Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 09/08/2013
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0011621-46.2006.4.03.6181/SP
2006.61.81.011621-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
APELANTE : Justica Publica
APELADO : CREUSA BENEDITA MOREIRA
ADVOGADO : OLIVIO VALANDRO e outro
APELADO : JOSE ADAIR DOS SANTOS
ADVOGADO : JOSÉ NAZARENO DE SANTANA e outro
No. ORIG. : 00116214620064036181 8P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PENAL - PROCESSUAL PENAL - 183 DA LEI 9.472/97 - REVOGAÇÃO - AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVA AMPLAMENTE COMPROVADA - LEIS 9.472/97 E 9.612/98 - RÁDIO PIRATA - NECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO DO PODER CONCEDENTE - PRINCÍPIOS DA FRAGMENTARIEDADE E INSIGNIFICÂNCIA NÃO APLICÁVEIS - AUSÊNCIA DE DOLO NÃO COMPROVADA PELA DEFESA - DOSIMETRIA DA PENA - PENA DE MULTA - SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR PENA RESTRITIVA DE DIREITO - SENTENÇA REFORMADA - RECURSO A QUE SE DÁ PROVIMENTO.
1. A materialidade do delito restou demonstrada pelo Termo de Qualificação de Atividade Clandestina de fls. 07/08, pelo Relatório Técnico de fls. 09/10, pelo Auto de Apresentação e Apreensão de fls. 31 e pelo Laudo de Exame de Equipamento Eletroeletrônico de fls. 53/56.
2. A autoria delitiva imputada a apelada também restou cabalmente comprovada.
3. A apelada, nas fases inquisitorial e judicial, em alegações finais e razões de apelação, confirmou os fatos que lhe foram imputados, restando claro que admitiu o cometimento do delito. Apresentou, apenas, defesa técnica que não tem o condão de elidir o cometimento do crime.
4. Examinando a tipicidade prevista no referido dispositivo de lei, verifica-se que a conduta incriminada diz "desenvolver atividades", não sendo exigível para a configuração do delito que o agente tenha "instalado a rádio", ou seja, basta o fato de estar em operação a rádio clandestina.
5. Não há qualquer dúvida de que a ré era responsável pela rádio e, portanto, desenvolvia atividade ilegal quando da fiscalização, tendo inclusive confessado a prática da conduta delituosa.
6. Autoria comprovada pela confissão da ré e pela prova testemunhal e documental colhida.
7. No que se refere a aplicação das Leis 9.472/97 e 9.612/98, observo que tais diplomas legais em nenhum momento afastaram do controle do Estado a atividade de radiodifusão, que permanece só podendo ser desenvolvida mediante o preenchimento de determinados requisitos técnicos e sob a imperiosa condição de prévia autorização de funcionamento, a ser expedida pelo órgão competente. Nesse sentido é o artigo 6º da Lei 9.612/98, que reza: "Compete ao Poder Concedente outorgar à entidade autorização para exploração do Serviço de Radiodifusão Comunitária, observados os procedimentos estabelecidos nesta Lei e normas reguladoras das condições de exploração do Serviço."
8. Por outro lado, registro que também merece ser afastada a alegação de que a hipótese reclamaria a aplicação dos princípios da fragmentariedade e insignificância penal da conduta, pelo fato de a rádio não estar operando no momento de sua apreensão, não causando riscos ou danos à sociedade e aos meios de comunicação. Frise-se não se possível sustentar que a ré não tinha intenção de utilizar a aparelhagem apreendida, posto que já havia operado, anteriormente, rádio clandestina e sabia da necessidade licença para tanto, como por ele mesmo declarado, durante a fase inquisitorial e em Juízo.
9. A ré é primária e tem bons antecedentes. O dolo é comum à espécie e as conseqüências do delito são as normais à espécie. Assim, fixo a pena-base da ré no mínimo legal, em 02 (dois) anos de detenção, em regime aberto. Não existem agravantes a serem consideradas. Com relação às atenuantes, tenho que a ré confessou, não sendo possível, todavia, diminuir a pena-base imposta, já que fixada no mínimo legal. Não existindo causas de aumento ou diminuição de pena no caso em tela, fica definitivamente fixada a pena da autora em 02 (dois) anos de detenção, em regime aberto. Assim, condeno a ré ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, fixando o valor do dia-multa no mínimo legal, já que inexistem nos autos elementos a indicar que possua bens ou rendimentos suficientes à autorizar a elevação do valor do dia-multa além do mínimo legalmente previsto.
10. Substituo a pena privativa de liberdade acima fixada por duas penas restritivas de direitos, ou seja, prestação de serviços à comunidade pelo mesmo prazo, conforme dispuser o Juízo "a quo", e prestação pecuniária equivalente a 01 (um) salário mínimo, que deverá ser revertida em prol de entidade beneficente a ser indicada pelo juízo da execução penal, além de manter a pena de multa já arbitrada anteriormente.
11. Recurso provido. Sentença de primeiro grau reformada.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, reformando a decisão de primeiro grau, em seu inteiro teor, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 29 de julho de 2013.
PAULO FONTES
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0011621-46.2006.4.03.6181/SP
2006.61.81.011621-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
APELANTE : Justica Publica
APELADO : CREUSA BENEDITA MOREIRA
ADVOGADO : OLIVIO VALANDRO e outro
APELADO : JOSE ADAIR DOS SANTOS
ADVOGADO : JOSÉ NAZARENO DE SANTANA e outro
No. ORIG. : 00116214620064036181 8P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

Trata-se de APELAÇÃO CRIMINAL interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra sentença absolutória proferida em favor de CREUSA BENEDITA MOREIRA e JOSE ADAIR DOS SANTOS, com fundamento no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal, por não constituir o fato infração penal, em face da atipicidade material da conduta, decorrente da aplicação do princípio da insignificância (fls. 252/258).

Consta da denúncia que:


"(...) A acusada CREUSA BENEDITA MOREIRA desenvolveu clandestinamente atividades de telecomunicação, com o auxílio material de JOSÉ ADAIR DOS SANTOS, ao manter e operar a emissora de radiodifusão denominada "Rádio Espacial FM", operando na freqüência aleatória de 99,5MHz, localizada na sede da ONG "Associação Beneficiente Oswaldo Moreira do Jardim São Jorge", presidida pela primeira acusada, à Rua Professor João de Lorenzo, 426, Jardim São Jorge, São Paulo/SP, sem a devida outorga do Ministério das Comunicações e sem a competente autorização para uso de radiofreqüência expedida pela Agencia Nacional de Telecomunicações - ANATEL.
Consta que, em 07 de julho de 2006, em fiscalização realizada por agentes de fiscalização da ANATEL, foi constatada a existência de uma emissora de rádio clandestina, utilizando-se da freqüência de 99,5Mhz.
Tendo em vista que os fiscais da ANATEL foram impedidos de adentrarem ao recinto para efetuar a lacração dos equipamentos utilizados, foi determinada por este Juízo ordem de busca e apreensão dos mesmos (fls. 19/20). Assim, os equipamentos foram apreendidos em 26 de março de 2007, e encontram-se listados no Auto de Busca e Apreensão de fls. 30/31.
No local, encontrava-se CREUSA BENEDITA MORERIA, que confirmou ser a presidente da ONG na qual os objetos apreendidos foram encontrados. Afirmou ainda não ser a proprietária da estação de rádio clandestina, sendo que o responsável pela mesma seria pessoa de alcunha Adair, ignorando demais dados pertinentes a esta (fls. 32/33).
Em novo depoimento (fls. 91/92), CREUSO BENEDITA MOREIRA reconhece ser a responsável pelo funcionamento de estação de rádio em sua ONG, mas que os equipamentos pertenciam a José Adair dos Santos, e lhe foram emprestados por ele para serem usados em sua ONG para a divulgação de trabalhos comunitários.
JOSÉ ADAIR DOS SANTOS confirmou, às fls. 98/99, que era o proprietário dos equipamentos utilizados na atividade criminosa, e que os havia emprestado à co-ré para que esta fizesse a divulgação de cursos, ou seja, sabia que seriam colocados em operação.
A materialidade delitiva encontra-se comprovada pelo Auto de Apreensão dos equipamentos utilizados pela estação da rádio clandestina, às fls. 30/31, e pelo laudo pericial de fls. 53/56, que atesta que a emissora clandestina de radiodifusão operava com transmissor de potência de 25 Watts, dentro da faixa de frequência modulada (FM), estando apto a causar danos a terceiros e interferências prejudiciais em serviços de telecomunicação regularmente instalados.
Há também indícios suficientes de autoria, tendo em vista que CREUSA BENEDITA MOREIRA foi surpreendida no recinto da rádio clandestina, e confirmou, em sede policial, que colocou em operação a estação clandestina, em prol da ONG que preside, mesmo sem requerer autorização à ANATEL. Já JOSÉ ADAIR DOS SANTOS atuou como partícipe, prestando auxílio material à conduta, uma vez que foi quem entregou à co-ré os equipamentos utilizados na prática criminosa, ciente de que seriam colocados em operação.
Ante o exposto, o Ministério Público Federal denuncia CREUSA BENEDITA MOREIRA e JOSÉ ADAIR DOS SANTOS como incursos no crime do art. 183 da Lei n.º 9.472/97 c/c artigo 29 do Código Penal, requerendo o recebimento desta, para que seja instaurada a devida ação penal, citando-os para que apresentem resposta à presente acusação e demais atos processuais, ouvindo-se, oportunamente, a testemunha abaixo arrolada, prosseguindo-se até final decisão, quando deverá ser julgada procedente a presente persecução criminal." (fls. 124/127) (os destaques são no original)

A denúncia foi recebida em 14 de agosto de 2009 (fl. 128).

Acusada citada em 06/10/2009 (fl. 134). Defesa preliminar as fls. 135/136 dos autos, arrolando testemunhas.

Acusado citado em 19/11/2009 (fl. 143). Defesa preliminar as fls. 145/148 dos autos, arrolando testemunhas.

Decisão do MM. Juízo de primeira instância determinando o prosseguimento do feito e designando audiência para oitiva de testemunha comum (fls. 151/152).

Termo de audiência as fls. 167/167vº. O acusado, na fase do artigo 402 do Código de Processo Penal, requereu a expedição de ofício à ANATEL, o que restou indeferido pelo Juízo por não tratar de matéria afeita aos autos. A acusada e a acusação nada requereram nesta fase. Foi homologada a desistência da oitiva de uma testemunha arrolada pelo acusado. Saíram as partes intimadas para apresentação de alegações finais no prazo legal.

Testemunha comum ouvida às fls. 168/168vº.

Testemunhas de defesa ouvidas às fls. 169/170 e acusados interrogados às fls. 171/172 e 173/174.

Em alegações finais, o Parquet Federal pugnou pela parcial procedência da ação penal, com a condenação de Creusa Benedita Moreira nos exatos termos da denúncia e a absolvição de José Adair dos Santos, por falta de provas de que tenha concorrido para a prática do delito (fls. 181/188).

A defesa de Creusa pleiteou a absolvição, afirmando que o fato narrado não constitui crime, posto que o serviço prestado era de interesse da comunidade e que a potência da rádio era tão baixa que não interferia em outras comunicações (fls. 189/190).

A defesa de José Adair sustenta que ele não cometeu o crime que lhe é imputado, tendo apenas emprestado aparelho de propagação de som que, por si só, não serve para nada (fls. 232/234).

Sentença absolutória proferida às fls. 252/258, intimando-se o Ministério Público Federal em 26/10/2011 (fl. 259vº) e disponibilizando-se no Diário Eletrônico da Justiça em 07/02/2012 (fl. 272).

Em razões de apelação (fls. 261/269), o Ministério Público Federal sustenta que restaram comprovadas a autoria e materialidade do delito, sendo de rigor a condenação de Creusa. Afirma ainda que o material apreendido tinha potencial lesivo aos sistemas de telecomunicações instalados, não sendo aplicável ao caso o princípio da insignificância. Pleiteia ainda que seja mantida a absolvição do acusado José Adair dos Santos.

Contrarrazões das defesas às fls. 277 e 278/280.

Subiram os autos a esta Egrégia Corte, onde o Ministério Público Federal opinou pelo provimento do recurso (fls. 283/287).

O feito foi submetido à revisão, na forma regimental.

É O RELATÓRIO.


PAULO FONTES
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0011621-46.2006.4.03.6181/SP
2006.61.81.011621-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
APELANTE : Justica Publica
APELADO : CREUSA BENEDITA MOREIRA
ADVOGADO : OLIVIO VALANDRO e outro
APELADO : JOSE ADAIR DOS SANTOS
ADVOGADO : JOSÉ NAZARENO DE SANTANA e outro
No. ORIG. : 00116214620064036181 8P Vr SAO PAULO/SP

VOTO

A materialidade do delito restou demonstrada pelo Termo de Qualificação de Atividade Clandestina de fls. 07/08, pelo Relatório Técnico de fls. 09/10, pelo Auto de Apresentação e Apreensão de fls. 31 e pelo Laudo de Exame de Equipamento Eletroeletrônico de fls. 53/56.

Desta forma, tenho como provada a materialidade do crime previsto no artigo 183 da Lei 9.472/97.

Por sua vez, a autoria delitiva imputada à apelada também restou cabalmente comprovada.

Verifique-se que a apelada, nas fases inquisitorial e judicial, em alegações finais e contrarrazões de apelação, confirmou os fatos que lhe foram imputados, restando claro que admitiu o cometimento do delito. Apresentou, apenas, defesa técnica que não tem o condão de elidir o cometimento do crime.

É que suas alegações não encontraram respaldo no conjunto probatório colacionado aos autos.

Para esclarecer a questão, começo por transcrever o disposto no artigo 183, da Lei 9.472/97:


"Art. 183: Desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação:"

Examinando a tipicidade prevista no referido dispositivo de lei, verifica-se que a conduta incriminada diz "desenvolver atividades", não sendo exigível para a configuração do delito que o agente tenha "instalado a rádio", ou seja, basta o fato de estar em operação a rádio clandestina.

Com efeito, não há qualquer dúvida de que a ré era responsável pela rádio e, portanto, desenvolvia atividade ilegal quando da fiscalização, tendo inclusive confessado a prática da conduta delituosa.

Em suas primeiras declarações perante a autoridade policial declinou:

"(...) QUE exerce mandato de Presidente da ASSOCIAÇÃO BENEFICENTE OSWALDO MOREIRA DO JARDIM SÃO JORGE, desde 10/02/1997; QUE esta entidade tem como objetivo atender a, crianças, jovens e adultos na área de educação em convênio com a Prefeitura Municipal de São Paulo; QUE a associação encontra-se instalada a aproximadamente seis anos neste atual endereço cujo imóvel é locado ao valor de R$ 700,00 (setecentos reais) por mês; QUE a Rádio Comunitária denominada NOSSA FM está instalada em uma das dependências do imóvel alugado à Associação já quatro meses sem nenhum ônus ou formalização de contrato entre as partes; QUE apesar de conhecer o responsável pela rádio comunitária, desconhece o nome completo, bem como seu endereço, apenas sabendo que o mesmo se chama ADAIR; QUE sabe informar que a programação da Rádio consistia em divulgar as ações dos órgãos públicos perante a comunidade; QUE desconhece se a rádio recebia qualquer tipo de patrocínio por anúncios ou propagandas ou qualquer outro apoio cultural; QUE foi informada por ADAIR, responsável pela rádio, que a potência do transmissor seria de 25 Watts e seu alcance seria apenas de um raio compreendido no bairro São Jorge; QUE a declarante na ocasião indagou a ADAIR se a instalação daquela rádio na Associação estava regular, tendo recebido como resposta que ela não iria ter problemas com os órgãos fiscalizadores, tendo em vista a potência alcançar apenas o bairro; QUE a declarante havia solicitado anteriormente a retirada dos equipamentos da Associação, tendo em vista a necessidade de utilizar espaço ocupado para instalação de uma outra sala de aula; QUE embora esse pedido tenha sido informal ADAIR respondeu que a declarante aguardasse alguns dias que iria providenciar a retirada; QUE o equipamento encontrava-se desligado já alguns dias, aguardando rua retirada pelo responsável, ADAIR; QUE nunca foi presa ou processada judicialmente. (...)" (fl. 32 - negritei)

Quando foi novamente interrogada perante a autoridade policial, afirmou (fls. 43/44):


"(...) QUE exerce mandato de Presidente da ASSOCIAÇÃO BENEFICENTE OSWALDO MOREIRA DO JARDIM SÃO JORGE, desde 10/02/1997; QUE esta entidade tem como objetivo atender a, crianças, jovens e adultos na área de educação em convênio com a Prefeitura Municipal de São Paulo; QUE a associação encontra-se instalada a aproximadamente seis anos neste atual endereço cujo imóvel é locado ao valor de R$ 700,00 (setecentos reais) por mês; QUE a Rádio Comunitária denominada NOSSA FM está em uma das dependências do imóvel alugado à Associação há quatro meses sem nenhum ônus ou formalização de contrato entre as partes; QUE apesar de conhecer o responsável pela rádio comunitária, desconhece o nome completo, bem como seu endereço, apenas sabendo que o mesmo se chama ADAIR; QUE sabe informar que a programação da Rádio consistia em divulgar as ações dos órgãos públicos perante a comunidade; QUE desconhece se a rádio recebia qualquer tipo de patrocínio por anúncios ou propagandas ou qualquer outro apoio cultural; QUE foi informada por ADAIR, responsável pela rádio, que a potência do transmissor seria de 25 Watts e seu alcance seria apenas de um raio compreendido no bairro Jardim São Jorge; QUE a declarante na ocasião indagou a ADAIR se a instalação daquela rádio na Associação estava regular, tendo recebido como resposta que ela não iria ter problemas com os órgãos fiscalizadores, tendo em vista a potência alcançar apenas o bairro; QUE a declarante havia solicitado anteriormente a retirada dos equipamentos da Associação, tendo em vista a necessidade de utilizar espaço ocupado para instalação de uma outra sala de aula; QUE embora esse pedido tenha sido informal ADAIR respondeu que a declarante aguardasse alguns dias que iria providenciar a retirada; QUE o equipamento encontrava-se desligado há alguns dias, aguardando sua retirada pelo responsável, ADAIR; QUE nunca foi presa ou processada (...)" (grifei e negritei).

Em juízo, reiterou as declarações apresentadas durante a fase inquisitorial, in verbis:


"(...) Que está aposentada e é presidente da Associação Beneficente "Oswaldo Moreira" há doze anos; que nunca foi presa ou processada anteriormente; que não tem filhos; que é presidente da Associação Beneficente "Oswaldo Moreira" há doze anos; que a Associação presta serviços conjuntos com a Prefeitura de São Paulo, oferecendo creche que atende atualmente aproximadamente sessenta crianças de zero a dois anos e onze meses; que mediante convênio com a Secretaria de Abastecimento do Estado de São Paulo oferece distribuição de leite, duas vezes por semana, atendendo aproximadamente quatrocentas mães, por semana; que mediante convênio com a Secretaria da Educação oferta ensino em doze salas de alfabetização de jovens e idosos; que a Associação funciona de segunda a sexta-feira, das 08:00 às 21:00 horas; que a rádio comunitária que existia na Associação apenas divulgava serviços de interesse da própria comunidade; que dentre as notícias divulgadas existiam algumas que eram repassadas pela Sub-Prefeitura do Butantã, tais como "Operação Tapa Buraco" e "Operação Cata-Bagulho"; que nunca houve nenhum tipo de autorização para que a rádio operasse; que os equipamentos da rádio foram emprestados pelo correu José Adair; que José Adair empresou os equipamentos apenas para que fossem divulgadas as notícias de interesse da comunidade, que não era para que funcionasse uma rádio; que a rádio funcionou por dois ou três meses; que não havia locutor; que a rádio só funcionava quando havia notícia de interesse da comunidade a ser divulgada; que o correu José Adair esteve na Associação por apenas duas ou três vezes; que Jose Adair não era o responsável pela rádio, sendo que havia apenas emprestado os equipamentos; que estranha o fato do servidor da Anatel, testemunha de acusação, ter relatado que foi impedido de entrar na Associação, porque esta fica aberta quase que o dia inteiro e sempre há pessoas no local; que este fato não é verdadeiro; que a Associação também presta serviços na "Jornada da Cidadania", oportunidade que as pessoas do local têm para obter documentos, tais como CTPS, segunda via de RG, segunda via de Certidão de Nascimento, etc.; que aos sábados há um professor na Associação e são ministradas aulas de capoeira; que não tem mais nada a acrescentar em sua defesa. Dada a palavra à ilustre representante do Ministério Público Federal, foi dito que a rádio não tocava música, e que havia apenas fundo musical quando as notícias eram vinculadas. Dada a palavra ao ilustre defensor da acusada, foi dito que na região há mais de dez favelas e as pessoas destes locais são atendidas pela entidade da interroganda; que a subprefeitura do Butantã encaminhou no ano passado aproximadamente dez menores infratores para que prestassem serviços na Associação presidida pela interroganda. Dada a palavra ao ilustre defensor do correu, foi dito que com o fechamento da rádio as atividades da Associação são divulgadas através de panfletos que são encartados em padarias, bares, postos de saúde, por exemplo; que não havia propriamente um rádio com programação; que apenas eram veiculadas notícias de interesse da comunidade local. (...)" (fls. 171/171vº - negritei).

Depreende-se das declarações da ré que ela era, então, a única responsável pela rádio comunitária e que esta funcionava sem autorização legal. Infere-se, ainda, que a rádio operava com freqüência, ainda que para prestar serviços gratuitos e de interesse da comunidade em que estava inserida, sendo certo que tinha capacidade técnica de atingir grande número de pessoas, em desacordo com a legislação que rege a matéria.

Neste mesmo sentido, as testemunhas ROBERTO CARLOS SOARES CAMPOS e THAÍS PEDROSO DA MOTA PINHEIRO, que prestaram depoimento às fls. 168/168vº e 170, respectivamente, confirmaram que o sinal era transmitido pela aparelhagem encontrada na sede da Associação presidida pela ré, sendo certo que esta não negou os fatos que lhe foram imputados, afirmando, ainda, quando do cumprimento de mandado de busca e apreensão realizado pela primeira testemunha, que o aparelho estava em condições de uso, bastando energizá-lo.

Assim, diante do quadro probatório que resplandece dos autos, torna-se indiscutível a autoria delitiva imputada à apelada que, até o dia 26 de março de 2007, manteve, de forma clandestina e irregular, equipamento de rádio pronto a operar na frequência de 99,50 Mhz, com potência aferida em 25 W.

Restam confirmadas, então, a materialidade delitiva e autoria imputadas a apelada.

No que se refere a aplicação das Leis 9.472/97 e 9.612/98, observo que tais diplomas legais em nenhum momento afastaram do controle do Estado a atividade de radiodifusão, que permanece só podendo ser desenvolvida mediante o preenchimento de determinados requisitos técnicos e sob a imperiosa condição de prévia autorização de funcionamento, a ser expedida pelo órgão competente. Nesse sentido é o artigo 6º da Lei 9.612/98, que reza: "Compete ao Poder Concedente outorgar à entidade autorização para exploração do Serviço de Radiodifusão Comunitária, observados os procedimentos estabelecidos nesta Lei e normas reguladoras das condições de exploração do Serviço."

É evidente que cabe exclusivamente ao Estado regular e disciplinar a instalação e funcionamento de quaisquer rádios, sejam elas comunitárias ou não, pois a ele cabe zelar pela utilização racional do espaço eletromagnético nacional, a fim de evitar a ocorrência das conhecidas interferências de transmissão, que tanto põem em risco o normal desempenho de diversas atividades essenciais à sociedade, como o controle de aeronaves e as comunicações travadas pelos órgãos de segurança pública, especialmente as viaturas policiais.

Por outro lado, registro que também merece ser afastada qualquer alegação de que a hipótese reclamaria a aplicação dos princípios da fragmentariedade e insignificância penal da conduta, pelo fato de a rádio não estar operando no momento de sua apreensão, não causando riscos ou danos à sociedade e aos meios de comunicação. Frise-se não ser possível sustentar que a ré não tinha intenção de utilizar a aparelhagem apreendida, posto que já havia operado, anteriormente, esta mesma rádio clandestina.

Assim, comprovadas a autoria e a materialidade delitivas, a condenação da ré é medida que se impõe.

Passo, portanto, à dosimetria da pena.

A ré é primária e tem bons antecedentes. O dolo é comum e as conseqüências do delito são as normais à espécie. Assim, fixo a pena-base da ré no mínimo legal, em 02 (dois) anos de detenção, em regime aberto. Não existem agravantes a serem consideradas. Com relação às atenuantes, tenho que a ré confessou, não sendo possível, todavia, diminuir a pena-base imposta, já que fixada no mínimo legal. Não existindo causas de aumento ou diminuição de pena no caso em tela, fica definitivamente fixada a pena da autora em 02 (dois) anos de detenção, em regime aberto.

Quanto à pena de multa, tenho que a dosimetria deve ser feita pelos critérios previstos no Código Penal, já que sua fixação em valor fixo de R$ 10.000,00 (dez mil reais) viola o princípio constitucional de individualização da pena. Nesse sentido, já decidiu esta E. Corte Regional, in verbis:


PENAL - INSTALAÇÃO E FUNCIONAMENTO DE EMISSORA DE RÁDIO SEM AUTORIZAÇÃO DO ÓRGÃO COMPETENTE (ANATEL) - SERVIÇO DE RADIOFUSÃO - ARTIGO 183 DA LEI 9.472/97 - PENA DE MULTA - APLICAÇÃO.
1. O preceito secundário do artigo 183 da Lei nº 9.472/97 foi declarado inconstitucional pelo Órgão Especial desta Corte em razão da violação ao princípio constitucional da individualização da pena (CF, art. 5º, XLVI).
2. Diante disto, aplica-se à dosimetria da pena na fixação da pena de multa conforme o artigo 68 do Código Penal.
3. Pena de multa aplicada em 360 (trezentos e sessenta) dias-multa, no valor unitário mínimo legal. (ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 0005455-18.2000.4.03.6113 - DESEMBARGADOR FEDERAL LUIZ STEFANINI QUINTA TURMA - Fonte: e-DJF3 Judicial 1 DATA:29/02/2012)

Assim, condeno a ré ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, fixando o valor do dia-multa no mínimo legal, já que inexistem nos autos elementos a indicar que possua bens ou rendimentos suficientes à autorizar a elevação do valor do dia-multa além do mínimo legalmente previsto.

Desta feita, condeno CREUSA BENEDITA MOREIRA à pena de 02 (dois) anos de detenção, em regime aberto, e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, fixado o valor no mínimo legal, em virtude do cometimento do delito previsto no artigo 183 da Lei n.º 9.472/97.

Por fim, observo que a pena fixada é inferior a 4 (quatro) anos e o delito não foi cometido com utilização de violência ou grave ameaça. Por outro lado, a ré não é reincidente e as circunstâncias previstas no artigo 44, inciso III, do Código Penal, indicam que a substituição da pena corporal por penas restritivas de direitos será suficiente a título de reprimenda.

Assim sendo, substituo a pena privativa de liberdade acima fixada por duas penas restritivas de direitos, ou seja, prestação de serviços à comunidade pelo mesmo prazo, conforme dispuser o Juízo "a quo", e prestação pecuniária equivalente a 01 (um) salário mínimo, que deverá ser revertida em prol de entidade beneficente a ser indicada pelo juízo da execução penal, além de manter a pena de multa já arbitrada anteriormente

Diante do exposto, dou provimento ao recurso do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, reformando a decisão de primeiro grau, em seu inteiro teor.

É COMO VOTO.


PAULO FONTES
Desembargador Federal


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Data e Hora: 06/08/2013 16:01:04