Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 08/08/2013
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001922-23.2006.4.03.6119/SP
2006.61.19.001922-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : FRICELDA FABIAN CASTRO
ADVOGADO : DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO : Justica Publica
EXCLUIDO : JOSE RAMON ROSARIO LOPEZ

EMENTA

PENAL. PROCESSO PENAL. ARTIGOS 304 C.C. 297, AMBOS DO CP. USO DE PASSAPORTE FALSO. PRIMEIRA SENTENÇA NULA. APELAÇÃO NÃO CONHECIDA. SEGUNDA SENTENÇA MAIS BENÉFICA; NON REFORMATIO IN PEJUS. AUTORIA E MATERIALIDADE INCONTESTES. DOLO CARACTERIZADO. PENA-BASE REDUZIDA AO MÍNIMO LEGAL. DELAÇÃO PREMIADA. LEI 9.807/99. PENA DEFINITIVA AQUÉM DO MÍNIMO LEGAL. POSSIBILIDADE NO CASO CONCRETO. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
1. Primeira apelação da defesa não conhecida, vez que se refere a sentença totalmente nula.
2. Acórdão anterior anulou, por unanimidade e de ofício, a primeira sentença prolatada, a fim de que fosse sanada a omissão apontada, quanto ao regime de cumprimento da pena. Na segunda sentença condenatória o Juízo de primeiro grau não se restringiu a observar os limites traçados pelo acórdão. Deveria tão-somente ter estipulado o regime de cumprimento da pena. No entanto, foi além disso, estabelecendo uma nova sentença condenatória, díspare da primeira, perceptivelmente mais favorável ao réu, que se mantém com fulcro no postulado do non reformatio in pejus.
3. A segunda apelação, referente à segunda sentença, é conhecida e parcialmente provida.
4. Materialidade restou comprovada nos autos, por meio do conjunto probatório, mormente pelo laudo de exame documentoscópico realizado no passaporte apreendido, tendo sido constatado pela perícia que o passaporte foi falsificado por montagem, a partir de um documento autêntico cuja página de identificação foi lavada e reimpressa com o uso de impressora a jato de tinta.
5. Quanto à autoria, não há dúvida de que a apelante fez uso do passaporte falso quando de seu embarque, no Aeroporto de Guarulhos, com destino à Espanha, tendo sido presa em flagrante.
6. Dolo bem configurado, não havendo como alegar desconhecimento da falsidade do documento, vez que este não foi obtido pelas vias tradicionais, mas de modo alternativo, apto a suscitar indagações acerca de sua lisura
7. A pena-base foi elevada por conta de culpabilidade, personalidade e motivos determinantes. Todavia, o fato de ter sido aposto sinal público ilegítimo no passaporte utilizado (carimbo) configura, na verdade, mais um elemento característico do tipo penal, integrante do processo de falsificação do documento, na busca por tornar verossímil as informações nele inscritas, não tornando a conduta mais carregada de culpabilidade ou indicativa de qualquer desvalor em sua personalidade, posto que a quadrilha que tinha por escopo propiciar o embarque fraudulento de seus clientes fornecia o pacote completo, sendo provável o desconhecimento da ré acerca dos meandros da falsificação. Pena-base reduzida ao piso legal.
8. Incidente na hipótese a causa especial de diminuição da pena em razão da delação premiada, conforme disposto no art. 14, da Lei nº 9.807/99, conquanto a apelante colaborou voluntariamente para a identificação do corréu Javier, que inclusive foi inserido no pólo passivo pela acusação em aditamento da inicial.
10. Aplicada a redução na fração mínima de 1/3, resultando a pena privativa de liberdade definitiva em 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão e 6 (seis) dias-multa, mantidas as demais condições fixadas na sentença, já que possibilitada a identificação de apenas um corréu, não da organização criminal inteira.
11. Aqui não cabe fazer uso da Súmula 231 do STJ, sendo perfeitamente cabível que a pena perdure aquém do mínimo legal, pois não se trata de aplicação, na segunda fase, de circunstância atenuante, como expressamente vedado no preceito sumulado, mas de instituto diverso, causa de diminuição da pena trazida por lei específica, a ser computado em fase distinta da dosimetria, na terceira fase.
12. Não conhecida a primeira apelação, a segunda é parcialmente provida para reduzir a pena a 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão e 6 (seis) dias-multa.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, não conhecer da primeira apelação interposta, por se referir a sentença nula; conhecer da segunda apelação para lhe dar parcial provimento, reduzindo a pena para 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão e 6 (seis) dias-multa, mantidas as demais condições estipuladas mantidas as demais condições estipuladas, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 30 de julho de 2013.
JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001922-23.2006.4.03.6119/SP
2006.61.19.001922-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : FRICELDA FABIAN CASTRO
ADVOGADO : DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO : Justica Publica
EXCLUIDO : JOSE RAMON ROSARIO LOPEZ

RELATÓRIO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Trata-se de apelação (fls.634/638) interposta por FRICELDA FABIAN CASTRO contra a segunda sentença (fls.612/631), que a condenou pela prática do delito previsto nos artigos 304 e 297, ambos do Código Penal.

Narra a denúncia que (fls. 02/04):

"Conforme se apurou, no dia 24 de março de 2.006, por volta das 15 horas, no Aeroporto Internacional de Guarulhos-SP, quando pretendia embarcar em vôo da empresa "IBERIA", com destino a Madri/Espanha, a denunciada fez uso do passaporte da República de Costa Rica falso nº 112350634, contendo carimbo de fiscalização migratória falsificado, tendo-o apresentado ao Agente da Polícia Federal KARIM YOUSSEF BOURDOUKAN.
O APF KARIM, em análise dos referidos documentos, verificou que o carimbo de imigração nº 0031 constante no passaporte da denunciada apresentava-se fora dos padrões utilizados pelo Departamento de Polícia Federal com indícios de adulteração.
Em virtude disso, o APF conduziu a ora denunciada à presença da Autoridade Policial. Confirmada a falsidade do carimbo utilizado no passaporte exibido pela denunciada e no Cartão de Entrada/Saída, proferiu-lhe a Autoridade Policial voz de prisão em flagrante, cientificando-Ihe dos seus direitos constitucionais.
Em seu interrogatório (f1s. 05/06), reservou-se a acusada no direito de somente se manifestar acerca dos fatos que lhes são imputados em juízo.
Averiguou-se que sequer existia tal carimbo identificado com o número 31, bem como havia discrepância em relação aos carimbos utilizados pela imigração.
Dessa forma, resta comprovada a materialidade do crime em tela, visto que a associação entre os relatos das testemunhas Agentes da Polícia Federal, logo após a análise acurada entre os padrões oficiais dos carimbos da Polícia e os presentes nos documentos apreendidos, permite deduzir que a ora denunciada efetivamente falsificara documentos públicos e os utilizara contra autoridade pública competente."

A denúncia foi recebida em 26/04/2006 (fls. 48).

O Ministério Público Federal aditou a denúncia (fls. 230/231) para denunciar a ré também pelo uso de documento público falso.

Foi recebido o aditamento da denúncia em relação ao acusado José Ramon Rosário Lopez e designado o dia 10/04/2007 para o seu interrogatório (fls. 419). Citado por edital o réu não compareceu, tendo sido determinada a suspensão do processo e do prazo prescricional (fls. 452). Os autos foram desmembrados em relação ao réu Ramon Rosário Lopez (fls. 454).

Regulamente processado o feito, sobreveio sentença (fls. 534/539) que condenou a ré Fricelda Fabian Castro a 03 (três) anos de reclusão, bem como ao pagamento de 30 (trinta) dias-multa, pela prática do crime descrito no artigo 304 c.c. o artigo 297, ambos do Código Penal.

A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em: prestação de serviços à comunidade a ser designada pelo Juízo da execução, pelo prazo da pena privativa de liberdade, e prestação pecuniária, no valor de um salário mínimo, mediante depósito comprovado nos autos, em favor da entidade assistencial RECANTO DO IDOSO sito na Rua Serra Azul, nº 400, Vila Carmela, Bonsucesso, Guarulhos/SP.

Inconformada, apela a acusada (fls.553/560), pleiteando a absolvição pela atipicidade da conduta em razão do erro de tipo. Caso mantida a condenação, pede que a pena seja fixada no mínimo legal e que seja aplicada a causa de diminuição de pena, em razão da delação premiada, no patamar máximo de 2/3 (dois terços).

Sendo a primeira sentença omissa quanto ao regime de cumprimento da pena, foi anulada, de ofício, para que fosse sanada a omissão (fl.599 - verso).

Foi proferida nova decisão pelo Juízo a quo (fls.612/631), que não esteve adstrita aos limites traçados pelo acórdão, estipulando à ré a pena de 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime aberto, e 15 (quinze) dias-multa no piso legal, substituída a pena privativa de liberdade por prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária de 04 (quatro) salários mínimos ao Asilo São Vicente de Paulo de Guarulhos.

Apela agora, pela segunda vez, a Defensoria Pública da União (fls.634/638), contra a segunda sentença prolatada, pleiteando a aplicação da pena-base e da pena de multa bem próximas ao mínimo; a aplicação da delação premiada no patamar máximo, 2/3 (dois terços); redução do número de dias-multa; o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva estatal pela pena in concreto.

Contrarrazões ministeriais (fls.641/649) pelo improvimento do recurso, mantendo-se a sentença recorrida.

Parecer da Procuradoria Regional da República (fls.652/654) pela declaração de nulidade parcial da nova sentença, permanecendo válida apenas quanto à omissão suprida, sendo conhecida e parcialmente provida a apelação anterior, nos termos já manifestados.

É o relatório.

À revisão.



JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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Data e Hora: 28/05/2013 13:25:37



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001922-23.2006.4.03.6119/SP
2006.61.19.001922-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : FRICELDA FABIAN CASTRO
ADVOGADO : DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO : Justica Publica
EXCLUIDO : JOSE RAMON ROSARIO LOPEZ

VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

O primeiro apelo não comporta ser conhecido, tampouco provido, enquanto que a segunda apelação há de ser parcialmente provida.

1. Da primeira apelação da defesa.

Não conheço da primeira apelação da defesa (fls.553/560), uma vez que se refere à sentença nula, como se verá.

A primeira sentença condenatória foi declarada totalmente nula. Isto porque o acórdão de fl.602 anulou, por unanimidade e de ofício, a primeira sentença prolatada, a fim de que fosse sanada a omissão apontada, quanto ao regime de cumprimento da pena, restando prejudicada a análise do restante da apelação.

No entanto, constata-se que o Juízo de primeiro grau não se restringiu a observar os limites traçados pelo acórdão. Deveria tão-somente ter estipulado o regime de cumprimento da pena privativa de liberdade. No entanto, foi além disso, estabelecendo uma nova sentença condenatória, díspare da primeira.

Vale dizer, enquanto na primeira sentença prolatada a pena estipulada alçava 03 (três) anos de reclusão e 30 (trinta) dias-multa, o segundo édito condenatório estipulou à ré a pena de 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime aberto, e 15 (quinze) dias-multa.

Sendo perceptivelmente mais favorável ao réu, há de ser mantida a segunda sentença, com fulcro no postulado do non reformatio in pejus.

Desse modo, reconheço a validade da segunda sentença, sendo nula a primeira, como já declarado alhures, não sendo conhecida a apelação a ela atinente.

2. Da segunda apelação da defesa.

2.1 Do dolo.

Pleiteia a ré sua absolvição pela atipicidade da conduta, com exclusão do dolo, em razão de erro de tipo.

A materialidade esteve bem configurada através da prova em que lastreado o decisum. O laudo documentoscópico de fls.111/113 atesta, a respeito do passaporte apreendido e acostado à fl.115:

"(...) o passaporte foi falsificado por montagem, a partir de um documento autêntico cuja página de identificação foi lavada e reimpressa com o uso de impressora a jato de tinta."

A autoria da ré, presa em flagrante delito, por sua vez, esteve amplamente caracterizada, restando igualmente inconteste.

Quanto ao elemento subjetivo da conduta, aduz a defesa que a ré é pessoa humilde, de parcos conhecimentos, sendo que no país de origem trabalhava distribuindo folhetos de propaganda de uma escola de informática nas ruas e que, desse modo, não possuía o potencial conhecimento da ilicitude, desconhecendo qualquer ilegalidade da adulteração contida no documento de viagem que portava.

Sustenta a defesa que, no entendimento da apelante, teria ela preenchido os requisitos legais, já que teria obtido o passaporte em um escritório próprio, acompanhada da Srª Rud, que também foi com ela à Embaixada do Brasil na República Dominicana para tirar o visto.

No entanto, a tese defensiva não prospera à uma análise mais acurada dos autos.

Na fase indiciária (fl.11), optou a acusada por fazer uso do direito que lhe é constitucionalmente garantido de ficar calada.

Em seu primeiro interrogatório em Juízo (fls.77/78), apresentou versão que, de acordo com seu reinterrogatório (fls.397/399), foi coagida a dizer.

Reinterrogada, asseverou que:

"(...) o Sr. JAVIER a procurou na mesma noite esclarecendo-lhe que o emprego na realidade não era no Brasil, e sim na Espanha e, para isso, precisaria de todos os documentos da interroganda inclusive o passaporte da República Dominicana e uma foto. (...) Que, inclusive, suas digitais foram retiradas pelo Sr. JAVIER chegando a declinar a interroganda também o nome de seu pai e de sua mãe. Que, JAVIER lhe disse que tudo isto era necessário para conseguir o visto para o ingresso da interroganda na Espanha. Que, JAVIER, após 4 dias retornou ao hotel e forneceu para a interroganda um passaporte da Costa Rica afirmando-lhe que um amigo chegou a trocar o passaporte da República Dominicana para Costa Rica, eis que, isto só iria beneficiar a interroganda pois a mesma ficaria com dupla nacionalidade e poderia ingressar tranquilamente na Espanha. Que, não tinha noção que o passaporte era falsificado."

Não se faz crível a versão da defesa acerca do desconhecimento da falsidade documental. Ora, sendo costariquenha, das declarações da ré verifica-se que tirou passaporte na República Dominicana. No Brasil, foi procurada no hotel por Javier, a quem forneceu todos os dados, incluindo foto e digitais, que providenciou novo passaporte, da Costa Rica, falso, o qual foi utilizado pela ré na tentativa de embarcar para a Espanha.

Não há como alegar desconhecimento da falsidade do documento, vez que este não foi obtido pelas vias tradicionais, mas de modo alternativo, apto a suscitar indagações acerca de sua lisura.

Tampouco esteve caracterizado o propalado erro de tipo.

De rigor, pelo exposto, a manutenção da condenação da ré por uso de documento público falso.

2.2 Da pena-base no mínimo.

Mantida a condenação, pede a apelante que a pena seja fixada no mínimo legal.

A sentença recorrida embasou o acréscimo da reprimenda, na primeira fase da dosimetria, na culpabilidade, na personalidade e nos motivos determinantes (fls.624/627):

"A) Culpabilidade: analisada a culpabilidade agora em seu sentido lato - análise esta bem diferente do já apreciado tópico nº 3 - culpabilidade em sentido estrito (imputabililidade, potencial consciência da ilicitude e exigilidade de conduta diversa), nesta fase, a culpabilidade deve ser analisada sob o foco da reprovação social que o fato delituoso e seu autor merecem, devendo atuar como critério limitador da pena, e não como elemento do conceito analítico de crime.Pode-se dizer, portanto, que a culpabilidade prevista neste art. 59 é o conjunto de todos os demais elementos presentes em tal tipo ou seja, antecedentes + conduta social + personalidade do agente + motivos do crime + circunstâncias do delito + consequências do crime + comportamento da vítima = culpabilidade maior ou menor. Fixadas tais diferenciações, entendo merecedora a devida reprovação social que o delito perpetrado evidencia, mercê da ignomínia que corrói as bases de nossa sociedade. Outrossim, evidente a reprovabilidade da conduta do agente pelo cometimento de crime de uso de documento falso, que afronta a fé pública;
B) Antecedentes: neste tópico, será analisado tudo o que ocorreu, no campo penal, ao agente, antes da prática do fato delituoso, ou seja, sua vida pregressa em matéria criminal. Analisando-se os registros de antecedentes criminais da ré às fls. 73, 99, 141, 155 e 173, verifico que a mesmo não possui maus antecedentes criminais.
C) Conduta Social: Nada de desabonador apurou-se.
D) Personalidade: O magistrado deve apreciar, neste momento, na visão de Mario Fedeli, "a particular visão dos valores de um indivíduo, os seus centros de interesse e o seu modo de chegar ao valor predominante para o qual tende. A personalidade é que vai constituir a originalidade e a nobreza da individualidade, pois ela revela as escolhas e preferências dadas a um determinado valor". Na valiosa análise de Aníbal Bruno, pode-se encontrar na personalidade valiosa contribuição para a fixação da pena, pois não se deve "esquecer que o crime nasce do encontro de determinada personalidade com determinada circunstância". A acusada demonstrou ter personalidade voltada para o crime, demonstrando, com tal postura, valores negativos nesta primeira fase da dosimetria da pena.
E) Motivos Determinantes: os motivos ensejadores do crime - plexo de situações que faz alguém agir criminosamente - merece maior reprovação posto que a conduta da ré, com o objetivo de adentrar e permanecer em solo estrangeiro, burlando as vias legais para a entrada em mencionado país objetivou lograr êxito através de um modelo legal de conduta proibida.
F)Circunstâncias Objetivas: a infração cometida pela ré faz presumir um perigo ao bem jurídico fé pública;
G) Consequências: o mal causado pelo crime, que transcende o resultado típico, é a conseqüência a ser considerada para a fixação da pena neste momento. In casu, verifico que as conseqüências não foram danosas, pois o documento falso foi apreendido logo após ter sido usado pela ré.
H) Comportamento da Vítima: o sujeito passivo primário (imediato) deste crime é o Estado, não tendo, no presente caso, vítimas secundárias (terceiro eventualmente lesado pela conduta delitiva).Assim sendo, fixo a pena base da ré, nesta fase, acima do mínimo legal, resultando em 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão."

Observo, no entanto, que o fato de ter sido aposto sinal público ilegítimo no passaporte utilizado, a saber, carimbo de fiscalização migratória falsificado nº 0031, que se apresentava fora dos padrões utilizados pelo Departamento de Polícia Federal, com indícios de adulteração, conforme notado pelo Agente da Polícia Federal, configura, na verdade, mais um elemento característico do tipo penal.

A aposição de carimbo de fiscalização migratória falso no passaporte falsificado integrava o processo de falsificação do documento, na busca por tornar verossímil as informações nele inscritas. Considerando que a ré adquiriu o documento espúrio em sua totalidade, a fim de embarcar para a Espanha, o simples fato de conter um carimbo inexistente não torna sua conduta mais carregada de culpabilidade ou indica qualquer desvalor em sua personalidade, posto que a quadrilha que tinha por escopo propiciar o embarque fraudulento de seus clientes fornecia o pacote completo, sendo provável o desconhecimento da ré acerca dos meandros da falsificação.

Tampouco os motivos determinantes dão ensejo à fixação da pena-base além do mínimo. A conduta delitiva da ré teve lugar somente porque almejava ela melhores condições de vida, que buscava através do trabalho em outro país. A pretensão de trabalhar não pode ser considerada de modo negativo.

Desse modo, razão assiste à apelante. Estando ausentes quaisquer outras circunstâncias desabonadoras do artigo 59 do Código Penal, fixo-lhe a pena-base no piso legal, em 02 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa.

3.3 Da delação premiada.

Postula a apelante seja aplicada a causa de diminuição de pena, em razão da delação premiada, no patamar máximo de 2/3 (dois terços).

O Juízo a quo deixou de aplicar a causa de diminuição prevista no artigo 14 da Lei 9.807/99 por considerar as novas trazidas pela ré vagas e inaptas a prestar efetiva contribuição para a Justiça, ou seja, algum esclarecimento a respeito da organização criminosa.

O Ministério Público Federal, em contrarrazões (fl.569), manifesta-se pela redução da pena, pois entende que a delação foi eficaz, fornecendo a ré informações que levaram à identificação e ajuizamento de ação penal contra José Ramon Rosário Lopez, mas no patamar mínimo, pois se referiu a apenas um envolvido.

A Procuradoria Regional da República (fl.589 - verso) manifestou-se no mesmo sentido.

Conforme se verifica do novo interrogatório da ré, esta fornece elementos precisos aptos a identificar um dos integrantes da quadrilha, Javier, tanto é que a acusação ofereceu aditamento à denúncia a fim de incluí-lo no pólo passivo da ação penal, que todavia foi desmembrada em relação ao mesmo. Dessa feita, faz jus a apelante ao benefício pleiteado.

Ressalte-se que, como bem salientado pelo Ministério Público Federal, a ré deu ensejo ao descortinamento da atuação de apenas um corréu, e não de toda a organização criminosa.

Conforme estabelece a lei em comento:

Art. 14. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime, na localização da vítima com vida e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um a dois terços.

Assim, o patamar a ser aplicado de diminuição da pena é o mínimo legal, em 1/3 (um terço), resultando a pena em 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão e 6 (seis) dias-multa, no piso legal, mantendo a substituição estabelecida em primeiro grau.

Aqui não cabe fazer uso da Súmula 231 do STJ, sendo perfeitamente cabível que a pena perdure aquém do mínimo legal, pois não se trata de aplicação, na segunda fase, de circunstância atenuante, como expressamente vedado no preceito sumulado, mas de instituto diverso, causa de diminuição da pena trazida por lei específica, a ser computado em fase distinta da dosimetria, na terceira.

Nesse sentido, colaciono acórdão deste Sodalício:

DIREITO PENAL. PROCESSUAL PENAL. DOCUMENTRO PÚBLICO. FALSIFICAÇÃO E USO. PASSAPORTE. ADULTERAÇÃO. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DELAÇÃO PREMIADA. LEI 9.807/99. PERDÃO JUDICIAL. INOCORRÊNCIA. HIPÓTESE DE REDUÇÃO DA PENA. EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. ALEGAÇÃO DE DIFICULDADES FINANCEIRAS. CONDENAÇÃO MANTIDA. RÉ CONDENADA PELO USO. ART. 304 DO CP. PENA DEFINITIVA AQUÉM DO MÍNIMO LEGAL. POSSIBILIDADE NO CASO CONCRETO. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO PREVISTA EM LEI ESPECÍFICA. DOSIMETRIA DA PENA. AUSÊNCIA DE RECURSO DA ACUSAÇÃO. PENA MANTIDA. RÉ CONDENADA PELA FALSIFICAÇÃO. ART. 297 DO CP. REDUÇÃO DA PENA-BASE. AGRAVANTE. ART. 62, IV, DO CP. PENA DEFINITIVA REDUZIDA. REGIME INICIAL ABERTO. SUBSTITUIÇÃO POR DUAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. REQUISITOS LEGAIS PRESENTES. ART. 44 DO CP. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. 1. A materialidade dos delitos restou comprovada nos autos, por meio do conjunto probatório, mormente pelo laudo de exame documentoscópico, realizado no passaporte apreendido, tendo sido constatado pela perícia que o documento é original e autêntico, com todos os requisitos de segurança, expedido por autoridade brasileira, com nº CG 885772, data de expedição de 28/09/1995 e validade até 27/09/2005, porém, durante o exame pericial, verificaram os peritos que o documento sofreu posterior adulteração, por substituição da fotografia original e de dados, adulteração essa capaz de iludir o homem de conhecimento mediano. No tocante ao visto consular norte-americano concluíram que apresenta indícios de adulteração por substituição dos dados pessoais e da fotografia original. 2. Quanto à autoria do delito de uso de documento falso, não há dúvida de que a corré Edvany fez uso do passaporte quando de seu embarque, no Aeroporto de Guarulhos, com destino à Nova York, tendo sido deportada pelas autoridades de imigração dos EUA ao constatarem a adulteração no passaporte e no visto. 3. Assim, tem-se que a referida documentação, providenciada por terceiro, a pedido da corré, foi por esta efetivamente utilizada e apresentada às autoridades brasileiras e norte-americanas, com a finalidade de permitir sua entrada nos EUA, não tendo logrado êxito, sendo naquela ocasião deportada, de modo que presente o dolo, elemento subjetivo do tipo penal uso de documento falso. 4. Nesse ponto, convém registrar, que não é o caso de aplicação do benefício do perdão judicial, previsto no art. 13 da Lei nº 9.807/99, em favor de Edvany, conquanto a sua colaboração não foi plena, de modo a elucidar os fatos envolvendo outras pessoas na trama delituosa, como a citada Neusa, que, possivelmente, integre organização criminosa, quadrilha, grupo ou bando especializado na falsificação de documentos com objetivo de franquear aos interessados a entrada nos EUA, principalmente de pessoas da cidade e região de Governador Valadares, Estado de Minas Gerais. 5. Não decorre dos fatos e das circunstâncias do caso concreto que a ré deva ser absolvida pela excludente de inexigibilidade de conduta diversa, como deduzido na apelação, pois, dificuldades financeiras, ainda que intensas, não autorizam, não escusam e nem justificam a prática do crime, vale dizer, os argumentos de dificuldades financeiras e a intenção de buscar uma qualidade de vida melhor fora do país não excluem a prática do crime de uso de documento público falso, no caso, adulterado com a inserção de fotos da ré Edvany no original e autêntico passaporte e visto emitido para terceira pessoa. 6. Todavia, incidente na hipótese a causa especial de diminuição da pena em razão da delação premiada, conforme disposto no art. 14, da Lei nº 9.807/99, conquanto Edvany colaborou voluntariamente para a identificação da corré Rogéria, sendo adequada a redução aplicada pela sentença na fração mínima de 1/3, resultando a pena privativa de liberdade definitiva em 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão. 7. Em face do quadro probatório, inequívoco que a corré Edvany praticou o crime de uso de documento público falso, sendo de rigor manter o decreto condenatório fundado no art. 304, c.c. art. 297, do CP. 8. Quanto à corré Rogéria, comprovadas a materialidade e a autoria do crime, deve ser mantida a sua condenação por infração apenas à norma contida no art. 297 do CP (falsificação de documento público), não havendo prova para sua condenação por participação no crime de uso de documento falso. 9. Considerando as circunstâncias do caso concreto e a conduta da ré (adulteração de passaporte e visto), a pena-base deve ser reduzida para o mínimo legal, ou seja, 2 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, não podendo ser considerada para exacerbar a pena a existência de ação penal em andamento contra si, não existindo outros elementos a justificar o aumento da pena-base. 10. Aplicação da Súmula 444, do Superior Tribunal de Justiça. 11. Presente a agravante do art. 62, inc. IV, do CP, conquanto demonstrado que a corré Rogéria receberia pelo serviço de providenciar o passaporte adulterado, bem como o visto nele aposto, impondo-se o aumento da pena na proporção de 1/6, como determinado na sentença, elevando a pena privativa de liberdade para 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, e 11 (onze) dias-multa, que, ausentes causas de aumento e de diminuição, deve tornar-se definitiva, tendo a pena privativa de liberdade cumprimento inicial no regime aberto, considerando o disposto no art. 33, § 2º, "c", do CP, e à míngua de circunstâncias judiciais desfavoráveis. 12. Cabe anotar, por último, que, no caso da corré Edvany, incide a causa especial de diminuição da pena em razão da delação premiada, conforme disposto no artigo 14, da Lei nº 9.807/99, conquanto ela colaborou de forma voluntária para a identificação da corré Rogéria, sendo adequada a redução aplicada pela sentença na fração mínima de 1/3, resultando a pena privativa de liberdade definitiva em 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão. 13. Atento aos mesmos critérios, a pena de multa foi aplicada, pelo juízo a quo, no patamar mínimo, e, com a incidência da causa especial de diminuição prevista no art. 14 da Lei nº 9.807/99, resultou em 07 (sete) dias-multa, sendo cada dia-multa fixado no valor correspondente a 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos, a ser atualizado no momento da execução, nos termos do art. 49 do CP. 14. Assim, levando-se em conta os do art. 44, do CP, principalmente a quantidade da pena privativa de liberdade aplicada, cabível a substituição desta por duas penas restritivas de direitos, uma pecuniária, no caso, no valor de cinco salários mínimos, e outra de prestação de serviços à comunidade, em instituição a ser indicada pelo juízo da execução. 15. Em suma, com relação à corré Edvany Gomes Pereira, deve ser mantida a sentença que a condenou pelo crime descrito no art. 304, c.c. art. 297, do CP, às penas de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão e multa de 7 (sete) dias-multa, no valor unitário de um trigésimo do salário mínimo vigente à época dos fatos, a ser atualizado no momento da execução, sendo a pena privativa de liberdade com início de cumprimento em regime aberto. Contudo, presentes os requisitos do art. 44, do CP, merece ser mantida, tal como posto na sentença, a substituição da pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, uma de prestação pecuniária e outra de prestação de serviços à comunidade, as quais se mostram adequadas e suficientes para a reprimenda no caso concreto. 16. Quanto à corré Rogéria Aparecida da Silva, comprovadas a autoria e materialidade delitivas, merece, também, ser mantida a sentença que a condenou pela prática do delito do art. 297, do CP, apenas com parcial provimento da apelação para reduzir a pena-base para 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e multa de 11 (onze) dias-multa, no valor unitário de um trigésimo do salário mínimo vigente à época dos fatos, para cumprimento em regime aberto, e, considerando presentes os requisitos do art. 44, do CP, substituir a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, uma de prestação pecuniária e outra de prestação de serviços à comunidade, nos termos acima explicitados. 17. Apelação da corré Edvany a que se nega provimento e apelação da corré Rogéria a que se dá parcial provimento, para reduzir a pena privativa de liberdade e a de multa, mantida íntegra a sentença quanto ao mais.
(ACR 00045144520034036119, JUIZ CONVOCADO VALDECI DOS SANTOS, TRF3 - SEGUNDA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:06/12/2012 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)

Ante o exposto, não conheço da primeira apelação interposta, por se referir a sentença nula; conheço da segunda apelação para lhe dar parcial provimento, reduzindo a pena para 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão e 6 (seis) dias-multa, mantidas as demais condições estipuladas.

É o voto.



JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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