Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 09/08/2013
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0003634-72.2011.4.03.6119/SP
2011.61.19.003634-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : YOLANDA SANTOS GODOY reu preso
ADVOGADO : DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00036347220114036119 4 Vr GUARULHOS/SP

EMENTA


PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS: ART. 33, CAPUT, C/C ART. 40, I DA LEI 11.343/06. LAUDO PERICIAL ELABORADO EM PARTE DO VOLUME TOTAL DA DROGA: REGULARIDADE: SUBSTÂNCIA INALTERADA: MATERIALIDADE DELITIVA COMPROVADA. ESTADO DE NECESSIDADE JUSTIFICANTE E EXCULPANTE: REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. AUTORIA E DOLO INEQUÍVOCOS. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA DA PENA: PRIMARIEDADE, BONS ANTECEDENTES, AUSÊNCIA DE PROVAS DE MÁ CONDUTA SOCIAL E PERSONALIDADE VOLTADA À PRÁTICA DE CRIMES. NATUREZA E QUANTIDADE DA DROGA. FUNÇÃO PREPONDERANTE NA FIXAÇÃO DA REPRIMENDA NO CRIME DE TRÁFICO: ART. 42 DA LEI 11.343/06: MANUTENÇÃO DA PENA-BASE NO PATAMAR ELEITO. CONFISSÃO QUALIFICADA: FUNDAMENTO DA CONDENAÇÃO: MANUTENÇÃO DA ATENUANTE. TRANSNACIONALIDADE: CONDUTA DE "EXPORTAR" DROGAS: CAUSA DE AUMENTO DO INC. I DO ART. 40 DA LEI 11.343/06: INCIDÊNCIA: COMPATIBILIDADE COM O NÚCLEO DO ART. 33 DA MESMA LEI: CRIME DE AÇÃO MÚLTIPLA: INEXISTÊNCIA DE "BIS IN IDEM". MERA DISTÂNCIA ENTRE PAÍSES: IRRELEVÂNCIA NA FIXAÇÃO DO PATAMAR DE AUMENTO. ACRÉSCIMO NO MÍNIMO LEGAL. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA: 4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/06: INAPLICABILIDADE: "MULA": PROVAS DE ENVOLVIMENTO COM ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. PENA DE MULTA: PRECEITO SECUNDÁRIO: LEGALIDADE. MANUTENÇÃO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS: IMPOSSIBILIDADE. REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA: DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ART. 2º DA LEI Nº 8.072/90. OFENSA À GARANTIA CONSTITUCIONAL DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA (INCISO XLVI DO ART. 5º DA CF/88). APLICAÇÃO DO ART. 33, § 2º E 59 DO CP E 42 DA LEI Nº 11.343/2006.CIRCUNSTÂNCIAS DESFAVORÁVEIS.
1 . Os laudos de exame toxicológico não são realizados na totalidade da droga, mas sim em amostras. A cocaína, quando apresentada na forma sólida, não é uma peça única, mas sim um pó, com diversas partículas compactadas. Ainda que ocorra a mistura de outros elementos químicos, a natureza da substância entorpecente não é alterada. Realizada a perícia em parte do volume, extrai-se o resultado para o todo, não se podendo falar em dúvidas acerca da materialidade ou quantidade da droga, que deve ser considerada na dosimetria da pena.
2 . Comprovadas nos autos a materialidade, autoria e dolo do crime previsto no art. 33, caput, c/c o art. 40, I, da Lei 11.343/06 praticado pela ré, presa em flagrante nas dependências do Aeroporto Internacional de Guarulhos/SP, quando tentou embarcar em vôo a Lisboa/Portugal, transportando 6.042,8 g (seis mil e quarenta e dois gramas e oito decigramas) de cocaína, que se encontravam em invólucros contidos em fundos falsos de 60 carteiras femininas que levava em suas malas.
3 . Estado de necessidade não comprovado, quer como causa de exclusão de ilicitude, quer como causa de redução de pena, diante da falta de comprovação da existência de um conflito entre bens igualmente amparados pela lei, em decorrência de uma situação de perigo que o agente não provocou voluntariamente, nem poderia de outro modo evitar, por não se exigir o perecimento do bem do qual o agente é titular. Meras alegações de dificuldades financeiras, cuja gravidade e intensidade não são possíveis de aferir, não são aptas a atrair a aplicação do estado de necessidade.
4 . Condenação mantida.
5 . O julgador, na individualização da pena, deve examinar detidamente os elementos que dizem respeito ao fato, segundo os critérios estabelecidos pelo artigo 59 do CP. No caso de tráfico de drogas, há ainda que observar o artigo 42 da Lei 11.343/06, o qual determina expressamente que o Juiz, na fixação da pena, deve considerar, com preponderância sobre as circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do CP, a natureza e quantidade da droga, bem como a personalidade e conduta do agente. Apesar da primariedade e bons antecedentes, a acusada não faz jus à fixação da pena-base no mínimo legal, considerando-se a natureza e quantidade da droga que transportava.
6 . Não pode ser considerada de pequena monta a quantidade apreendida nestes autos (mais de seis quilos), se comparada às quantidades normalmente portadas pelo criminoso no tráfico urbano de varejo, quando é vendida diretamente aos consumidores pelos pequenos traficantes. Ainda que a ré, na qualidade de "mula" do tráfico, não decida acerca da quantidade da droga que irá transportar, é inegável que possui consciência, por agir mediante promessa de pagamento, que estava colaborando com a atuação de uma organização voltada ao tráfico de entorpecentes.
7 . A cocaína é tão maléfica ao organismo quanto as demais que são usualmente traficadas, pois vicia facilmente, sendo alta sua lesividade à saúde dos usuários, Por outro lado, a que é normalmente exportada possui grau de pureza altíssimo, sendo misturada a outras substâncias antes da entrega ao consumidor para elevar o rendimento.
8 . Pena-base mantida em seis anos e nove meses de reclusão.
9 . Aplica-se a atenuante da confissão sempre que for utilizada como um dos fundamentos para a condenação, ainda que parcial, que a autoria seja conhecida e que o réu seja preso em flagrante. Precedentes. O CP não determina o " quantum " da redução, ficando ao critério do Juiz o valor a ser diminuído da pena-base, à vista das circunstâncias constantes dos autos e aos princípios da proporcionalidade, razoabilidade, necessidade e suficiência para a prevenção e repressão do crime. Pena reduzida em três meses, passando para seis anos e seis meses de reclusão.
10 . Incidência da causa de aumento de pena prevista no inc. I, do art. 40, da lei de drogas, diante da comprovação da transnacionalidade do tráfico. Não se há de falar em dupla punição pelo mesmo fato ante o argumento de que a conduta de "exportar" está contida no núcleo do art. 33 da Lei 11343/06, que é crime de ação múltipla e prevê a conduta imputada à ré, ou seja, a de transportar ou trazer consigo o entorpecente quando estava em vias de embarcar para o exterior. Pena elevada em um sexto, totalizando sete anos, cinco meses e vinte e cinco dias de reclusão.
11 . A simples distância entre países não justifica a aplicação da causa de aumento do inciso I do art. 40 da lei de drogas em patamar acima do mínimo, admitindo-se apenas nos casos em que a droga deixe o território nacional para ser distribuída em mais de um país no exterior. O legislador previu, nos incisos desse artigo, uma série de causas de aumento de pena, que justificam um aumento variável de um a dois terços, porém não estabeleceu os parâmetros para a quantificação do percentual. O índice de aumento deve ser calculado de acordo com as circunstâncias especificamente relacionadas com a causa de aumento, (e não às do crime), e variar de acordo com a quantidade de majorantes que estiverem presentes, de forma que na incidência de apenas um inciso não se justifica a elevação do percentual mínimo. Caso em que a ré foi presa com a droga ainda em território brasileiro e, em que pese sua intenção de levá-la a outro continente, não está comprovado que pretendesse difundi-la em mais de um país.
12 . Impossibilidade de aplicação da causa de redução de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas. Ainda que não se dedique a atividades criminosas e não haja notícias de ter praticado anteriormente algum crime, a ré agiu na condição de "mula" integrando, de maneira voluntária, uma estrutura criminosa voltada à prática do tráfico transnacional de drogas, pois promoveu a conexão entre os membros da organização, transportando a droga de um país para outro, de forma que não preencheu um dos requisitos necessários para gozar do benefício, que é o de "não integrar organização criminosa".
13 . A imposição de pagamento de pena pecuniária para os crimes não ofende a proibição constitucional de prisão civil por dívida (art. 5º, LXVII, da CF), uma vez que não se está punindo a inadimplência civil, mas sim a prática de um delito. A aplicação da pena pecuniária decorre do preceito secundário expresso no art. 33 da lei de drogas, previsão legal e incondicional, que incide obrigatoriamente em cumulação com a pena privativa de liberdade , independentemente da situação econômica do réu.
14 . Nos termos do art. 51 do CP, a pena de multa é considerada dívida de valor após o trânsito em julgado da condenação, aplicando-se-lhe as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, de forma que a pena pecuniária prevista no preceito secundário de um tipo penal não pode ser convertida em pena privativa de liberdade caso não seja paga, cabendo sua execução na forma da legislação tributária, razão pela qual não há possibilidades de que a ré permaneça custodiada por período superior ao da condenação. Pena pecuniária mantida em 730 (setecentos e trinta) dias-multa, no valor unitário estabelecido pela sentença.
15 . Afastada, pelo Supremo Tribunal Federal, a constitucionalidade do artigo 2º, § 1º, da Lei n.º 8.072/1990, o regime prisional inicial deve ser estabelecido consoante os critérios previstos no artigo 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal. Caso em que as circunstâncias são desfavoráveis à acusada, desaconselhando a fixação em regime inicial menos grave.
16 . Impossibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. A conversão não se mostra como medida social recomendável, diante do estímulo para a prática do tráfico de drogas, crime que causa grave lesão ao bem jurídico tutelado (saúde pública), sendo insuficiente para a prevenção e repressão do delito. Ainda que se admita a substituição das penas pelo fato de os estrangeiros serem iguais aos brasileiros perante a Constituição Federal, para a concessão será necessário que não estejam em situação irregular no país e que nele possuam residência fixa.
17 . O Plenário do STF declarou, através do "habeas corpus" 97256, pela via incidental, a inconstitucionalidade da expressão "vedada a conversão em penas restritivas de direitos" contida no parágrafo 4º do art. 33, da Lei nº 11.343/06, bem como da expressão "vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos", constante do art. 44 da mesma lei. Contudo, a ordem não foi concedida para assegurar ao paciente a imediata substituição, mas sim para remover o óbice contido na Lei 11.343/06, devolvendo ao Juízo das Execuções Criminais a tarefa de auferir o preenchimento das condições objetivas e subjetivas para a concessão.
18 . Caso em que as particularidades do crime não recomendam a substituição, tendo em vista o grau elevado de culpabilidade do réu, com provas contundentes de que participou de uma organização criminosa complexa, coordenada de forma a aliciar "mulas" para transportar drogas.
19 . A proibição da liberdade provisória, nos casos de crimes hediondos e assemelhados, decorre da própria proibição de fiança imposta pela CF, art. 5º, XLIII. O art. 2º, II, da Lei nº 8.072/90 nada mais fez do que atender à norma constitucional, ao considerar inafiançáveis os crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os crimes definidos como hediondos.
20 A Lei nº 11.343/2006, que é específica para os crimes de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, no artigo 44 estabelece que os crimes previstos nos artigos 33, caput e § 1º e 34 a 37 são insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória. Dispõe ainda o artigo 59 da mesma lei que, nos crimes de tráfico , o réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória. Contudo, não tem o direito de recorrer em liberdade o acusado que permaneceu justificadamente preso durante a instrução criminal, por força de prisão em flagrante ou preventiva, ainda que seja primário e de bons antecedentes. Sobrevindo sentença penal condenatória, um de seus efeitos é a manutenção da custódia do réu para apelar, o que não constitui ofensa à garantia constitucional da presunção de inocência, nos termos da Súmula 09 do STJ, de forma que eventuais condições favoráveis do agente, como primariedade e bons antecedentes, não são garantidoras de direito subjetivo à liberdade provisória, quando outros elementos recomendam a prisão.
21 . A vigência da Lei nº 11.464/07, que deu nova redação ao artigo 2º, II, da Lei 8.702/90 afastando a vedação à liberdade provisória aos crimes equiparados a hediondos, não revogou o disposto no artigo 44 da lei 11.343/06 em relação à liberdade provisória, já que a Lei 11.343/06 se trata de legislação especial, que expressamente veda essa concessão aos acusados de tráfico de drogas, não se havendo que falar que o artigo 44 da lei de drogas foi derrogado tacitamente pela Lei 11.464/2007, ou em inconstitucionalidade do referido dispositivo legal, uma vez que é fruto da regra constitucional prevista no art. 5º, inc. XLIII da Constituição Federal, e de uma política criminal mais rigorosa de repressão aos crimes de tráfico .
22 . Hipótese em que a ré foi presa em flagrante e assim permaneceu durante toda a instrução criminal. Ademais, é estrangeira, sem vínculos com o distrito da culpa, com fortes possibilidades de se evadir, razão pela qual sua prisão tem por finalidade assegurar a aplicação da lei penal e o próprio resultado do processo, com o cumprimento integral da pena.
23 Apelações a que se nega provimento.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, negar provimento às apelações, nos termos do voto do relator, acompanhado pelo Des. Fed. Paulo Fontes, vencida a Juíza Fed. Conv. Louise Filgueiras que dava parcial provimento à apelação da acusação para aumentar a pena-base para 8 (oito) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 875 (oitocentos e setenta e cinco) dias-multa e dava parcial provimento à apelação da defesa para aumentar o patamar de diminuição da pena em razão da atenuante da confissão e para aplicar a causa de diminuição da pena do artigo 33, §4º, da Lei nº 11.343/2006, no patamar de 5/12 (cinco doze avos), reduzindo a pena oara 4 (quatro) anos, 11 (onze) meses e 16 (dezesseis) dias de reclusão e 495 (quatrocentos e noventa e cinco) dias-multa.


São Paulo, 29 de julho de 2013.
Antonio Cedenho
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): ANTONIO CARLOS CEDENHO:10061
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Data e Hora: 05/08/2013 21:53:48



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0003634-72.2011.4.03.6119/SP
2011.61.19.003634-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : YOLANDA SANTOS GODOY reu preso
ADVOGADO : DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00036347220114036119 4 Vr GUARULHOS/SP

RELATÓRIO

RELATÓRIO


O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO:


Trata-se de apelações criminais interpostas pela JUSTIÇA PÚBLICA e por YOLANDA SANTOS GODOY, natural da Espanha e atualmente sob custódia na Penitenciária Feminina da Capital de São Paulo, contra sentença de fls. 135/140 que condenou a ré à pena de 7 (sete) anos e 7 (sete) meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicial fechado, e ao pagamento de 730 (setecentos e trinta) dias-multa, no valor mínimo, pela prática do crime previsto no artigo 33, caput, c/c o artigo 40, I, ambos da Lei 11.343/06.


Consta da denúncia (fls. 43/46):


"...
No dia 23 de abril de 2011, nas dependências do Aeroporto Internacional de Guarulhos, TYOLANDA SANTOS GODOY foi presa em flagrante delito quando, de maneira livre e consciente, tentou embarcar no vôo TP 198 da companhia aérea TAP, com destino a Lisboa/Portugal, transportando, para fins de comércio ou entrega de qualquer forma a consumo de terceiros, no exterior, o peso líquido total de 6.042,8 g (seis mil e quarenta e dois gramas e oito decigramas) de cocaína, entorpecente que determina dependência física e/ou psíquica, sem autorização legal ou regulamentar.
Apurou-se que na referida data, o agente de Polícia Federal RAFAEL DIAS GIL DE SOUZA estava realizando fiscalização de rotina no terminal de passageiros II do aeroporto de Guarulhos, quando foi acionado por um funcionário do raio-x de porão da companhia aérea TAP.
O policial, então, foi até o local, onde foi informado que haviam duas malas, ambas em nome de YOLANDA SANTOS GODOY, que continham pequenos pacotes com substância orgânica, fato que foi confirmado com a passagem das referidas malas no aparelho de raio x.
Nesse contexto, o policial localizou a acusada, a qual estava no saguão de embarque e lhe solicitou que o acompanhasse, juntamente com a testemunha civil LAIS ALVES DE OLIVEIRA, a uma sala reserva.
Na sala reservada, o policial abriu as malas da acusada, oportunidade na qual encontrou várias carteiras femininas. Ao abrir as aludidas carteiras, o agente da Polícia Federal constatou a existência de um pequeno volume anormal na parte central, razão pela qual decidiu rasgar uma das carteiras, encontrando um pequeno invólucro que continha em seu interior, uma substância em pó branca, aparentando ser cocaína.
Ato contínuo, todos foram à Delegacia da Polícia Federal do Aeroporto Internacional de Guarulhos, onde, ao vistoriar as demais carteiras, o policial localizou substância branca em "fundos falsos" de 60 carteiras. A referida substância foi a exame preliminar, que resultou positivo para cocaína, razão pela qual a acusada foi presa em flagrante delito.
(...)"

Inconformadas, apelaram a Justiça Pública e a ré condenada.


Às fls. 225/244, o representante do "Parquet" Federal requer a reforma parcial da sentença, para que seja revista a dosimetria da pena, a fim de aumentar a pena-base, excluir a atenuante da confissão ou reduzir seu patamar, e para aumentar o percentual da causa de aumento de pena prevista no inciso I, do artigo 40, da Lei 11.343/06.


A Defensoria Pública da União, às fls. 260/280, apresentou as razões de apelação.


Inicialmente, requer a reforma da sentença para a absolvição da acusada com fundamento no artigo 386, VII do CPP (ausência de provas da materialidade delitiva) ou, ao menos, a não utilização da quantidade de entorpecente como critério para a elevação da pena. Pleiteia ainda pela absolvição sob o argumento de ter praticado o crime por estado de necessidade exculpante.


Caso não alcance a absolvição, requer a reforma parcial da sentença para:


1 . a fixação da pena-base no mínimo legal;


2 . uma maior diminuição da pena pelo reconhecimento da atenuante genérica da confissão;


3 . a aplicação da regra prevista no § 2º do artigo 24 (estado de necessidade justificante) para reduzir a pena;


4 . a aplicação do benefício previsto no § 4º do artigo 33 da lei 11.343/06 no patamar máximo;


5 . o afastamento da causa de aumento derivada da transnacionalidade do delito;


6 . a exclusão da pena de multa ou a redução ao mínimo legal;


7 . a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, nos termos dos mais recentes precedentes do STF, do STJ e desta Corte;


8 . a fixação do regime inicial semi-aberto para o cumprimento da pena;


9 . a concessão do direito de a ré apelar em liberdade, com expedição de alvará de soltura.


Contrarrazões às fls. 250/259 (da defesa) e 290/335 (do Ministério Público Federal).


A Procuradoria Regional da República, no parecer de fls. 361/398, opina seja negado provimento à apelação da defesa e dado parcial provimento à apelação ministerial para aumentar a pena-base e excluir a atenuante da confissão.


É o relatório.


À revisão.




Antonio Cedenho
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Data e Hora: 04/06/2013 19:00:11



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0003634-72.2011.4.03.6119/SP
2011.61.19.003634-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : YOLANDA SANTOS GODOY reu preso
ADVOGADO : DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00036347220114036119 4 Vr GUARULHOS/SP

VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO:


YOLANDA SANTOS GODOY foi condenada pela prática do crime previsto no artigo 33, caput, c/c o artigo 40, I, ambos da Lei 11.343/06 por ter sido presa em flagrante delito nas dependências do Aeroporto Internacional de Guarulhos quando tentou embarcar em vôo a Lisboa/Portugal, transportando 6.042,8 g (seis mil e quarenta e dois gramas e oito decigramas) de cocaína, que se encontravam em invólucros contidos em fundos falsos de 60 carteiras femininas que levava em suas malas.


Não prospera o pedido de absolvição pois, ao contrário do alegado, o crime pelo qual a ré foi condenada está comprovado em todos os aspectos.


MATERIALIDADE DELITIVA:


Está consubstanciada pelo auto de exibição e apreensão (fls. 10/11), laudo de constatação (fls. 08/09 ) e laudo pericial de fls. 54/57, atestando que a substância entorpecente transportada pela ré foi positiva para cocaína, no peso líquido de 6.042,8 g (seis mil e quarenta e dois gramas e oito decigramas).


A defesa alega que não há provas da materialidade pelo fato de o laudo ter sido elaborado com base apenas em pequena amostra da substância.


Consoante bem ressaltado na sentença, verifica-se que consta do laudo preliminar uma fotografia da balança com a quantidade bruta apreendida em poder da acusada, sendo que o perito, após retirar as embalagens, mencionou a quantidade líquida, que constou do auto de apreensão.

Por outro lado, sabe-se que as perícias não são realizadas na totalidade da droga, mas sim em amostras, e os exames são realizados por peritos criminais federais, funcionários públicos cujas conclusões possuem presunção de veracidade e de legitimidade.


Ademais, também é de conhecimento geral que a cocaína, quando apresentada na forma sólida, não é uma peça única, mas um pó, ou seja, diversas partículas extremamente pequenas. Note-se que, geralmente, tais partículas encontram-se compactadas, sendo impossível que parte da substância não se trate de cocaína, uma vez que todo o volume em pó era formado por substância idêntica. Assim, realizada a perícia em parte do volume, é óbvio que extrai-se o resultado para o todo.


Mesmo que ocorresse a mistura de outras substâncias em forma de "pó", somente seria possível vislumbrar alteração na qualidade do entorpecente por ter sido mesclado com outro elemento químico, mas nunca alteração na própria substância que permanece incólume.


Portanto, não há dúvidas acerca da quantidade da droga, razão pela qual pode e deve ser considerada na análise da dosimetria da pena do crime de tráfico, nos termos do artigo 42 da Lei 11.343/06.


AUTORIA DELITUOSA:


Está devidamente comprovada, inicialmente pela prisão em flagrante da acusada, que portava a droga oculta em sua bagagem, fato corroborado corroborada pelo depoimento da testemunha de acusação, o agente da Polícia Federal que, em seu depoimento narrou os fatos como constantes na denúncia e no auto de prisão em flagrante.


Por outro lado, a ré não negou a prática do delito. Consoante consta da sentença (fls. 201):

" ... conforme mídia gravada em arquivo digital, nos termos da atual redação do CPP, a acusada YOLANDA SANTOS GODOY informou que sabia que estava realizando o transporte de entorpecentes, mas desconhecia a natureza da droga. Estava passando por muitas dificuldades financeiras, pois sua família não auferia renda suficiente para sanar as despesas básicas, sendo que apenas sua mãe trabalhava, recebendo uma média de 600 Euros por mês.
Buscando achar uma solução para seus problemas, dois amigos, Miguel e José, que residem em Barcelona, mas cujo endereço exato não soube informar, apresentaram Kevin, um africano que lhe ofereceu 7 mil Euros para transportar drogas do Brasil para Bruxelas, além de arca\r com todas as despesas da viagem (passagens aéreas, hospedagem, passaporte e 100 EUROS para gastos e para comprar um celular). Aceitou a proposta e, quando chegou ao Brasil, hospedou-se no hotel indicado por Kevin. No dia seguinte, o primo de Kevin, também africano, mas cujo nome não soube informar, foi ao seu encontro, para entregar-lhe as malas contendo o entorpecente. Permaneceu o restante dos dias da viagem no hotel e nos arredores, não conheceu nenhum ponto turístico e raramente saia do quarto. Deveria entregar a droga em Bruxelas, onde Kevin estaria esperando. Depois, voltaria para a Espanha. É a primeira vez que transporta entorpecente..."

ALEGAÇÃO DE ESTADO DE NECESSIDADE:


Não merece crédito a alegação da defesa, referente ao estado de necessidade derivado de dificuldades financeiras, como justificativa para a absolvição pela ausência de dolo ou exclusão da tipicidade ou de ilicitude, bem como causa de redução de pena com fundamento no § 2º do art. 24 do CP.


O artigo 24 do Código Penal dispõe:

Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.
§ 1º - Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo.
§ 2º - Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços."

Para que seja aplicado o estado de necessidade, quer como causa de exclusão de ilicitude ou como causa de redução de pena, exige-se a existência de um conflito entre bens igualmente amparados pela lei, em decorrência de uma situação de perigo que o agente não provocou voluntariamente, nem poderia de outro modo evitar, por não se exigir o perecimento do bem do qual o agente é titular.

É preciso que o agente atue de acordo com o senso comum daquilo que é razoável, não havendo culpabilidade sempre que não se puder exigir conduta diferente daquela empreendida.


No caso, para que estivesse configurado o estado de necessidade, seria necessário que se comprovasse que a prática do crime era a única forma ao alcance da ré para provê-las, ônus que incumbe à defesa nos termos do artigo 156, do Código Penal, considerando-se as circunstâncias em que ocorreu, e verificado, pela confrontação entre o bem jurídico em perigo e o bem lesado, a razoabilidade ou não do sacrifício exigido daquele, o que não ocorreu, nem mesmo com os documentos juntados às fls. 149/174, de maneira que se torna impossível o reconhecimento da excludente de ilicitude.


Isso porque meras alegações de dificuldades financeiras, cuja gravidade e intensidade não é possível aferir, não são aptas a atrair a aplicação do estado de necessidade como causa excludente da culpabilidade ou da ilicitude, não estando também comprovado que a prática desse crime tido como hediondo diante do grave perigo de dano à saúde de terceiros, fosse o único meio ao alcance da ré para prover as necessidades financeiras, que podem ser contornadas por outros meios e atividades lícitas, ao invés do cometimento de delitos.


No caso, a ré não comprovou a alegação de que viveria em situação diferente da de milhares de pessoas que vivem sob dificuldades financeiras.


No sentido dessas explanações, confira-se alguns Acórdãos:

"APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. AUTORIA, MATERIALIDADE E DOLO COMPROVADOS. COAÇÃO MORAL RESISTÍVEL. ESTADO DE NECESSIDADE. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. ADVENTO DA LEI 11.343/2006 NO CURSO DO PROCESSO. CONDENAÇÃO MANTIDA.
(...)
III - Meros indícios de coação moral resistível vivenciada pela ré e cuja gravidade e intensidade não é possível aferir, não pode ensejar o reconhecimento da causa de diminuição de pena do art. 65, III, alínea c, do Código Penal.
IV - Dificuldades econômicas vivenciadas pelo réu, cuja gravidade e intensidade não é possível aferir, não pode ensejar o reconhecimento do denominado estado de necessidade. Ademais, também não há como reconhecer a incidência da causa de diminuição prevista no art. 24, §2º, CP.
(...)"
(TRF 3, ACR 200561190027136, Relator(a) Des. Fed. JOSÉ LUNARDELLI , PRIMEIRA TURMA, DJF3 CJ1 DATA:05/04/2011 PÁGINA: 71)
"PENAL. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE. INADMISSIBILIDADE. ESTADO DE NECESSIDADE. INADMISSIBILIDADE. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. DIMINUIÇÃO DE PENA DO § 4° DO ART. 33 DA LEI N. 11.343/06. CAUSA DE AUMENTO DO ART. 40, I, DA LEI N. 11.343/06. BIS IN IDEM. INOCORRÊNCIA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. INADMISSIBILIDADE. REGIME INICIAL. SEMIABERTO. ABERTO. INADMISSIBILIDADE.
(...)
2. Para que se reconheça que o réu agiu em estado de necessidade exculpante ou justificante, é obrigatório que traga aos autos comprovação cabal do preenchimento dos requisitos do art. 24 do Código Penal para o reconhecimento dessa excludente de ilicitude ou de culpabilidade, sendo ônus da defesa fazê-lo, nos termos do art. 156 do Código de Processo Penal. No caso do crime de tráfico, todavia, o argumento, mesmo sendo objeto de prova, não merece prosperar. Precedentes do TRF da 3ª Região (ACr n. 2007.61.19.007015-4, Rel. Des. Fed. Luiz Stefanini, j. 11.01.10; ACr n. 2007.61.19.009691-0, Rel. Des. Fed. Ramza Tartuce, j. 05.04.10 e ACr n. 2008.60.05.002173-2, Rel. Des. Fed. Henrique Herkenhoff, j. 27.04.10).
(TRF 3, ACR 43852, Relator(a) Des. Fed. ANDRÉ NEKATSCHALOW , QUINTA TURMA, DJF3 CJ1 DATA:31/05/2011 PÁGINA: 605)

DOLO


Demonstradas a materialidade e autoria pela acusação, e diante da ausência de elementos aptos a ilidi-los, resta também evidente o dolo na conduta do apelante que, na condição de "mula", com consciência e vontade, transportava a droga entre países, razão pela qual mantenho sua condenação pela prática do crime previsto no artigo 33, caput, c/c o artigo 40, I, ambos da Lei 11.343/06.


DOSIMETRIA DA PENA:


PENA-BASE:


A pena-base foi fixada acima do mínimo legal (seis anos e nove meses de reclusão).


Ao contrário do que alega a defesa, não foi exacerbada apenas em razão da quantidade e a natureza da droga, tendo em vista que o MM. Juiz fundamentou a existência de outras circunstâncias gerais desfavoráveis para elevar a pena-base, tais como a culpabilidade, os motivos, circunstâncias e conseqüências do crime.


No caso, não pode ser considerada de pequena monta a quantidade apreendida nestes autos (mais de seis quilos de cocaína), ainda mais quando comparada às quantidades normalmente portadas pelo criminoso no tráfico urbano de varejo, quando é vendida diretamente aos consumidores pelos pequenos traficantes.


É certo, também, que, no caso, não foi a ré, na qualidade de "mula" do tráfico que decidiu acerca da quantidade e natureza da droga que transportaria. Contudo, é inegável que evidentemente possuía consciência, por agir mediante promessa de pagamento, que estava colaborando com a atuação de uma organização voltada ao tráfico de entorpecentes, e não como os denominados "aviõezinhos", que repassam pequenas quantidades de drogas aos usuários.


Tampouco assiste razão à defesa ao requerer a redução da pena-base ao mínimo legal sob o argumento de que a natureza da droga (cocaína) não é tão maléfica ao organismo quanto as demais que são usualmente traficadas (crack, ecstasy, anfetamina, heroína, LSD, etc).


De fato, sabe-se que a cocaína é uma droga que vicia facilmente, sendo alta sua lesividade à saúde dos usuários, pois pode levar a óbito ainda que consumida em pequena quantidade. Por outro lado, a cocaína que é normalmente exportada possui grau de pureza altíssimo, sendo misturada a outras substâncias antes da entrega ao consumidor para elevar o rendimento.


Entendo ainda que a pena-base não merece ser exasperada, como afirma o representante do Ministério Público Federal, considerando que a ré é primária e não possui antecedentes criminais, circunstâncias judicias que lhes são favoráveis e que não justificam maior aumento.

Assim, do cotejo das circunstâncias judiciais do artigo 59 do CP com as especiais previstas no artigo 42 da Lei de drogas, entendo que a fixação da pena-base no patamar eleito foi justa, proporcional e suficiente para atingir, nessa fase, ao caráter retributivo e preventivo da sanção penal.


ATENUANTE GENÉRICA DA CONFISSÃO


Na segunda etapa da individualização da pena, mantenho a aplicação da atenuante genérica da confissão que reduziu a pena da ré para seis anos e seis meses de reclusão.


Neste aspecto, a acusação requer a exclusão da atenuante, sob o argumento de que não houve a confissão do crime, pois a ré alegou estado de necessidade, enquanto a defesa pleiteia seja a atenuante aplicada em patamar maior.


Ocorre a confissão qualificada (ou confissão parcial) quando o agente confessa a autoria do fato, mas nega parte da imputação ou invoca alguma excludente da ilicitude ou da culpabilidade.


É certo que a ré foi presa em flagrante e, embora tenha confessado o crime em Juízo, aduziu que teria aceitado o transporte da droga devido a dificuldades financeiras.


No entanto, a jurisprudência majoritária hoje admite a confissão qualificada. Assim, o fato de a ré confessar a autoria do fato criminoso, mas invocar uma excludente de ilicitude/culpabilidade, não obsta o reconhecimento da atenuante da confissão espontânea. Tampouco se exige que a autoria do crime seja desconhecida, para que se configure a atenuante.


Ademais, de acordo com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte a atenuante da confissão, ainda que não seja espontânea ou seja parcial, deve incidir sempre que fundamentar a condenação do acusado, como no caso.


Dessa forma, se confissão do réu contribuiu para a formação do convencimento do Juiz, deve ser aplicada, pouco importando se parcial.


Transcrevo alguns julgados a respeito:

"HABEAS CORPUS. PENAL. TENTATIVA DE HOMICÍDIO. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. ALEGAÇÃO DE INCIDÊNCIA DA CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE: POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. HABEAS CORPUS CONCEDIDO.
1. A circunstância atenuante pertinente à confissão espontânea, ainda que parcial, é aplicável àquele que confessa a autoria do crime independentemente da admissão do dolo ou das demais circunstâncias narradas na denúncia. Precedentes.
2. Habeas corpus concedido. "
(STF, HC 99436, Relator(a) CÁRMEN LÚCIA , 1ª Turma, 26.10.2010.)
"PENAL. CONFISSÃO ESPONTANEA. AUTORIA CONHECIDA. IRRELEVANCIA. CONFIGURAÇÃO DA ATENUANTE.
1. PARA CONFIGURAR-SE A ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTANEA NÃO E EXIGIVEL QUE A AUTORIA DO CRIME SEJA DESCONHECIDA, NEM TAMPOUCO QUE O REU DEMONSTRE ARREPENDIMENTO PELO ATO PRATICADO.
2. RECURSO PROVIDO."
(STJ, RESP 51809, Relator(a) EDSON VIDIGAL, QUINTA TURMA, DJ DATA:13/04/1998 PG:00134)
"PENAL E PROCESSUAL PENAL . TRÁFICO TRANSNACIONAL DE COCAÍNA. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO DEVIDAMENTE COMPROVADOS. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA DA PENA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA. DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE.
(...)
4. Aplica-se a atenuante da confissão prevista no art. 65, inc. III, alínea "d", do Código penal sempre que a palavra do réu contribuir para a formação do juízo condenatório. (...)"
(TRF3, ACR 200961190007489, Relator(a) Des. Fed. NELTON DOS SANTOS, SEGUNDA TURMA, DJF3 CJ1 DATA:14/12/2010 PÁGINA: 145 )

Sabe-se que, em se tratando de atenuantes, o Código Penal não determina as hipóteses em que deve ser aplicada, tampouco o "quantum" da redução da pena. O legislador reservou ao arbítrio do Juiz o valor a ser diminuído da pena-base, à vista das circunstâncias constantes dos autos e aos princípios da proporcionalidade, razoabilidade, necessidade e suficiência para a prevenção e repressão do crime.

No caso, não se há de falar que a confissão da ré foi totalmente espontânea, tendo em vista sua prisão de posse da droga, o fato de não ter assumido incondicionalmente a autoria delitiva alegando excludente de culpabilidade e tampouco ter procurado auxiliar as autoridades, esclarecendo devidamente as condições em que a droga foi fornecida.


Portanto, entendo que foi justa a aplicação da circunstância atenuante da confissão (art. 65, III, "d", do CP) que reduziu a pena em três meses.


Ausentes outras atenuantes ou agravantes, nesta etapa a pena fica estabelecida provisoriamente em seis anos e seis meses de reclusão.


TRANSNACIONALIDADE DO TRÁFICO:


Na terceira fase da individualização da pena, o MM. Juiz aplicou a causa de aumento da transnacionalidade do tráfico ( art. 40, I, da Lei 11.343/06) no patamar mínimo legal (um sexto).


Não procede a alegação da defesa, no sentido de que não deve incidir essa causa de aumento sob pena de "bis in idem", ante o argumento de que a conduta de "exportar" está contida no núcleo do art. 33 da Lei 11.343/06.


De fato, o crime previsto no artigo 33, caput, da Lei de drogas é de ação múltipla, e à ré foi imputada a conduta de transportar substância entorpecente apreendida em seu poder, quando estava em vias de embarcar para o exterior.


Desde a vigência da lei anterior, é pacífico o entendimento de que a causa de aumento derivada da internacionalidade do tráfico é aplicável em todas as modalidades do crime, sem que isso implique em dupla valoração pelo mesmo fato, pois o objetivo da majorante é o de punir com maior rigor o comércio com o exterior, com finalidades lucrativas, e não apenas a exportação sem essa finalidade, razão pela qual não há se falar em identidade de elementares do tipo.


Nesse sentido:

"PENAL - PROCESSUAL PENAL - TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES - LEI 11.343/2006 - LIBERDADE PROVISÓRIA - IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO - RÉU PRESO DURANTE TODO O PROCESSO - ARTIGO 312 CPP - PRESENTES OS REQUISITOS PARA A PRISÃO CAUTELAR - PRELIMINAR REJEITADA - AUTORIA E MATERIALIDADE DO DELITO AMPLAMENTE COMPROVADAS - INTERNACIONALIDADE DEMONSTRADA - PENA BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL - CONDIÇÕES JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS - CONFISSÃO - CAUSA DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO § 4º, DO ARTIGO 33, DA LEI 11.343/06 - MANUTENÇÃO DO PATAMAR FIXADO - NE REFORMATIO IN PEJUS - PENA PECUNIÁRIA REDIMENSIONADA - RECURSO DA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDO.
(...)
Não há bis in idem na aplicação da causa de aumento referente à internacionalidade do delito, uma vez que, como assinalado pela própria defesa, o verbo exportar significa "vender (algo), remetendo-o para fora do país, estado, município ou região que o produziu. A conduta de "exportar" não está sendo duplamente considerada para agravar a situação do réu, uma vez que tal conduta até mesmo poderia ter sido praticada, v.g., pela venda de drogas entre dois municípios, devendo, portando, incidir a causa de aumento prevista no inciso I, do artigo 40, da Lei 11.343/06, quando a conduta pretende atingir dois países, como no caso dos autos. 9. É certo, ainda, que o apelante não praticou a conduta de "vender", mas sim a de "transportar" ou "trazer consigo", não se podendo falar, in casu, em exportação da droga, por parte do réu.
(TRF 3, ACR 200961190052203, Relator(a) JUIZA RAMZA TARTUCE, QUINTA TURMA, DJF3 CJ1 DATA:27/10/2010 PÁGINA: 810)
"APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. ART. 33, CAPUT, C/C ART. 40, INCISO I, DA LEI 11.343/06. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE. CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. FATOR DE ATENUAÇÃO. TRANSNACIONALIDADE. ART. 40, I, DA LEI Nº 11.343/06. CAUSA DE MAJORAÇÃO. BIS IN IDEM. INOCORRÊNCIA. CAUSA DE REDUÇÃO DO ART. 33, §4º, DA LEI 11.343/06. APLICABILIDADE. FRAÇÃO DE REDUÇÃO. DELAÇÃO PREMIADA. INEFICÁCIA DO AUXÍLIO PRESTADO PELO ACUSADO. MANUTENÇÃO DA REPRIMENDA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE INVIÁVEL ANTE O QUANTUM DA PENA. LIBERDADE PROVISÓRIA. PRESENÇA DOS REQUISITOS DA PRISÃO PREVENTIVA. ART. 312 DO CPP. APELO PARCIALMENTE PROVIDO.
"Não se vislumbra incompatibilidade da combinação da conduta "exportar" com a aplicação da majorante prevista no artigo 40, inciso I, da Lei nº 11.343/06, já que a exportação constitui um dos verbos nucleares veiculados pelo tipo penal com o agravamento representado pela efetiva transposição das fronteiras nacionais. O objetivo da majorante é punir com maior rigor a atividade dos agentes que apresentam, em sua conduta, uma culpabilidade mais exacerbada, ao demonstrarem a audácia de promover a traficância para fora das fronteiras nacionais ou, em sentido inverso, para dentro delas. 7. Portanto, não se cogita de bis in idem se a lei conferiu uma punição mais rigorosa ao agente que pratica as condutas típicas imbuído da pretensão de difundir a droga por outros países, apresentando uma culpabilidade mais intensa do que o criminoso que se presta à prática do mesmo delito no âmbito territorial do mesmo Estado
8. Além disso, o delito em apreço é de natureza multitudinária, podendo o agente incidir no tipo penal praticando quaisquer um de seus verbos nucleares. No caso vertente, o acusado praticou ao menos dois deles, mais precisamente nas modalidades "trazer consigo" e "guardar", não tendo logrado êxito, todavia, em alcançar o seu objetivo principal, que era a exportação do narcótico. Assim, legítima a aplicação da causa especial de aumento.
(TRF3, ACR 200961190091014, Relator(a) JUIZ COTRIM GUIMARÃES, SEGUNDA TURMA , DJ3 CJ1 DATA:02/09/2010 PÁGINA: 321)

Tampouco assiste razão à acusação, ao requerer a aplicação dessa majorante em patamar maior, considerando o maior espectro espacial a ser atingido pela conduta da ré.


Apesar de esse entendimento estar referendado em algumas decisões, tem entendido esta Turma de que a simples distância entre países não justifica a aplicação dessa causa de aumento em patamar acima do mínimo, admitindo-se apenas nos casos em que a droga deixe o território nacional para ser distribuída em mais de um país no exterior.


Ademais, o legislador previu, nos incisos do artigo 40, da Lei 11.343/06, uma série de causas de aumento de pena, que justificam um aumento variável de um a dois terços, porém não estabeleceu os parâmetros para a quantificação do percentual.


À míngua desses critérios, o índice de aumento deve ser calculado de acordo com as circunstâncias especificamente relacionadas com a causa de aumento, (e não às do crime), e variar de acordo com a quantidade de majorantes que estiverem presentes.


No caso, porém, há que ser considerado que a ré foi presa com a droga ainda em território brasileiro e, em que pese sua intenção de levá-la a outro continente, não está comprovado nos autos que pretendesse difundi-la em mais de um país.


Portanto, é razoável a exasperação da pena no mínimo legal (um sexto), considerando-se a natureza e quantidade da droga e a rota planejada por mais de um continente.


A respeito, confira-se os seguintes excertos de alguns julgados da 5ª Turma:

"(...)
16. O caráter transnacional do tráfico restou evidenciado porque o estupefaciente seria transportado entre dois países (Brasil e Malásia), e a mera distância entre os referidos países não se afigura suficiente para justificar a majoração da reprimenda penal em metade, como efetuado pela sentença de primeiro grau: tal causa de aumento poderia incidir em patamar maior se, por exemplo, o entorpecente em questão deixasse o território nacional para ser distribuído em mais de um país no exterior.
17. É de se ressaltar, ainda, que, apesar de integrar a organização criminosa, a apelante não possuía a faculdade de escolher os destinos que percorreria, e que, no caso concreto, a acusada ainda foi presa em solo pátrio, razões pelas quais o aumento referente à internacionalidade do tráfico de drogas não deve ultrapassar seu patamar mínimo.
(...)"
(TRF 3, ACR 34767, Relator(a) JUIZ CONVOCADO EM AUXILIO HELIO NOGUEIRA, QUINTA TURMA, DJF3 CJ1 DATA:13/11/2009 PÁGINA: 693).
"PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. BENEFÍCIO DO RECURSO EM LIBERDADE. PENA. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ART. 33, § 4º DA LEI Nº 11.343/06. TRANSNACIONALIDADE.
A internacionalidade do tráfico se caracteriza pela execução potencial ou efetiva do delito abrangendo o território de mais de um país, não infirmando esta intelecção o pensamento de implicação de "bis in idem" em relação à conduta de exportação, exegese que ignora as características da figura delituosa de conteúdo variado e opera descabida decomposição do tipo penal que como um todo unitário se apresenta à interpretação. Descabida a pretensão da acusação de aumento do percentual em função da distância do destino da droga, o que não se depara de maior censurabilidade, tudo dependendo de casuísmos, numa viagem mais curta mas de riscos maiores podendo o agente revelar maior capacidade para a traficância, mantido o patamar mínimo previsto na sentença.
(...)"
(TRF 3ª REGIÃO, ACR - 2009.61.19.002878-0/SP, QUINTA TURMA , DJF3 CJ1 DATA:02/07/2010 PÁGINA: 259 , Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL PEIXOTO JUNIOR)

Portanto, mantenho a aplicação da majorante prevista no inciso I, do artigo 40, da Lei 11.343/06 no patamar mínimo (um sexto).


Dessa forma, a pena anteriormente fixada em seis anos e seis meses de reclusão, com este acréscimo fica estabelecida em 7 (sete) anos e 7 (sete) meses de reclusão.


CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA: § 4º DO ART. 33 DA LEI Nº 11.343/06:


Ainda na terceira etapa da individualização da pena, não foi aplicado o benefício previsto no artigo 33, § 4º da Lei de drogas.


A defesa requer a aplicação no patamar máximo e, para tanto, afirma que estão presentes todos os requisitos exigidos, não havendo elementos nos autos que façam crer que a ré integre uma organização criminosa voltada ao tráfico de drogas apenas pelo fato de ter atuado na condição de "mula".


Sustenta ainda que a Convenção de Palermo, da qual o Brasil é signatário, estabelece que, para a configuração de uma organização criminosa, é preciso comprovar a existência conjunta de elementos de ordem quantitativa (três ou mais agentes), subjetiva (unidade de desígnios) e temporal (atuação prolongada no tempo), o que não restou comprovado.


Não procedem todos esses argumentos.


De fato, o benefício previsto no parágrafo 4º do artigo 33 da Lei de drogas exige a presença de quatro requisitos, que devem ser preenchidos cumulativamente, ou seja, que o agente "seja primário, de bons antecedentes, não se dedique a atividades criminosas nem integre organização criminosa".


Como a lei utilizou a conjunção "NEM", deduz-se que há uma diferença substancial entre "se dedicar a atividades criminosas" e "integrar uma organização criminosa". A dedicação a atividades criminosas exige habitualidade, permanência, conjunção de propósitos, divisão de tarefas, ou seja, que o réu faça do crime seu meio de vida. Por outro lado, para que se afirme que o réu integra uma organização criminosa, basta a prova de que participou da empreitada criminosa de alguma forma.


Assim, quando o parágrafo 4º do artigo 33 da Lei 11.343/06 exige que o agente "não integre organização criminosa", significa que não é necessário, para esse fim, que esteja incurso no crime de associação para o tráfico. A reiteração de condutas criminosas no passado, ou o ânimo de reiterá-las futuramente, é elemento caracterizador da estabilidade e permanência, exigíveis para a configuração do crime autônomo de associação para o tráfico (antigo artigo 14 da Lei nº 6.368/75 e atual artigo 35, da Lei nº. 11.343/06).


Contudo, no parágrafo 4º do artigo 33, da Lei 11.343/06, não é necessário esse ânimo para que se caracterize a integração em organização criminosa, já que está presente em outro requisito, que é o "não se dedicar a atividades criminosas". Repito: se a lei exigisse que a prática reiterada de delitos, ou a vontade de praticá-los reiteradamente fosse elemento essencial para a integração a uma atividade criminosa, não teria inserido como requisito da causa de redução de pena a exigência de que o agente também não se dedique a atividades criminosas.


Feitas tais considerações, e passando à análise do caso concreto, é certo que a acusada é primária, sem antecedentes e que não há provas de que se dedique a atividades criminosas.


Entretanto, ao ser interrogada admitiu que aceitou transportar entorpecente para a Europa, pelo que receberia paga.


Evidente, pois, que integrou uma organização criminosa voltada ao tráfico transnacional de drogas que atua em vários países, na qual há a divisão de tarefas e em que cada integrante tem uma função específica, havendo sempre de um lado um membro da organização que fornece a droga, embala, prepara o local para ocultá-la, custeia as despesas dos "mulas", e de outro lado uma pessoa que recebe a droga, prepara para consumo e posteriormente fornece a pessoas que irão vendê-la, todos agindo com a mesma unidade de desígnios, qual seja, o tráfico de drogas.


Embora não possa ser considerada como membro efetivo de uma quadrilha, ou que não tivesse o ânimo de voltar a delinqüir, não há como negar que a ré efetivamente figurou, ainda que de forma eventual, em uma ponta da organização criminosa voltada ao tráfico internacional de drogas. Integrou a organização ao lhe prestar serviços na condição de "mula" transportando a droga de um para outro país mediante remuneração, ao promover a conexão entre seus membros e ao colaborar, como elemento essencial, para o sucesso da atividade ilícita e a distribuição mundial de entorpecentes.


Por esses motivos, comungo do entendimento de que a causa de diminuição prevista no parágrafo 4º do artigo 33 da Lei de drogas não foi criada a fim de ser aplicada a pessoas que, como o réu, participa de organizações criminosas de tráfico internacional de grande poder financeiro e logístico, que distribuem grandes quantidades de entorpecentes, plenamente cientes de que estão se envolvendo com pessoas que vivem do crime, mas sim ao tráfico de menor expressão, que não envolve quantidades tão expressivas de entorpecente; como no tráfico urbano de varejo, onde pequenos distribuidores comercializam drogas em quantidades menores, diretamente aos usuários.


Ressalto que a aplicação indiscriminada desse benefício aos "mulas" do tráfico transnacional de drogas certamente servirá como incentivo para que o Brasil se torne, muito em breve, a principal rota para o transporte de drogas provenientes dos países vizinhos para o exterior, fato incompatível com os vários acordos internacionais sobre o combate às drogas firmados pelo nosso País.


E não se há de falar que a negativa da aplicação não foi devidamente fundamentada, ou que a natureza e quantidade da droga não poderiam limitar a aplicação do benefício, já que, além dessas circunstâncias, foram várias as razões que levaram o Juiz "a quo" a deixar de aplicá-lo, consoante se pode observar pela extensa argumentação expendida pelo MM. Juiz na sentença.


No sentido dessas explanações, confira-se os seguintes julgados:

"PENAL - PROCESSUAL PENAL - TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES - LEI 11.343/2006 - LIBERDADE PROVISÓRIA - IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO - RÉU PRESO DURANTE TODO O PROCESSO - ARTIGO 312 CPP - PRESENTES OS REQUISITOS PARA A PRISÃO CAUTELAR - PRELIMINAR REJEITADA - AUTORIA E MATERIALIDADE DO DELITO AMPLAMENTE COMPROVADAS - INTERNACIONALIDADE DEMONSTRADA - AUSÊNCIA DE "BIS IN IDEM" - PENA BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL - CONDIÇÕES JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS - CONFISSÃO - OCORRÊNCIA - CAUSA DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO § 4º, DO ARTIGO 33, DA LEI 11.343/06 - INAPLICABILIDADE - RECURSO DA ACUSAÇÃO PROVIDO - RECURSO DA DEFESA IMPROVIDO.
(...)
O apelante, de forma habitual ou não, integrava associação criminosa, participando, como transportador da droga, de esquema criminoso voltado para o comércio ilícito de entorpecentes, impossibilitando a aplicação do benefício legal previsto no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06.
(...)"
(TRF 3, ACR 200861190080255, Relator(a) JUIZA RAMZA TARTUCE, QUINTA TURMA, DJF3 CJ1 DATA:15/06/2010 PÁGINA: 18 )
"PENAL - PROCESSUAL PENAL - TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES - LEI 11.343/2006 - AUTORIA E MATERIALIDADE DO DELITO AMPLAMENTE COMPROVADAS - INTERNACIONALIDADE DEMONSTRADA - PENA BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL MANTIDA - CAUSA DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO § 4º, DO ARTIGO 33, DA LEI 11.343/06: INAPLICABILIDADE - RECURSO DA DEFESA IMPROVIDO.
1 . A autoria e a materialidade do delito restaram bem demonstradas pelo Auto de Prisão em Flagrante, pelo Laudo Preliminar de Constatação, pelo Laudo de Apresentação e Apreensão, pelas Fotos Digitalizadas, pelo Laudo de Exame Químico Toxicológico, com resultado positivo para maconha, pelos depoimentos prestados pelas testemunhas e pelo próprio interrogatório judicial do apelante, que acabou reconhecendo a existência do entorpecente no interior do veículo Astra, embora tenha asseverado desconhecer tal fato.
2. As circunstâncias em que foi realizada a prisão em flagrante do apelante, aliadas aos depoimentos dos agentes policiais, colhidos tanto na fase policial como judicial, confirmam, de forma precisa e robusta, a ocorrência dos fatos delituosos e a responsabilidade do recorrente, que não é excluída com sua pueril alegação de que desconhecia a existência do entorpecente no interior do veículo que conduzia, já que tal versão não se harmoniza com a prova carreada aos autos.
3. A versão de inocência do apelante, além de insulada no acervo probatório, não se afigura verossímil, não sendo crível que o réu aceitasse proposta de paraguaio desconhecido para conduzir veículo Astra, recebido de pessoa estranha em território paraguaio, até a cidade de Eldorado/MS (tendo como destino final a cidade de São Paulo), obtendo valores em dinheiro para tanto, sem que tivesse ciência que no interior do automóvel houvesse enorme quantidade de estupefaciente (mais de 60 Kg de maconha), o que denota, desde logo, que agia dolosamente, cônscio de sua participação na empreitada criminosa. Ademais, ao assumir a responsabilidade de conduzir o veículo Astra, recebido em cidade paraguaia, cumpria-lhe vistoriar o automóvel que recebia, mormente diante da circunstância de já ter sido preso pelo transporte de cigarros também do Paraguai, como declarou em juízo por ocasião de seu interrogatório.
4. A versão do acusado, apresentada por ocasião do interrogatório, deve ser interpretada, apenas, como intenção de eximir-se da responsabilidade penal, pelo que fica rejeitada 5. No que se refere à fixação da pena-base, como se observa do auto de apreensão e do laudo de exame em substância, foi apreendida, em poder do apelante, razoável quantidade de substância entorpecente, com poder de criar vício e dependência (maconha) e em montante considerável, como já dito (60.715 gramas), o que denota, sem dúvida, uma maior culpabilidade e lesão mais intensa ao bem jurídico tutelado (saúde pública), justificando o recrudescimento da sanção penal, atendendo, inclusive, o comando normativo inserto no art. 42 da Lei nº 11.343/06: "O juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância do produto, a personalidade e a conduta social do agente"
6. Ausentes circunstâncias agravantes ou atenuantes, na terceira fase de fixação da pena, com relação à causa de aumento da pena pela internacionalidade do tráfico de drogas, resta patente a sua configuração. A majorante prevista no artigo 40, inciso I da Lei n.º 11.343/06, aplica-se ao tráfico com o exterior, seja quando o tóxico venha para o Brasil, seja quando esteja em vias de ser exportado. Assim, é evidente, in casu, a tipificação do tráfico internacional de entorpecentes, já que o apelante, ao ser preso, confessou aos policiais que vinha do Paraguai conduzindo o veículo no qual o entorpecente era transportado.
7. O apelante, de forma habitual ou não, dedicava-se à atividade criminosa de tráfico de entorpecentes, participando, como transportador da droga, de esquema criminoso voltado para o comércio ilícito de entorpecentes, impossibilitando a aplicação do benefício legal previsto no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06. Nesta trilha já decidiu o Tribunal Regional Federal da 3a. Região que: "(...) Incabível a aplicação do art. 33, §4º, da Lei nº 11.343/06, frente às circunstâncias que norteiam a prática delitiva, a natureza e a grande quantidade de droga apreendida, bem como diante as declarações do réu, que seguramente transportava a droga por conta e ordem de organização criminosa, exercendo a função de mula" (ACR nº 29658 - Proc. nº 2006.61.19.008219-0 - 2ª T. - Rel. Desembargadora Cecília Mello - DJF3 12.06.08).
8. O benefício não é, pois, cabível, dada a notória lesividade do entorpecente e sua significativa quantidade, e o fato de o recorrente, no mínimo, estar colaborando diretamente com as atividades de organização criminosa voltada para o comércio ilícito de drogas. Além disso, como se verifica da certidão de fls. e do próprio interrogatório judicial do acusado, constata-se que este já responde a processo criminal por crime de descaminho, dedicando-se, pois, ao desenvolvimento de atividades delituosas, não fazendo jus, também por essa razão, ao benefício legal previsto no § 4º do art. 33 da Lei Antidrogas.
9. Recurso da defesa improvido. "
(TRF 3, ACR 2009.60.06.000074-2/MS , QUINTA TURMA, Fonte: DJF3 CJ1 DATA:13/09/2010 PÁGINA: 626, Relator: JUIZ CONVOCADO EM AUXILIO HELIO NOGUEIRA).
" PENAL - PROCESSUAL PENAL - TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES - LEI 11.343/2006 - LIBERDADE PROVISÓRIA - IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO - RÉU PRESO DURANTE TODO O PROCESSO - ARTIGO 312 CP. - PRESENTES OS REQUISITOS PARA A PRISÃO CAUTELAR - PRELIMINAR REJEITADA - AUTORIA E MATERIALIDADE DO DELITO AMPLAMENTE COMPROVADAS - INTERNACIONALIDADE DEMONSTRADA - AUSÊNCIA DE "BIS IN IDEM" - PENA BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL - CONDIÇÕES JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS - CONFISSÃO - OCORRÊNCIA - CAUSA DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO § 4º, DO ARTIGO 33, DA LEI 11.343/06 - INAPLICABILIDADE - RECURSO DA ACUSAÇÃO PROVIDO - RECURSO DA DEFESA IMPROVIDO.
(...)
O apelante, de forma habitual ou não, integrava associação criminosa, participando, como transportador da droga, de esquema criminoso voltado para o comércio ilícito de entorpecentes, impossibilitando a aplicação do benefício legal previsto no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06. Observe-se que ele ostenta outros registros de viagens como a dos autos em seu passaporte.
(...)"
(TRF 3, ACR 200861190080255, Relator(a) JUÍZA RAMZA TARTUCE, QUINTA TURMA, DJF3 CJ1 DATA:15/06/2010 PÁGINA: 18 )
"PENAL . TRÁFICO TRANSNACIONAL DE ENTORPECENTES. ART. 33, "CAPUT", C/C ART. 40, I, e III, DA LEI 11.343/06... MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA DA PENA: NATUREZA E QUANTIDADE DA DROGA: PRIMARIEDADE E BONS ANTECEDENTES: ELEVAÇÃO DA PENA-BASE. CONFISSÃO: FUNDAMENTO DA CONDENAÇÃO: APLICAÇÃO DA ATENUANTE GENÉRICA DE OFÍCIO. ESTADO DE NECESSIDADE JUSTIFICANTE NÃO CONFIGURADO. DROGA EM VIAS DE EXPORTAÇÃO: INCIDÊNCIA DA CAUSA DE AUMENTO DE PENA DO INC. I, DO ART. 40, DA LEI DE DROGAS. MULTIPLICIDADE DE BREVES VIAGENS INTERNACIONAIS: INDÍCIO DE DEDICAÇÃO A ATIVIDADES ILÍCITAS. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO BENEFÍCIO DO ART. 33, § 4º, LEI 11.343/06. PENA PECUNIÁRIA: PRECEITO SECUNDÁRIO. CONSTITUCIONALIDADE. SUBSTITUIÇÃO DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS: INAPLICABILIDADE AO TRÁFICO . INCONSTITUCIONALIDADE INEXISTENTE. IMPOSSIBILIDADE DE RECORRER EM LIBERDADE. VEDAÇÃO LEGAL. LEI ESPECIAL.
(...)
7 . A circunstância de a "mula" do tráfico apresentar, em seu passaporte, o registro de várias viagens internacionais de curta duração incompatíveis com sua situação financeira, demonstra que não se trata de mera "mula" de primeira viagem e, ainda que não comprove que seja membro efetivo de organização voltada para o tráfico , significa que se dedica a atividades criminosas como meio de vida, impedindo, assim, a aplicação do benefício previsto no § 4º do art. 33 da Lei 11343/06. Precedentes da Turma.
(...)"
(TRF3, ACR 200861190080723, Relator(a) JUIZ HENRIQUE HERKENHOFF , SEGUNDA TURMA, DJF3 CJ1 DATA:12/11/2009 PÁGINA: 150)

Por esses motivos, diante da prova do narcotráfico transnacional patrocinado por organização criminosa à qual a acusada livre e conscientemente aderiu, integrando-a a fim de realizar o transporte da droga, agiu com acerto o MM. Juiz ao deixar de aplicar o benefício previsto no § 4ª do artigo 33, da Lei 11.343/06, razão pela qual sua pena resta fixada definitivamente em 7 (sete) anos e 7 (sete) meses de reclusão.


PENA PECUNIÁRIA:

A defesa requer o afastamento da pena pecuniária ou a fixação no mínimo legal.


Para tanto, afirma que, nos termos do artigo 51 do CP, introduzido pela Lei 9.268/96, ao considerar a pena de multa aplicada na sentença penal condenatória como dívida de valor, ou seja, extrapenal, deve-se utilizar as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública. Que, para a cobrança de multa, é plausível a via processual de execução por quantia certa contra devedor solvente prevista no CPC, fundada em título executivo judicial.


Ressalta que os "mulas" do tráfico não dispõem de recursos financeiros, de forma que de nada adiantaria a aplicação de pena pecuniária de grande valor se não há bens a serem penhorados.


Sustenta também que, no caso de cumprir totalmente a pena a que foi condenada, a ré apenas poderá retornar ao seu país de origem após a conclusão do processo de expulsão, que se concretiza com o pagamento integral da multa, que será impossível diante das condições financeiras da ré, o que fará com que permaneça presa por mais tempo do que realmente deveria.


Inicialmente, consigno que não há de se falar que a falta de pagamento da pena pecuniária se constituiria em ofensa à proibição constitucional de prisão civil por dívida (art. 5º, LXVII, da CF), uma vez que não se está punindo a inadimplência civil, mas sim a prática de um crime.


Por outro lado, a aplicação da pena pecuniária decorre do preceito secundário expresso no artigo 33 da lei de drogas, previsão legal e incondicional, como ocorre com tantos outros tipos penais, e que incide obrigatoriamente em cumulação com a pena privativa de liberdade, independentemente da situação econômica do réu, tendo em vista que não existe, na legislação penal ou processual penal, dispositivo que permita ao juiz isentar o réu do pagamento da pena de multa em razão de insuficiência financeira.


Também não está configurada qualquer afronta ao princípio da isonomia, pois, aqueles que optam pela prática de crimes não podem buscar igualdade com as pessoas que optaram por uma vida honesta, tampouco se podendo cogitar em desrespeito ao mesmo princípio dentre as várias espécies de agentes que cometem o crime de tráfico de drogas.


Deve-se considerar ainda que os "mulas" do tráfico agem sempre movidos pela cobiça, no sentido de obter recompensa financeira patrocinada pelos verdadeiros traficantes, motivo pelo qual a cumulação da pena pecuniária com privativa de liberdade se torna necessária para a prevenção e repressão desse crime.


Assim, se a ré não dispõe de recursos financeiros, tal fato não a isenta do pagamento de multa , justificando apenas a fixação do valor unitário no mínimo legal, como, aliás, acertadamente decidido na sentença.


Por outro lado, a exigibilidade ou não da cobrança da multa trata-se de matéria a ser apreciada em sede de execução.


Ademais, consoante dispõe o artigo 51 do Código Penal, a pena de multa é considerada dívida de valor após o trânsito em julgado da condenação, aplicando-se-lhe as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, de forma que a pena pecuniária prevista no preceito secundário de um tipo penal não pode ser convertida em pena privativa de liberdade caso não seja paga, cabendo sua execução na forma da legislação tributária, razão pela qual não há possibilidades de que a ré permaneça custodiada por período superior ao da condenação.


Portanto, se a aplicação da pena de multa cumulada com a privativa de liberdade está prevista em lei, respeita o princípio da legalidade e não ofende a Constituição, é de rigor sua aplicação.


Por esses motivos, mantenho a pena pecuniária em 730 (setecentos e trinta ) dias-multa, no valor unitário estabelecido pela sentença.


REGIME DE CUMPRIMENTO DE PENA:


Por fim, a defesa requer seja fixado regime menos gravoso para o cumprimento da pena do réu, nos termos do artigo 33 do CP.

Ressalto que a fixação de regime inicial fechado encontra supedâneo no artigo 2º, § 1º, da Lei dos Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/90), por ser o tráfico de drogas crime a eles equiparado, conforme previsão constitucional (art. 5º, XLIII, CF).


Ocorre que, em sessão realizada em 27.06.2012, o Plenário da Suprema Corte, ao analisar o habeas corpus 111.840/ES, de relatoria do Ministro Dias Toffoli, por maioria, declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90, com a redação dada pela Lei 11.464/2007:

"Habeas corpus. Penal. Tráfico de entorpecentes. Crime praticado durante a vigência da Lei nº 11.464/07. Pena inferior a 8 anos de reclusão. Obrigatoriedade de imposição do regime inicial fechado.
Declaração incidental de inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90. Ofensa à garantia constitucional da individualização da pena (inciso XLVI do art. 5º da CF/88). Fundamentação necessária (CP, art. 33, § 3º, c/c o art. 59). Possibilidade de fixação, no caso em exame, do regime semiaberto para o início de cumprimento da pena privativa de liberdade. Ordem concedida.
1. Verifica-se que o delito foi praticado em 10/10/09, já na vigência da Lei nº 11.464/07, a qual instituiu a obrigatoriedade da imposição do regime inicialmente fechado aos crimes hediondos e assemelhados.
2. Se a Constituição Federal menciona que a lei regulará a individualização da pena, é natural que ela exista. Do mesmo modo, os critérios para a fixação do regime prisional inicial devem-se harmonizar com as garantias constitucionais, sendo necessário exigir-se sempre a fundamentação do regime imposto, ainda que se trate de crime hediondo ou equiparado.
3. Na situação em análise, em que o paciente, condenado a cumprir pena de seis (6) anos de reclusão, ostenta circunstâncias subjetivas favoráveis, o regime prisional, à luz do art. 33, § 2º, alínea b, deve ser o semiaberto.
4. Tais circunstâncias não elidem a possibilidade de o magistrado, em eventual apreciação das condições subjetivas desfavoráveis, vir a estabelecer regime prisional mais severo, desde que o faça em razão de elementos concretos e individualizados, aptos a demonstrar a necessidade de maior rigor da medida privativa de liberdade do indivíduo, nos termos do § 3º do art. 33, c/c o art. 59, do Código Penal.
5. Ordem concedida tão somente para remover o óbice constante do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90, com a redação dada pela Lei nº 11.464/07, o qual determina que "[a] pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado". Declaração incidental de inconstitucionalidade, com efeito ex nunc, da obrigatoriedade de fixação do regime fechado para início do cumprimento de pena decorrente da condenação por crime hediondo ou equiparado."

Desse modo, restou superada a obrigatoriedade de início do cumprimento de pena no regime fechado aos condenados por crimes hediondos ou a eles equiparados.


Assim, o magistrado deve se valer, além do quantum de pena imposta (art. 33, §2º, CP), dos critérios previstos no artigo 59 do Código Penal para determinar o regime inicial de cumprimento da pena, conforme exegese do artigo 33, §3º , do mesmo codex.


Em se tratando de crime de tráfico de drogas, as circunstâncias judiciais para fixação da pena-base incluem ainda a natureza e a quantidade da droga, nos termos do artigo 42 da Lei nº 11.343/2006.


Portanto, mantenho o regime inicial fechado, por considerar que as circunstâncias judiciais são desfavoráveis à acusada, nos termos dos artigos 33, §3º, do Código Penal.


SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS :


Não procede o pedido da referida substituição, em primeiro lugar diante da quantidade da pena cominada.


Ademais, a vedação à substituição tem fundamento nos artigos 33, parágrafo 4º e 44, ambos da Lei nº 11.343/06, que proíbem expressamente que a pena privativa de liberdade cominada, embora possa ser objeto de redução, seja convertida em restritiva de direitos, em atenção à função preventivo-repressiva da pena privativa de liberdade como instrumento eficaz ao combate das atividades relacionadas ao tráfico de entorpecentes.


Em que pesem alguns entendimentos em contrário, entendo que a regra prevista no artigo 44 da Lei nº 11.343/2006, ao vedar a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, não fere a Constituição Federal.


Ao contrário, a completa, porque tal substituição se mostra incompatível com a necessidade de maior repressão e prevenção aos crimes considerados mais gravosos à sociedade, tais como o de tráfico internacional de entorpecentes, que causa efeitos altamente maléficos aos usuários e à sociedade. Por esses motivos, não se há falar-se em afronta ao princípio da individualização da pena.


Reconheço ainda que o Plenário do STF recentemente declarou, através do "habeas corpus" 97.256, pela via incidental, a inconstitucionalidade da expressão "vedada a conversão em penas restritivas de direitos" contida no parágrafo 4º do artigo 33, da Lei nº 11.343/06, bem como da expressão "vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos", constante do artigo 44 da mesma lei.


Contudo, a ordem não foi concedida para assegurar ao paciente a imediata substituição , mas sim para remover o óbice contido na Lei 11.343/06, devolvendo ao Juízo das Execuções Criminais a tarefa de auferir o preenchimento das condições objetivas e subjetivas para a concessão.


Ainda que seja adotado o entendimento do Supremo Tribunal Federal, há que se considerar que as penas restritivas de direitos dificilmente serão aptas a reprimir o tráfico ilícito de drogas e, portanto, além dos requisitos objetivos exigidos pelo art. 44 do Código Penal, deve haver outros elementos subjetivos altamente favoráveis ao réu para que possa ser concedida a substituição.


No caso, as particularidades não recomendariam a substituição, tendo em vista que os elementos dos autos revelaram um grau elevado de culpabilidade da ré, com provas contundentes de que participou de uma organização criminosa complexa, coordenada de forma a aliciar "mulas" para transportar drogas.


Ademais, é estrangeira e não possui vínculos com o nosso país, de forma que facilmente poderá se evadir se permanecer solta, mais um motivo demonstrando não ser recomendável a substituição, por não se mostrar suficiente para a reprovação e a prevenção do crime, inclusive pela repercussão que terá sobre a aplicação da lei penal.


Destaco que esse fato de forma alguma fere o princípio da isonomia, que consiste em conceder tratamento diferenciado para situações distintas.

Levando-se em consideração os motivos e as circunstâncias do crime, observa-se que a substituição da pena privativa de liberdade não se mostra suficiente para impedir que o réu volte a traficar drogas, refreando o desejo de ganho irrefletido de dinheiro. Por outro lado, prestando serviços em instituições públicas, haverá o sério risco de dar continuidade ao crime de tráfico de drogas.


Assim, entendo não ser socialmente recomendável a substituição da pena privativa de liberdade, que deve limitar-se a crimes considerados de menor gravidade, sendo inadequada sua aplicação aos condenados pelo crime de tráfico de drogas por ser por demais branda e insuficiente para reprimir tão grave delito, em nosso país equiparado a hediondo, tendo em vista os terríveis malefícios que causam aos usuários e à sociedade como um todo.


Confira-se alguns julgados acerca desse tema:

"HABEAS CORPUS. ART. 10, § 2º, DA LEI N. 9.437/97. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ABOLITIO CRIMINIS TEMPORÁRIA. PRETENDIDO RECONHECIMENTO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. WRIT NÃO CONHECIDO.
(...)
SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. REQUISITOS OBJETIVO E SUBJETIVO. AUSÊNCIA DE PREENCHIMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE PROCEDER-SE À PERMUTA.
Inviável substituir-se a pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, haja vista a ausência de preenchimento do pressuposto objetivo previsto no art. 44 do CP e a desfavorabilidade de 2 (duas) circunstâncias judiciais, o que evidencia que, in casu, a conversão da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos não se mostrará suficiente para a prevenção e repressão dos delitos denunciados. (...)"
(STJ, HC 200901593924, Relator(a) JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, DJE DATA:01/02/2011)
"HABEAS CORPUS. NARCOTRAFICÂNCIA. CRIME COMETIDO NA VIGÊNCIA DA LEI 6.368/76. PACIENTE CONDENADO A 4 ANOS DE RECLUSÃO, EM REGIME INICIAL FECHADO, E MULTA, POR TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES (ART. 12, CAPUT, C/C ART. 18, I, AMBOS DA LEI 6.368/76). INGESTÃO DE 72 CÁPSULAS DE COCAÍNA, PARA COMERCIALIZAÇÃO NO ESTRANGEIRO. PENA-BASE FIXADA NO MÍNIMO LEGAL: 3 ANOS. IMPOSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO POR PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. FALTA DO REQUISITO SUBJETIVO. QUANTIDADE, NATUREZA E FORMA DE TRANSPORTE DA DROGA APREENDIDA. REGIME PRISIONAL. INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO PARA EXPULSÃO DO PACIENTE DO PAÍS. MANUTENÇÃO DO REGIME MAIS GRAVOSO. PARECER DO MPF PELO CONHECIMENTO PARCIAL DO WRIT E, NA EXTENSÃO, PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM. ORDEM DENEGADA.
(...)
2. O óbice à substituição por pena restritiva de direitos e o cumprimento da pena em regime progressivo, ou mesmo em regime inicial aberto, decorre de construção jurisprudencial, que versa sobre a impossibilidade de se reconhecer a progressão de regime prisional a estrangeiro condenado pela prática de crime de tráfico ilícito, que tenha contra si decretada a expulsão, ou esteja em vias de ser decretada, quando não detenha residência fixa no país, sendo esta a hipótese dos autos.
(...)"
(STJ, HC 200801221176, Relator(a) NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, DJE DATA:03/11/2010)
"Política criminal. Pena de prisão (limitação aos casos de reconhecida necessidade). Entorpecente ( tráfico internacional). Estrangeiro não-residente no país (caso). Art. 44 do Cód. Penal (não-aplicação). substituição da pena (impossibilidade).
1. A norma penal prevê a possibilidade de se aplicarem sanções outras que não a pena privativa de liberdade para crimes de pequena e média gravidade, como meio eficaz de combater a crescente ação criminógena do cárcere.
(...)
3. Tratando-se de condenado de nacionalidade outra, certamente tal não impede a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, porquanto brasileiros e estrangeiros são iguais perante a lei - di-lo a Constituição -, pressupondo-se, porém, quanto aos estrangeiros, a regular residência no país.
(...)"
(STJ, RESP 200602656993, Relator(a) NILSON NAVES, SEXTA TURMA, DJE DATA:16/06/2008 LEXSTJ VOL.:00229 PG:00396)
"PENAL. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE ENTORPECENTE. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. TRANSNACIONALIDADE DEMONSTRADA. INTERNACIONALIDADE. CAUSA DE AUMENTO DE PENA. SUBSTITUIÇÃO POR PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. IMPOSSIBILIDADE. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DO ART. 44 DO CP. APELAÇÃO DESPROVIDA.
(...)
2 - Embora preenchidos os requisitos objetivos constantes dos incisos I e II do art. 44 do CP, a concessão da substituição resultaria inviável pela inadequação do caso aos requisitos subjetivos do inciso III do dispositivo supra mencionado. Trata-se de acusado estrangeiro, em situação irregular no que diz respeito à permanência no território nacional, sem ocupação lícita e que não demonstrou qualquer vínculo com o distrito da culpa. Logo, a substituição de pena privativa por restritiva certamente frustraria a aplicação da lei penal, não se revelando medida recomendável e suficiente para prevenção e repressão do delito em tela;
(...)"
(TRF 3ª REGIÃO, ACR 2010.61.12.005145-5, SP, SEGUNDA TURMA, DJF3 CJ1 DATA:02/06/2011 PÁGINA: 437 , Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL COTRIM GUIMARÃES )


Por esses motivos, também deixo de substituir a pena privativa de liberdade do réu por restritivas de direitos.


DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE:


Agiu com acerto a MMª. Juíza ao deixar de conceder à ré o direito de apelar em liberdade.


Em primeiro lugar, consoante entendimento cediço nas Cortes Superiores, a proibição da liberdade provisória, nos casos de crimes hediondos e assemelhados, decorre da própria proibição de fiança, imposta pela Constituição Federal no artigo 5º, inciso XLIII.


E o artigo 2º, inciso II, da Lei nº 8.072/90, atendendo à norma constitucional, considerou inafiançáveis os crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os crimes definidos como hediondos.


Por outro lado, a Lei nº 11.343/2006, que é específica para os crimes de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, no artigo 44 estabelece que os crimes previstos nos artigos 33, caput e § 1º e 34 a 37 são insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória. Dispõe ainda o artigo 59 da mesma lei que, nos crimes de tráfico, o réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória.


Sabe-se, contudo, que não tem o direito de recorrer em liberdade o acusado que permaneceu justificadamente preso durante a instrução criminal, por força de prisão em flagrante ou preventiva, ainda que seja primário e de bons antecedentes e que, sobrevindo sentença penal condenatória, um de seus efeitos é a manutenção da custódia do réu para apelar, o que não constitui ofensa à garantia constitucional da presunção de inocência, nos termos da Súmula 09 do STJ, de forma que eventuais condições favoráveis do agente, como primariedade e bons antecedentes, não são garantidoras de direito subjetivo à liberdade provisória, quando outros elementos recomendarem a prisão.


Postas tais premissas, verifico que a o ré foi presa em flagrante e assim permaneceu durante toda a instrução criminal. É estrangeira, sem vínculos com nosso país, com fortes possibilidades de se evadir se for solta, razão pela qual sua prisão tem por finalidade assegurar a aplicação da lei penal e o próprio resultado do processo, com o cumprimento integral da pena.


Por outro lado, a mera circunstância de a ré integrar uma organização criminosa dedicada à prática do tráfico de drogas já é suficiente para que permaneça presa, pois sabe-se que essas organizações não se intimidam com ações repressoras no sentido de investigar e punir a ação do grupo, tanto é que a própria Lei nº 9.034/95, que trata das organizações criminosas, prevê expressamente no artigo 7º, que não será concedida liberdade provisória, com ou sem fiança, aos agentes que tenham tido intensa e efetiva participação na organização criminosa, como no caso.


Assim sendo, para a efetivação da ação repressora do Estado, é necessário que o grupo seja desestruturado, o que somente se obtém com a prisão de todos os seus integrantes, daí porque o principal fundamento para a custódia é a garantia da ordem pública.


E ainda que não mais se justifique o requisito concernente à conveniência da instrução criminal, já que a instrução probatória já foi encerrada, remanesce também a necessidade da garantia da ordem pública e da necessidade de se garantir a aplicação da lei penal, razão pela qual não cabe o deferimento do benefício do apelo em liberdade, quer seja mediante termo de comparecimento (artigo 310, parágrafo único), ou mediante pagamento de fiança (artigo 324, inciso IV).


Nesse sentido:

"PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. ART. 33 DA LEI Nº 11.343/06. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA. PROIBIÇÃO DECORRENTE DE NORMA CONSTITUCIONAL.
I - A proibição de concessão do benefício de liberdade provisória para os autores do crime de tráfico ilícito de entorpecentes está prevista no art. 44 da Lei nº 11.343/06, que é, por si, fundamento suficiente por se tratar de norma especial especificamente em relação ao parágrafo único do art. 310, do CPP.
II - Além do mais, o art. 5º, XLIII, da Carta Magna, proibindo a concessão de fiança, evidencia que a liberdade provisória pretendida não pode ser concedida.
III - Precedentes do Pretório Excelso (AgReg no HC 85711-6/ES, 1ª Turma, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence; HC 86814-2/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Joaquim Barbosa; HC 86703-1/ES, 1ª Turma, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence; HC 89183-7/MS, 1ª Turma, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence; HC 86118-1/DF, 1ª Turma, Rel. Ministro Cezar Peluso; HC 79386-0/AP, 2ª Turma, Rel. Ministro Maurício Corrêa; HC 83468-0/ES, 1ª Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence; HC 82695-4/RJ, 2ª Turma, Rel. Ministro Carlos Velloso)
Habeas corpus denegado."
(STJ - HC 78.237/RS, 5ª Turma, Rel. Ministro FELIX FISCHER, DJU de 24.9.2007)

Diante do exposto, nego provimento às apelações, mantendo a sentença nos termos em que foi lançada.


Determino o envio de ofício ao Ministério da Justiça, com o escopo de verificação da conveniência e oportunidade da instauração de procedimento administrativo tendente à expulsão da ré YOLANDA SANTOS GODOY, a ser efetivada após o cumprimento da pena.


É o voto.



Antonio Cedenho
Desembargador Federal


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