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 16/06/2014
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0007694-43.2000.4.03.6000/MS
2000.60.00.007694-5/MS
RELATOR : Desembargador Federal NERY JUNIOR
APELANTE : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : MAURO CICHOWSKI DOS SANTOS e outro
APELANTE : VIACAO MOTTA LTDA
ADVOGADO : VIDAL RIBEIRO PONCANO e outro
APELANTE : EMPRESA DE TRANSPORTES ANDORINHA S/A
ADVOGADO : VALMIR DA SILVA PINTO e outro
APELANTE : VIACAO SAO LUIZ LTDA
ADVOGADO : LUIZ ANTONIO MIRANDA MELLO e outro
APELANTE : Uniao Federal
ADVOGADO : TÉRCIO ISSAMI TOKANO e outro
APELADO : EMPRESA REUNIDAS PAULISTA DE TRENSPORTES LTDA
ADVOGADO : LUIZ ANTONIO MIRANDA MELLO e outro
APELADO : EMPRESA GONTIJO DE TRANSPORTES LTDA
ADVOGADO : JOSE WALTER DE QUEIROZ MACHADO e outro
APELADO : EUCATUR EMPRESA UNIAO CASCAVEL DE TRANSPORTES E TURISMO LTDA
ADVOGADO : RAMIRO DE LIMA DIAS e outro
APELADO : VIACAO GARCIA LTDA
ADVOGADO : CELSO UMBERTO LUCHESI

EMENTA

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO MORAL COLETIVO. DIREITO DOS PORTADORES DE DEFICIÊNCIA AO PASSE LIVRE NO TRANSPORTE RODOVIÁRIO INTERESTADUAL. LEI 8.899/94. LIMITAÇAO DO DECRETO 3.691/2000. PRELIMINAR DE NULIDADE SENTENÇA REJEITADA. SENTENÇA EXTRA PETIDA NÃO RECONHECIDA. LEGITIMAÇÃO ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMAÇÃO PASSIVA DA UNIÃO. DECRETO. ALEGAÇÃO DE AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E SEPARAÇÃO DOS PODERES REJEITADA. INEXISTENCIA DE FONTE DE CUSTEIO. EQUILÍBRIO ECONOMICO FINANCEIRO. DANOS IMPUTÁVEIS À OMISSÃO DA UNIÃO FEDERAL NA REGULAMENTAÇÃO DE LEI. COISA JULGADA. LIMITAÇÃO TERRITORIAL. EFEITOS EM TODO O TERRITÓRIO NACIONAL.




1- O presente feito envolve a discussão do direito dos deficientes comprovadamente carentes, ao transporte interestadual gratuito - " passe livre" instituído pela Lei 8.899/94, sem a limitação do número de assentos impostas no artigo 1º do Decreto nº. 3.691/2000.

2- Não há que se falar em sentença extra petita, pois a sentença apreciou o pedido no delimite do objeto litigioso, restando afastada o pedido de nulidade da sentença, sem qualquer ofensa aos dispositivos legais pertinentes.

3- O § 4º do art. 461 do CPC, que permite ao magistrado fixar de ofício impor multa diária, independentemente de pedido do autor ou mesmo alterar o valor se considera-lo insuficiente.

4- Nesse sentido, o STF pacificou a questão ao estabelecer que no gênero "interesses coletivos", ao qual o art. 129, III, CF faz referência, se incluem os "interesses individuais homogêneos" cuja tutela, dessa forma, pode ser pleiteada pelo Ministério Público, se quando a lesão deles, visualizada em sua dimensão coletiva, pode comprometer interesses sociais relevantes. (RE 163.231/SP, Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 29-06-2001).

5- Agência Nacional de Transporte Terrestres - ANTT assumiu parte daquelas atribuições, sendo responsável nos termos da Lei nº. 10.233/01 pela fiscalização direta ou indireta sobre a prestação dos serviços de transporte interestadual e internacional de passageiros, devendo ser intimada para divulgação e fiscalização do cumprimento da ordem judicial.

6- No que se refere à legitimidade para os demais termos da ação, estando a União na qualidade titular do serviço e única responsável por sua respectiva regulamentação é patente sua legitimidade, pois possui a titularidade do interesse em conflito e a exclusividade no poder de regulamentar.

7- A edição do Decreto 3.691/2000, ao limitar a fruição do chamado "passe livre" quanto ao número de assentos nos veículos coletivos, restringiu também o alcance protetivo da norma, em prejuízo ao direito garantido aos deficientes financeiramente carentes na Lei nº. 8.899/94, devendo ser mantida a r. sentença, para que as concessionárias se abstenham de observar limitação de assentos estabelecida no artigo 1º do Decreto 3.691/2000, sob as penas ali cominadas.

8- A Lei 8.899/94 foi declarada constitucional pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, salientando-se que a Constituição, ao assegurar a livre concorrência, também, determinou que o Estado deveria empreender todos os seus esforços para garantir a acessibilidade ao portador de carências especiais, para que se promovesse a igualdade de todos, em cumprimento aos fundamentos da República de cidadania e dignidade da pessoa humana, o que se realizaria pela definição de meios para que eles fossem atingidos

9- A ausência de indicação de fonte de custeio não impede o direito ao transporte gratuito de pessoas deficientes hipossuficientes, pois caso exista ônus que implique em rompimento do equilíbrio econômico-financeiro, em decorrência do cumprimento da sentença, poderão pleitear a revisão dos contratos de concessão, comprovando que o cumprimento do estabelecido na sentença, oneraram seus contratos de forma a justificar a revisão, razão por que não merece reformas neste aspecto a sentença, que decidiu no mesmo sentido

10- Ante a necessidade da edição de regulamentação específica, conforme fundamentos exposto na decisão supra, ausente a ilicitude da conduta das requeridas transportadoras, a inviabilizar a responsabilidade por dano moral coletivo.

11- A restrição dos efeitos da sentença nos limites da competência territorial do Juízo prolator, se quer atenderia à finalidade do próprio objeto da ação, que é o transporte interestadual, desta forma, os efeitos da decisão devem ser estendidos a todo território nacional.

12- Apelações e recurso adesivo das requeridas transportadoras não providas. Remessa oficial tida por interposta e apelações da União e Ministério Público Federal parcialmente providas.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento às Apelações, recurso adesivo das requeridas transportadoras e dar parcial provimento à remessa oficial, tida por interposta e dar parcial provimento às apelações da União e Ministério Público Federal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 04 de junho de 2014.
NERY JÚNIOR
Desembargador Federal Relator


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): NERY DA COSTA JUNIOR:10037
Nº de Série do Certificado: 35B4ED1304D381EED1C35A79808A23B6
Data e Hora: 05/06/2014 15:53:46



APELAÇÃO CÍVEL Nº 0007694-43.2000.4.03.6000/MS
2000.60.00.007694-5/MS
RELATOR : Desembargador Federal NERY JUNIOR
APELANTE : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : MAURO CICHOWSKI DOS SANTOS e outro
APELANTE : VIACAO MOTTA LTDA
ADVOGADO : VIDAL RIBEIRO PONCANO e outro
APELANTE : EMPRESA DE TRANSPORTES ANDORINHA S/A
ADVOGADO : VALMIR DA SILVA PINTO e outro
APELANTE : VIACAO SAO LUIZ LTDA
ADVOGADO : LUIZ ANTONIO MIRANDA MELLO e outro
APELANTE : Uniao Federal
ADVOGADO : TÉRCIO ISSAMI TOKANO e outro
APELADO : EMPRESA REUNIDAS PAULISTA DE TRENSPORTES LTDA
ADVOGADO : LUIZ ANTONIO MIRANDA MELLO e outro
APELADO : EMPRESA GONTIJO DE TRANSPORTES LTDA
ADVOGADO : JOSE WALTER DE QUEIROZ MACHADO e outro
APELADO : EUCATUR EMPRESA UNIAO CASCAVEL DE TRANSPORTES E TURISMO LTDA
ADVOGADO : RAMIRO DE LIMA DIAS e outro
APELADO : VIACAO GARCIA LTDA
ADVOGADO : CELSO UMBERTO LUCHESI

RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelações e remessa oficial, tida por interposta, apresentados pelo Ministério Público Federal (fls. 406/440) e pelos réus Viação Motta Ltda. (Fls. 348/61), Empresa de Transportes Andorinha S/A (Fls. 371/78), Viação São Luiz Ltda. (fls. 382/391), União (fls. 394/403) e recurso adesivo pela Viação Garcia Ltda. (470/7 - 507/14) contra a sentença que julgou parcialmente procedente a ação civil pública, afastando o pedido de dano moral coletivo e determinou às concessionárias o cumprimento da Lei 8.899/94 consistente no transporte gratuito de passageiros portadores de deficiência, comprovadamente carentes, sem a limitação de assentos em cada veículo, imposta pelo artigo 1º do Decreto nº. 3.691/2000, sob pena de multa diária de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) por passageiro não atendido, e quanto à União, que divulgue e fiscalize o cumprimento da decisão.


Pleiteia o Ministério Público Federal na inicial (fls. 26/41), a aplicação imediata da Lei 8.899/94, em razão da inércia do Poder Executivo da União em regulamentar o direito conferido aos deficientes, economicamente carente, referente ao transporte coletivo interestadual gratuito, visto que, decorreu prazo previsto na lei para sua regulamentação.


Justificou a figuração da União no polo passivo em razão da sua omissão na elaboração de providencias para implementação do sistema de passe livre aos deficientes físicos carentes, no transporte coletivo interestadual, acrescentando que tal omissão caracteriza negativa de vigência à lei federal e à Constituição, afrontando direito assegurado às pessoas carentes, portadoras de deficiência.


Requereu a citação das empresas de transporte interestadual, visto que são permissionárias do poder publico federal, portanto, prestadoras de serviço público, possuindo legitimidade passiva para responder aos termos da ação, pelo que requereu a citação das empresas Gontijo de Transportes Ltda., Andorinha S/A, Viação Garcia Ltda., Viação Motta Ltda., Eucatur-Empresa União Cascavel de Transportes e Turismo Ltda., Reunidas Paulista de Transportes Ltda . e Viação São Luiz Ltda., esclarecendo que foram escolhidas objetivamente em razão do volume de passageiros transportados


Sustenta que a omissão do fornecimento do transporte gratuito pelas rés transportadoras caracteriza lesão à coletividade, passível de indenização.


Defende que a garantia prevista na Lei 8.899/94 tem natureza de direito fundamental, devendo ser interpretada tendo em vista o máximo de eficácia e aplicabilidade imediata.


Esclarece que todos os requisitos para a implantação do direito, já estariam dispostos em outras leis, sendo desnecessária a previa regulamentação infralegal, bastando a adequação dos conceitos já existentes e a sua efetiva aplicação, sendo que a falta de regulamentação não impediria o exercício do direito.


Adita que o custeio do 'passe livre' deve ser resolvido entre as empresas e o Poder Público, constituindo matéria estranha ao cidadão.





Quanto à União, pleiteou a antecipação dos efeitos da tutela a fim de compeli-la a implantar o sistema de passe livre no transporte interestadual, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, devendo a carência do beneficiário ser comprovada por declaração do próprio cidadão, bem como a fixação de multa de R$ 1.000,00 (um mil reais), por passageiro titular do benefício que não puder usufruir, no caso de descumprimento.


Requereu quanto às requeridas transportadoras, que no prazo de 5 (cinco) dias fosse concedido o passe livre a todos os cidadãos que preenchessem os requisitos da lei, independentemente da União cumprir o determinado, bem como realizassem a divulgação do benefício e disponibilizem o modelo de declaração de carência, com fixação de multa de R$ 1.000,00 (um mil reais) para o caso de descumprimento.


Pediu que o DNER fosse notificado para que realizasse a ampla divulgação do direito aqui tratado e também para que elaborasse modelo de declaração de carência, com subsequente envio às empresas de transporte coletivo interestadual de todo o país, também no prazo de 30 (trinta) dias, bem como fosse intimada para fiscalização do cumprimento da decisão.


Por fim, requereu que a confirmação da tutela e a condenação das requeridas ao pagamento de indenização por dano moral coletivo, a ser fixado pelo Juízo de acordo com a gravidade da lesão, sugerindo, no mínimo, o valor equivalente a 1% (um por cento) do montante total de passagens vendidas anualmente pelas empresas de transporte coletivo interestadual.


Anexou os documentos de fls. 26/41 e deu a causa o valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais).


Pelo MM. Juiz foi determinada a citação das transportadoras, esclarecendo que a apreciação da antecipação dos efeitos da tutela se daria após a resposta das requeridas.


As requeridas ofereceram contestação (fls. 45/221), sendo que a Eucatur - Empresa União Cascavel de Transportes e Turismo Ltda. (fls. 59/66 doc. 67/71) arguiu preliminarmente a inconstitucionalidade da Lei nº. 8.899/94, alegando que o benefício é de natureza de assistência social e deve ser suportado por toda sociedade e não somente pelas transportadoras. Assevera que o passe livre cria privilégios, violando o princípio da isonomia e que é inexistente o dano moral.


As requeridas Eucatur - Empresa União Cascavel de Transportes e Turismo Ltda. (fls. 59/66), Viação Motta Ltda. (fls. 72/85, doc. 86/94), Viação Garcia Ltda. (fls. 95/116 doc. 116/130) , Empresa de Transportes Andorinha S/A (fls. 155/168 doc. 169/80), Viação São Luiz Ltda. (fls. 183/191 doc. 192/7) e União (fls. 198/221 doc. 222/55) sustentam a impossibilidade jurídica do pedido, pois há necessidade de regulamentação da Lei nº. 8.899/94, não estando autorizado o Poder Judiciário a expedir tal provimento, aditando que a ação civil pública não é via adequada para abrigar a pretensão do Ministério Público, devendo este se valer do mandado de injunção. E ainda, acrescentaram que o dano moral é indevido, pois até a regulamentação da lei o benefício não era exigível.


Na contestação da requerida Empresa de Transportes Andorinha S/A (155/198 e docs. 169/80) ainda se pugnou pelo reconhecimento da improcedência da ação, pois com a regulamentação da lei o objeto buscado já foi alcançado.


Quando a Viação São Luiz Ltda. (fls. 183/197) , além das matérias elencadas, arguiu em preliminar a ilegitimidade ativa do Ministério Público.


A Empresa Gontijo de Transportes Ltda. (fls. 136/141) sustenta que houve perda de objeto da ação, visto que a Lei nº. 8.899/94 foi regulamentada pelo Decreto 3.691 de 19 de dezembro de 2000 e no mérito, afirma que não ficou definido a fonte de custeio, não podendo o Poder Judiciário implementar o benefício as expensas das transportadoras.


A União acrescentou alega ser descabida a liminar pleiteada, aditando que se deferida somente produzirá efeito na subseção de Campo Grande-MS em razão da competência do órgão prolator, acrescentando no mérito que não houve definição da fonte de custeio.


A Empresa Reunidas Paulista de Transporte e Turismo Ltda. foi devidamente citada e não apresentou contestação, sendo decretada sua revelia, ressalvando-se o art. 320, I do CPC.


Em réplica (fls. 266/89) o MPF sustentou que a presente ação não perdeu o objeto, pois a petição inicial busca o cumprimento do direito estabelecido pela Lei nº. 8.899/94, afirmando a inconstitucionalidade do artigo 1º do Decreto 3.691/2000, ante a determinação de apenas e dois assentos em cada veículo, limitação esta não prevista na lei.


Reiterou o pedido de a procedência para o transporte estadual de pessoas carentes, portadoras de deficiência, sem limitação de assentos ou apresentação de documentação especifica expedida pela Administração Pública, bastando a declaração de pobreza e laudo médico do Sistema Único de Saúde.


As partes foram intimadas para especificarem outras provas a produzirem, tendo a Empresa de Transportes Andorinha S/A requerido prova testemunhal.


O Ministério Público requereu o julgamento da lide, tendo o Juízo conhecido diretamente o pedido, nos termos do art. 330, I do CPC.


O juízo a quo afastou as preliminares e julgou parcialmente procedente o pedido, determinando a que as concessionárias, no prazo de 5 (cinco) dias após a publicação da decisão no DJ, abstenham-se de observar a limitação de assentos em cada veículo, estabelecida no art. 1º do Decreto nº. 3.691/2000, sob pena de pagar multa de de R$ 2.500,00, por passageiro não atendido. Determinou que a União divulgue e fiscalize o cumprimento da decisão, acrescentando que esta produzirá efeito nos limites da competência territorial da Vara, nos termos do art. 2º da Lei nº. 9.494/97. Não houve condenação em honorários advocatícios, estabelecendo-se que as custas devem ser arcadas pelas requeridas.


Apela ao autor (fls. 406/419) requerendo a reforma da sentença e a condenação das requeridas em dano moral coletivo, pois a impossibilidade de usufruir do direito de transporte gratuito estabelecida na Lei nº. 8.899/94 foi frustrada pelos obrigados, causando transtorno às pessoas com deficiência. Asseverou ainda que os efeitos da decisão se estender todo o território nacional ou, alternativamente, pelo menos os limites territoriais do Mato Grosso do Sul.

Interpuseram recursos de Apelação as requeridas Viação Motta Ltda., Empresa de Transportes Andorinha S/A, Viação São Luiz Ltda. e a União.


A Viação Motta Ltda. em suas razões (fls. 348/361) arguiu preliminarmente a nulidade da sentença, fundamentando-se no art. 460 do CPC, alegando que não foi atendida a relação inicial e defesas, pois não constava do pedido inicial a questão sobre a limitação de assentos, mas sobre a implementação do passe livre, nem se postulou a fixação de multa de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) e sim de R$ 1.000,00 (um mil reais), dessa forma, condenou a requerida a suportar um dano que não compunha o pedido inicial, pelo que requer seja a declaração de nulidade da sentença.

Aduz ainda, que o Ministério Público Federal não é parte legitima para propositura da ação, pois estaria a defender direitos individuais afetos a determinados grupos de pessoas, apontando julgados no sentido de que a legitimidade conferida ao órgão é para cuidar de interesses sociais difusos ou coletivos e não para patrocinar direitos individuais privados e disponíveis. ]

No mérito alega que, inobstante o Decreto 3.691/2000 tenha regulado Lei nº. 8.899/94, não previu a fonte de custeio para atender, de forma que o ônus criado pela sentença sem estabelecer uma compensação importará em prejuízos irreparáveis às concessionárias.

A Empresa de Transportes Andorinha S/A interpôs recurso de apelação (fls. 370/79), sustentando a ausência da indicação da fonte de custeio para transporte gratuito ilimitado de passageiros portadores de deficiência, afirmando que a limitação estabelecida no Decreto 3.691/2000 preserva o equilíbrio econômico financeiro dos contratos das empresas de transporte coletivo.

No mesmo sentido apelou a Viação São Luiz Ltda., acrescentando que a limitação do número de passageiros portadores de deficiência está previsto no Decreto 3.691/2000, não podendo ser desconsiderado pelo Poder Judiciário. Afirmou ainda, falta de fundamentação da sentença para afastar a preliminar de inadequação da via eleita.

Em seu recurso de apelação fls. 394/403, a União sustentou sua ilegitimidade passiva, alegando que a fiscalização e divulgação do passe livre aos deficientes são atribuições da Agência Nacional de Transporte Terrestres (ANTT), defendendo no mérito que a limitação de passageiros portadores de deficiência está previsto no Decreto 3.691/2000 atende o princípio da razoabilidade, conciliando o benefício do transporte gratuito com o direito das concessionárias de serem remuneras.

Os recursos foram recebidos nos efeitos devolutivo e suspensivo, tendo as partes apresentado as contrarrazões às fls. 425/440 pelo Ministério Público Federal, às fls. 443/55 pela Empresa de Transportes Andorinha S/A, fls. 456/8, Viação São Luiz Ltda., fls. 494/6 pela União e por fim às fls. 497/505 pela Viação Garcia Ltda., que juntamente interpôs recurso adesivo (fls. 507/514) sustentando que a determinação de transporte de pessoas com deficiência em número ilimitado importa em desrespeito aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.


Acrescentou que direito discutido nos autos diz respeito à assistência social, sendo um encargo a ser suportado pelo próprio Estado, não se podendo transferir os custos do benefício preconizado na Lei nº. 8.899/94 na forma determinada na r. sentença, o que acabaria por afetar a garantia da igualdade constante no art. 5º da Constituição Federal.


Foi aberta vista ao MPF que ofereceu contrarrazões (fls. 523/530) ao recurso adesivo da Viação Garcia Ltda.


Em contrarrazões o réu requereu, reiterando os termos de sua manifestação quanto a ilegitimidade do Ministério Público.

Os autos foram remetidos a esta E. Corte sendo aberto vista ao MPF, que ofereceu o parecer de fls. 533/546 e requereu que fosse negado provimento aos recursos das requeridas e dado provimento ao interposto pelo Ministério Público Federal, a fim de que fosse fixada indenização por dano moral coletivo e estendido os efeitos da decisão em todo território nacional.

Dispensada a Revisão, nos termos regimentais.

É o relatório.



VOTO

O presente feito envolve a discussão do direito dos deficientes comprovadamente carentes, ao transporte interestadual gratuito - " passe livre" instituído pela Lei 8.899/94, sem as limitações impostas no artigo 1º do Decreto nº. 3.691/2000, quanto ao número de assentos.


I - Das preliminares


As preliminares de coisa julgada e litispendência, que podem ser reconhecidas de ofício, se confundem com o mérito e assim devem ser analisadas, se o caso.

I.1) nulidade de sentença - falta de fundamentação e julgamento sentença extra petita


A irresignação da recorrente Viação São Luiz Ltda. sobre a falta de fundamentação da sentença no afastamento da preliminar de inadequação da via eleita não prospera, eis que a r. sentença de primeiro grau restou suficientemente fundamentada.


O mandado de injunção, ação judicial que entende correta para veiculação da pretensão exposta em juízo, exige para sua impetração a falta de norma regulamentadora que torne inviável o exercício de direito subjetivo do impetrante, no entanto, a norma em questão já foi regulamentada pelo Decreto nº. 3.691/2000, sendo situação relatada e decidida na r. sentença de forma clara e suficiente, conforme exposto à fl. 342: Portanto, não há que se falar em mandado de injunção por parte dos beneficiários do passe livre para elevar o número de assentos.


A questão realmente é suscinta, pois diante da edição da norma, não há outra fundamentação a acrescentar, isto porque:


Não ofende aos arts. 165 e 458, incisos II e III, do Código de Processo Civil, o acórdão que fundamenta e decide a matéria de direito valendo-se dos elementos que julga aplicáveis e suficientes para a solução da lide. (AgRg no AREsp 186.046/MG, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 11/09/2012, DJe 18/09/2012)


Tendo a r. sentença bem apreciado as questões trazidas a julgamento na petição inicial, ainda que de forma suscinta, inexiste nulidade por falta de fundamentação ou violação ao art. 458 do CPC e art. 93, IX da CF/88.


Sobre a alegação de sentença extra petita, sem razão a recorrente Viação Motta Ltda.


Consoante o princípio da correlação entre o pedido, causa de pedir e sentença, esta não poderá extrapolar o pedido do autor fora dos limites da lide, nem poderá o juiz deixar de apreciar o pedido ou parte deste, sob pena de afronta aos arts. 128 e 460 do CPC.


A petição inicial da presente traz como pretensão do autor, entre outras, a condenação das requeridas transportadoras a imediata concessão de passe livre a todos os passageiros portadores de deficiência carentes que comprovem sua condição, sob pena de fixação de multa (sugerida) em R$ 1.000,00 (um mil reais). (fls. 23, item 2). (Grifei)


De forma que se conclui que pela expressão "passe livre para todos os passageiros portadores de deficiência carentes" não está incluído qualquer limitação de assentos.


Ante a mudança da situação fática por circunstância superveniente ao ajuizamento da ação, com a regulamentação da Lei nº. 8.899/94 por meio do Decreto nº. 3.691/2000, o autor reiterou seus pedidos (replica de fl. 266/316), entre os quais o de concessão de passe livre aos deficientes comprovadamente carentes, em número ilimitado, requerendo a fixação de multa de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos), para cada negativa injustificada das empresas concessionárias de transporte interestadual.


De fato, não poderia o magistrado deixar de tomar em consideração o disposto no art. 1º do Decreto 3.691/2000, que limitou o número de assentou em 2 (dois) lugares, visto que o pedido era de "sem limitação de lugares", pois tal questão constitui fato novo, que influenciou no julgamento da lide, nos termos do artigo 462 do CPC.


Quanto a fixação da multa em valor superior ao requerido na inicial, nada a reparar, eis que de acordo com o § 4º do art. 461 do CPC, que permite ao magistrado fixar de ofício impor multa diária, independentemente de pedido do autor ou mesmo alterar o valor se considera-lo insuficiente.


Nesse sentido:


AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL. MULTA DIÁRIA. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA STJ/07.
DECISÃO AGRAVADA MANTIDA.
1.- O Acórdão recorrido concluiu com base em exame probatório que o ora Agravante não comprovou a realização dos pagamentos do auxílio cesta-alimentação, descumprindo a ordem judicial dentro do prazo legal estipulado pelo magistrado. A revisão deste entendimento ensejaria a incursão no conjunto probatório dos autos, o que é vedado em Recurso especial, nos termos da Súmula 7/STJ.
2.- O Acórdão recorrido está de acordo com o entendimento desta Corte, no sentido de que é legal a fixação de multa diária para a hipótese de não cumprimento da obrigação de fazer.
3.- O artigo 461 do Código de Processo Civil permite que o magistrado altere, de ofício ou a requerimento da parte, o valor da multa quando este se tornar insuficiente ou excessivo, mesmo depois de transitada em julgado a sentença, não se observando a preclusão.
4.- Esta Corte já se manifestou no sentido de que incide o óbice da Súmula 7 desta Corte, sendo lícita a revisão das astreintes, nesta instância, apenas nos casos em que o valor fosse irrisório ou exagerado, o que não ocorre no presente caso.
5.- O agravo não trouxe nenhum argumento capaz de modificar a conclusão do julgado, a qual se mantém por seus próprios fundamentos.
6.- Agravo Regimental improvido.
(AgRg no AREsp 112577/RS, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/03/2012, DJe 10/04/2012)

Portanto, não há que se falar em sentença extra petita, pois a sentença apreciou o pedido no delimite do objeto litigioso, restando afastada o pedido de nulidade da sentença, sem qualquer ofensa aos dispositivos legais pertinentes.



I- 2) Da legitimidade do Ministério Público Federal


A preliminar de ilegitimidade ativa deve ser repelida.

A Lei n.º 7.853/89 habilitou o Ministério Público a propositura de ação civil pública para proteção de interesses coletivos ou difusos das pessoas portadoras de deficiência.

A tutela requerida nos autos não se circunscreve aos interesses de uma classe, mas se estende a todas as pessoas deficientes e hipossuficientes que se encontrem ou se encontrarão na mesma situação e, conforme exposto na sentença, é indiscutível sua relevância social.

Nesse sentido, o STF pacificou a questão ao estabelecer que no gênero "interesses coletivos", ao qual o art. 129, III, CF faz referência, se incluem os "interesses individuais homogêneos" cuja tutela, dessa forma, pode ser pleiteada pelo Ministério Público, se quando a lesão deles, visualizada em sua dimensão coletiva, pode comprometer interesses sociais relevantes. (RE 163.231/SP, Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 29-06-2001).

O STJ na mesma linha, já se manifestou no sentido de que "os interesses individuais homogêneos são considerados relevantes por si mesmos, sendo desnecessária a comprovação desta relevância"

 Processual civil e SFH. Recurso especial. Ação civil pública.
Direitos individuais homogêneos. Ministério Público. Legitimidade.
- Os interesses individuais homogêneos são considerados relevantes por si mesmos, sendo desnecessária a comprovação desta relevância.
- O Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública na defesa de interesses individuais homogêneos referentes aos contratos de mútuo vinculados ao Sistema Financeiro de Habitação, porquanto é interesse que alcança toda a coletividade a ostentar por si só relevância social.
- O Código de Defesa do Consumidor incide nos contratos vinculados ao Sistema Financeiro de Habitação.
- Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 635807/CE, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/05/2005, DJ 20/06/2005, p. 277)


No caso especifico dos portadores de deficiência, o STJ se pronunciou também pela legitimidade ativa do Ministério Público:

PROCESSUAL CIVIL. INTERESSES COLETIVOS OU DIFUSOS. AÇÃO CIVIL PUBLICA.
- LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTERIO PUBLICO. INDISCUTIBILIDADE DA AFIRMAÇÃO, MORMENTE SE PROPOSTA A AÇÃO EM DEFESA DE FAVORECIMENTO CONSTITUCIONAL DIRIGIDO, DENTRE OUTRAS, AS PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIENCIA. LEI 7.347/85, A QUE FAZ REMISSÃO A LEI 7.853/89.
(REsp 74235/RS, Rel. Ministro JOSÉ DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 06/08/1996, DJ 26/08/1996, p. 29708)

Dessa forma, afasto a preliminar de ilegitimidade passiva do Ministério Público, arguida Viação Motta Ltda.

I - 3) Da legitimidade União


O pedido de divulgação e fiscalização do cumprimento da ordem judicial foi requerido inicialmente em face do Departamento de Estradas e Rodagem - DNER e, visto que o Agência Nacional de Transporte Terrestres - ANTT assumiu parte daquelas atribuições, sendo responsável nos termos da Lei nº. 10.233/01 pela fiscalização direta ou indireta sobre a prestação dos serviços de transporte interestadual e internacional de passageiros, é esta a agência que deve ser intimada para divulgar e fiscalizar o cumprimento da obrigação, conforme reiterado pelo Ministério Público Federal em suas razões de apelação.

No que se refere à legitimidade para os demais termos da ação, estando a União na qualidade titular do serviço e única responsável por sua respectiva regulamentação é patente sua legitimidade, pois possui a titularidade do interesse em conflito e a exclusividade no poder de regulamentar, de forma que na inicial foi postulado sua condenação em obrigação de fazer para implementasse o sistema de passe livre em transporte municipal coletivo interestadual para as pessoas portadoras de deficiência comprovadamente carentes, nos termos da Lei nº. 8.899/94.

No mais, embora já tenha sido editado o Decreto 3.691/2000, que regulamentou a questão, ainda que com limitações, remanesce o pedido de dano moral coletivo em face da União, de forma que justifica sua permanência no polo passivo da ação, restando rejeitada a preliminares de ilegitimidade passiva.


II - Mérito



Adentrando ao mérito, verifica-se que o Juízo a quo ao sentenciar a ação, entendeu que a limitação imposta pelo Decreto 3.691/2000 não poderia subsistir, visto que a lei instituidora do benefício não previu tal restrição.

A impugnação das requeridas se resume à ausência de indicação fonte de custeio para atender transporte gratuito ilimitado de passageiros portadores de deficiência, de forma que o ônus criado pela sentença, sem estabelecer uma compensação financeira, importará em prejuízos irreparáveis às concessionárias, desequilíbrio econômico financeiro dos contratos das empresas de transporte coletivo, ferindo também o princípio da igualdade constante no art. 5º da Constituição Federal.

Alegaram que direito discutido nos autos diz respeito à assistência social, sendo um encargo a ser suportado pelo próprio Estado.


II- a) Da limitação do Decreto nº. 3.691/00 e suposta ofensa aos princípios da separação dos poderes e da isonomia.


De fato a limitação imposta à Lei 8.899/94 pelo Decreto nº. 3.691/00 sobre o número de assentos não pode prosperar.


Com a publicação da Lei nº. 8.899/94 foi instituído o passe livre às pessoas portadoras de deficiência, comprovadamente carentes, no sistema de transporte coletivo interestadual, sendo estabelecido:


Art. 1º É concedido passe livre às pessoas portadoras de deficiência, comprovadamente carentes, no sistema de transporte coletivo interestadual.
        Art. 2º O Poder Executivo regulamentará esta lei no prazo de noventa dias a contar de sua publicação.

Em 19 de dezembro de 2000, o Poder Executivo editou e publicou o Decreto nº. 3.691, regulamentando a lei estabeleceu a limitação de 2 (dois) passageiros por veículo, conforme dispôs o art. 1º.


  Art. 1o  As empresas permissionárias e autorizatárias de transporte interestadual de passageiros reservarão dois assentos de cada veículo, destinado a serviço convencional, para ocupação das pessoas beneficiadas pelo art. 1o da Lei no 8.899, de 29 de junho de 1994, observado o que dispõem as Leis nos 7.853, de 24 de outubro de 1989, 8.742, de 7 de dezembro de 1993, 10.048, de 8 de novembro de 2000, e os Decretos nos 1.744, de 8 de dezembro de 1995, e 3.298, de 20 de dezembro de 1999.

Da leitura dos dispositivos supra, verifica-se que a limitação de 2 (dois) assentos em cada veículo não encontra respaldo legal na Lei 8.899/94, pois ali se definiu como condição única para que o deficiente utilize do transporte coletivo interestadual, a comprovação da carência econômica, pois a finalidade da norma é a proteção das pessoas portadoras de deficiência, o que é um comando constitucional, conforme se depreende da leitura artigos 224 e 227, § 2º que, entre outros direitos, asseguram tratamento diferenciado, com o fim de promover-lhes a integração na sociedade e garantir-lhes o pleno exercício de seus direitos individuais e sociais, dentre os quais, o direito questionado nos autos.

Donde também se conclui, que o benefício conferido pela Lei 8.899/94 aos deficientes, comprovadamente carentes, não ofende o princípio da isonomia, pelo contrário, assegura seu cumprimento, pois concretizam direitos assegurados constitucionalmente.

Deste modo, resta claro que a norma regulamentar incorreu em abuso, visto que a edição do Decreto 3.691/2000, ao limitar a fruição do chamado "passe livre" quanto ao número de assentos nos veículos coletivos, restringiu também o alcance protetivo da norma, em prejuízo ao direito garantido aos deficientes financeiramente carentes na Lei nº. 8.899/94, devendo ser mantida a r. sentença, para que as concessionárias se abstenham de observar limitação de assentos estabelecida no artigo 1º do Decreto 3.691/2000, sob as penas ali cominadas.


Salienta-se que no presente caso examina-se somente a legalidade e não o mérito, a conveniência e a oportunidade da norma, de forma que não se diga que o controle do abuso do poder regulamentar pelo Poder Judiciário constitui ofensa à separação de poderes, pois tal possibilidade está prevista, como direito fundamental, no art. 5º, inc. XXXV, o qual prevê a inafastabilidade da análise, pelo Poder Judiciário, de lesão ou ameaça de lesão a direito: A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.


Oportuno colacionar trecho do acórdão do STF sobre limites do poder regulamentar e, na sequência destacar julgados em que houve pronunciamento sobre abuso do poder regulamentar:
ADIN - SISTEMA NACIONAL DE DEFESA DO CONSUMIDOR (SNDC) - DECERTO FEDERAL Nº. 861/93 - CONFLITO DE LEGALIDADE - LIMITES DO PODER REGULAMENTAR - AÇÃO DIRETA NÃO CONHECIDA.
Se a interpretação administrativa da lei, que vier a consubstanciar-se em decreto executivo, divergir do sentido e do conteúdo da norma legal que o ato secundário pretendeu regulamentar, quer porque tenha este se projetado ultra legem, quer porque tenha permanecido citra legem, quer, ainda, porque tenha investido contra legem, a questão caracterizará, sempre, típica crise de legalidade, e não de inconstitucionalidade, a inviabilizar, em conseqüência, a utilização do mecanismo processual da fiscalização normativa abstrata.
O eventual extravasamento, pelo ato regulamentar, dos limites a que materialmente deve estar adstrito poderá configurar insubordinação executiva aos comandos da lei. Mesmo que, a partir desse vício jurídico, se possa vislumbrar, num desdobramento ulterior, uma potencial violação da Carta Magna, ainda assim estar-se-á em face de uma situação de inconstitucionalidade reflexa ou oblíqua, cuja apreciação não se revela possível em sede jurisdicional concentrada."
(ADI 996-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 11-3-04, DJ de 6-5-94).


TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. PARCELAMENTO. ORDEM DE SERVIÇO. ABUSO DO PODER REGULAMENTAR.
1. A Ordem de Serviço DAF/INSS nº 100/93, sob o pretexto de regulamentar o art. 38 da Lei 8.212/91, acabou por ampliar sua abrangência, estendendo seus efeitos às contribuições não-descontadas dos empregados, em total abuso do poder regulamentar.
2. Recurso especial a que se nega provimento.
(REsp 386755/RS, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/10/2004, DJ 08/11/2004, p. 165)


ADMINISTRATIVO -CONSTITUCIONAL - EX-COMBATENTE - BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO CONCEDIDO NA FORMA DA LEI Nº 4.297/63 -LIMITE DE REMUNERAÇÃO DA REDAÇÃO ORIGINÁRIA DO ART. 37, XI. DA CF/88 -REGULAMENTAÇÃO PELO ART. 263, § 1º, DO DECRETO Nº 2.172/97 E PORTARIAS DO PODER EXECUTIVO -IMPOSSIBILIDADE -EC/19 E EC/20 -REMUNERAÇÃO DE MINISTRO DO STF COMO TETO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DE EX-COMBATENTE I- Inadmissível a inovação operada pelo § 1º do art. 263 da Decreto nº 2.172/97, haja vista que, tratando-se de norma regulamentadora, não poderia extrapolar os limites da Lei regulamentada, de nº 8.213/91, a qual não remeteu àquele a aplicação do teto constitucional aos benefícios previdenciários dos ex-combatentes. II -Com o advento da Emenda Constitucional nº 20, de 12/12/98, a qual acrescentou o art. 248 às Disposições Constitucionais Gerais, o limite máximo dos benefícios previdenciários dos ex-combatentes passou a ser a remuneração dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, ex vi da redação dada ao art. 37, XI, da CF/88, pela EC/19 de 04/06/98.4.29737XICF/88263§ 1º2.172ECEC§ 1º2632.1728.2132024837XICF/88EC (35467 2000.02.01.042994-0, Relator: Desembargador Federal SERGIO SCHWAITZER, Data de Julgamento: 16/06/2005, SEXTA TURMA ESPECIALIZADA, Data de Publicação: DJU - Data::16/08/2005 - Página::141, undefined)

II- b) Da ausência de indicação de fonte de custeio e desequilíbrio econômico financeiro.


As demais impugnações das rés, quanto à ausência de fonte de custeio para atender transporte gratuito ilimitado de passageiros portadores de deficiência e o consequente desequilíbrio econômico financeiro dos contratos das empresas de transporte coletivo, já foram objeto de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2649, em foi declarada a Lei 8.899/94.

A relatora da ADI, Ministra Cármen Lúcia, afirmou que a questão da 'fonte de custeio' diz respeito ao artigo 195 e § 5º e, esclarecendo que o direito versado nos autos não constitui um benefício ou serviço de seguridade a exigir fonte de custeio, afastou tal argumento:


A seguridade social será financiada por toda sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
...
§ 5º - Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.

Sem fonte de custeio para o que denomina "uma ação de assistência social", a norma que garantiu o passe livre aos portadores de necessidades especiais estaria tisnada pela eiva da constitucionalidade.
Conforme acentuado pelo Advogado-geral da União e também pelo Procurador Geral da República, o dispositivo em questão "refere-se a benefícios ou serviços que oneram os cofres públicos, com impacto no orçamento, o que não ocorre na espécie".
A norma do art. 195, § 5º da Constituição, refere-se à criação do benefício do sistema estatal de seguridade social ou a serviço de seguridade social.
(...)
Daí que a norma conjuga com a responsabilidade fiscal que impede que se definam legalmente benefícios ou serviços sem a fonte de onde venha o custeio para a sua implementação.
(...)
O "passe livre" ás pessoas portadoras de deficiência, comprovadamente carentes, no sistema de transporte coletivo interestadual, previsto na Lei 8.899/94, não constitui, pois, benefício ou serviço de seguridade social, como pretende fazer crê a Autora.
Tem-se, pois, que também quanto a esse fundamento não subsiste o argumento apresentado pela autora.

Julgou-se insubsistente, também, a afirmação de que o direito reconhecido aos portadores de deficiência conduziria ao desequilíbrio da equação econômico-financeira do contrato firmado pelas prestadoras do serviço com o poder concedente, ressaltando-se que eventual desequilíbrio seria resolvido na comprovação dos dados econômicos a serem apresentados quando da definição das tarifas nas negociações contratuais.


A Lei 8.899/94 foi declarada constitucional pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, salientando-se que a Constituição, ao assegurar a livre concorrência, também, determinou que o Estado deveria empreender todos os seus esforços para garantir a acessibilidade, para que se promovesse a igualdade de todos, em cumprimento aos fundamentos da República de cidadania e dignidade da pessoa humana, o que se realizaria pela definição de meios para que eles fossem atingidos

Em semelhante decisão o Supremo Tribunal Federal, por maioria, julgou improcedente a ADI 3768/DF, na qual foi relatora a eminente Ministra Cármen Lúcia, em julgamento de 19/09/2007, conforme DJ de 20-10-2007, em que se questionava constitucionalidade do art. 39 da Lei 10.741/03 (estatuto do idoso), a qual assegura a gratuidade dos transportes coletivos públicos urbanos e semi-urbanos aos maiores de 65 anos, ante a imprevisão de sistema de compensação da gratuidade assegurada por lei, afastando a exigência de fonte de custeio quando se trata de transporte capaz de viabilizar a concretização da dignidade da pessoa humana e de seu bem-estar. Fundamentando-se diretamente na Constituição Federal, o direito ao transporte gratuito de deficientes afasta a necessidade de fonte de custeio.


Naquela decisão, afirmou-se que a gratuidade do transporte coletivo representa uma condição mínima de mobilidade em favorecimento do idoso como forma de viabilizar e concretizar sua dignidade e seu bem estar, posto pelo princípio da reserva do possível, que se compatibiliza com a garantia do mínimo existencial.


Da mesma forma a situação dos autos, pois a gratuidade no transporte coletivo aos deficientes, comprovadamente carentes, também concretiza sua dignidade, de forma a promover a sua integração à vida comunitária (art. 203, inciso IV, CF).


Igualmente acentua-se naquele julgado que o objeto dos contratos de concessão, a prestação de serviço público deve ser cumprida, competindo ao contratado particular, comprovar perante o ente contratante a ruptura do equilíbrio econômico-financeiro contrato.


Ainda do mesmo julgado extrai-se pertinente texto, o qual, dadas as semelhanças, pode ser considerado em relação às empresas de transporte interestadual:

Conforme lembrado no Parecer do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, " qualquer cidadão sabe que, independentemente da quantidade de pessoas que utilizam o transporte público, ele deverá ser prestado em horários pré-determinados pela administração. O custo desta operacionalização é estável. O que se quer demonstrar é que a empresa não tem um custo maior por estar transportando pessoas idosas. O transporte encontra-se ali, disponível, com o custo já estabelecido.



Assim, a ausência de indicação de fonte de custeio não impede o direito ao transporte gratuito de pessoas deficientes hipossuficientes, pois caso exista ônus que implique em rompimento do equilíbrio econômico-financeiro, em decorrência do cumprimento da sentença, poderão pleitear a revisão dos contratos de concessão, comprovando que o cumprimento do estabelecido na sentença, oneraram seus contratos de forma a justificar a revisão, razão por que não merece reformas neste aspecto a sentença, que decidiu no mesmo sentido.


II- c) Dano moral coletivo.



O autor requereu a reforma da sentença quanto ao dano moral coletivo, reiterando seus argumentos postos na inicial, pleiteando a condenação das apeladas ao pagamento de indenização por dano moral coletivo, em face de seu comportamento ilicitamente omissivo quanto à concessão de transporte gratuito às pessoas portadoras de deficiência comprovadamente carentes.


O pedido do autor abrange dois aspectos, o primeiro pertinente ao dano causado pelas às empresas prestadoras de transporte coletivo interestadual, pois a impossibilidade de usufruir do direito de transporte gratuito estabelecida na Lei nº. 8.899/94 foi frustrada pelos obrigados, causando transtorno às pessoas com deficiência.


Já em relação à União, o pedido de dano moral coletivo se fundamenta em sua omissão na elaboração de providências para implementar o sistema de passe livre no transporte coletivo interestadual.


Em relação ao primeiro aspecto, já tive a oportunidade de decidir sobre a mesma questão nos autos da ação civil pública nº. 0004982-35.2000.4.03.6112/SP, movida contra algumas empresas de transporte coletivo interestadual, em que o Ministério Público pleiteava a concessão de passe livre às pessoas portadoras de deficiência, com reserva de 5% (cinco por cento) dos assentos de cada veículo para esse fim, bem como a condenação das rés ao pagamento de danos morais coletivos, a ser revertido ao fundo previsto no art. 13 da Lei nº 7.347/85, cujo teor parcial transcrevo:

(...)
Em relação à pretensão indenizatória, também adoto o parecer do Ministério Público Federal:
"Antes da regulamentação da Lei nº 8.899/1994, as sociedades empresárias que tinham por objeto o transporte coletivo interestadual não tinham como ter ciência dos termos em que deveria ser garantida a gratuidade no transporte às pessoas portadoras de deficiência hipossuficientes. Não havia previsão legal expressa de como seria aferida a hipossuficiência econômica dos indivíduos que alegassem estar abrangidos pela lei. Essa situação acarretava a insegurança das pessoas jurídicas de direito privado, contra as quais não poderia ser imposto o risco de atender às disposições vagas da Lei de forma que prejudicasse o desenvolvimento da sua atividade econômica. Dessa forma, não estando configurado de maneira plena o direito subjetivo dessa classe de indivíduos, no momento anterior à regulamentação da Lei nº 8.899/1994, somente se poderia admitir imputável à União Federal o alegado dano moral coletivo . Se dano houve, o que reputo controverso, este não foi causado por conduta dos apelados, mas sim pela demora desarrazoada na regulamentação da Lei. Não há, portanto, relação de causalidade entre a omissão imputada aos apelados e o suposto dano moral coletivo."
Nesse sentido é a jurisprudência:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS SOCIAIS. DANO MORAL COLETIVO . DIREITO SUBJETIVO DOS PORTADORES DE DEFICIÊNCIA AO PASSE LIVRE NO TRANSPORTE RODOVIÁRIO INTERESTADUAL. LEI 8.899/94. DIREITO QUE DEPENDIA DE REGULAMENTAÇÃO PARA A DEFINIÇÃO DO SEU CONTEÚDO. INEXISTÊNCIA DO DIREITO SUBJETIVO ANTES DA REGULAMENTAÇÃO PELO PODER EXECUTIVO FEDERAL. PERDA PARCIAL DO OBJETO DA AÇÃO COM A SUPERVENIÊNCIA DA REGULAMENTAÇÃO. PERSISTÊNCIA DO INTERESSE NO JULGAMENTO DO PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COLETIVOS. PEDIDO ADMISSÍVEL EM TESE. PRECEDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DAS EMPRESAS PERMISSIONÁRIAS DO TRANSPORTE RODOVIÁRIO POR DANOS MORAIS COLETIVO. DANOS IMPUTÁVEIS À OMISSÃO DA UNIÃO FEDERAL. DEMORA EXCESSIVA EM REGULAMENTAR A LEI 8.899/94. CONDENAÇÃO DA UNIÃO AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO.
1. Apelação contra sentença que rejeitou apreciar o pedido de indenização por dano moral coletivo e, quanto ao mais, entendendo pela ausência de interesse de agir, extinguiu a ação civil pública com fundamento no art. 267, VI, do CPC.
2. Âmbito da controvérsia recursal ocupado por duas ordens de impugnação: a) a persistência do interesse de agir no tocante à implementação do direito dos portadores de deficiência ao passe livre; b) a condenação das empresas rés à indenização pelos dano s morais coletivo s decorrentes da não observância daqueles direitos.
3. Quanto ao primeiro ponto, correta a douta sentença de primeiro grau, posto que a regulamentação da Lei 8.899/94 pelo Decreto 3.691/2000 e pela Portaria 03/2001 tornou desnecessário provimento jurisdicional para o atendimento da pretensão do Parquet, que consistia no reconhecimento do direito subjetivo dos portadores de deficiência ao passe livre no transporte rodoviário interestadual.
4. A controvérsia girava em torno da existência ou não do direito subjetivo ao passe livre, ou seja, sobre a "possibilidade de fazer valer o direito por meio da ação processual correspondente", segundo a definição de Tércio Sampaio Ferraz Junior.
5. A lide se instalou para discussão de direito coletivo em sentido estrito, qual seja, como direito transindividual de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas com a parte contrária por uma relação jurídica base (art. 81, II, da Lei 8.078/90).
6. A pretensão foi deduzida sob a perspectiva de direito coletivo , uma vez que não especificou ou delimitou o grupo de pessoas que seria destinatário do direito, restringindo o objeto da lide ao plano da validade e vigência das normas correlatas.
7. Não é consistente a alegação de que também se busca a efetividade dos direitos discutidos, porque este enfoque deslocaria a controvérsia do âmbito da validade e vigência das normas garantidoras do direito subjetivo para a seara da eficácia daquelas normas, o que daria à ação uma conotação muito diferente, pois passaria ao plano dos direitos individuais homogêneos, sem que nos autos tenha sido debatida e decidida qualquer situação concreta.
8. Correta a sentença ao extinguir o feito por carência de ação, no que diz respeito ao pedido de reconhecimento do direito subjetivo dos portadores de deficiência ao transporte rodoviário interestadual.
9. A pretensão à indenização por dano s morais coletivo s é hipótese que não pode ser excluída de antemão, pois a sua ocorrência é juridicamente admissível, em tese, como já reconheceu a Colenda Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça no julgamento de questão análoga.
10. Pertinente a anulação da sentença na parte em que entendeu incabível a apreciação do pedido de dano s morais, passando-se ao julgamento do mérito, nesta parte, com fundamento no § 3º do art. 515 do CPC, visto que relação jurídico-processual está completa e a questão não demanda dilação probatória.
11. Na ausência de regulamentação da Lei 8.899/94, não estava configurado o direito subjetivo dos portadores de deficiência ao passe livre, porque o conteúdo do direito ainda dependia de detalhamento e delimitações por parte do Poder Executivo, o que veio a ser corroborado pelas disposições regulamentares (Decreto 3.691/2000 e pela Portaria Interministerial n. 03/2001).
12. Sem a devida regulamentação não se pode imputar às empresas permissionárias do transporte rodoviário interestadual qualquer responsabilidade por eventuais dano s morais coletivo s, decorrentes de obstáculos criados para o exercício daquele direito pelos portadores de deficiência.
13. É insofismável que o Poder Executivo federal extrapolou de forma gritante o comando legislativo para regulamentar em 90 dias o direito previsto no art. 1º da Lei 8.899/94, só vindo a fazê-lo cerca de seis anos depois da entrada em vigor deste diploma normativo.
14. Inexorável, destarte, a responsabilidade da União pela reparação destes dano s de natureza coletiva, com fundamento no § 6º do art. 37 da Constituição Federal.
15. O arbitramento do valor deve obedecer a critérios distintos daqueles propostos na petição inicial e na apelação, para ser arbitrado em valor determinado, o que, em se tratando de processo de natureza coletiva, está compreendido nos poderes do juiz que Ada Pellegrini Grinover cita como "defining function".
16. Parcial provimento à apelação para anular parcialmente a sentença e, nos termos do § 3º do art. 515 do CPC, condenar a União Federal ao pagamento de indenização no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), a ser destinada ao fundo previsto no art. 13 da Lei 7.347/85. Sem condenação em honorários advocatícios.
(TRF3, 3ªT, Relator Juiz Convocado Dr. Rubens Calixto, J. 10/2/2011)
RECURSO ESPECIAL - TRANSPORTE AÉREO GRATUITO DE PESSOAS DEFICIENTES - LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO - LEI 8.899/94 - NECESSIDADE DE REGULAMENTAÇÃO - RISCO DE DESEQUILÍBRIO NO CONTRATO DE CONCESSÃO - ANTECIPAÇÃO DE TUTELA - REVOGAÇÃO. 1. O Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública em favor dos portadores de deficiência física. 2. Em homenagem ao equilíbrio do contrato de concessão, revoga-se antecipação de tutela que obriga as empresas aéreas a transportarem, gratuitamente, pessoas portadoras de deficiência. Para que tal aconteça é necessário que exista regulamentação específica da Lei 8.899/94, com a previsão da contrapartida financeira, de responsabilidade do Estado.
(RESP 200401255329, NANCY ANDRIGHI, STJ - TERCEIRA TURMA, DJ DATA:08/05/2006 PG:00202.)
Dessa forma, ante a necessidade da expedição de regulamentação específica, conforme fundamentos exposto na decisão supra, ausente a ilicitude da conduta das requeridas transportadoras, a inviabilizar a responsabilidade por dano moral coletivo.

Pertinente ao pedido de indenização por dano moral coletivo em relação à União, forçoso salientar que diversas ações coletivas foram promovidas no sentido da dar efetividade ao direito dos deficientes tutelados pela Lei 8.899/94, porém, necessário esclarecer que só haverá litispendência entre ações coletivas se houver correlação entre partes, pedido e causa de pedir e o próprio direito coletivo tutelado, havendo, em determinados casos ser identificado a conexão ou continência.

A teor do § 2º do art. 301 do CPC , se verifica a litispendência ou a coisa julgada quando se reproduz ação idêntica à anteriormente ajuizada.

Necessário estabelecer a diferença entre continência e litispendência parcial, o que pode ocorrer em ações com diversos pedidos:

Se em uma demanda há três pedidos e na outra há dois pedidos, não há continência porque a primeira "conteria" a segunda. Se os pedidos formulados na segunda demanda também foram formulados na primeira, o caso é de litispendência parcial. (DIDIER JR, Fredie. Curso de direito processual civil. vol. 1, 7ª ed., Salvador: JusPodium, 2007, p. 123/124.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS SOCIAIS. DANO MORAL COLETIVO. DIREITO SUBJETIVO DOS PORTADORES DE DEFICIÊNCIA AO PASSE LIVRE NO TRANSPORTE RODOVIÁRIO INTERESTADUAL. LEI 8.899/94. DIREITO QUE DEPENDIA DE REGULAMENTAÇÃO PARA A DEFINIÇÃO DO SEU CONTEÚDO. INEXISTÊNCIA DO DIREITO SUBJETIVO ANTES DA REGULAMENTAÇÃO PELO PODER EXECUTIVO FEDERAL. PERDA PARCIAL DO OBJETO DA AÇÃO COM A SUPERVENIÊNCIA DA REGULAMENTAÇÃO. PERSISTÊNCIA DO INTERESSE NO JULGAMENTO DO PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COLETIVOS. PEDIDO ADMISSÍVEL EM TESE. PRECEDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DAS EMPRESAS PERMISSIONÁRIAS DO TRANSPORTE RODOVIÁRIO POR DANOS MORAIS COLETIVOS. DANOS IMPUTÁVEIS À OMISSÃO DA UNIÃO FEDERAL. DEMORA EXCESSIVA EM REGULAMENTAR A LEI 8.899/94. CONDENAÇÃO DA UNIÃO AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO.
1. Apelação contra sentença que rejeitou apreciar o pedido de indenização por dano moral coletivo e, quanto ao mais, entendendo pela ausência de interesse de agir, extinguiu a ação civil pública com fundamento no art. 267, VI, do CPC.
2. Âmbito da controvérsia recursal ocupado por duas ordens de impugnação: a) a persistência do interesse de agir no tocante à implementação do direito dos portadores de deficiência ao passe livre; b) a condenação das empresas rés à indenização pelos danos morais coletivos decorrentes da não observância daqueles direitos.
3. Quanto ao primeiro ponto, correta a douta sentença de primeiro grau, posto que a regulamentação da Lei 8.899/94 pelo Decreto 3.691/2000 e pela Portaria 03/2001 tornou desnecessário provimento jurisdicional para o atendimento da pretensão do Parquet, que consistia no reconhecimento do direito subjetivo dos portadores de deficiência ao passe livre no transporte rodoviário interestadual.
4. A controvérsia girava em torno da existência ou não do direito subjetivo ao passe livre, ou seja, sobre a "possibilidade de fazer valer o direito por meio da ação processual correspondente", segundo a definição de Tércio Sampaio Ferraz Junior.
5. A lide se instalou para discussão de direito coletivo em sentido estrito, qual seja, como direito transindividual de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas com a parte contrária por uma relação jurídica base (art. 81, II, da Lei 8.078/90).
6. A pretensão foi deduzida sob a perspectiva de direito coletivo, uma vez que não especificou ou delimitou o grupo de pessoas que seria destinatário do direito, restringindo o objeto da lide ao plano da validade e vigência das normas correlatas.
7. Não é consistente a alegação de que também se busca a efetividade dos direitos discutidos, porque este enfoque deslocaria a controvérsia do âmbito da validade e vigência das normas garantidoras do direito subjetivo para a seara da eficácia daquelas normas, o que daria à ação uma conotação muito diferente, pois passaria ao plano dos direitos individuais homogêneos, sem que nos autos tenha sido debatida e decidida qualquer situação concreta.
8. Correta a sentença ao extinguir o feito por carência de ação, no que diz respeito ao pedido de reconhecimento do direito subjetivo dos portadores de deficiência ao transporte rodoviário interestadual.
9. A pretensão à indenização por danos morais coletivos é hipótese que não pode ser excluída de antemão, pois a sua ocorrência é juridicamente admissível, em tese, como já reconheceu a Colenda Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça no julgamento de questão análoga.
10. Pertinente a anulação da sentença na parte em que entendeu incabível a apreciação do pedido de danos morais, passando-se ao julgamento do mérito, nesta parte, com fundamento no § 3º do art. 515 do CPC, visto que relação jurídico-processual está completa e a questão não demanda dilação probatória.
11. Na ausência de regulamentação da Lei 8.899/94, não estava configurado o direito subjetivo dos portadores de deficiência ao passe livre, porque o conteúdo do direito ainda dependia de detalhamento e delimitações por parte do Poder Executivo, o que veio a ser corroborado pelas disposições regulamentares (Decreto 3.691/2000 e pela Portaria Interministerial n. 03/2001).
12. Sem a devida regulamentação não se pode imputar às empresas permissionárias do transporte rodoviário interestadual qualquer responsabilidade por eventuais danos morais coletivos, decorrentes de obstáculos criados para o exercício daquele direito pelos portadores de deficiência.
13. É insofismável que o Poder Executivo federal extrapolou de forma gritante o comando legislativo para regulamentar em 90 dias o direito previsto no art. 1º da Lei 8.899/94, só vindo a fazê-lo cerca de seis anos depois da entrada em vigor deste diploma normativo.
14. Inexorável, destarte, a responsabilidade da União pela reparação destes danos de natureza coletiva, com fundamento no § 6º do art. 37 da Constituição Federal.
15. O arbitramento do valor deve obedecer a critérios distintos daqueles propostos na petição inicial e na apelação, para ser arbitrado em valor determinado, o que, em se tratando de processo de natureza coletiva, está compreendido nos poderes do juiz que Ada Pellegrini Grinover cita como "defining function".
16. Parcial provimento à apelação para anular parcialmente a sentença e, nos termos do § 3º do art. 515 do CPC, condenar a União Federal ao pagamento de indenização no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), a ser destinada ao fundo previsto no art. 13 da Lei 7.347/85. Sem condenação em honorários advocatícios. Grifei.


Diferentemente daquela da ACP nº. 2000.61.00.01642-6, o presente feito envolve a discussão do direito dos deficientes comprovadamente carentes, ao transporte interestadual gratuito - "passe livre" instituído pela Lei 8.899/94, sem a limitação de 2 (dois) assentos por veículo, impostas no artigo 1º do Decreto nº. 3.691/2000, no entanto, o pedido de condenação da União por dano moral coletivo, em razão do ato omissivo, consistente ausência da edição do decreto regulamentar no prazo determinado em lei é o mesmo.

Dessa forma, ante o julgamento da referida ACP pela Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, condenando a União Federal ao pagamento de indenização no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), forçoso reconhecer a coisa julgada em relação ao específico pedido de condenação da União por dano moral coletivo, ante a coincidência de partes, pedido e causa de pedir.


II - d) Do âmbito de abrangência da decisão.


A r. sentença declarou que a decisão ali proferida produziria efeitos nos limites da competência territorial daquela Vara, nos termos do art. 2º da Lei 9.494/97 que alterou a redação do art. 16 da Lei 7.347/85.


Defende o autor que a decisão prolatada em ação civil pública deve produzir efeitos em todos território nacional.


A sentença merece reparos nesse aspecto.


Conforme exposto no voto da Relatora Ministra Nancy Andrighi, proferido no REsp 1.243.386- RS, a restrição do art. 2º-A da Lei 9.494/94 somente se aplica nos caso de substituição processual, quando a ação coletiva for proposta por entidade associativa, na defesa dos direitos de seus associados, deixando consignado que nos casos em que a tutela buscada abranger todo a categoria profissional, a limitação não se aplica:



PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO COLETIVA AJUIZADA POR SINDICATO. SOJA TRANSGÊNICA. COBRANÇA DE ROYALTIES. LIMINAR REVOGADA NO JULGAMENTO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. CABIMENTO DA AÇÃO COLETIVA.
LEGITIMIDADE DO SINDICATO. PERTINÊNCIA TEMÁTICA. EFICÁCIA DA DECISÃO. LIMITAÇÃO À CIRCUNSCRIÇÃO DO ÓRGÃO PROLATOR.
1. O alegado direito à utilização, por agricultores, de sementes geneticamente modificadas de soja, nos termos da Lei de Cultivares, e a discussão acerca da inaplicabilidade da Lei de Patentes à espécie, consubstancia causa transindividual, com pedidos que buscam tutela de direitos coletivos em sentido estrito, e de direitos individuais homogêneos, de modo que nada se pode opor à discussão da matéria pela via da ação coletiva.
2. Há relevância social na discussão dos royalties cobrados pela venda de soja geneticamente modificada, uma vez que o respectivo pagamento necessariamente gera impacto no preço final do produto ao mercado.
3. A exigência de pertinência temática para que se admita a legitimidade de sindicatos na propositura de ações coletivas é mitigada pelo conteúdo do art. 8º, II, da CF, consoante a jurisprudência do STF. Para a Corte Suprema, o objeto do mandado de segurança coletivo será um direito dos associados, independentemente de guardar vínculo com os fins próprios da entidade impetrante do 'writ', exigindo-se, entretanto, que o direito esteja compreendido nas atividades exercidas pelos associados, mas não se exigindo que o direito seja peculiar, próprio, da classe. Precedente.
4. A Corte Especial do STJ já decidiu ser válida a limitação territorial disciplinada pelo art. 16 da LACP, com a redação dada pelo art. 2-A da Lei 9.494/97. Precedente. Recentemente, contudo, a matéria permaneceu em debate.
5. A distinção, defendida inicialmente por Liebman, entre os conceitos de eficácia e de autoridade da sentença, torna inóqua a limitação territorial dos efeitos da coisa julgada estabelecida pelo art. 16 da LAP. A coisa julgada é meramente a imutabilidade dos efeitos da sentença. Mesmo limitada aquela, os efeitos da sentença produzem-se erga omnes, para além dos limites da competência territorial do órgão julgador.
6. O art. 2º-A da Lei 9.494/94 restringe territorialmente a substituição processual nas hipóteses de ações propostas por entidades associativas, na defesa de interesses e direitos dos seus associados. A presente ação não foi proposta exclusivamente para a defesa dos interesses trabalhistas dos associados da entidade. Ela foi ajuizada objetivando tutelar, de maneira ampla, os direitos de todos os produtores rurais que laboram com sementes transgênicas de Soja RR, ou seja, foi ajuizada no interesse de toda a categoria profissional. Referida atuação é possível e vem sendo corroborada pela jurisprudência do STF. A limitação do art. 2-A, da Lei nº 9.494/97, portanto, não se aplica.
7. Recursos especiais conhecidos. Recurso da Monsanto improvido.
Recurso dos Sindicatos provido. (REsp 1243386/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/06/2012, DJe 26/06/2012)


A presente ação foi proposta para tutela em defesa do direito ao 'passe livre' - transporte interestadual gratuito, conferido aos deficientes, comprovadamente carentes, não se resumindo a apenas um grupo, mas a todos aqueles que se encontre na mesma situação. Adite-se que a restrição dos efeitos da sentença nos limites da competência territorial do Juízo prolator, se quer atenderia à finalidade do próprio objeto da ação, que é o transporte interestadual, dessa forma, os efeitos da decisão devem ser estendidos a todo território nacional.


Ante o exposto, conheço do reexame necessário, tido por interposto, para dar parcial provimento, bem como aos recursos da União, a fim de que a divulgação e fiscalização do cumprimento da ordem judicial seja efetuada pela Agência Nacional de Transporte Terrestres - ANTT, e do Ministério Público Federal para declarar que os efeitos da decisão se estendam ao território nacional, reconhecendo a coisa julgada em relação ao pedido de dano moral coletivo em face da União. Nego provimento às apelações e ao recuso adesivo das requeridas transportadoras, mantendo no mais os termos postos na sentença.



NERY JÚNIOR
Desembargador Federal Relator


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