D.E. Publicado em 09/08/2013 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, negar provimento às apelações, nos termos do voto do relator, acompanhado pelo Des. Fed. Paulo Fontes, vencida a Juíza Fed. Conv. Louise Filgueiras que dava parcial provimento à apelação da acusação para aumentar a pena-base para 8 (oito) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 875 (oitocentos e setenta e cinco) dias-multa e dava parcial provimento à apelação da defesa para aumentar o patamar de diminuição da pena em razão da atenuante da confissão e para aplicar a causa de diminuição da pena do artigo 33, §4º, da Lei nº 11.343/2006, no patamar de 5/12 (cinco doze avos), reduzindo a pena oara 4 (quatro) anos, 11 (onze) meses e 16 (dezesseis) dias de reclusão e 495 (quatrocentos e noventa e cinco) dias-multa.
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RELATÓRIO
RELATÓRIO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO:
Trata-se de apelações criminais interpostas pela JUSTIÇA PÚBLICA e por YOLANDA SANTOS GODOY, natural da Espanha e atualmente sob custódia na Penitenciária Feminina da Capital de São Paulo, contra sentença de fls. 135/140 que condenou a ré à pena de 7 (sete) anos e 7 (sete) meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicial fechado, e ao pagamento de 730 (setecentos e trinta) dias-multa, no valor mínimo, pela prática do crime previsto no artigo 33, caput, c/c o artigo 40, I, ambos da Lei 11.343/06.
Consta da denúncia (fls. 43/46):
Inconformadas, apelaram a Justiça Pública e a ré condenada.
Às fls. 225/244, o representante do "Parquet" Federal requer a reforma parcial da sentença, para que seja revista a dosimetria da pena, a fim de aumentar a pena-base, excluir a atenuante da confissão ou reduzir seu patamar, e para aumentar o percentual da causa de aumento de pena prevista no inciso I, do artigo 40, da Lei 11.343/06.
A Defensoria Pública da União, às fls. 260/280, apresentou as razões de apelação.
Inicialmente, requer a reforma da sentença para a absolvição da acusada com fundamento no artigo 386, VII do CPP (ausência de provas da materialidade delitiva) ou, ao menos, a não utilização da quantidade de entorpecente como critério para a elevação da pena. Pleiteia ainda pela absolvição sob o argumento de ter praticado o crime por estado de necessidade exculpante.
Caso não alcance a absolvição, requer a reforma parcial da sentença para:
1 . a fixação da pena-base no mínimo legal;
2 . uma maior diminuição da pena pelo reconhecimento da atenuante genérica da confissão;
3 . a aplicação da regra prevista no § 2º do artigo 24 (estado de necessidade justificante) para reduzir a pena;
4 . a aplicação do benefício previsto no § 4º do artigo 33 da lei 11.343/06 no patamar máximo;
5 . o afastamento da causa de aumento derivada da transnacionalidade do delito;
6 . a exclusão da pena de multa ou a redução ao mínimo legal;
7 . a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, nos termos dos mais recentes precedentes do STF, do STJ e desta Corte;
8 . a fixação do regime inicial semi-aberto para o cumprimento da pena;
9 . a concessão do direito de a ré apelar em liberdade, com expedição de alvará de soltura.
Contrarrazões às fls. 250/259 (da defesa) e 290/335 (do Ministério Público Federal).
A Procuradoria Regional da República, no parecer de fls. 361/398, opina seja negado provimento à apelação da defesa e dado parcial provimento à apelação ministerial para aumentar a pena-base e excluir a atenuante da confissão.
É o relatório.
À revisão.
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VOTO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO:
YOLANDA SANTOS GODOY foi condenada pela prática do crime previsto no artigo 33, caput, c/c o artigo 40, I, ambos da Lei 11.343/06 por ter sido presa em flagrante delito nas dependências do Aeroporto Internacional de Guarulhos quando tentou embarcar em vôo a Lisboa/Portugal, transportando 6.042,8 g (seis mil e quarenta e dois gramas e oito decigramas) de cocaína, que se encontravam em invólucros contidos em fundos falsos de 60 carteiras femininas que levava em suas malas.
Não prospera o pedido de absolvição pois, ao contrário do alegado, o crime pelo qual a ré foi condenada está comprovado em todos os aspectos.
MATERIALIDADE DELITIVA:
Está consubstanciada pelo auto de exibição e apreensão (fls. 10/11), laudo de constatação (fls. 08/09 ) e laudo pericial de fls. 54/57, atestando que a substância entorpecente transportada pela ré foi positiva para cocaína, no peso líquido de 6.042,8 g (seis mil e quarenta e dois gramas e oito decigramas).
A defesa alega que não há provas da materialidade pelo fato de o laudo ter sido elaborado com base apenas em pequena amostra da substância.
Consoante bem ressaltado na sentença, verifica-se que consta do laudo preliminar uma fotografia da balança com a quantidade bruta apreendida em poder da acusada, sendo que o perito, após retirar as embalagens, mencionou a quantidade líquida, que constou do auto de apreensão.
Por outro lado, sabe-se que as perícias não são realizadas na totalidade da droga, mas sim em amostras, e os exames são realizados por peritos criminais federais, funcionários públicos cujas conclusões possuem presunção de veracidade e de legitimidade.
Ademais, também é de conhecimento geral que a cocaína, quando apresentada na forma sólida, não é uma peça única, mas um pó, ou seja, diversas partículas extremamente pequenas. Note-se que, geralmente, tais partículas encontram-se compactadas, sendo impossível que parte da substância não se trate de cocaína, uma vez que todo o volume em pó era formado por substância idêntica. Assim, realizada a perícia em parte do volume, é óbvio que extrai-se o resultado para o todo.
Mesmo que ocorresse a mistura de outras substâncias em forma de "pó", somente seria possível vislumbrar alteração na qualidade do entorpecente por ter sido mesclado com outro elemento químico, mas nunca alteração na própria substância que permanece incólume.
Portanto, não há dúvidas acerca da quantidade da droga, razão pela qual pode e deve ser considerada na análise da dosimetria da pena do crime de tráfico, nos termos do artigo 42 da Lei 11.343/06.
AUTORIA DELITUOSA:
Está devidamente comprovada, inicialmente pela prisão em flagrante da acusada, que portava a droga oculta em sua bagagem, fato corroborado corroborada pelo depoimento da testemunha de acusação, o agente da Polícia Federal que, em seu depoimento narrou os fatos como constantes na denúncia e no auto de prisão em flagrante.
Por outro lado, a ré não negou a prática do delito. Consoante consta da sentença (fls. 201):
ALEGAÇÃO DE ESTADO DE NECESSIDADE:
Não merece crédito a alegação da defesa, referente ao estado de necessidade derivado de dificuldades financeiras, como justificativa para a absolvição pela ausência de dolo ou exclusão da tipicidade ou de ilicitude, bem como causa de redução de pena com fundamento no § 2º do art. 24 do CP.
O artigo 24 do Código Penal dispõe:
Para que seja aplicado o estado de necessidade, quer como causa de exclusão de ilicitude ou como causa de redução de pena, exige-se a existência de um conflito entre bens igualmente amparados pela lei, em decorrência de uma situação de perigo que o agente não provocou voluntariamente, nem poderia de outro modo evitar, por não se exigir o perecimento do bem do qual o agente é titular.
É preciso que o agente atue de acordo com o senso comum daquilo que é razoável, não havendo culpabilidade sempre que não se puder exigir conduta diferente daquela empreendida.
No caso, para que estivesse configurado o estado de necessidade, seria necessário que se comprovasse que a prática do crime era a única forma ao alcance da ré para provê-las, ônus que incumbe à defesa nos termos do artigo 156, do Código Penal, considerando-se as circunstâncias em que ocorreu, e verificado, pela confrontação entre o bem jurídico em perigo e o bem lesado, a razoabilidade ou não do sacrifício exigido daquele, o que não ocorreu, nem mesmo com os documentos juntados às fls. 149/174, de maneira que se torna impossível o reconhecimento da excludente de ilicitude.
Isso porque meras alegações de dificuldades financeiras, cuja gravidade e intensidade não é possível aferir, não são aptas a atrair a aplicação do estado de necessidade como causa excludente da culpabilidade ou da ilicitude, não estando também comprovado que a prática desse crime tido como hediondo diante do grave perigo de dano à saúde de terceiros, fosse o único meio ao alcance da ré para prover as necessidades financeiras, que podem ser contornadas por outros meios e atividades lícitas, ao invés do cometimento de delitos.
No caso, a ré não comprovou a alegação de que viveria em situação diferente da de milhares de pessoas que vivem sob dificuldades financeiras.
No sentido dessas explanações, confira-se alguns Acórdãos:
DOLO
Demonstradas a materialidade e autoria pela acusação, e diante da ausência de elementos aptos a ilidi-los, resta também evidente o dolo na conduta do apelante que, na condição de "mula", com consciência e vontade, transportava a droga entre países, razão pela qual mantenho sua condenação pela prática do crime previsto no artigo 33, caput, c/c o artigo 40, I, ambos da Lei 11.343/06.
DOSIMETRIA DA PENA:
PENA-BASE:
A pena-base foi fixada acima do mínimo legal (seis anos e nove meses de reclusão).
Ao contrário do que alega a defesa, não foi exacerbada apenas em razão da quantidade e a natureza da droga, tendo em vista que o MM. Juiz fundamentou a existência de outras circunstâncias gerais desfavoráveis para elevar a pena-base, tais como a culpabilidade, os motivos, circunstâncias e conseqüências do crime.
No caso, não pode ser considerada de pequena monta a quantidade apreendida nestes autos (mais de seis quilos de cocaína), ainda mais quando comparada às quantidades normalmente portadas pelo criminoso no tráfico urbano de varejo, quando é vendida diretamente aos consumidores pelos pequenos traficantes.
É certo, também, que, no caso, não foi a ré, na qualidade de "mula" do tráfico que decidiu acerca da quantidade e natureza da droga que transportaria. Contudo, é inegável que evidentemente possuía consciência, por agir mediante promessa de pagamento, que estava colaborando com a atuação de uma organização voltada ao tráfico de entorpecentes, e não como os denominados "aviõezinhos", que repassam pequenas quantidades de drogas aos usuários.
Tampouco assiste razão à defesa ao requerer a redução da pena-base ao mínimo legal sob o argumento de que a natureza da droga (cocaína) não é tão maléfica ao organismo quanto as demais que são usualmente traficadas (crack, ecstasy, anfetamina, heroína, LSD, etc).
De fato, sabe-se que a cocaína é uma droga que vicia facilmente, sendo alta sua lesividade à saúde dos usuários, pois pode levar a óbito ainda que consumida em pequena quantidade. Por outro lado, a cocaína que é normalmente exportada possui grau de pureza altíssimo, sendo misturada a outras substâncias antes da entrega ao consumidor para elevar o rendimento.
Entendo ainda que a pena-base não merece ser exasperada, como afirma o representante do Ministério Público Federal, considerando que a ré é primária e não possui antecedentes criminais, circunstâncias judicias que lhes são favoráveis e que não justificam maior aumento.
Assim, do cotejo das circunstâncias judiciais do artigo 59 do CP com as especiais previstas no artigo 42 da Lei de drogas, entendo que a fixação da pena-base no patamar eleito foi justa, proporcional e suficiente para atingir, nessa fase, ao caráter retributivo e preventivo da sanção penal.
ATENUANTE GENÉRICA DA CONFISSÃO
Na segunda etapa da individualização da pena, mantenho a aplicação da atenuante genérica da confissão que reduziu a pena da ré para seis anos e seis meses de reclusão.
Neste aspecto, a acusação requer a exclusão da atenuante, sob o argumento de que não houve a confissão do crime, pois a ré alegou estado de necessidade, enquanto a defesa pleiteia seja a atenuante aplicada em patamar maior.
Ocorre a confissão qualificada (ou confissão parcial) quando o agente confessa a autoria do fato, mas nega parte da imputação ou invoca alguma excludente da ilicitude ou da culpabilidade.
É certo que a ré foi presa em flagrante e, embora tenha confessado o crime em Juízo, aduziu que teria aceitado o transporte da droga devido a dificuldades financeiras.
No entanto, a jurisprudência majoritária hoje admite a confissão qualificada. Assim, o fato de a ré confessar a autoria do fato criminoso, mas invocar uma excludente de ilicitude/culpabilidade, não obsta o reconhecimento da atenuante da confissão espontânea. Tampouco se exige que a autoria do crime seja desconhecida, para que se configure a atenuante.
Ademais, de acordo com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte a atenuante da confissão, ainda que não seja espontânea ou seja parcial, deve incidir sempre que fundamentar a condenação do acusado, como no caso.
Dessa forma, se confissão do réu contribuiu para a formação do convencimento do Juiz, deve ser aplicada, pouco importando se parcial.
Transcrevo alguns julgados a respeito:
Sabe-se que, em se tratando de atenuantes, o Código Penal não determina as hipóteses em que deve ser aplicada, tampouco o "quantum" da redução da pena. O legislador reservou ao arbítrio do Juiz o valor a ser diminuído da pena-base, à vista das circunstâncias constantes dos autos e aos princípios da proporcionalidade, razoabilidade, necessidade e suficiência para a prevenção e repressão do crime.
No caso, não se há de falar que a confissão da ré foi totalmente espontânea, tendo em vista sua prisão de posse da droga, o fato de não ter assumido incondicionalmente a autoria delitiva alegando excludente de culpabilidade e tampouco ter procurado auxiliar as autoridades, esclarecendo devidamente as condições em que a droga foi fornecida.
Portanto, entendo que foi justa a aplicação da circunstância atenuante da confissão (art. 65, III, "d", do CP) que reduziu a pena em três meses.
Ausentes outras atenuantes ou agravantes, nesta etapa a pena fica estabelecida provisoriamente em seis anos e seis meses de reclusão.
TRANSNACIONALIDADE DO TRÁFICO:
Na terceira fase da individualização da pena, o MM. Juiz aplicou a causa de aumento da transnacionalidade do tráfico ( art. 40, I, da Lei 11.343/06) no patamar mínimo legal (um sexto).
Não procede a alegação da defesa, no sentido de que não deve incidir essa causa de aumento sob pena de "bis in idem", ante o argumento de que a conduta de "exportar" está contida no núcleo do art. 33 da Lei 11.343/06.
De fato, o crime previsto no artigo 33, caput, da Lei de drogas é de ação múltipla, e à ré foi imputada a conduta de transportar substância entorpecente apreendida em seu poder, quando estava em vias de embarcar para o exterior.
Desde a vigência da lei anterior, é pacífico o entendimento de que a causa de aumento derivada da internacionalidade do tráfico é aplicável em todas as modalidades do crime, sem que isso implique em dupla valoração pelo mesmo fato, pois o objetivo da majorante é o de punir com maior rigor o comércio com o exterior, com finalidades lucrativas, e não apenas a exportação sem essa finalidade, razão pela qual não há se falar em identidade de elementares do tipo.
Nesse sentido:
Tampouco assiste razão à acusação, ao requerer a aplicação dessa majorante em patamar maior, considerando o maior espectro espacial a ser atingido pela conduta da ré.
Apesar de esse entendimento estar referendado em algumas decisões, tem entendido esta Turma de que a simples distância entre países não justifica a aplicação dessa causa de aumento em patamar acima do mínimo, admitindo-se apenas nos casos em que a droga deixe o território nacional para ser distribuída em mais de um país no exterior.
Ademais, o legislador previu, nos incisos do artigo 40, da Lei 11.343/06, uma série de causas de aumento de pena, que justificam um aumento variável de um a dois terços, porém não estabeleceu os parâmetros para a quantificação do percentual.
À míngua desses critérios, o índice de aumento deve ser calculado de acordo com as circunstâncias especificamente relacionadas com a causa de aumento, (e não às do crime), e variar de acordo com a quantidade de majorantes que estiverem presentes.
No caso, porém, há que ser considerado que a ré foi presa com a droga ainda em território brasileiro e, em que pese sua intenção de levá-la a outro continente, não está comprovado nos autos que pretendesse difundi-la em mais de um país.
Portanto, é razoável a exasperação da pena no mínimo legal (um sexto), considerando-se a natureza e quantidade da droga e a rota planejada por mais de um continente.
A respeito, confira-se os seguintes excertos de alguns julgados da 5ª Turma:
Portanto, mantenho a aplicação da majorante prevista no inciso I, do artigo 40, da Lei 11.343/06 no patamar mínimo (um sexto).
Dessa forma, a pena anteriormente fixada em seis anos e seis meses de reclusão, com este acréscimo fica estabelecida em 7 (sete) anos e 7 (sete) meses de reclusão.
CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA: § 4º DO ART. 33 DA LEI Nº 11.343/06:
Ainda na terceira etapa da individualização da pena, não foi aplicado o benefício previsto no artigo 33, § 4º da Lei de drogas.
A defesa requer a aplicação no patamar máximo e, para tanto, afirma que estão presentes todos os requisitos exigidos, não havendo elementos nos autos que façam crer que a ré integre uma organização criminosa voltada ao tráfico de drogas apenas pelo fato de ter atuado na condição de "mula".
Sustenta ainda que a Convenção de Palermo, da qual o Brasil é signatário, estabelece que, para a configuração de uma organização criminosa, é preciso comprovar a existência conjunta de elementos de ordem quantitativa (três ou mais agentes), subjetiva (unidade de desígnios) e temporal (atuação prolongada no tempo), o que não restou comprovado.
Não procedem todos esses argumentos.
De fato, o benefício previsto no parágrafo 4º do artigo 33 da Lei de drogas exige a presença de quatro requisitos, que devem ser preenchidos cumulativamente, ou seja, que o agente "seja primário, de bons antecedentes, não se dedique a atividades criminosas nem integre organização criminosa".
Como a lei utilizou a conjunção "NEM", deduz-se que há uma diferença substancial entre "se dedicar a atividades criminosas" e "integrar uma organização criminosa". A dedicação a atividades criminosas exige habitualidade, permanência, conjunção de propósitos, divisão de tarefas, ou seja, que o réu faça do crime seu meio de vida. Por outro lado, para que se afirme que o réu integra uma organização criminosa, basta a prova de que participou da empreitada criminosa de alguma forma.
Assim, quando o parágrafo 4º do artigo 33 da Lei 11.343/06 exige que o agente "não integre organização criminosa", significa que não é necessário, para esse fim, que esteja incurso no crime de associação para o tráfico. A reiteração de condutas criminosas no passado, ou o ânimo de reiterá-las futuramente, é elemento caracterizador da estabilidade e permanência, exigíveis para a configuração do crime autônomo de associação para o tráfico (antigo artigo 14 da Lei nº 6.368/75 e atual artigo 35, da Lei nº. 11.343/06).
Contudo, no parágrafo 4º do artigo 33, da Lei 11.343/06, não é necessário esse ânimo para que se caracterize a integração em organização criminosa, já que está presente em outro requisito, que é o "não se dedicar a atividades criminosas". Repito: se a lei exigisse que a prática reiterada de delitos, ou a vontade de praticá-los reiteradamente fosse elemento essencial para a integração a uma atividade criminosa, não teria inserido como requisito da causa de redução de pena a exigência de que o agente também não se dedique a atividades criminosas.
Feitas tais considerações, e passando à análise do caso concreto, é certo que a acusada é primária, sem antecedentes e que não há provas de que se dedique a atividades criminosas.
Entretanto, ao ser interrogada admitiu que aceitou transportar entorpecente para a Europa, pelo que receberia paga.
Evidente, pois, que integrou uma organização criminosa voltada ao tráfico transnacional de drogas que atua em vários países, na qual há a divisão de tarefas e em que cada integrante tem uma função específica, havendo sempre de um lado um membro da organização que fornece a droga, embala, prepara o local para ocultá-la, custeia as despesas dos "mulas", e de outro lado uma pessoa que recebe a droga, prepara para consumo e posteriormente fornece a pessoas que irão vendê-la, todos agindo com a mesma unidade de desígnios, qual seja, o tráfico de drogas.
Embora não possa ser considerada como membro efetivo de uma quadrilha, ou que não tivesse o ânimo de voltar a delinqüir, não há como negar que a ré efetivamente figurou, ainda que de forma eventual, em uma ponta da organização criminosa voltada ao tráfico internacional de drogas. Integrou a organização ao lhe prestar serviços na condição de "mula" transportando a droga de um para outro país mediante remuneração, ao promover a conexão entre seus membros e ao colaborar, como elemento essencial, para o sucesso da atividade ilícita e a distribuição mundial de entorpecentes.
Por esses motivos, comungo do entendimento de que a causa de diminuição prevista no parágrafo 4º do artigo 33 da Lei de drogas não foi criada a fim de ser aplicada a pessoas que, como o réu, participa de organizações criminosas de tráfico internacional de grande poder financeiro e logístico, que distribuem grandes quantidades de entorpecentes, plenamente cientes de que estão se envolvendo com pessoas que vivem do crime, mas sim ao tráfico de menor expressão, que não envolve quantidades tão expressivas de entorpecente; como no tráfico urbano de varejo, onde pequenos distribuidores comercializam drogas em quantidades menores, diretamente aos usuários.
Ressalto que a aplicação indiscriminada desse benefício aos "mulas" do tráfico transnacional de drogas certamente servirá como incentivo para que o Brasil se torne, muito em breve, a principal rota para o transporte de drogas provenientes dos países vizinhos para o exterior, fato incompatível com os vários acordos internacionais sobre o combate às drogas firmados pelo nosso País.
E não se há de falar que a negativa da aplicação não foi devidamente fundamentada, ou que a natureza e quantidade da droga não poderiam limitar a aplicação do benefício, já que, além dessas circunstâncias, foram várias as razões que levaram o Juiz "a quo" a deixar de aplicá-lo, consoante se pode observar pela extensa argumentação expendida pelo MM. Juiz na sentença.
No sentido dessas explanações, confira-se os seguintes julgados:
Por esses motivos, diante da prova do narcotráfico transnacional patrocinado por organização criminosa à qual a acusada livre e conscientemente aderiu, integrando-a a fim de realizar o transporte da droga, agiu com acerto o MM. Juiz ao deixar de aplicar o benefício previsto no § 4ª do artigo 33, da Lei 11.343/06, razão pela qual sua pena resta fixada definitivamente em 7 (sete) anos e 7 (sete) meses de reclusão.
PENA PECUNIÁRIA:
A defesa requer o afastamento da pena pecuniária ou a fixação no mínimo legal.
Para tanto, afirma que, nos termos do artigo 51 do CP, introduzido pela Lei 9.268/96, ao considerar a pena de multa aplicada na sentença penal condenatória como dívida de valor, ou seja, extrapenal, deve-se utilizar as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública. Que, para a cobrança de multa, é plausível a via processual de execução por quantia certa contra devedor solvente prevista no CPC, fundada em título executivo judicial.
Ressalta que os "mulas" do tráfico não dispõem de recursos financeiros, de forma que de nada adiantaria a aplicação de pena pecuniária de grande valor se não há bens a serem penhorados.
Sustenta também que, no caso de cumprir totalmente a pena a que foi condenada, a ré apenas poderá retornar ao seu país de origem após a conclusão do processo de expulsão, que se concretiza com o pagamento integral da multa, que será impossível diante das condições financeiras da ré, o que fará com que permaneça presa por mais tempo do que realmente deveria.
Inicialmente, consigno que não há de se falar que a falta de pagamento da pena pecuniária se constituiria em ofensa à proibição constitucional de prisão civil por dívida (art. 5º, LXVII, da CF), uma vez que não se está punindo a inadimplência civil, mas sim a prática de um crime.
Por outro lado, a aplicação da pena pecuniária decorre do preceito secundário expresso no artigo 33 da lei de drogas, previsão legal e incondicional, como ocorre com tantos outros tipos penais, e que incide obrigatoriamente em cumulação com a pena privativa de liberdade, independentemente da situação econômica do réu, tendo em vista que não existe, na legislação penal ou processual penal, dispositivo que permita ao juiz isentar o réu do pagamento da pena de multa em razão de insuficiência financeira.
Também não está configurada qualquer afronta ao princípio da isonomia, pois, aqueles que optam pela prática de crimes não podem buscar igualdade com as pessoas que optaram por uma vida honesta, tampouco se podendo cogitar em desrespeito ao mesmo princípio dentre as várias espécies de agentes que cometem o crime de tráfico de drogas.
Deve-se considerar ainda que os "mulas" do tráfico agem sempre movidos pela cobiça, no sentido de obter recompensa financeira patrocinada pelos verdadeiros traficantes, motivo pelo qual a cumulação da pena pecuniária com privativa de liberdade se torna necessária para a prevenção e repressão desse crime.
Assim, se a ré não dispõe de recursos financeiros, tal fato não a isenta do pagamento de multa , justificando apenas a fixação do valor unitário no mínimo legal, como, aliás, acertadamente decidido na sentença.
Por outro lado, a exigibilidade ou não da cobrança da multa trata-se de matéria a ser apreciada em sede de execução.
Ademais, consoante dispõe o artigo 51 do Código Penal, a pena de multa é considerada dívida de valor após o trânsito em julgado da condenação, aplicando-se-lhe as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, de forma que a pena pecuniária prevista no preceito secundário de um tipo penal não pode ser convertida em pena privativa de liberdade caso não seja paga, cabendo sua execução na forma da legislação tributária, razão pela qual não há possibilidades de que a ré permaneça custodiada por período superior ao da condenação.
Portanto, se a aplicação da pena de multa cumulada com a privativa de liberdade está prevista em lei, respeita o princípio da legalidade e não ofende a Constituição, é de rigor sua aplicação.
Por esses motivos, mantenho a pena pecuniária em 730 (setecentos e trinta ) dias-multa, no valor unitário estabelecido pela sentença.
REGIME DE CUMPRIMENTO DE PENA:
Por fim, a defesa requer seja fixado regime menos gravoso para o cumprimento da pena do réu, nos termos do artigo 33 do CP.
Ressalto que a fixação de regime inicial fechado encontra supedâneo no artigo 2º, § 1º, da Lei dos Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/90), por ser o tráfico de drogas crime a eles equiparado, conforme previsão constitucional (art. 5º, XLIII, CF).
Ocorre que, em sessão realizada em 27.06.2012, o Plenário da Suprema Corte, ao analisar o habeas corpus 111.840/ES, de relatoria do Ministro Dias Toffoli, por maioria, declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90, com a redação dada pela Lei 11.464/2007:
Desse modo, restou superada a obrigatoriedade de início do cumprimento de pena no regime fechado aos condenados por crimes hediondos ou a eles equiparados.
Assim, o magistrado deve se valer, além do quantum de pena imposta (art. 33, §2º, CP), dos critérios previstos no artigo 59 do Código Penal para determinar o regime inicial de cumprimento da pena, conforme exegese do artigo 33, §3º , do mesmo codex.
Em se tratando de crime de tráfico de drogas, as circunstâncias judiciais para fixação da pena-base incluem ainda a natureza e a quantidade da droga, nos termos do artigo 42 da Lei nº 11.343/2006.
Portanto, mantenho o regime inicial fechado, por considerar que as circunstâncias judiciais são desfavoráveis à acusada, nos termos dos artigos 33, §3º, do Código Penal.
SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS :
Não procede o pedido da referida substituição, em primeiro lugar diante da quantidade da pena cominada.
Ademais, a vedação à substituição tem fundamento nos artigos 33, parágrafo 4º e 44, ambos da Lei nº 11.343/06, que proíbem expressamente que a pena privativa de liberdade cominada, embora possa ser objeto de redução, seja convertida em restritiva de direitos, em atenção à função preventivo-repressiva da pena privativa de liberdade como instrumento eficaz ao combate das atividades relacionadas ao tráfico de entorpecentes.
Em que pesem alguns entendimentos em contrário, entendo que a regra prevista no artigo 44 da Lei nº 11.343/2006, ao vedar a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, não fere a Constituição Federal.
Ao contrário, a completa, porque tal substituição se mostra incompatível com a necessidade de maior repressão e prevenção aos crimes considerados mais gravosos à sociedade, tais como o de tráfico internacional de entorpecentes, que causa efeitos altamente maléficos aos usuários e à sociedade. Por esses motivos, não se há falar-se em afronta ao princípio da individualização da pena.
Reconheço ainda que o Plenário do STF recentemente declarou, através do "habeas corpus" 97.256, pela via incidental, a inconstitucionalidade da expressão "vedada a conversão em penas restritivas de direitos" contida no parágrafo 4º do artigo 33, da Lei nº 11.343/06, bem como da expressão "vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos", constante do artigo 44 da mesma lei.
Contudo, a ordem não foi concedida para assegurar ao paciente a imediata substituição , mas sim para remover o óbice contido na Lei 11.343/06, devolvendo ao Juízo das Execuções Criminais a tarefa de auferir o preenchimento das condições objetivas e subjetivas para a concessão.
Ainda que seja adotado o entendimento do Supremo Tribunal Federal, há que se considerar que as penas restritivas de direitos dificilmente serão aptas a reprimir o tráfico ilícito de drogas e, portanto, além dos requisitos objetivos exigidos pelo art. 44 do Código Penal, deve haver outros elementos subjetivos altamente favoráveis ao réu para que possa ser concedida a substituição.
No caso, as particularidades não recomendariam a substituição, tendo em vista que os elementos dos autos revelaram um grau elevado de culpabilidade da ré, com provas contundentes de que participou de uma organização criminosa complexa, coordenada de forma a aliciar "mulas" para transportar drogas.
Ademais, é estrangeira e não possui vínculos com o nosso país, de forma que facilmente poderá se evadir se permanecer solta, mais um motivo demonstrando não ser recomendável a substituição, por não se mostrar suficiente para a reprovação e a prevenção do crime, inclusive pela repercussão que terá sobre a aplicação da lei penal.
Destaco que esse fato de forma alguma fere o princípio da isonomia, que consiste em conceder tratamento diferenciado para situações distintas.
Levando-se em consideração os motivos e as circunstâncias do crime, observa-se que a substituição da pena privativa de liberdade não se mostra suficiente para impedir que o réu volte a traficar drogas, refreando o desejo de ganho irrefletido de dinheiro. Por outro lado, prestando serviços em instituições públicas, haverá o sério risco de dar continuidade ao crime de tráfico de drogas.
Assim, entendo não ser socialmente recomendável a substituição da pena privativa de liberdade, que deve limitar-se a crimes considerados de menor gravidade, sendo inadequada sua aplicação aos condenados pelo crime de tráfico de drogas por ser por demais branda e insuficiente para reprimir tão grave delito, em nosso país equiparado a hediondo, tendo em vista os terríveis malefícios que causam aos usuários e à sociedade como um todo.
Confira-se alguns julgados acerca desse tema:
Por esses motivos, também deixo de substituir a pena privativa de liberdade do réu por restritivas de direitos.
DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE:
Agiu com acerto a MMª. Juíza ao deixar de conceder à ré o direito de apelar em liberdade.
Em primeiro lugar, consoante entendimento cediço nas Cortes Superiores, a proibição da liberdade provisória, nos casos de crimes hediondos e assemelhados, decorre da própria proibição de fiança, imposta pela Constituição Federal no artigo 5º, inciso XLIII.
E o artigo 2º, inciso II, da Lei nº 8.072/90, atendendo à norma constitucional, considerou inafiançáveis os crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os crimes definidos como hediondos.
Por outro lado, a Lei nº 11.343/2006, que é específica para os crimes de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, no artigo 44 estabelece que os crimes previstos nos artigos 33, caput e § 1º e 34 a 37 são insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória. Dispõe ainda o artigo 59 da mesma lei que, nos crimes de tráfico, o réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória.
Sabe-se, contudo, que não tem o direito de recorrer em liberdade o acusado que permaneceu justificadamente preso durante a instrução criminal, por força de prisão em flagrante ou preventiva, ainda que seja primário e de bons antecedentes e que, sobrevindo sentença penal condenatória, um de seus efeitos é a manutenção da custódia do réu para apelar, o que não constitui ofensa à garantia constitucional da presunção de inocência, nos termos da Súmula 09 do STJ, de forma que eventuais condições favoráveis do agente, como primariedade e bons antecedentes, não são garantidoras de direito subjetivo à liberdade provisória, quando outros elementos recomendarem a prisão.
Postas tais premissas, verifico que a o ré foi presa em flagrante e assim permaneceu durante toda a instrução criminal. É estrangeira, sem vínculos com nosso país, com fortes possibilidades de se evadir se for solta, razão pela qual sua prisão tem por finalidade assegurar a aplicação da lei penal e o próprio resultado do processo, com o cumprimento integral da pena.
Por outro lado, a mera circunstância de a ré integrar uma organização criminosa dedicada à prática do tráfico de drogas já é suficiente para que permaneça presa, pois sabe-se que essas organizações não se intimidam com ações repressoras no sentido de investigar e punir a ação do grupo, tanto é que a própria Lei nº 9.034/95, que trata das organizações criminosas, prevê expressamente no artigo 7º, que não será concedida liberdade provisória, com ou sem fiança, aos agentes que tenham tido intensa e efetiva participação na organização criminosa, como no caso.
Assim sendo, para a efetivação da ação repressora do Estado, é necessário que o grupo seja desestruturado, o que somente se obtém com a prisão de todos os seus integrantes, daí porque o principal fundamento para a custódia é a garantia da ordem pública.
E ainda que não mais se justifique o requisito concernente à conveniência da instrução criminal, já que a instrução probatória já foi encerrada, remanesce também a necessidade da garantia da ordem pública e da necessidade de se garantir a aplicação da lei penal, razão pela qual não cabe o deferimento do benefício do apelo em liberdade, quer seja mediante termo de comparecimento (artigo 310, parágrafo único), ou mediante pagamento de fiança (artigo 324, inciso IV).
Nesse sentido:
Diante do exposto, nego provimento às apelações, mantendo a sentença nos termos em que foi lançada.
Determino o envio de ofício ao Ministério da Justiça, com o escopo de verificação da conveniência e oportunidade da instauração de procedimento administrativo tendente à expulsão da ré YOLANDA SANTOS GODOY, a ser efetivada após o cumprimento da pena.
É o voto.
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