D.E. Publicado em 30/10/2013 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, DAR PARCIAL PROVIMENTO à apelação, unicamente para nomear o apelante MARCELO KALIM como novo fiel depositário da aeronave N450FK, autorizando sua utilização enquanto perdurarem as investigações, mediante a fixação de caução prestada mediante fiança bancária vigente por tempo indeterminado, no valor de mercado da aeronave apreendida, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Trata-se de apelação criminal interposta por FENWAY AVIATION LLC e MARCELO KALIM em face de decisão proferida pela 1ª Vara Criminal da Subseção Judiciária de São Paulo/SP que, nos autos do inquérito nº 0004923-06.2012.4.03.6119, decretou o sequestro das aeronaves prefixos VPCAV, N332MM, N450FK, N909TT, N955SL, N322FA, N769CC, N450JR, N818LK, N947GA e N883RW e determinou a busca e apreensão dos pertences e documentos encontrados no seu interior dessas aeronaves e nos locais onde elas foram localizadas, desde que tenham pertinência com as investigações ou com negócios jurídicos investigados ou com outras aeronaves estrangeiras com trânsito no país.
Também foi deferida a medida de busca e apreensão na empresa CFLY CONSULTORIA E GESTÃO EMPRESARIAL LTDA, com o fim de apreender documentos relacionados com a introdução e permanência das aeronaves acima mencionadas ou de outras aeronaves estrangeiras no país, bem como computadores e mídias de armazenamento de dados que possam ter relação com a conduta investigada.
Narram os apelantes, em síntese, que notitia criminis foi encaminhada pela Receita Federal do Brasil para apuração simultânea de infração administrativa tendente à aplicação de pena de perdimento, objetivando apurar suposto ingresso de aeronaves privadas em território nacional para uso no país sem a adoção do regular procedimento fiscal. Tais fatos foram enquadrados pela autoridade policial nos delitos previsto nos artigos 299 e 334, ambos do Código Penal.
A partir daí, a autoridade policial postulou pela expedição de mandados de busca e apreensão dos bens investigados. Após a manifestação favorável do Ministério Público Federal, o Juízo de origem deferiu parcialmente o pedido para determinar o sequestro das aeronaves e a busca e apreensão dos pertences e documentos nela encontrados e nos locais em que foram apreendidas.
Em face disso, alegam os recorrentes a ilegalidade do sequestro, diante da ausência de fundamentação idônea, eis que a decisão recorrida não apontou a existência de indícios veementes da proveniência ilícita dos bens, nos termos do art. 125 do Código de Processo Penal, nem a infração penal anterior capaz de sujeitá-los à medida de sequestro.
Ressaltam também ser cristalina a ausência desses indícios, uma vez que o sequestro foi decretado no início da persecução penal, afigurando-se inviável a coleta de dados capazes de amparar a decretação de medida tão gravosa ao direito de propriedade dos apelantes.
Continuam salientando que, ainda que as investigações estivessem concluídas, não seria possível a decretação da constrição em tela, já que esses bens seriam o objeto do suposto crime e não do proveito econômico dele decorrente.
Em relação ao periculum in mora, destacam a inexistência de indícios que pudessem ensejar a dilapidação do patrimônio ou sua ocultação, sendo inviável, também por esse motivo, o sequestro dos bens, além da falta de comprovação da materialidade delitiva.
A seguir, ponderam que a pessoa jurídica, proprietária da aeronave, não é parte na relação processual penal, motivo pelo qual não pode responder com seu patrimônio por condutas imputadas aos seus sócios.
Por fim, sustentam que os bens encontram-se sujeitos à deterioração se continuarem em solo por tempo indeterminado, diante da necessidade técnica de voos frequentes, sob pena de torná-los economicamente inúteis.
Portanto, pleiteiam o levantamento da medida constritiva imposta pelo juízo de origem.
Contrarrazões do Ministério Público Federal a fls. 506/520.
A Procuradoria Regional da República opinou pelo desprovimento da apelação (fls. 523/529).
A fls. 531/563 consta petição e parecer apresentados pela apelante.
É o relatório.
À revisão.
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VOTO
A medida de sequestro ostenta natureza cautelar destinada a assegurar a indisponibilidade dos bens adquiridos pelo indiciado com o proveito econômico advindo da infração penal, protegendo a eficácia dos efeitos civis da sentença penal condenatória, a saber: a) reparação do dano causado pelo delito; b) perda do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso.
Regulamentando essa medida constritiva no âmbito penal, assim dispõe o art. 125 e seguintes do Código de Processo Penal:
Desse modo, a medida em tela deve necessariamente recair sobre os proventos do crime, evitando-se que o indiciado usufrua de patrimônio adquirido ilicitamente.
Entretanto, não basta que o bem tenha origem ilícita, sendo igualmente indispensável a necessária correlação entre o objeto da persecução penal e o bem sequestrado. Trata-se do requisito da referibilidade, diante da acessoriedade inerente às medidas cautelares, eis que busca assegurar a utilidade e eficácia da ação principal.
In casu, a Receita Federal do Brasil expediu ofício ao Delegado da Polícia Federal em Guarulhos, encaminhando peça de informações nº 1.34.006.000151/2012-16, dando conta do ingresso de aeronaves privadas em território nacional para uso no país sem a adoção do regular procedimento fiscal e do pagamento dos tributos devidos.
Consta do inquérito policial que, para conferir ares de licitude, o esquema consistia na compra das aeronaves nos Estados Unidos da América por empresas estrangeiras de responsabilidade limitada constituída para esse fim pela verdadeira adquirente desses bens, de forma a obter o registro naquela localidade.
O Ordenamento jurídico daquele país impõe a permanência da aeronave por pelo menos 60% do período em solo americano, motivo pelo qual a empresa supostamente proprietária dos aviões firma um contrato de trust com instituição financeira norte-americana, de modo que o Banco passaria a figurar como proprietário do bem e a empresa ostentaria unicamente os direitos de uso e gozo, permitindo-se o não cumprimento dessa exigência legal.
Após essa manobra legal no território de origem, a aeronave era introduzida em território brasileiro por meio do termo de admissão temporária, regulado pelo Decreto nº 97.464/89, permitindo o ingresso da aeronave pelo prazo de 60 dias, suspendendo-se a totalidade dos tributos porventura devidos pela entrada da mercadoria em território nacional.
Quando o período de permissão está findando, a aeronave realiza uma pequena viagem ao exterior, habitualmente para um país fronteiriço ou destino turístico, retornando ao território nacional para solicitar nova admissão temporária.
Desse modo, a aeronave permanece a maior parte do tempo no país, com animus definitivo e no interesse de empresas brasileiras, porém, sem iniciar o regular procedimento de nacionalização do bem com o pagamento dos tributos correspondentes.
Com supedâneo nessas informações, a autoridade policial instaurou inquérito policial, denominada "Operação Pouso Forçado", para apurar a eventual prática dos delitos tipificados nos artigos 299 e 334, ambos do Código Penal, representando, incontinenti, pela concessão de mandados de busca e apreensão das aeronaves prefixos VPCAV, N332MM, N450FK, N909TT, N955SL, N322FA, N769CC, N450JR, N818LK, N947GA e N883RW, bem como pela busca e apreensão na residência de FRANCISCO DE ASSIS SOUZA CAMPOS LYRA e no escritório da sociedade empresária CFLY CONSULTORIA E GESTÃO EMPRESARIAL LTDA, objetivando apreender documentos e mídias eletrônicas relacionados com a introdução e permanência dessas aeronaves em território nacional.
Também postulou pela condução coercitiva de FRANCISCO DE ASSIS SOUZA CAMPOS LYRA para ser ouvido nas dependências da Polícia Federal sobre os fatos investigados.
A despeito do requerimento de busca e apreensão das aeronaves, o Juízo de origem decretou o sequestro desses bens e deferiu o pedido de busca e apreensão dos objetos encontrados em seu interior nos locais em que forem encontrados, desde que tenham pertinência com as investigações, com negócios jurídicos simulados ou com outras aeronaves estrangeiras com trânsito no país.
Também determinou a busca e apreensão na sociedade empresária CFLY CONSULTORIA E GESTÃO EMPRESARIAL LTDA com o fim de apreender documentos, computadores e mídias eletrônicas relacionados com os fatos delituosos investigados.
De fato, à luz do Código de Processo Penal, a medida constritiva de sequestro não se sustenta, uma vez que decisão recorrida não demonstrou que as aeronaves provêm de ilícitos penais (art. 126, CPP).
A rigor, esses bens caracterizam-se como objeto material do suposto delito, eis que adquiridos antes da conduta e para consumá-la a partir da simulação de negócios jurídicos com o fim de suprimir o pagamento de tributos porventura após a nacionalização da mercadoria através do regular procedimento fiscal.
Em situações análogas, assim se manifesta a Primeira Seção desta Corte, conforme precedente a seguir transcrito:
No entanto, a presente medida de sequestro encontra-se amparada por outra norma legal, na medida em que objetiva assegurar a eficácia de investigação circunscrita ao crime de descaminho por meio do qual se tutela a Administração Pública.
Em face disso, deve incidir o Decreto-Lei nº 3.240/41, que regulamenta o tema no âmbito dos delitos cujos resultados causem prejuízo a Fazenda Pública, por ser norma especial, sobrepujando-se às regras gerais do Código de Processo Penal.
Nesse sentido, assim dispõe o art. 3º do referido diploma legal:
Portanto, para decretação do sequestro de bens, basta a existência de indícios veementes da responsabilidade e a indicação dos bens objeto dessa medida restritiva, sendo desinfluente para tal fim a comprovação de sua aquisição com proventos da infração penal.
Daí se infere que o sequestro de bens previsto na legislação especial confere maior amplitude que a medida regulamentada no Código de Processo Penal, alcançando qualquer bem do patrimônio do investigado por crime de que resulte prejuízo à Fazenda Pública.
Nesse sentido, precedente do Superior Tribunal de Justiça:
À vista disso, os fatos narrados no curso do inquérito policial apontam para existência de negócios jurídicos simulados com o fim de suprimir tributos no processo de nacionalização de aeronaves.
O Juízo de origem, ao analisar os fatos, consignou que a entrada desses aviões em território nacional, com ânimo de permanência e sem a adoção do regular procedimento fiscal e do pagamento dos tributos devidos caracteriza, em tese, a prática do delito previsto no art. 334 do Código Penal, autorizando o sequestro dos bens indicados pela autoridade policial e Ministério Público Federal.
De fato, o Decreto 94.464/89, que regulamenta o regime de admissão temporária de aeronaves, assim dispõe sobre o tema:
Alega o apelante que a somatória do período no qual a aeronave esteve em território nacional não pode caracterizar a importação irregular do bem sequestrado, permanecendo aqui unicamente para viagem de diretor ou representante de sociedade, tudo nos termos do ato normativo acima transcrito.
De fato, tal circunstância, por si só, não é capaz de fundamentar um decreto condenatório. Porém, esse indício pode e deve ser investigado no curso do inquérito e de eventual ação penal a fim de desvendar eventual supressão de tributos na via própria, amparada por cognição exauriente.
Ademais, outros fatos também indicam o possível ânimo de permanência da aeronave em território nacional, uma vez que o recorrente MARCELO KALIM, conforme declaração do imposto de renda acostado nos autos (fls. 337), é acionista da empresa norte-americana MK INTERNATIONAL HOLDINGS LIMITES que, por sua vez, é sócia da recorrente FENWAY AVIATION LLC, operadora da aeronave N450FK.
Considerando ainda que MARCELO KALIM reside no Brasil (fls. 336) e que utilizou frequentemente a aeronave cuja permanência em solo brasileiro ocorreu em aproximadamente 70% do período investigado pela Receita Federal do Brasil, existem fundados indícios de que os apelantes ingressaram com o bem em território nacional para uso predominante no país sem a adoção do regular procedimento fiscal.
Não se alegue que a autoridade policial não poderia representar pela medida de sequestro na forma do Decreto-Lei 3.240/41. Isso porque o Ministério Público Federal, após a vista dos autos, ratificou a representação antes formulada, postulando pela decretação da constrição judicial dos bens.
A despeito de a autoridade policial e o Parquet postularem a decretação de busca e apreensão, compete ao Juízo adequar o pedido à luz do poder geral de cautela, de forma a deferir a medida que melhor proteja a eficácia de eventual ação penal.
Do mesmo modo, não se sustenta a tese segundo a qual a persecução penal, no crime de descaminho, não pode ocorrer antes da constituição definitiva do crédito tributário, restando ausente a materialidade do delito, indispensável para a constrição judicial do bem.
Ora, tratando-se de crime formal, conforme consideração levada a efeito pelo juízo de origem até então e sem embargo de eventual capitulação diversa em momento posterior, o crime de descaminho se consuma com a introdução da mercadoria em território nacional sem o pagamento dos tributos, sendo prescindível o prévio esgotamento da via administrativa com o fim de apurar o quantum devido.
Note-se que o procedimento administrativo em curso visa à aplicação da pena de perdimento das mercadorias, nos termos do Decreto-lei nº 1.455/76, não havendo que se falar em constituição de crédito tributário, conforme entendimento da Primeira Turma cristalizado na ementa abaixo transcrita:
Na hipótese, ultrapassado o prazo de ingresso temporário da aeronave em território nacional previsto Decreto 94.464/89 - 60 dias - sem qualquer pedido de prorrogação ou de sua regular internação, consuma-se o delito, independentemente da constituição do crédito tributário decorrente da supressão indevida dos tributos devidos.
Aponta também o recorrente que a empresa proprietária da aeronave, que não é parte da relação processual penal, não pode ser alvo de medida constritiva no âmbito do inquérito policial.
De fato, a jurisprudência da 1ª Seção desta Corte coaduna do entendimento no sentido da impossibilidade de constrição judicial de bem pertencente a pessoa jurídica, uma vez que a Fazenda Pública dispõe de meios para obter o cumprimento forçado da obrigação. (TRF 3ª Região, PRIMEIRA SEÇÃO, MS 0010159-41.2004.4.03.0000, Rel. JUIZ CONVOCADO MÁRCIO MESQUITA, julgado em 05/11/2009, e-DJF3 Judicial 1 DATA:11/01/2010 PÁGINA: 136)
Entretanto, a hipótese em tela guarda peculiaridade que demanda outra solução, impondo-se a decretação do seqüestro dos bens em nome da pessoa jurídica recorrente, uma vez que tudo leva a crer que os verdadeiros proprietários são as pessoas físicas arroladas no curso do inquérito policial ou outras pessoas jurídicas com sede no país, que se utilizaram de meio dissimulado para suprimir o pagamento de tributos.
Aliás, a prática de atos ilícitos através de pessoa jurídica pode ensejar a responsabilidade criminal da pessoa física que a controla, sobretudo quando há fundados indícios que as vestes dessa ficção legal são utilizadas para camuflar a real intenção dos negócios jurídicos por ela entabulados.
Portanto, diante de fundadas dúvidas a respeito da verdadeira propriedade do bem, é de rigor mantê-lo salvaguardado enquanto perdurar o inquérito policial e eventual ação penal.
A despeito da exatidão da medida de sequestro, torna-se imperioso evitar a deterioração do bem de alto valor agregado, que depende de complexa manutenção, impondo-se, inclusive, a necessidade de voos frequentes, conforme manual de manutenção a fls. 475/504.
Desse modo, nomeio como novo fiel depositário da aeronave N450FK o recorrente MARCELO KALIM, que poderá utilizá-la enquanto perdurarem as investigações, incumbindo-lhe também a obrigação de zelar por sua conservação, manutenção e limpeza, de forma a evitar sua indevida deterioração até o desfecho da eventual ação penal.
Entretanto, a fim de salvaguardar a eficácia da medida de sequestro, já que o bem é de fácil deslocamento, podendo, inclusive, ultrapassar as fronteiras do território a qualquer momento e não mais retornar, é indispensável a fixação de caução prestada mediante fiança bancária no valor de mercado da aeronave apreendida.
Posto isso, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação, unicamente para nomear o apelante MARCELO KALIM como novo fiel depositário da aeronave N450FK, autorizando sua utilização enquanto perdurarem as investigações, mediante a fixação de caução prestada mediante fiança bancária vigente por tempo indeterminado, no valor de mercado da aeronave apreendida.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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Data e Hora: | 23/10/2013 15:06:17 |