D.E. Publicado em 08/08/2013 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a preliminar de prescrição e no mérito dar parcial provimento aos recursos do Ministério Público Federal e do acusado, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:
Trata-se de apelações criminais interpostas pelo Ministério Público Federal e pelo réu CARLOS ROBERTO PEREIRA DÓRIA em face da sentença que o condenou pela prática do crime descrito no artigo 171, "caput" e §3º, do Código Penal.
O Ministério Público Federal, inicialmente, denunciou SALVADOR NOVAES DE ALBUQUERQUE. Narra a peça acusatória que o segurado SALVADOR NOVAES ALBUQUERQUE, em 03 de novembro de 1999, induziu em erro o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), obtendo para si vantagem econômica ilícita, em prejuízo do Instituto, utilizando-se para tanto de documentos ideologicamente falsos, aplicados para a concessão do benefício Auxílio-Doença Previdenciário indevido, benefício que foi pago no período de 23/10/1999 a 01/09/2002.
De acordo com a denúncia, o acusado utilizou-se de falsa relação de salários de contribuição atribuída à empresa "ATIC- AREIA TERRAPLANAGEM, INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA", majorando seus rendimentos, bem como de documentos médicos atribuídos ao " AMBULATÓRIO DE SAÚDE SÃO MIGUEL" e "IRMANDADE DA SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE SÃO PAULO, documentos que a auditoria interna realizada pelo INSS considerou falsos.
A referida denúncia foi recebida em 27 de setembro de 2005 (fl.197). O denunciado SALVADOR NOVAES ALBUQUERQUE, por ocasião de seu interrogatório judicial, afirmou que entregou seus documentos a um indivíduo denominado Carlos, sem ter ciência de que Carlos havia inserido nos documentos dados espúrios com o fito de obter benefício previdenciário.
Instado a se manifestar acerca de eventual oferecimento de denúncia também contra CARLOS ROBERTO PEREIRA DÓRIA (fl.262), em face do qual também foi instaurado o inquérito policial (fl.08) o Ministério Público Federal postulou, num primeiro momento, o envio do laudo pericial técnico, para que pudesse se manifestar.
Acostado o laudo pericial às fls.282/289. Em 27 de novembro de 2006 o Ministério Público Federal ofereceu aditamento à denúncia para incluir no pólo passivo da ação penal CARLOS ROBERTO PEREIRA DÓRIA pelo cometimento do crime descrito no artigo 171, §3º, do Código Penal, relatando os fatos da seguinte forma:
O aditamento foi recebido em 12 de fevereiro de 2007, tendo sido, neste ato, determinado o desmembramento do feito originário (nº.2004.61.19.007224-1), dando ensejo aos presentes autos que tramita tão somente em relação ao acusado CARLOS ROBERTO PEREIRA DÓRIA (fl.301).
Após regular instrução, sobreveio sentença (fls.1169/1175) que condenou o acusado à pena de 02 (dois) anos, 07 (sete) meses e 03 (três) dias de reclusão, em regime inicial fechado, bem como ao pagamento de 24 (vinte e quatro) dias-multa, no valor unitário de 1/30 ( um trigésimo) do salário mínimo, pela prática do delito previsto no artigo 171, "caput" e § 3º, do Código Penal.
A pena privativa de liberdade não foi substituída por restritivas de direitos, ante as circunstâncias judiciais desfavoráveis: circunstâncias do crime e personalidade do agente. Vedada apelação em liberdade, com lastro na necessidade de garantia da ordem pública e da aplicação da lei penal.
O Ministério Público Federal recorre, pleiteando, em síntese:
a) a majoração da pena base;
b) o aumento da exasperação decorrente da agravante da reincidência.
Pleito de reconhecimento da ocorrência da prescrição formulado pela defesa (fl.1188) que restou indeferido (fl.1190).
Contrarrazões da defesa (fls.1191/1193) no sentido de se negar provimento ao apelo do órgão ministerial.
Apela o réu (fl.1204), postulando (fls.1207/1215):
a) o reconhecimento do advento prescricional, aplicando-se o entendimento do Supremo Tribunal Federal firmado no HC nº. 86.467-8/RS quanto à consumação do crime de estelionato praticado contra a Previdência Social: crime instantâneo;
b) a redução da pena base ao piso legal, asseverando haver "bis in idem" com a reincidência;
c) alternativamente, a aplicação da atenuante da confissão espontânea;
d) seja fixado o regime inicial aberto para o cumprimento da sanção corporal;
e) seja substituída a pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, na forma do artigo 44 do Código Penal;
f) seja reconhecido o direito de o réu apelar em liberdade.
Contrarrazões do Ministério Público Federal (fls.1218/1225) pelo desprovimento do recurso da defesa.
Nesta Corte, o feito foi distribuído por prevenção ao Habeas Corpus nº. 0017513-10.2010.4.03.0000 (fl.1235 e v).
Parecer da Procuradoria Regional da República (fls.1236/1238) em prol de se dar parcial provimento aos recursos para aumentar a pena base e reconhecer a confissão, compensando esta atenuante com a agravante da reincidência.
É o relatório.
À revisão.
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VOTO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:
1. Da ocorrência da prescrição. O entendimento da Suprema Corte firmado no HC 86.467/RS é no sentido de que a hipótese reporta-se a crime instantâneo, fixando o termo inicial do lapso prescricional na data do recebimento da primeira parcela do benefício fraudulento.
Dele ouso discordar. Isso porque o crime de estelionato simples, descrito no "caput" do artigo 171 do Código Penal, pela natureza intrínseca da elementar do tipo penal consistente em obter vantagem indevida induzindo ou mantendo alguém erro traduz, em alguns casos, ser crime instantâneo, podendo, por vezes, configurar crime instantâneo de efeitos permanentes.
O delito de estelionato contra a Previdência Social descrito na forma qualificada do §3º daquele artigo, envolve a percepção de rendas mensais derivadas da concessão de benefício previdenciário instruído com documentos espúrios que, por assim ser, mantêm em erro a autarquia previdenciária desde o início do deferimento do benefício requerido até o momento da percepção da fraude.
Não se trata de uma única conduta na qual o logro resta exaurido com a obtenção da primeira parcela do benefício previdenciário, mas de outras tantas - omissivas ou comissivas por omissão - praticadas com o intuito de, uma vez induzido, manter o INSS em erro, receber vantagem indevida em detrimento da autarquia previdenciária.
Destarte, o estelionato contra a Previdência Social, em que há percepção de parcelas sucessivas do benefício, consubstancia delito de caráter permanente, em que o momento consumativo se protrai no tempo e cujo cômputo do lapso prescricional tem início a contar da data em que cessar a permanência, ou seja, a partir do momento em que ocorrer o último pagamento do benefício fraudulento.
Tal característica implica efeitos na determinação do momento consumativo do delito e, por conseqüência, no termo inicial do prazo prescricional, já que o momento consumativo do delito eventualmente permanente perdura até o instante em que cessada a permanência, data esta a ser considerada para fins prescricionais:
Antes do trânsito em julgado da sentença condenatória para a acusação, o artigo 109 do Código Penal prevê o cálculo do lapso prescricional da pretensão punitiva com base no máximo da sanção penal abstratamente cominada ao crime (06 anos e 08 meses de reclusão, incidente a causa de aumento do artigo 171, § 3º), resultando o prazo em 12 (doze) anos, lapso este não consumado entre a data da percepção da última parcela do benefício irregular (1º de setembro de 2002) e a data do recebimento da denúncia ( 12 de fevereiro de 2007) ou entre esta data e a data da publicação da sentença condenatória ( 18 de outubro de 2012, fl.1176).
A entender o dies a quo do cômputo prescricional o início do recebimento do benefício, tampouco transcorrera o prazo de 12 (doze) anos entre a data daquele fato (23 de outubro de 1999) e a data do recebimento da denúncia, ou entre esta data e a data da publicação da sentença condenatória.
Verifica-se, ademais, que o processo e o curso do prazo prescricional ficaram suspensos de 19 de junho de 2008 (fls.573/574) a 24 de março de 2010 (fl.606), por quase dois anos, nos termos do artigo 366 do Código de Processo Penal.
Preliminar rejeitada.
2. Da dosimetria. O Juízo de 1º grau, atento às circunstâncias judiciais estabelecidas no artigo 59 do Código Penal, considerando a culpabilidade, aos antecedentes e as conseqüências deletérias do crime, fixou a pena-base em 01 (um) ano e 08 (oito) meses de reclusão, majorando-a, na segunda etapa do sistema trifásico, de 1/6 ( um sexto), à vista da circunstância agravante genérica da reincidência, o que resultou na pena de 01 (um) ano, 11 (onze) meses e 10 (dez) dias de reclusão que, majorada de 1/3 ( um terço) em decorrência da causa de aumento estabelecida no §3º do artigo 171 do Código Penal, restou definitiva em 02 ( dois) anos, 07 (sete) meses e 03 (três) dias de reclusão.
3. Da pena base. A pena base restou assim fixada:
O apelo do Ministério Público Federal tem por escopo a majoração da pena base, enquanto o recurso da defesa pretende sua redução ao mínimo legal.
Razão assiste ao órgão ministerial. A exasperação da pena-base em 01 (um) ano e 08 (oito) meses acima do mínimo legal em decorrência das circunstâncias judiciais desfavoráveis afigura-se diminuta e insuficiente para a reparação do delito.
Cabe levar em conta o alto grau de reprovabilidade da conduta ante a desenvoltura profissional utilizada nas fraudes previdenciárias, bem assim a personalidade do acusado sem travas morais - aqui se está a considerar os antecedentes desabonadores desprovidos de condenação definitiva- e as conseqüências deletérias do crime, haja vista o prejuízo causado aos cofres públicos, na cifra de R$ 64.882,69 (sessenta e quatro mil, oitocentos e oitenta e dois reais e sessenta e nove centavos).
Tudo isso justifica a elevação da pena base para 02 ( dois ) anos de reclusão.
4. Da reincidência. A acusação pede a exasperação do aumento decorrente da reincidência - estabelecido em 1/6 ( um sexto) - e a defesa aponta "bis in idem" no reconhecimento da recidiva ao argumento de que as condenações criminais anteriores teriam configurado maus antecedentes.
Quanto a este tópico, dispôs o Juízo "a quo":
O feito indicativo da reincidência (fl.943) não foi outrora considerado como circunstâncias judiciais desfavoráveis (maus antecedentes). Tratando-se, pois, de condenações criminais distintas, não se cogita de bis in idem.
O acréscimo de 1/6 ( um sexto) decorrente da reincidência foi bem fixado, porquanto há uma única condenação definitiva pelo cometimento do crime descrito no artigo 299 do Código Penal, ao cumprimento da pena de 01 (um) ano de reclusão e pagamento de 10 (dez) dias-multa, trânsito em julgado para a acusação em 10 de maio de 1999 e para o réu em 21 de setembro de 1999, como se depreende de fl.943.
5. Da confissão. A defesa requer o reconhecimento da atenuante da confissão, prevista no art. 65, III, "d", do Código Penal. Com razão, neste ponto.
Extrai-se dos autos que o Juízo de 1º grau alicerçou a sentença condenatória, dentre outros elementos, na confissão do denunciado:
A confissão judicial da acusado, porque servira de amparo ao édito condenatório enseja aplicação da atenuante genérica inserta no artigo 65, inciso III, alínea "d", do Código Penal.
Nessa esteira, colaciono o seguinte aresto do Superior Tribunal de Justiça:
Desta forma, reduzir-se-ia a pena de 1/6 ( um sexto). No entanto, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso especial representativo de controvérsia ( art.543-C do CPC), firmou entendimento no sentido de que "(...) é possível, na segunda fase da dosimetria da pena, a compensação da atenuante da confissão espontânea com a agravante da reincidência" (RESP n.1.341.370-MT, Rel. Min. Sebastião Reis Junior, DJe: 17/04/2013),
Nessa esteira há de se compensar, na segunda etapa da dosimetria da pena, a atenuante da confissão espontânea com a agravante da reincidência.
Na terceira fase, majora-se de 1/3 (um terço) a pena base fixada nesta seara em 02 (dois) anos de reclusão, em decorrência da causa de aumento prevista no §3º do artigo 171 do Código Penal, resultando definitiva em 02 (dois) anos e 08 ( oito) meses de reclusão.
Tendo em vista a proporcionalidade que a pena de multa deve guardar com a pena privativa de liberdade, fixo-a em 26 (vinte e seis) dias-multa, mantido o valor unitário estabelecido na sentença recorrida: 1/30 ( um trigésimo) do salário mínimo.
6. Do regime inicial de cumprimento de pena. Desfavoráveis ao acusado as circunstâncias judiciais, resta plenamente justificado regime inicial mais gravoso de cumprimento de pena como fixado na sentença condenatória.
O artigo 33 do Código Penal não cria direito subjetivo do sentenciado ao regime aberto, uma vez que devem ser consideradas as circunstâncias judiciais para a obtenção do beneplácito, nos termos do §3º daquele artigo, mormente em se considerando a faculdade do julgador na concessão daquele regime prisional:
O Supremo Tribunal Federal assim já decidiu:
7. Da substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos. As circunstâncias judiciais desfavoráveis e a reincidência obstam a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, nos moldes do artigo 44, incisos II e III, do Código Penal.
8. Do direito de o réu apelar em liberdade. O julgamento do apelo torna prejudicado o pleito de o acusado recorrer em liberdade.
Ante o exposto:
a) DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso de apelação do Ministério Público Federal tão somente para majorar a pena base de 01 (um) ano e 08 (oito) meses de reclusão para 02 (dois) anos de reclusão;
b) REJEITO a preliminar de prescrição e DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso de apelação do acusado tão somente para aplicar a atenuante genérica da confissão, disciplinada no artigo 65, inciso III, alínea "d", do Código Penal, compensando esta atenuante com a agravante genérica da reincidência.
É o voto.
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