Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 08/08/2013
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0007245-72.2007.4.03.6119/SP
2007.61.19.007245-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : CARLOS ROBERTO PEREIRA DORIA reu preso
ADVOGADO : ERICA DE OLIVEIRA HARTMANN (Int.Pessoal)
: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00072457220074036119 6 Vr GUARULHOS/SP

EMENTA


PENAL. PROCESSO PENAL. ARTIGO 171, "CAPUT" E §3º DO CÓDIGO PENAL. CONDENAÇÃO. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. DOSIMETRIA. APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. MAJORAÇÃO DA PENA. RECURSO DA DEFESA. REDUÇÃO DA PENA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. MODIFICAÇÃO DE REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DA SANÇÃO CORPORAL.
1. No delito de estelionato contra a Previdência Social, em que há percepção de parcelas sucessivas do benefício, consubstancia delito de caráter permanente, em que o momento consumativo se protrai no tempo e cujo cômputo do lapso prescricional tem início a contar da data em que cessar a permanência, ou seja, a partir do momento em que ocorrer o último pagamento do benefício fraudulento, sem ignorar a decisão da Suprema Corte proferida no HC 86.467/RS, publicado em 22.07.2007.
2. Não decorreu o lapso prescricional entre a data da cessação da permanência, tampouco entre a data da percepção da primeira parcela do benefício fraudulento e a do recebimento da denúncia, tampouco entre esta data e a data da publicação da sentença condenatória. Preliminar rejeitada.
3. A exasperação da pena-base em 01 (um) ano e 08 (oito) meses acima do mínimo legal em decorrência das circunstâncias judiciais desfavoráveis afigura-se diminuta e insuficiente para a reparação do delito.
4. O alto grau de reprovabilidade da conduta ante a desenvoltura profissional utilizada nas fraudes previdenciárias, bem assim a personalidade do acusado sem travas morais - aqui se está a considerar os antecedentes desabonadores desprovidos de condenação definitiva- e as conseqüências deletérias do crime, haja vista o prejuízo causado aos cofres públicos, na cifra de R$ 64.882,69 (sessenta e quatro mil, oitocentos e oitenta e dois reais e sessenta e nove centavos) justifica a elevação da pena base para 02 ( dois ) anos de reclusão.
5. O feito indicativo da reincidência não foi outrora considerado como circunstâncias judiciais desfavoráveis (maus antecedentes). Tratando-se, pois, de condenações criminais distintas, não se cogita de bis in idem.
6. O acréscimo de 1/6 ( um sexto) decorrente da reincidência foi bem fixado, porquanto há apenas uma única condenação definitiva.
7. A confissão judicial da acusado, porque servira de amparo ao édito condenatório enseja aplicação da atenuante genérica inserta no artigo 65, inciso III, alínea "d", do Código Penal. O Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso especial representativo de controvérsia ( art.543-C do CPC), firmou entendimento no sentido de que "(...) é possível, na segunda fase da dosimetria da pena, a compensação da atenuante da confissão espontânea com a agravante da reincidência" (RESP n.1.341.370-MT).
8. Compensada, na segunda fase da dosimetria da pena, a atenuante da confissão espontânea com a reincidência.
9. Na terceira etapa do sistema trifásico resta majorada de 1/3 (um terço) a pena base fixada nesta seara, em decorrência da causa de aumento prevista no §3º do artigo 171 do Código Penal, resultando definitiva em 02 (dois) anos e 08 ( oito) meses de reclusão e pagamento de 26 (vinte e seis) dias-multa, mantido o valor unitário estabelecido na sentença recorrida: 1/30 ( um trigésimo) do salário mínimo.
10. Desfavoráveis ao acusado as circunstâncias judiciais, resta plenamente justificado regime inicial mais gravoso de cumprimento de pena como fixado na sentença condenatória.
11. As circunstâncias judiciais desfavoráveis e a reincidência obstam a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, nos moldes do artigo 44, incisos II e III, do Código Penal.
12. O julgamento do apelo torna prejudicado o pleito de o acusado recorrer em liberdade.
13. Recurso de apelação do Ministério Público Federal parcialmente provido tão somente para majorar a pena base de 01 (um) ano e 08 (oito) meses de reclusão para 02 (dois) anos de reclusão. Recurso de apelação do acusado parcialmente provido tão somente para aplicar a atenuante genérica da confissão, disciplinada no artigo 65, inciso III, alínea "d", do Código Penal, compensando esta atenuante com a agravante genérica da reincidência.



ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a preliminar de prescrição e no mérito dar parcial provimento aos recursos do Ministério Público Federal e do acusado, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 30 de julho de 2013.
JOSÉ LUNARDELLI


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0007245-72.2007.4.03.6119/SP
2007.61.19.007245-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : CARLOS ROBERTO PEREIRA DORIA reu preso
ADVOGADO : ERICA DE OLIVEIRA HARTMANN (Int.Pessoal)
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APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00072457220074036119 6 Vr GUARULHOS/SP

RELATÓRIO


O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Trata-se de apelações criminais interpostas pelo Ministério Público Federal e pelo réu CARLOS ROBERTO PEREIRA DÓRIA em face da sentença que o condenou pela prática do crime descrito no artigo 171, "caput" e §3º, do Código Penal.

O Ministério Público Federal, inicialmente, denunciou SALVADOR NOVAES DE ALBUQUERQUE. Narra a peça acusatória que o segurado SALVADOR NOVAES ALBUQUERQUE, em 03 de novembro de 1999, induziu em erro o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), obtendo para si vantagem econômica ilícita, em prejuízo do Instituto, utilizando-se para tanto de documentos ideologicamente falsos, aplicados para a concessão do benefício Auxílio-Doença Previdenciário indevido, benefício que foi pago no período de 23/10/1999 a 01/09/2002.

De acordo com a denúncia, o acusado utilizou-se de falsa relação de salários de contribuição atribuída à empresa "ATIC- AREIA TERRAPLANAGEM, INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA", majorando seus rendimentos, bem como de documentos médicos atribuídos ao " AMBULATÓRIO DE SAÚDE SÃO MIGUEL" e "IRMANDADE DA SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE SÃO PAULO, documentos que a auditoria interna realizada pelo INSS considerou falsos.

A referida denúncia foi recebida em 27 de setembro de 2005 (fl.197). O denunciado SALVADOR NOVAES ALBUQUERQUE, por ocasião de seu interrogatório judicial, afirmou que entregou seus documentos a um indivíduo denominado Carlos, sem ter ciência de que Carlos havia inserido nos documentos dados espúrios com o fito de obter benefício previdenciário.

Instado a se manifestar acerca de eventual oferecimento de denúncia também contra CARLOS ROBERTO PEREIRA DÓRIA (fl.262), em face do qual também foi instaurado o inquérito policial (fl.08) o Ministério Público Federal postulou, num primeiro momento, o envio do laudo pericial técnico, para que pudesse se manifestar.

Acostado o laudo pericial às fls.282/289. Em 27 de novembro de 2006 o Ministério Público Federal ofereceu aditamento à denúncia para incluir no pólo passivo da ação penal CARLOS ROBERTO PEREIRA DÓRIA pelo cometimento do crime descrito no artigo 171, §3º, do Código Penal, relatando os fatos da seguinte forma:

"(...) SALVADOR NOVAES ALBUQUERQUE contou com o auxílio de CARLOS, ora denunciado, a quem entregou alguns documentos pessoais, com a finalidade de obter o benefício previdenciário fraudulento.
CARLOS providenciou a documentação exigida pelo INSS, tendo sido constatado, através do laudo de exame documentoscópico acostados às fls. 284/291, que ele foi o responsável pela falsificação de documentos utilizados para a obtenção do benefício fraudulento NB 31/115.438.157-6, recebido pelo já denunciado SALVADOR NOVAES ALBUQUERQUE.
(...) Desse modo, conclui-se que o ora denunciado concorreu para a prática do delito tipificado no artigo 171,§3º, do Código Penal Pátrio, na medida em que providenciou a falsificação de documentos apresentados perante o INSS e intermediou, valendo-se do nome de terceira pessoa, a saber, o procurador JÚLIO ANTÔNIO DA SILVA JÚNIOR, a obtenção fraudulenta do benefício de auxílio-doença em favor de SALVADOR NOVAES ALBUQUERQUE" (fls.292/294).

O aditamento foi recebido em 12 de fevereiro de 2007, tendo sido, neste ato, determinado o desmembramento do feito originário (nº.2004.61.19.007224-1), dando ensejo aos presentes autos que tramita tão somente em relação ao acusado CARLOS ROBERTO PEREIRA DÓRIA (fl.301).

Após regular instrução, sobreveio sentença (fls.1169/1175) que condenou o acusado à pena de 02 (dois) anos, 07 (sete) meses e 03 (três) dias de reclusão, em regime inicial fechado, bem como ao pagamento de 24 (vinte e quatro) dias-multa, no valor unitário de 1/30 ( um trigésimo) do salário mínimo, pela prática do delito previsto no artigo 171, "caput" e § 3º, do Código Penal.

A pena privativa de liberdade não foi substituída por restritivas de direitos, ante as circunstâncias judiciais desfavoráveis: circunstâncias do crime e personalidade do agente. Vedada apelação em liberdade, com lastro na necessidade de garantia da ordem pública e da aplicação da lei penal.

O Ministério Público Federal recorre, pleiteando, em síntese:

a) a majoração da pena base;

b) o aumento da exasperação decorrente da agravante da reincidência.

Pleito de reconhecimento da ocorrência da prescrição formulado pela defesa (fl.1188) que restou indeferido (fl.1190).

Contrarrazões da defesa (fls.1191/1193) no sentido de se negar provimento ao apelo do órgão ministerial.

Apela o réu (fl.1204), postulando (fls.1207/1215):

a) o reconhecimento do advento prescricional, aplicando-se o entendimento do Supremo Tribunal Federal firmado no HC nº. 86.467-8/RS quanto à consumação do crime de estelionato praticado contra a Previdência Social: crime instantâneo;

b) a redução da pena base ao piso legal, asseverando haver "bis in idem" com a reincidência;

c) alternativamente, a aplicação da atenuante da confissão espontânea;

d) seja fixado o regime inicial aberto para o cumprimento da sanção corporal;

e) seja substituída a pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, na forma do artigo 44 do Código Penal;

f) seja reconhecido o direito de o réu apelar em liberdade.

Contrarrazões do Ministério Público Federal (fls.1218/1225) pelo desprovimento do recurso da defesa.

Nesta Corte, o feito foi distribuído por prevenção ao Habeas Corpus nº. 0017513-10.2010.4.03.0000 (fl.1235 e v).

Parecer da Procuradoria Regional da República (fls.1236/1238) em prol de se dar parcial provimento aos recursos para aumentar a pena base e reconhecer a confissão, compensando esta atenuante com a agravante da reincidência.

É o relatório.

À revisão.


JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0007245-72.2007.4.03.6119/SP
2007.61.19.007245-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : CARLOS ROBERTO PEREIRA DORIA reu preso
ADVOGADO : ERICA DE OLIVEIRA HARTMANN (Int.Pessoal)
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APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00072457220074036119 6 Vr GUARULHOS/SP

VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

1. Da ocorrência da prescrição. O entendimento da Suprema Corte firmado no HC 86.467/RS é no sentido de que a hipótese reporta-se a crime instantâneo, fixando o termo inicial do lapso prescricional na data do recebimento da primeira parcela do benefício fraudulento.

Dele ouso discordar. Isso porque o crime de estelionato simples, descrito no "caput" do artigo 171 do Código Penal, pela natureza intrínseca da elementar do tipo penal consistente em obter vantagem indevida induzindo ou mantendo alguém erro traduz, em alguns casos, ser crime instantâneo, podendo, por vezes, configurar crime instantâneo de efeitos permanentes.

O delito de estelionato contra a Previdência Social descrito na forma qualificada do §3º daquele artigo, envolve a percepção de rendas mensais derivadas da concessão de benefício previdenciário instruído com documentos espúrios que, por assim ser, mantêm em erro a autarquia previdenciária desde o início do deferimento do benefício requerido até o momento da percepção da fraude.

Não se trata de uma única conduta na qual o logro resta exaurido com a obtenção da primeira parcela do benefício previdenciário, mas de outras tantas - omissivas ou comissivas por omissão - praticadas com o intuito de, uma vez induzido, manter o INSS em erro, receber vantagem indevida em detrimento da autarquia previdenciária.

Destarte, o estelionato contra a Previdência Social, em que há percepção de parcelas sucessivas do benefício, consubstancia delito de caráter permanente, em que o momento consumativo se protrai no tempo e cujo cômputo do lapso prescricional tem início a contar da data em que cessar a permanência, ou seja, a partir do momento em que ocorrer o último pagamento do benefício fraudulento.

Tal característica implica efeitos na determinação do momento consumativo do delito e, por conseqüência, no termo inicial do prazo prescricional, já que o momento consumativo do delito eventualmente permanente perdura até o instante em que cessada a permanência, data esta a ser considerada para fins prescricionais:


"HABEAS CORPUS. PENAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. ESTELIONATO PRATICADO CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL (ART. 171, § 3º, DO CÓDIGO PENAL). CRIME PERMANENTE. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. NÃO-OCORRÊNCIA. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL. HABEAS CORPUS DENEGADO. 1. A análise sobre a correta tipificação dos atos praticados pelo Paciente esbarra na inadequação da via eleita, em flagrante transformação do habeas corpus em revisão criminal. 2. A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal é no sentido de que o crime de estelionato praticado contra a previdência social tem natureza permanente, e, por isso, o prazo prescricional começa a fluir a partir da cessação da permanência e não do primeiro pagamento do benefício. 3. Não-ocorrência da prescrição retroativa. 4. Habeas Corpus denegado."
(STF, HC 89925/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJ 16/02/2007, p. 49)
"PENAL. ESTELIONATO CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL. IRREGULARIDADE DO BENEFÍCIO. PRESTAÇÕES SUCESSIVAS. CONFIGURAÇÃO DA PERMANÊNCIA. PRESCRIÇÃO. TERMO A QUO. ÚLTIMA PARCELA RECEBIDA. NÃO-OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
1. O crime de estelionato praticado contra a previdência social, ensejando a percepção sucessiva e irregular de benefícios previdenciários, constitui crime permanente.
2. Assim, nos termos do art. 111, III, do Código Penal, a prescrição, nos crimes permanentes, somente começa a correr do dia em que cessa a permanência.
3. In casu, condenada a ré à pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de reclusão, o prazo prescricional ocorre em 4 (quatro) anos, nos termos do art. 109, V, c/c art. 110, § 1º, do CP, lapso este não consumado entre a data da percepção do último benefício irregular e o recebimento da denúncia.
4. Recurso conhecido e provido para afastar o reconhecimento da prescrição e determinar que o Tribunal de origem prossiga na apreciação do recurso de apelação interposto pela defesa da recorrida."
(STJ, RESP 200601751095/PE, 5ª TURMA, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ 19/03/2007, p. 392)
PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO. ART. 171, §3º, CP. PRESCRIÇÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. NÃO OCORRÊNCIA. CRIME EVENTUALMENTE PERMANENTE. TERMO A QUO QUE SE DÁ COM A CESSAÇÃO DO RECEBIMENTO DAS PARCELAS. ORDEM DENEGADA.
1. Habeas Corpus impetrado contra ato do Juiz Federal da 5ª Vara Criminal de São Paulo/SP, que condenou o paciente nos autos da ação penal nº 0004082-97.2004.403.61.81 como incurso nas penas do artigo 171, §3º, do Código Penal. 2. Quanto à natureza do crime de estelionato contra a Previdência, é certo que a matéria é ainda controvertida na jurisprudência.
3. O Plenário do STF adotou o entendimento de que o crime se consuma com o recebimento da primeira parcela, consistindo as demais em mero exaurimento. Assim, o termo inicial da contagem do prazo seria o recebimento da primeira parcela. Verifica- se que a Primeira Turma do STF discrimina que, quando o delito for praticado pelo próprio beneficiário, constitui crime permanente, ao passo que, para o terceiro que contribui para a fraude, o crime será instantâneo.
4. Os julgados da Segunda Turma do STF e da Sexta Turma do STJ são no sentido de que o crime de estelionato previdenciário é crime instantâneo de efeitos permanentes, independente de o agente ser o beneficiário ou terceiro que contribui para a fraude, tendo como termo inicial da contagem do prazo prescricional a data do recebimento da primeira prestação do benefício indevido.
5. Por outro lado, há o entendimento de que o crime de estelionato, que se consumou com o recebimento da primeira prestação do benefício obtido fraudulentamente, trata-se de delito eventualmente permanente, em que a prática criminosa renova-se a cada subsequente recebimento de prestação do benefício, e portanto o termo inicial da prescrição coincide com a cessação dos recebimentos. Precedentes do STF, STJ e da Primeira Turma deste TRF 3ª Região.
6. Considerando que os tribunais superiores não firmaram entendimento pacífico sobre a matéria, é de se acompanhar o entendimento da Primeira Turma deste Tribunal, no sentido de que o delito é eventualmente permanente, e portanto o termo inicial da prescrição coincide com a cessação dos recebimentos.
7. O acusado foi condenado como incurso nas penas do artigo 171, §3º, do Código Penal, sendo a pena-base fixada em dois anos de reclusão, que, acrescida de 1/3 (um terço), em virtude da causa de aumento da pena prevista no parágrafo 3º, resultou na pena de dois anos e oito meses de reclusão, tendo a sentença transitado em julgado para a acusação, pelo que o prazo prescricional regula-se pela regra do artigo 109, inciso IV, do Código Penal, pelo período de oito anos. 9. Considerando-se o termo inicial da contagem da prescrição o dia 08.11.1999, data da cessação do recebimento do benefício, a teor do artigo 111, inciso III, do Código Penal, e a interrupção pelo recebimento da denúncia em 23.11.2006, a teor do estabelecido no artigo 117, I, do referido código, observa-se não ter transcorrido mais de 8 anos entre a cessação do recebimento do benefício e o recebimento da denúncia, nem tampouco entre este marco e a data da publicação da sentença condenatória (24.09.2010), razão pela qual não há que se falar em prescrição da pretensão punitiva estatal. 10. Ordem denegada.
(destaquei, TRF 3ª Região, HABEAS CORPUS - 44742 ,PRIMEIRA TURMA, JUIZA CONVOCADA SILVIA ROCHA , e-DJF3 Judicial 1 DATA:18/07/2011 PÁGINA: 110 ).

Antes do trânsito em julgado da sentença condenatória para a acusação, o artigo 109 do Código Penal prevê o cálculo do lapso prescricional da pretensão punitiva com base no máximo da sanção penal abstratamente cominada ao crime (06 anos e 08 meses de reclusão, incidente a causa de aumento do artigo 171, § 3º), resultando o prazo em 12 (doze) anos, lapso este não consumado entre a data da percepção da última parcela do benefício irregular (1º de setembro de 2002) e a data do recebimento da denúncia ( 12 de fevereiro de 2007) ou entre esta data e a data da publicação da sentença condenatória ( 18 de outubro de 2012, fl.1176).

A entender o dies a quo do cômputo prescricional o início do recebimento do benefício, tampouco transcorrera o prazo de 12 (doze) anos entre a data daquele fato (23 de outubro de 1999) e a data do recebimento da denúncia, ou entre esta data e a data da publicação da sentença condenatória.

Verifica-se, ademais, que o processo e o curso do prazo prescricional ficaram suspensos de 19 de junho de 2008 (fls.573/574) a 24 de março de 2010 (fl.606), por quase dois anos, nos termos do artigo 366 do Código de Processo Penal.

Preliminar rejeitada.

2. Da dosimetria. O Juízo de 1º grau, atento às circunstâncias judiciais estabelecidas no artigo 59 do Código Penal, considerando a culpabilidade, aos antecedentes e as conseqüências deletérias do crime, fixou a pena-base em 01 (um) ano e 08 (oito) meses de reclusão, majorando-a, na segunda etapa do sistema trifásico, de 1/6 ( um sexto), à vista da circunstância agravante genérica da reincidência, o que resultou na pena de 01 (um) ano, 11 (onze) meses e 10 (dez) dias de reclusão que, majorada de 1/3 ( um terço) em decorrência da causa de aumento estabelecida no §3º do artigo 171 do Código Penal, restou definitiva em 02 ( dois) anos, 07 (sete) meses e 03 (três) dias de reclusão.

3. Da pena base. A pena base restou assim fixada:

"(...) Atenta aos critérios norteadores da fixação da pena, estabelecidos no art.59 do CP, verifico que o réu, além das inúmeras ações penais em andamento por fatos da mesma natureza, ostenta maus antecedentes, porquanto já condenado definitivamente nas ações penais indicadas nas certidões carreadas aos autos às fls.803/804, 936 e 946/947 dos autos. Além disso, a conduta merece reprimenda acima do mínimo legal, já que o 'modus operandi' adotado denota desprezo pelos direitos de terceiros envolvidos na fraude, notadamente as instituições hospitalares e profissionais médicos cujos exames, laudos e assinaturas foram falsificados, e assim evidente a maior culpabilidade do acusado. Ressalto, ainda, as deletérias conseqüências do delito, em função do valor do dano causado aos cofres da Previdência Social, R$ 64.882,69, atualizado para fevereiro de 2006 ( fls.270). Assim, fixo a pena base em 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão".

O apelo do Ministério Público Federal tem por escopo a majoração da pena base, enquanto o recurso da defesa pretende sua redução ao mínimo legal.

Razão assiste ao órgão ministerial. A exasperação da pena-base em 01 (um) ano e 08 (oito) meses acima do mínimo legal em decorrência das circunstâncias judiciais desfavoráveis afigura-se diminuta e insuficiente para a reparação do delito.

Cabe levar em conta o alto grau de reprovabilidade da conduta ante a desenvoltura profissional utilizada nas fraudes previdenciárias, bem assim a personalidade do acusado sem travas morais - aqui se está a considerar os antecedentes desabonadores desprovidos de condenação definitiva- e as conseqüências deletérias do crime, haja vista o prejuízo causado aos cofres públicos, na cifra de R$ 64.882,69 (sessenta e quatro mil, oitocentos e oitenta e dois reais e sessenta e nove centavos).

Tudo isso justifica a elevação da pena base para 02 ( dois ) anos de reclusão.

4. Da reincidência. A acusação pede a exasperação do aumento decorrente da reincidência - estabelecido em 1/6 ( um sexto) - e a defesa aponta "bis in idem" no reconhecimento da recidiva ao argumento de que as condenações criminais anteriores teriam configurado maus antecedentes.

Quanto a este tópico, dispôs o Juízo "a quo":

"(...) Na segunda fase da aplicação da pena, nota-se a agravante genérica prevista no artigo 61, inciso I, do Código Penal ( reincidência), conforme certidão acostada à fl.943, de modo que elevo a pena em 1/6 (um sexto), resultando em 1 (um) ano, 11 (onze) meses e 10 (dez) dias de reclusão".

O feito indicativo da reincidência (fl.943) não foi outrora considerado como circunstâncias judiciais desfavoráveis (maus antecedentes). Tratando-se, pois, de condenações criminais distintas, não se cogita de bis in idem.

O acréscimo de 1/6 ( um sexto) decorrente da reincidência foi bem fixado, porquanto há uma única condenação definitiva pelo cometimento do crime descrito no artigo 299 do Código Penal, ao cumprimento da pena de 01 (um) ano de reclusão e pagamento de 10 (dez) dias-multa, trânsito em julgado para a acusação em 10 de maio de 1999 e para o réu em 21 de setembro de 1999, como se depreende de fl.943.

5. Da confissão. A defesa requer o reconhecimento da atenuante da confissão, prevista no art. 65, III, "d", do Código Penal. Com razão, neste ponto.

Extrai-se dos autos que o Juízo de 1º grau alicerçou a sentença condenatória, dentre outros elementos, na confissão do denunciado:

"(...) Restou comprovada, através da confissão do acusado, aliada a robusta prova documental carreada aos autos, em especial do laudo pericial técnico acima referido, a indicar que o réu Carlos elaborou documentação falsa visando à obtenção de vantagem ilícita consistente na percepção de benefício previdenciário ( auxílio-doença) em favor de Salvador Novaes Albuquerque, vantagem esta que, de fato, Salvador obteve até 2002, quando a farsa foi descoberta".

A confissão judicial da acusado, porque servira de amparo ao édito condenatório enseja aplicação da atenuante genérica inserta no artigo 65, inciso III, alínea "d", do Código Penal.

Nessa esteira, colaciono o seguinte aresto do Superior Tribunal de Justiça:

"(...) Se a confissão judicial é um dos fundamentos da condenação, a atenuante prevista no art.65, inciso III, alínea d, do Código Penal, deve ser aplicada"( HC 70437/RJ, Rel.Min.Felix Fischer, DJ 17.09.07,p.314).

Desta forma, reduzir-se-ia a pena de 1/6 ( um sexto). No entanto, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso especial representativo de controvérsia ( art.543-C do CPC), firmou entendimento no sentido de que "(...) é possível, na segunda fase da dosimetria da pena, a compensação da atenuante da confissão espontânea com a agravante da reincidência" (RESP n.1.341.370-MT, Rel. Min. Sebastião Reis Junior, DJe: 17/04/2013),

Nessa esteira há de se compensar, na segunda etapa da dosimetria da pena, a atenuante da confissão espontânea com a agravante da reincidência.

Na terceira fase, majora-se de 1/3 (um terço) a pena base fixada nesta seara em 02 (dois) anos de reclusão, em decorrência da causa de aumento prevista no §3º do artigo 171 do Código Penal, resultando definitiva em 02 (dois) anos e 08 ( oito) meses de reclusão.

Tendo em vista a proporcionalidade que a pena de multa deve guardar com a pena privativa de liberdade, fixo-a em 26 (vinte e seis) dias-multa, mantido o valor unitário estabelecido na sentença recorrida: 1/30 ( um trigésimo) do salário mínimo.

6. Do regime inicial de cumprimento de pena. Desfavoráveis ao acusado as circunstâncias judiciais, resta plenamente justificado regime inicial mais gravoso de cumprimento de pena como fixado na sentença condenatória.

O artigo 33 do Código Penal não cria direito subjetivo do sentenciado ao regime aberto, uma vez que devem ser consideradas as circunstâncias judiciais para a obtenção do beneplácito, nos termos do §3º daquele artigo, mormente em se considerando a faculdade do julgador na concessão daquele regime prisional:


"Artigo 33.A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto. A de detenção, em regime semi-aberto ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado.
§2º (...) omissis
c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos,poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto".


O Supremo Tribunal Federal assim já decidiu:


"PENA-REGIME DE CUMPRIMENTO. O disposto na aliena 'c' do par.2 do artigo 33 do Código Penal não encerra direito, em si, do condenado. Ao órgão julgador cabe perquirir, uma vez imposta pena igual ou inferior a quatro anos, os demais aspectos ligados ao procedimento condenável" ( HC 70827/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 17.06.94, p.15709).

7. Da substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos. As circunstâncias judiciais desfavoráveis e a reincidência obstam a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, nos moldes do artigo 44, incisos II e III, do Código Penal.

8. Do direito de o réu apelar em liberdade. O julgamento do apelo torna prejudicado o pleito de o acusado recorrer em liberdade.

Ante o exposto:

a) DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso de apelação do Ministério Público Federal tão somente para majorar a pena base de 01 (um) ano e 08 (oito) meses de reclusão para 02 (dois) anos de reclusão;

b) REJEITO a preliminar de prescrição e DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso de apelação do acusado tão somente para aplicar a atenuante genérica da confissão, disciplinada no artigo 65, inciso III, alínea "d", do Código Penal, compensando esta atenuante com a agravante genérica da reincidência.

É o voto.


JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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