Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 07/08/2013
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0006657-49.2002.4.03.6181/SP
2002.61.81.006657-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal LUIZ STEFANINI
APELANTE : PAULO LUIZ SOUTO E SILVA
ADVOGADO : EDUARDO LEME e outro
APELADO : Justica Publica

EMENTA

PENAL - ESTELIONATO CONTRA A RECEITA FEDERAL COMETIDO EM CONTINUIDADE DELITIVA - AUDITOR FISCAL DA RECEITA FEDERAL - EXTINÇÃO E COMPENSAÇÃO INDEVIDA DE DÉBITOS TRIBUTÁRIOS NO ÂMBITO DA RECEITA COM USO DE SENHA PRÓPRIA DO SERVIDOR NO SISTEMA DE COMPUTAÇÃO - ATUAÇÃO COM DÍVIDAS PROVENIENTES DE OUTRA JURISDIÇÃO - DOLO, MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS COMPROVADOS - CONDENAÇÃO E PENAS MANTIDAS - IMPROVIMENTO DO RECURSO.
1.A materialidade delitiva vem demonstrada pela documentação trazida aos autos que serviu de suporte à apuração administrativa, a demonstrar as alterações no sistema da Receita Federal operadas pelo réu, mediante o uso de senha pessoal e a despeito da não observância da legislação, instruções normativas e regulamentares da Secretaria da Receita Federal.
2.As condutas ao acusado imputadas acarretaram a extinção indevida de débitos de várias pessoas jurídicas também através de compensação irregular, inclusive referente a outras áreas de atuação não acobertadas pela divisão fiscal em que o réu atuava, a demonstrar intensidade do dolo na conduta por ele perpetrada.
3.A autoria delitiva está sobejamente provada nos autos. Não obstante a negativa do réu, quando inquirido em Juízo, ao afirmar que não inseriu no sistema os lançamentos que culminaram com a indevida extinção de débitos, o que, segundo ele, teria sido possivelmente feito por interposta pessoa através de uso de sua senha, inclusive para emissão de certidão negativa de débitos, a versão não resultou amparada pelos elementos de prova colhidos nos autos.
4.A própria versão apresentada com base em negativas genéricas, de pronto, demonstram a responsabilidade do réu pelos fatos, o que veio confirmado pelos depoimentos testemunhais.
5.Para além disso, o procedimento administrativo disciplinar concluiu pela responsabilidade criminal do réu e culminou com a demissão publicada no Diário Oficial da União em 23 de janeiro de 2004.
6.Devidamente comprovada a autoria delitiva por vasto arcabouço probatório coligido nos autos que demonstra também o dolo na conduta do réu consubstanciado em propiciar vantagem ilícita dos contribuintes beneficiados que tiveram seus débitos indevidamente excluídos do sistema, tendo sido calculado o valor de mais de três milhões de reais em débitos fiscais extintos.
7.A pena-base tal como fundamentada merece ser mantida, bem sopesadas as circunstâncias previstas no art. 59 do Código Penal.
8.Além disso, trata-se de um Auditor da Receita Federal do Brasil, o mais alto cargo na carreira e melhor remunerado na escala hierárquica. É responsável, entre outras atribuições, pela fiscalização dos tributos federais e, mesmo assim, envolveu-se com o crime ao praticar ato de ofício, razão pela qual não há falar-se em bis in idem na valoração das circunstâncias que serviram à majoração, considerando-se ainda os fins da pena.
9.Todos esses fatores, que levam avaliação negativa da conduta social ou da personalidade do réu, não podem ser desconsiderados, relevando destacar a gravidade dos fatos apurados e a incompatibilidade com o cargo exercido pelo réu, que exige não só a probidade no trato com a coisa pública, mas a escorreita postura com as informações e dados privilegiados resultantes do exercício da função.
10.Ademais, verifica-se no sistema informatizado desta Corte que o réu sofreu condenação no feito nº 2000.03.99.0115195 que transitou em julgado em 30 de julho de 2008, condenação definitiva pela prática do crime previsto no art. 3º, inc. II, da Lei nº 8137/90, no qual foi decretada a perda do cargo, nos termos do art. 92, inc. I, do Código Penal.
11.Estão presentes as causas de aumento do § 3º, do art. 171 e a do art.71, do mesmo estatuto, aplicando-se a majoração de 1/3 para a primeira causa e de 1/3 para a segunda (considerando-se o número de condutas imputadas durante o período de quase dois anos, de 1º de janeiro de 1998 a 16 de novembro de 1999- aproximadamente doze vezes) a justificar a adoção dessa porcentagem e resultar a pena definitiva imposta em 05 (cinco) anos e 04 (quatro) meses de reclusão.
12.Manutenção da pena de multa imposta em 328 dias-multa, em conformidade e proporcionalidade com a pena privativa de liberdade imposta.
13.O regime inicial de cumprimento da pena corporal fica mantido no semiaberto, nos termos do artigo 33, § 2º, "b" do Código Penal.
14.Levando-se em consideração o fato de ter sido Auditor Fiscal e possuído remuneração considerável resta mantido o valor do dia-multa em 1/6 (um sexto) do salário mínimo vigente à época dos fatos.
15.Incabível a substituição da pena corporal por penas restritivas de direitos, em face do não preenchimento dos requisitos subjetivos e objetivos para tal, conforme preconiza o art. 44 do Código Penal.
16.Também é incabível o sursis pleiteado no recurso, em face do quantum da pena imposta.
17. Improvimento do recurso defensivo e manutenção da condenação de Paulo Luiz Souto e Silva, como incurso nas sanções previstas no artigo 171, § 3º, c.c art. 71 do Código Penal ao cumprimento das penas de 05 (cinco) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, inicialmente em regime semi-aberto, e ao pagamento de 328 (trezentos e vinte e oito) dias-multa, cada dia-multa em 1/6 (um sexto) do salário mínimo vigente na data dos fatos.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 29 de julho de 2013.
LUIZ STEFANINI
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0006657-49.2002.4.03.6181/SP
2002.61.81.006657-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal LUIZ STEFANINI
APELANTE : PAULO LUIZ SOUTO E SILVA
ADVOGADO : EDUARDO LEME e outro
APELADO : Justica Publica

RELATÓRIO

Trata-se de apelação criminal interposta por Paulo Luiz Souto e Silva contra a r. sentença de fls. 6344/6351, proferida pelo MM. Juízo da 4ª Vara Federal de São Paulo - SP, que, julgando procedente a denúncia, o condenou ao cumprimento das penas de 05 (cinco) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto e pagamento de 328 (trezentos e vinte e oito) dias-multa, no valor unitário de 1/6 (um sexto) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, como incurso no art. 171, caput e § 3º, c.c art.71, do Código Penal.

Consta da denúncia, em síntese, que o acusado, no período de 1º de janeiro de 1998 a 16 de novembro de 1999, nas dependências da Delegacia da Receita Federal em São Paulo/SP, valendo-se da função de Auditor Fiscal da Receita Federal, teria efetuado, de forma livre e consciente, registros nos sistemas oficiais, extinguindo de forma ilegal débitos tributários, bem como emitido certidões negativas em desacordo com a legislação vigente.

Em razões recursais (fls. 6381/6385), apela o réu, com os seguintes argumentos:

1.A sentença condenatória é totalmente divergente das provas dos autos;

2.Não concorreu para a prática do crime, sendo atípica a conduta que lhe foi imputada, tendo ocorrido, no máximo, conduta culposa que não configura estelionato;

3.Nunca expediu CND's e desconhece o termo "congelamento"; não fazia alocações manuais, salvo com DARF's respectivamente pagos; nunca teve orientação sobre proibição de atender empresas de outras cidades;

4.Não poderia emitir certidões negativas de débitos, conforme foi comprovado pelas testemunhas de acusação Francisco e Levi e podia realizar alocações de outras regiões conforme testemunho de Francisco e Marcos que disseram ter conhecimento de que houve casos de capturas de senhas de servidores de forma indevida, fato confirmado pela testemunha Alcides;

5.As testemunhas Francisco, Levi e Regina foram uníssonas ao afirmar que desconhecem o termo "congelamento", o que leva a crer que sequer tiveram algum treinamento;

6.O sistema da Receita Federal era falho e de fácil invasão, conforme depoimentos testemunhais, tendo havido invasão de senhas por parte de terceiros;

7.Não teve treinamento suficiente, segundo informado pelas testemunhas que afirmaram o fato de continuamente pedir a ajuda dos colegas;

8.Não há prova de que obteve vantagem econômica e jamais esteve em conluio com qualquer empresa beneficiada;

9.Não há prova de vantagem ilícita e prejuízo alheio obtido mediante fraude, requisitos do estelionato;

10.Não há prova de dolo específico;


Subsidiariamente, requer:

-A redução da reprimenda para o mínimo legal, sob os seguintes argumentos:

a) Não está voltado à vida criminosa;

b) É primário;

c) O Magistrado se utilizou de dupla valoração (bis in idem) ao majorar a pena por crime praticado contra entidade pública, uma vez que o delito já está tipificado na causa de aumento do parágrafo 3º do art. 171, do Código Penal;

d) O crime continuado deveria ter sido aplicado em ¼ (um quarto) e não 1/3 (um terço);

e) A pena de multa deve ser revista para o mínimo legal;

f) Não prevalece a vedação de substituição por penas restritivas de direitos, uma vez que para tal não se computa o acréscimo da continuidade delitiva, por analogia ao disposto no art. 119 do Código Penal;

g) Caso não substituída a pena, caberá o sursis, com fundamento no art. 77 do Código Penal.


Contrarrazões pelo Ministério Público Federal propugnam pelo improvimento do recurso (fls. 6389/6401).

Parecer do Ministério Público Federal opina pelo improvimento da apelação (fls.6406/6429).

É o relatório.

Feito sujeito à revisão, na forma regimental.


LUIZ STEFANINI
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0006657-49.2002.4.03.6181/SP
2002.61.81.006657-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal LUIZ STEFANINI
APELANTE : PAULO LUIZ SOUTO E SILVA
ADVOGADO : EDUARDO LEME e outro
APELADO : Justica Publica

VOTO


Consta da denúncia que, "no período compreendido entre 01/01/98 a 16/11/99, nas dependências da Delegacia da Receita Federal desta capital/SP, valendo-se das facilidades de acesso aos sistemas computadorizados da Receita Federal de que dispunha em razão de seu cargo, PAULO obteve, de forma consciente e voluntária, vantagem ilícita para os sujeitos passivos de créditos tributários a seguir elencados, em prejuízo da União Federal, que foi induzida e mantida em erro, mediante artifícios fraudulentos e irregulares por ele empregados, consistentes na realização de diversas operações e transações em desacordo com a legislação e orientações suplementares.

Consta do incluso procedimento administrativo nº 10880.021362/99-89, instaurado no âmbito da Secretaria da Receita Federal, que o denunciado promoveu alterações no sistema SINCOR, em desacordo com a legislação e orientações suplementares, praticando, de forma consciente e voluntária, as seguintes condutas irregulares, em benefício das pessoas abaixo descritas (fl. 5952/5957 - vol. XXII):

1) Efetuou alocações manuais de pagamentos no sistema SINCOR - CONTACORPJ, extinguindo indevidamente débitos fiscais da empresa DZ S/A - Engenharia Equipamentos e Sistemas, CNPJ nº 67.541.961/0009-31, relativos aos processos nº 10840.002412/96-99, 10840.004312/97-04 e 10840.002906/00-77, no total de R$1.463.019,80, conforme relatado a fls. 4238 e 4239 (Vol.XVII).

2) Emitiu, 28 dias após tais alocações, extratos referentes aos débitos extintos irregularmente, considerados como liquidados e os forneceu à DZ S/A, para serem utilizados em recurso interposto pela empresa (fls. 158 e 159, vol. I).

3) Efetuou alocações manuais de pagamentos, transferências e congelamentos de débitos de Pessoas Jurídicas da jurisdição de DRF/TABOÃO DA SERRA-SP, e extinguiu indevidamente débitos, no montante de R$ 3.476,27, relativos à empresa LOJÃO DA SERRA BAZAR E PAPELARIA LTDA, CNPJ Nº 56.667.637/0001-90 (Vol.XIII).

4) Efetuou transferências e alocações manuais de pagamentos de Pessoas Jurídicas da jurisdição de DRF/PIRACICABA/SP, extinguindo indevidamente débitos fiscais das empresas: DEDINI REFRATÁRIOS LTDA, CNPJ nº 48.170.757/0001-50; DZ S/A - ENGENHARIA EQUIPAMENTOS E SISTEMAS, CNPJ nº 67.541.961/0001-84; DZ S/A ENGENHARIA EQUIPAMENTOS E SISTEMAS, CNPJ nº 67.541.961/0003-46; DZ S/A - ENGENHARIA EQUIPAMENTOS E SISTEMAS, CNPJ nº 67.541.961/0004-27, relativos aos respectivos processos nº : 13888.000127/99-19, 13888.000139/99-06, 13888.000128/99-81, 13888.000140/99-87 e 13888.000139/99-06, no total de R$ 1.535.115, 42 (Vol. XIV).

5) Efetuou transferências e alocações manuais de pagamentos e congelamentos de Pessoas Jurídicas da jurisdição de DRF/OSASCO/SP, extinguindo indevidamente débitos fiscais das empresas FARISEBO INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA - CNPJ Nº 45.788.080/0001-20; PIMENTA CASTRO S/C LTDA. - CNPJ Nº 55.234.876/0001-94; EXPRESSO TG TRANSPORTES COMERCIAL E SERVIÇOS LTDA - CNPJ Nº 56.624.117/0001-09; H&H CORRETORA DE SEGUROS S/C LTDA - CNPJ Nº 67.841.312/0001-07 e ACTA ASSESSORIA TRIBUTÁRIA LTDA. - CNPJ Nº 94.987.211/0001-03, atingindo o valor total de R$20.609,69 (Vol. XV).

6) Efetuou transferências e alocações manuais de pagamentos de Pessoas Jurídicas da jurisdição de DRF/GUARULHOS/SP, extinguindo indevidamente débitos fiscais relativos a tributos diversos, das seguintes empresas: ZINCOLIGAS IND. E COM. LTDA - CNPJ Nº 00.999.513/0001-58; SANTA HELENA DOCES E PÃES LTDA - CNPJ N º 49.908.668/0001-20; INDUSTRIAL PAULISTA DE METALÚRGICA LTDA - CNPJ Nº 60.592.771/0001-47; DUCLE COMÉRCIO E REPRESENTAÇÃO LTDA-ME - CNPJ Nº 61.745.063/0001-61 e LESTE OESTE COLOCAÇÃO DE MÁRMORE E GRANITO S/C LTDA-ME - CNPJ Nº 63.898.605/0001-61 (Vol. XVI).

7) Efetuou transferências de pagamentos de Pessoas Jurídicas da jurisdição de DRF/RIBEIRÃO PRETO/SP (Vol.XVII).

8) Efetuou transferências de pagamentos de Pessoas Jurídicas da jurisdição de DRF/RIBEIRÃO PRETO/SP (Vol.XVII).

9) Efetuou transferências de pagamentos de Pessoas Jurídicas da jurisdição de DRF/SOROCABA/SP (Vol.XIX).

10) Efetuou transferências, alocações e desalocações manuais de pagamentos de Pessoas Jurídicas da jurisdição das DRF de SÃO BERNARDO DO CAMPO, SANTO ANDRÉ, JUNDIAÍ, CAXIAS DO SUL/RS e DEINF/SP (Vol. XX).

11. Efetuou alocações manuais de pagamentos para contribuintes da jurisdição da DRF/SP, em desacordo com o artigo 168 da Lei 5.172/66, com intervalo de tempo superior que cinco anos entre o crédito e o débito para compensação (fls. 1581 e 1720, Vol. VII).

12. Emitiu "CERTIDÕES NEGATIVAS", em desacordo com a IN SRF nº 80/97, para empresas de outras jurisdições e até de outra Região Fiscal, que apresentavam irregularidades fiscais, omissas contumazes, com ausências de recolhimentos, conforme consta dos Relatórios de Histórico de Eventos por Contribuintes e Usuário (fls. 1186/1187 - Vol. VI e 2514/2565 - Vol. XI).

Ressalte-se que PAULO era lotado da DRF/SP e, segundo expressa orientação interna da Secretaria da Receita Federal, não poderia trabalhar contas de contribuintes de outras jurisdições, devendo encaminhá-los à sua jurisdição de origem.

Constatou-se, através dos registros constantes do relatório de "HISTÓRICO DE ENTRADA POR USUÁRIOS", em apuração especial do SERPRO, no qual constam os horários de LOGON e LOGOFF do usuários 544.907.158-20, que corresponde ao CPF do denunciado, que tais transações irregulares foram efetivamente por ele efetuadas no período de 14:00 às 20:00 horas, no terminal IP localizado na sala onde o mesmo exercia suas funções, durando, em média, uma hora, para conclusão das operações (Vol. XXI).

Assim, verifica-se que o ora acusado, mediante mais de uma ação, praticou, de forma consciente e voluntária, mais de um crime da mesma espécie, sendo que, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro.

Ante o exposto, o Ministério Público Federal denuncia PAULO LUIZ SOUTO E SILVA como incurso nas sanções do art. 171, "caput" e § 3º c.c. art. 71, ambos do Código Penal (...)".

Feita a necessária transcrição dos fatos, passo ao exame do recurso.

Para melhor intelecção quanto à técnica de inserção de dados no sistema utilizada na esfera da Receita Federal consigno primeiramente, detalhes da apuração realizado no âmbito administrativo, extraindo-se dos autos que as irregularidades apontadas na denúncia tiveram origem na instauração, pelo Sr. Corregedor-Geral da Receita Federal, por intermédio da Portaria nº 41, de 20 de agosto de 1999, de Comissão de Inquérito incumbida de apurar os fatos, dando azo a processo Administrativo Disciplinar nº 10880.21.362/99-89 sobre os acontecimentos e suas conexões que emergiram das apurações realizadas no âmbito da Receita.

A comissão instaurada culminou por indiciar o servidor Paulo Luiz Souto e Silva. O Relatório Final (fls. 1084/1110) confirmou as irregularidades apontadas naquele documento (item 4), desse modo (fls. 6145 e segs):

"f) ficou provado que o indiciado beneficiou diversas empresas e que tinha conhecimento das transações praticadas, pois efetuava as transferências dos créditos em aberto numa primeira etapa e efetuava as alocações manuais dos débitos numa segunda fase, compensando créditos tributários de espécies e naturezas diferentes, com intervalo de tempo maior de 5 (cinco) anos entre o crédito e o débito, sem a abertura de processos ou qualquer outra iniciativa de empresa, com inobservância dos atos normativos que regiam a matéria, conforme ficou apurado nas diligências;

g) os procedimentos relacionados com as compensações de tributos estão normatizados na legislação vigente, que o indiciado deveria observar ou, caso não tivesse conhecimento dela, como alegou, havia sempre a possibilidade de recorrer a um supervisor existente em cada grupo de atendimento aos contribuintes relacionados com os AVISOS de COBRANÇA, os quais traziam, em seu bojo, o local de atendimento, ou seja, a unidade que jurisdicionava o contribuinte;

h) outrossim, os formulários para pedidos de restituição, compensação e ressarcimento utilizados nas operações questionadas traziam escritos nos seus rodapés, a legislação que deveria ser observada, inclusive a Instrução Normativa SRF nº 21, de 1997, não podendo o acusado, portanto, alegar desconhecimento das normas que deveriam ser observadas;

i) além disso, os administradores e os demais servidores do setor em que o acusado trabalhava informaram conhecer a proibição de atender contribuintes de outras jurisdições, como registrado nos autos, não podendo o acusado alegar desconhecimento de tal vedação;

j) todos os sistemas informatizados da SRF estão definidos em portarias próprias, que estabelecem os perfis de usuários, os critérios de sua habilitação, as transações autorizadas para acesso aos sistemas e o seu gestor ou responsável;

(...)

r) outrossim, ficou comprovado nos autos que os contribuintes não tinham créditos que amparassem a extinção dos débitos, questionando-se, portanto os métodos e, principalmente, os resultados, ou seja, a extinção indevida de débitos;

s) corroborando o que assim foi exposto, as próprias unidades reverteram as alocações efetuadas pelo acusado, por terem comprovado a inexistência da disponibilidade legal, dos pagamentos utilizados, e efetuaram a cobrança administrativa e/ou a inscrição desses débitos na Dívida Ativa da União;

t)assim, não foram observadas pelo indiciado as normas legais e regulamentares que estabelecem que as transações de compensação de créditos com débitos existentes no sistema de conta-corrente da SFR necessitam de uma análise prévia, que se dá por intermédio de protocolização de processo administrativo, o que não constitui mera formalidade, uma vez que é durante a análise do processo que se verifica a regularidade do contribuinte relativamente aos tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal e a observância do prazo para o exercício da disponibilidade legal dos pagamentos que o contribuinte pretende compensar,

u) a alegação do acusado de que jamais elaborou certidões negativas, porquanto não tinha o conhecimento necessário para tal operação e nem senha para executá-la não deve prevalecer, haja vista que não existe atribuição de senha específica para emissão de certidões negativas e porque foi demonstrado que ele é o autor de várias certidões, em horário em que se encontrava no recinto de trabalho;

v) apesar de reconhecida a vulnerabilidade de computadores, a simples alegação da insegurança dos sistemas informatizados da SRF não é suficiente para retirar a responsabilidade do acusado, tendo em vista que todos os eventos questionados ocorreram com a utilização de sua senha e CPF, bem como na sala, na máquina e no horário de expediente do servidor;

(...)

x) o exame dos autos demonstra de forma inequívoca que as citadas transações transmitidas e arquivadas nos sistemas informatizados da SRF, com a senha e CPF do acusado, foram efetuadas por ele, como revelado nas fls. 1105 a 1110 dos autos".


Esta é a conclusão da apuração dos fatos na seara administrativa.

No âmbito do processo criminal, verifico que a materialidade delitiva vem demonstrada pela documentação trazida aos autos que serviu de suporte à apuração administrativa, a demonstrar as alterações no sistema da Receita Federal operadas pelo réu, mediante o uso de senha pessoal e a despeito da não observância da legislação, instruções normativas e regulamentares da Secretaria da Receita Federal.

As condutas ao acusado imputadas acarretaram a extinção indevida de débitos de várias pessoas jurídicas também através de compensação irregular, inclusive referente a outras áreas de atuação não acobertadas pela divisão fiscal em que o réu atuava, a demonstrar intensidade do dolo na conduta por ele perpetrada.

A autoria delitiva está sobejamente provada nos autos.

Não obstante a negativa do réu, quando inquirido em Juízo (fls. 6078/6080), ao afirmar que não inseriu no sistema os lançamentos que culminaram com a indevida extinção de débitos, o que, segundo ele, teria sido possivelmente feito por interposta pessoa através de uso de sua senha, inclusive para emissão de certidão negativa de débitos, a versão não resultou amparada pelos elementos de prova colhidos nos autos.

A própria versão apresentada com base em negativas genéricas, de pronto, demonstram a responsabilidade do réu pelos fatos.

Com efeito, disse ele que as certidões não foram emitidas em seu nome e devem ter sido emitidas por outras pessoas; que não sabe se é possível ou não alguém entrar com a sua senha no sistema e em outro terminal diferente do que estaria logado; que nunca emprestou a senha a outra pessoa; que não sabe se a sua senha permite ter acesso ao campo de certidões negativas no computador.

Contudo, a testemunha Márcio Brandão Ferraz desfaz os argumentos defensivos a respeito da negativa de autoria, ao afirmar (fls. 6243/6247) que "(...) foi possível para a comissão de inquérito afastar o argumento de roubo de senha em razão das funções exercidas pelo réu exigirem um uso constante do sistema, sendo que todas as entradas e saídas no sistema ficam devidamente registradas e podem ser verificadas pelos servidores competentes, com o que foi possível verificar que todos os fatores levam à conclusão de ter sido o réu o autor das operações. Que restou constatado também que as operações irregulares foram praticadas no período de expediente normal, sendo que algumas delas duravam em torno de uma hora, sendo que foi dito pelo réu no inquérito administrativo que eventualmente ele saía da sala por no máximo dez a quinze minutos, o que inviabiliza a possibilidade de outra pessoa ter se utilizado de sua senha enquanto ele estivesse ausente no terminal da sala (...); que o gestor da segurança ressaltou em seu depoimento a impossibilidade de duas pessoas utilizarem simultaneamente da mesma senha e que com a senha do réu era possível acessar dados de contribuintes de outras regiões fiscais, inclusive fora do Estado de São Paulo (fls.6243/6247).

Em relação à inserção de dados referentes a outras regiões que não de sua atuação as palavras da testemunha Marcos de Toledo Piza bem demonstram a ação ilícita do réu, uma vez que havia possibilidade fática de alocação de contribuintes de outra jurisdição, porém havia proibição normativa para esse procedimento, de forma que se um contribuinte nessa situação fosse ao setor teria que ser orientado a procurar a Delegacia de sua jurisdição (fls. 6280/6281), o mesmo tendo sido dito pela testemunha Francisco Foltran, acrescendo o fato de que não podia o atendimento ser feito na capital, quando o contribuinte era de outro domicílio fiscal, não obstante o sistema permitisse acesso até mesmo para acerto de registros referentes a pagamentos ou parcelamentos (fls. 6097/6099).

A corroborar os esclarecimentos prestados pela testemunha está o depoimento da testemunha Anselmo Hiraku Katagi ao se reportar à autoria delitiva desse modo: (fls. 6225/6627) "(...) que nos autos do Proc. Administrativo manuseados pelo depoente havia expressa orientação interna da Receita Federal no sentido de que os agente da receita não poderiam trabalhar nas contas de contribuintes de outras jurisdições, devendo encaminhá-las para o Estado de origem. Que o fiscal ou servidor da Receita ao acessar uma consulta relativa ao contribuinte tem através de documentação da sede da empresa e por um código que aparece em diversas telas do computador, principalmente no cadastro de DNPJ, em quais jurisdições está afeto ( ...) que a identificação da autoria de Paulo Souto, além da senha ocorreu em função da máquina (computador) utilizado (...) que o Auditor Fiscal da Receita Federal, genericamente em função do cargo tem atributos para emitir certidões negativas, porém a permissão para emitir tais certidões depende do local de trabalho (...) que as irregularidades que se apurou em relação ao acusado não se referem apenas a locações feitas apenas fora da jurisdição sede do contribuinte, mas refere-se a alocações feitas em outros pagamentos do contribuinte relativo a outros tributos que não os pagos efetivamente pelo contribuinte e indevidamente alocados pelo acusado (...)".

Verifica-se que os depoimentos testemunhais são convergentes, harmônicos e coesos no sentido do esclarecimento dos fatos apurados no âmbito da Receita Federal e confirmados em Juízo pelo Presidente da Comissão de Inquérito, Alberto de Queiróz, ao declarar que "(...) foi feito um rastreamento no Sistema da Receita Federal, pelo CPF do acusado, chegando-se, então, à identificação de que as movimentações foram por ele realizadas. Além disso, as operações foram todas feitas na máquina utilizada pelo acusado, no seu horário de expediente"(fls. 6206/6207), o que também foi confirmado pela testemunha Levi Correia (fls.6100/6101).

Para além disso, o procedimento administrativo disciplinar concluiu pela responsabilidade criminal do réu e culminou com a demissão publicada no Diário Oficial da União em 23 de janeiro de 2004.

Assim, devidamente comprovada a autoria delitiva por vasto arcabouço probatório coligido nos autos que demonstra também o dolo na conduta do réu consubstanciado em propiciar vantagem ilícita dos contribuintes beneficiados que tiveram seus débitos indevidamente excluídos do sistema, tendo sido calculado o valor de mais de três milhões de reais em débitos fiscais extintos.

Impende observar, conforme apontado na sentença, que não se aplica ao fato o artigo 131-A, do Código Penal, pois implicaria em retroatividade da lei penal mais gravosa eis que inserido no Estatuto Repressivo pela Lei nº 9.983/2000, posteriormente à data dos fatos.

Mantenho, pois, a condenação nos termos da denúncia.


Da dosimetria da pena



Pleiteia o apelante a fixação da pena no mínimo legal. Porém, o apelo não merece provimento.

Veja-se a fundamentação da dosimetria da pena adotada na sentença:

"Na primeira fase de aplicação da pena, verifico que as circunstâncias que envolveram o crime as tornam merecedoras de especial reprovação, sendo aconselhável uma pena mais severa para a prevenção do delito.

Com efeito, a reprovação social que o crime e o autor do fato merecem, é de intensa censura social, em razão de seu cometimento em detrimento à Fazenda Nacional.

As circunstâncias do crime praticado pelo réu também merecem sopesamento, tendo em vista a meticulosa artimanha de localizar créditos sem correspondente débitos e/ou créditos prescritos de determinados contribuintes, compensando-os diretamente no sistema oficial da Receita Federal, que resultava na extinção de débito tributário e evidente prejuízo ao Erário. O trabalho elaborado pelo réu no cometimento dos crimes demonstra profissionalismo, mais reprovável que o crime cometido de forma isolada e comum".

Assim, restou a pena-base fixada em 03 (três) anos de reclusão.

A pena-base tal como fundamentada merece ser mantida, bem sopesadas as circunstâncias previstas no art. 59 do Código Penal.

Além disso, trata-se de um Auditor da Receita Federal do Brasil, o mais alto cargo na carreira e melhor remunerado na escala hierárquica. É responsável, entre outras atribuições, pela fiscalização dos tributos federais e, mesmo assim, envolveu-se com o crime ao praticar ato de ofício, razão pela qual não há falar-se em bis in idem na valoração das circunstâncias que serviram à majoração, considerando-se ainda os fins da pena.

Todos esses fatores, que levam avaliação negativa da conduta social ou da personalidade do réu, não podem ser desconsiderados, relevando destacar a gravidade dos fatos apurados e a incompatibilidade com o cargo exercido pelo réu, que exige não só a probidade no trato com a coisa pública, mas a escorreita postura com as informações e dados privilegiados resultantes do exercício da função.

Ademais, verifico no sistema informatizado desta Corte que o réu sofreu condenação no feito nº 2000.03.99.0115195 que transitou em julgado em 30 de julho de 2008, condenação definitiva pela prática do crime previsto no art. 3º, inc. II, da Lei nº 8137/90, no qual foi decretada a perda do cargo, nos termos do art. 92, inc. I, do Código Penal.

Inexistem agravantes ou atenuantes genéricas aplicáveis ao caso.

Estão presentes as causas de aumento do § 3º, do art. 171 e a do art.71, do mesmo estatuto, aplicando-se a majoração de 1/3 para a primeira causa e de 1/3 para a segunda (considerando-se o número de condutas imputadas durante o período de quase dois anos, de 1º de janeiro de 1998 a 16 de novembro de 1999- aproximadamente doze vezes) a justificar a adoção dessa porcentagem e resultar a pena definitiva imposta em 05 (cinco) anos e 04 (quatro) meses de reclusão.

Mantenho a pena de multa imposta em 328 dias-multa, em conformidade e proporcionalidade com a pena privativa de liberdade imposta.

O regime inicial de cumprimento da pena corporal fica mantido no semiaberto, nos termos do artigo 33, § 2º, "b" do Código Penal.

Levando-se em consideração o fato de ter sido Auditor Fiscal e possuído remuneração considerável resta mantido o valor do dia-multa em 1/6 (um sexto) do salário mínimo vigente à época dos fatos.

Incabível a substituição da pena corporal por penas restritivas de direitos, em face do não preenchimento dos requisitos subjetivos e objetivos para tal, conforme preconiza o art. 44 do Código Penal.

Também é incabível o sursis pleiteado no recurso, em face do quantum da pena imposta.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso defensivo e mantenho a condenação de Paulo Luiz Souto e Silva como incurso nas sanções previstas no artigo 171, § 3º, c.c art. 71 do Código Penal ao cumprimento das penas de 05 (cinco) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, inicialmente em regime semi-aberto, e ao pagamento de 328 (trezentos e vinte e oito) dias-multa, cada dia-multa em 1/6 (um sexto) do salário mínimo vigente na data dos fatos.

É o voto.


LUIZ STEFANINI
Desembargador Federal


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