D.E. Publicado em 07/08/2013 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso interposto pela defesa, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta por Mirian Pereira da Silva, em face da r. sentença de fls. 396/404, que a condenou como incursa nas penas do art. 239 da Lei 8.069/90, a pena de 4 (quatro) anos de reclusão, em regime inicial aberto, tendo a reprimenda privativa de liberdade sido substituída por duas penas restritivas de direito, sendo uma de prestação pecuniária e outra de prestação de serviços à comunidade.
Em razões de fls. 417/426, aduz a defesa, em síntese, que em instante algum teria sido cabalmente demonstrado auxílio da apelada aos denunciados no envio de suas filhas para o exterior, com inobservância das formalidades legais ou com o fito de obter lucros.
Argumenta que Mirian não agiu de livre e espontânea vontade, tendo plena consciência da ilicitude de sua conduta. Ela meramente teria tentado prestar um favor aos pais das crianças, agindo de boa-fé.
Por fim, alega a defesa que nenhuma testemunha acusou a ré de qualquer ilícito e que os próprios pais das meninas, em declaração prestada no Consulado Geral do Brasil em Boston, nos Estados Unidos, excluíram a ré de qualquer má-fé ou intenção de obter proveito monetário.
Requer, por consequência de tudo exposto, a reforma total da sentença, para o fim de absolver Mirian Pereira da Silva.
Contra-razões ministeriais às fls. 431/439, pelo improvimento do recurso da acusada.
Em parecer de fls. 442/446, a Procuradoria Regional da República opinou pelo desprovimento do recurso de apelação.
É o relatório.
À revisão.
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VOTO
Segundo a denúncia, em 15 de outubro de 2004, por volta das 23h00, a denunciada Mirian Pereira da Silva foi presa em flagrante quando, pretendendo viajar ao México, apresentou-se à Polícia Federal no Aeroporto Internacional de Guarulhos, na companhia de duas crianças, portando autorizações de viagem falsas.
No tocante a materialidade delitiva, por mais que o Laudo de Exame Documentoscópico de fls. 134/137 não tenha apresentado nenhuma conclusão acerca da falsidade das autorizações - devido ao fato de os peritos não terem acesso a documentos autênticos similares e por se tratarem de documentos desprovidos de padronização e elementos de segurança -, a própria ré admitiu perante as testemunhas presentes no flagrante (fls. 07/15) que a autorização de viagem que portava era falsa, sendo tal falsificação sido produzida por pessoa dela desconhecida e de nome Hudson.
Ainda, comparando-se as assinaturas dos pais das crianças presentes em documentos assinados no Consulado-Geral do Brasil em Boston (fls. 374 e 376), com as assinaturas constantes na autorização de viagem portada pela ré, as diferenças apresentam-se claras, fornecendo ainda mais elementos para reafirmação da conclusão acerca da inautenticidade do documento portado por Mirian.
Em relação à autoria e ao dolo, ambos apresentam-se incontestáveis.
Com efeito, por mais que a ré tenha declarado acreditar que a documentação que portava fosse idônea e providenciada conforme a lei, não o fez no momento do flagrante, como se pode aferir pelos testemunhos, tanto em inquérito quanto em juízo. Em inquérito, a primeira testemunha, o Agente da Polícia Federal Luiz Augusto Teixeira Telles, disse que:
"o condutor entrevistou a passageira e obteve dela a resposta de que pretendia viajar ao México para fazer turismo juntamente com as crianças; QUE a passageira disse ao condutor que os pais se encontravam em Governador Valadares, mas as crianças teriam dito que viajariam para encontrar os pais nos Estados Unidos; QUE o condutor encaminhou a passageira e as crianças à Delegacia, onde encontravam-se o APF ISMAEL e a testemunha MARCIO RÉA, o qual solicitava informações no balcão de atendimento da Delegacia; QUE, na Delegacia, a passageira confessou, na presença das testemunhas, que os pais das crianças efetivamente encontravam-se nos Estados Unidos, sendo que a autorização dos pais para que as crianças viajassem em companhia de MIRIAN havia sido falsificada, pela pessoa de nome HUDSON, residente em Governador Valadares/MG, com quem a passageira fez contatos somente pelo telefone (33) 9957-8294, não sabendo dizer qual sua descrição física ou maiores dados qualificativos do mesmo". (fls. 08/09 - grifo nosso)
Esse depoimento foi ratificado em juízo por referida testemunha, conforme se verificado às fls. 232/233.
A segunda testemunha, o agente Ismael Cabral Menezes, em inquérito e também em juízo (fl. 270), corroborou o testemunho de Luiz Augusto Teixeira Telles, no seguinte sentido:
"o depoente presenciou quando a passageira confessou, na Delegacia, que os pais das crianças encontravam-se nos Estados Unidos e que a autorização para que as crianças viajassem em companhia de MIRIAN havia sido falsificada pela pessoa de nome de nome HUDSON, residente em Governador Valadares/MG, com quem a passageira fez contatos somente pelo telefone (33) 9957-8294, não sabendo dizer qual sua descrição física ou maiores dados qualificativos do mesmo; QUE em razão disso, o condutor deu voz de prisão a MIRIAN por infração ao artigo 239 do Estatuto da Criança e do Adolescente; QUE o depoente presenciou quando a passageira fez contato telefônico com o taxista de nome JOSÉ VALDO MACEDO DE ARAÚJO, solicitando que o mesmo a apanhasse no aeroporto; QUE o depoente identificou e abordou referido taxista e o encaminhou à Delegacia, onde o mesmo foi entrevistado mas não ficou demonstrada sua efetiva participação no delito em questão". (fls. 09/10 - grifo nosso)
A terceira e última testemunha, Marcio Réa, disse, em inquérito e confirmou em juízo (fl. 274), que:
"o depoente/terceira testemunha encontrava-se no balcão de atendimento da Delegacia quando presenciou o momento em que o condutor apresentou na Delegacia a passageira MIRIAN PEREIRA ALVES DA SILVA, acompanhada por duas crianças pequenas; QUE o depoente/terceira testemunha presenciou que a passageira apresentava autorização para sair do país com as crianças OLGA RODRIGUES MORAIS e ESTER RODRIGUES MORAIS; QUE referida autorização, supostamente emitida pelos pais LUCIO ANTONIO DE MORAIS e FRANCISCA RODRIGUES PEREIRA, datada de 08/10/2004, tinha firmas reconhecidas pelo Tabelionato do 3º Ofício de Notas de Governador Valadares, na mesma data; QUE o depoente presenciou quando a passageira confessou, na Delegacia, que os pais das crianças encontravam-se nos Estados Unidos e que a autorização para que as crianças viajassem em companhia de MIRIAN havia sido falsificada pela pessoa de nome HUDSON, residente em Governador Valadares/MG, com quem a passageira fez contatos somente pelo telefone (33) 9957-8294, não sabendo dizer qual sua descrição física ou maiores dados qualificativos do mesmo". (fl. 11 - grifo nosso)
Ao contrário do aduzido pela defesa, a boa-fé da ré em supostamente não ter conhecimento da falsidade do documento que portava não se sustenta.
Com efeito, em inquérito ela afirmou que:
"[...] acreditava que a documentação fornecida por HUDSON, principalmente as autorizações de viagem das crianças, fossem idôneas e providenciadas conforme a lei; QUE a interrogada recebeu a documentação via VASPEX e passou a desconfiar que tais documentos pudessem ser irregulares, mas agiu de boa-fé visando entregar as crianças aos pais". (fl. 14 - grifo nosso).
Já em juízo, sob o crivo da ampla defesa e do contraditório, a acusada disse que:
"- Juiz: Certo. É o fato narrado aqui na denúncia. Esses fatos o que é que a senhora diz?
- Ré: Eu só vim a pensar que esses documentos eram realmente falsos a partir do momento em que o delegado e aqueles agentes começaram a fazer perguntas, a questionar. Até então eu não tinha porque duvidar, eu tinha falado com os pais, os pais tinham dado autorização e eu recebi via Vaspex o documento.
- Juiz: Recebeu de onde?
- Ré: Recebi de Governador Valadares do senhor Hudson, que é dono a agência de viagens.
- Juiz: Mas qual é a relação que a senhora tem com os pais das crianças?
- Ré: Nós somos amigos, conhecidos assim há algum tempo. A gente já se conhecia e eles sabiam que eu tinha vontade de ir para os Estados Unidos dá uma dignidade melhor pros meus filhos. Que na época o meu salário era 400 reais. Pra mim que sou mãe e tenho que cuidar de dois filhos, aqui não tava dando certo e eu tentei.
- Juiz: Certo. Mas a senhora a conheceu o seu Lúcio e Dona Francisca como?
- Ré: Não eu já conhecia eles aqui de Goiânia, tinha pouco tempo que eles tinham ido pra lá.
- Juiz: Certo. E foram eles quem autorizou a viagem das crianças?
- Ré: Das crianças.
- Juiz: verbal?
- Ré: verbal. Inclusive quem ficou de mandar a documentação foi Hudson que era o dono da agência, via váspex né.
- Juiz: E eles são naturais de Governador Valadares?
- Ré: Os pais das crianças?
- Juiz: Sim.
- Ré: Não, são daqui de Goiânia, Eles moram no parque das flores.
- Juiz: Eu não entendi porque esse documento veio lá de...
- Ré: Por que o dono...o Hudson, que fazia a travessia pro México, do México pros Estados Unidos, a agência dele é de lá, não é aqui de Goiânia.
- Juiz: E aqui em Goiânia não tem agência que...?
- Ré: Não, eu não sei, eu não sei informar pros senhor.
- Juiz: Foi a primeira vez que a senhora tentou ir para os Estados Unidos?
- Ré: Foi a primeira vez que eu saí daqui de Goiânia, do meu Estado?
- Juiz: A senhora quando recebeu o documento não percebeu que era originário de Governador Valadares?
- Ré: Não. Eu não tive a curiosidade de olhar porque assim era bem na semana que eu ia viajar. Estava tudo muito tumultuado pra mim. Corre para fazer a mala, faz uma coisa, faz outra, então não teve como, eu não tive essa atenção de olhar.
- Juiz: E a senhora não sabia que seu Francisco não era pai das crianças? Francisca e Lúcio.
- Ré: A Francisca é mãe sim das meninas e o Lúcio é pai das meninas, é pai delas.
- Juiz: Aqui diz que os pais das crianças estão nos Estados Unidos.
- Ré: Pois é, são eles.
- Juiz: São eles?
- Ré: São eles.
[...]
- Juiz: A senhora leu o depoimento. O que a senhora diz? Corresponde ao que a senhora disse?
- Ré: Não, não corresponde com o que eu disse.
- Juiz: O que é que não corresponde?
- Ré: Em relação à quantia que eu iria pagar, aos... ao dinheiro que eu iria pagar. Igual eu estava falando pro senhor. Se eu fosse pagar passando pelo deserto eu iria pagar US$8.500 de forma ilegal, e seu fosse passar de carro onde eles me falaram que ia passar por uma guarita ali dos policiais ali, eu iria passar legalmente mais as crianças. A gente ia passar legal.
- Juiz: Legal a senhora diz é não passar pelo deserto. Porque não tinha visto, ainda não tinha visto de entrada nos Estados Unidos?
- Ré: Não, não tínhamos visto de entrada.
[...]
- Juiz: Mas se os pais estavam nos Estados Unidos como é que eles iam dar autorização para viagem?
- Ré: Pois é. A autorização...que ele ficou de passar todas as documentações, a autorização pro Hudson e o Hudson que ia mandar pra mim via sedex, não via vaspex. E foi que aconteceu, ele passou via vaspex.
- Juiz: Eles moravam aqui em Goiânia?
- Ré: Eles moravam em Goiânia, daí eles foram.
- Juiz: Não foi estranho que eles, morando em Goiânia, mandasse um documento para Governador Valadares para reconhecer firma? A senhora num...?
- Ré: Não, eu não achei por que os pais, eles estavam nos Estados Unidos. Quem estava morando aqui são os avós das crianças. Então o Lúcio já estava entrando em contato com Hudson, então foi entre eles isso aí." (fls. 176/182 - grifo nosso)
A ré admitiu em inquérito ter desconfiado da falsidade, mas o negou em juízo de forma não crível, como se apresenta no interrogatório perante o Juiz. Além disso, o depoimento do avô das meninas, tanto em inquérito quanto em juízo, corrobora a versão de que a denunciada teria muitos elementos não só para desconfiar, mas também para concluir acerca da falsidade da documentação que portava.
Em fls. 64/65 o avô, José Lucindo de Morais, afirmou que:
"o declarante, na véspera da viagem de MIRIAN e das menores, chegou a procurar a Vara da Infância e da Juventude da cidade de Goiânia levando a procuração, acima mencionada, elaborada no consulado do Brasil nos Estados Unidos para obter o passaporte das menores, tendo sido informado no local que seria necessária uma autorização para que fosse permitida a viagem das menores para o exterior, não conferindo a procuração apresentada na ocasião poderes para autorizar a viagem; QUE em face dessa informação, o declarante contatou MIRIAN, esclarecendo o ocorrido, tendo ela dito que a autorização estaria sendo providenciada, não especificando quem seria o responsável pela sua obtenção". (grifo nosso)
A corroborar a má-fé da acusada, restou também comprovado que ela obteria lucro pelo transporte das meninas até o México. Em inquérito, posteriormente corroborado em juízo, a ré alegou que:
"pagaria a HUDSON a quantia de US$ 10.000,00 (dez mil dólares) para que o mesmo providenciasse o quanto necessário fosse para a interrogada cruzar a fronteira do México com os Estados Unidos; QUE HUDSON propôs à interrogada que levasse as crianças aos pais, pelo que teria um abatimento no preço que seria pago a HUDSON, sendo que a interrogada passaria a pagar US$ 8.500,00 (oito mil e quinhentos dólares) e os pais das crianças arcariam com o restante". (fl. 14 - grifo nosso)
Outrossim, amplamente comprovadas autoria, materialidade e o dolo da acusada, deve ser mantida a sua condenação como incursa nas penas do artigo 239, parágrafo único da Lei 8.069/90.
Passo, pois, à análise da dosimetria da pena.
Na primeira fase, considerando que a apelante nunca se envolveu em nenhum ato ilícito, tem boa conduta social e personalidade sem traços que indiquem possíveis desvios, sendo, portanto, sua conduta normal ao tipo, mantenho a pena aplicada no mínimo legal de seis anos de reclusão.
Na segunda fase, corretamente, não foram verificadas atenuantes ou agravantes, ficando mantida em seis anos de reclusão.
Na terceira e última fase, mantenho a causa de diminuição prevista no artigo 14, parágrafo único, do Código Penal, resultando na reprimenda definitiva de quatro anos de reclusão, que deve ser mantida, posto que proporcional à reprovabilidade da conduta perpetrada.
No mais, a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direito merece persistir.
Considerando-se as mesmas circunstâncias do art. 59 do Código Penal, entendo por necessária e suficiente a manutenção do regime inicial aberto para o cumprimento da pena, tal como fixado na sentença, a teor do disposto no art. 33, § 2º, c, do Código Penal.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso interposto pela defesa.
É como voto.
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