Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 07/08/2013
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0009185-33.2011.4.03.6119/SP
2011.61.19.009185-9/SP
RELATOR : Desembargador Federal LUIZ STEFANINI
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : USMAN CONTEH reu preso
ADVOGADO : DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00091853320114036119 5 Vr GUARULHOS/SP

EMENTA

PENAL - TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS - AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVAS - COMPROVAÇÃO - COAÇÃO MORAL IRRESISTÍVEL E ESTADO DE NECESSIDADE EXCULPANTE - NÃO CARACTERIZAÇÃO - INTERNACIONALIDADE COMPROVADA - DOSIMETRIA DA PENA - MANUTENÇÃO DA PENA-BASE FIXADA - RECONHECIMENTO DA ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA - MANUTENÇÃO DA MAJORANTE DA TRANSNACIONALIDADE E DA MINORANTE PREVISTA PELO §4º DO ARTIGO 33 DA LEI N.º 11.343/06, NOS PATAMARES MÍNIMOS FIXADOS - MANUTENÇÃO DA PENA DE MULTA - REGIME INICIAL FECHADO - SUBSTITUÇÃO DA PENA POR REPRIMENDAS ALTERNATIVAS E DIREITO A APELAR EM LIBERDADE - AFASTAMENTO - APELAÇÃO MINISTERIAL IMPROVIDA - APELAÇÃO DEFENSIVA PARCIALMENTE PROVIDA.
1. Materialidade delitiva efetivamente comprovada por meio do Auto de Exibição e Apreensão e do Laudo de Constatação de Substância Entorpecente, posteriormente ratificado pelo Laudo Pericial do Núcleo de Exames de Entorpecentes, que atesta ser cocaína a substância entorpecente apreendida na posse do acusado.
2. É cediço que as perícias toxicológicas são realizadas com base em amostras, sem que isso retire a credibilidade de suas conclusões, não bastando meras alegações defensivas para que se tenha por duvidoso o laudo técnico apresentado.
3. Autoria induvidosa diante das provas colhidas e da confissão do réu.
4. Quanto ao pleito defensivo de absolvição do acusado em razão da existência de coação moral irresistível, ou, pela mesma razão, a diminuição da pena cominada como atenuante genérica pela coação resistível, com substrato nas alegadas ameaças que o apelante teria sofrido por parte de terceiras pessoas, após desembarcar no Brasil, improcedem os argumentos defensivos, não passando de clara versão evasiva e destituída de qualquer prova indiciária.
5. Ademais, o réu tinha a opção de noticiar a alegada coação às autoridades brasileiras, mormente quando preso em flagrante delito, de maneira que era dele exigível conduta diversa.
6. Igualmente, a defesa do acusado alegou que o mesmo estaria em dificuldades financeiras, porém, tais circunstâncias não têm o condão de extrair a ilicitude ou a culpabilidade de sua conduta.
7. Transnacionalidade do tráfico demonstrada, ante as circunstâncias da prisão, corroboradas pela reserva de passagem aérea e passaporte encartados aos autos, bem como pela confissão do apelante.
8. Manutenção da pena-base fixada.
9. Apesar da alegação de excludentes e da prisão em flagrante, o réu confessou a prática delitiva, o que basta ao reconhecimento da atenuante da confissão espontânea, sendo certo que o patamar de redução de 1/12 (um doze avos) se mostra razoável e proporcional ao caso em tela, posto que o acusado foi preso em flagrante na posse da droga.
10. Manutenção do patamar de 1/6 (um sexto) pela aplicação do artigo 40, inciso I, da Lei n.º 11.343/06, sendo irrelevante, para esta finalidade, a distância da viagem que seria empreendida pelo réu. Precedente.
11. Quanto à majorante da transnacionalidade, não há falar-se na ocorrência de bis in idem, porquanto o verbo "exportar", previsto no caput do artigo 33 da Lei n.º 11.343/2006, pode significar, como bem esclarecido pela própria defesa, o transporte da droga tanto para o exterior, quanto para os demais Estados ou Municípios da Federação Brasileira.
12. Manutenção da minorante prevista pelo §4º do artigo 33 da Lei n.º 11.343/2006, no patamar mínimo legal, porquanto não se vislumbra nos autos a existência de quaisquer elementos que possibilitem concluir seja o apelante integrante da organização criminosa que o aliciou, ou mesmo que se dedique à prática reiterada de atividades criminosas. Ademais, para fixação do patamar de diminuição da pena, deve ser considerada a natureza e a quantidade de droga apreendida com o acusado, bem como o fato de que o réu, ainda que agindo como simples "mula", tinha plena consciência de que estava contribuindo com organização criminosa voltada ao tráfico de drogas em âmbito internacional.
13. Não há que se falar em inaplicabilidade da pena de multa, posto que expressamente prevista na legislação de regência, não havendo ressalva no texto da lei. Eventual impossibilidade de cumprimento da pena deverá ser sopesada pelo MM. Juízo das Execuções Penais, em momento oportuno.
14. Com relação ao regime inicial, deve ser mantido o inicial fechado, único compatível com a prática de crimes extremamente gravosos à sociedade, tal como o verificado no caso presente, tratando-se de apreensão de grande quantidade de cocaína, sendo, pois, desfavoráveis ao acusado as circunstâncias judiciais previstas no artigo 59, c.c. o artigo 33, §3º, ambos do Código Penal.
15. No que se refere à substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, ausentes estão os pressupostos objetivos e subjetivos à concessão.
16. Não há falar-se em direito à liberdade provisória e ao recurso em liberdade, pois tendo o acusado sido preso em flagrante e assim permanecido durante todo o processo, com maior razão deve ser mantida a prisão cautelar até o trânsito em julgado, conforme reiterada jurisprudência de nossos tribunais superiores.
17. Presentes os pressupostos da prisão preventiva, pois além de a autoria e a materialidade delitivas já terem sido exaustivamente demonstradas, é certo que o acusado é estrangeiro, não havendo qualquer garantia de que, posto em liberdade, se apresente espontaneamente após o trânsito em julgado para o cumprimento de sua pena, circunstância suficiente à manutenção da prisão cautelar, como forma de garantir a aplicação da lei penal.
18. Apelação ministerial improvida. Apelação defensiva parcialmente provida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação ministerial e dar parcial provimento à apelação defensiva, a fim de reconhecer a incidência da atenuante da confissão espontânea (artigo 65, inciso III, alínea "d", do Código Penal), no patamar de 1/12 (um doze avos), restando a reprimenda do réu definitivamente fixada em 04 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 24 (vinte e quatro) dias de reclusão, e 490 (quatrocentos e noventa) dias-multa, mantida, no mais, a r. sentença a quo, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.



São Paulo, 29 de julho de 2013.
LUIZ STEFANINI
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0009185-33.2011.4.03.6119/SP
2011.61.19.009185-9/SP
RELATOR : Desembargador Federal LUIZ STEFANINI
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : USMAN CONTEH reu preso
ADVOGADO : DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00091853320114036119 5 Vr GUARULHOS/SP

RELATÓRIO

Trata-se de apelações interpostas pelo Ministério Público Federal e pela Defensoria Pública da União, em face da r. sentença que condenou USMAN CONTEH como incurso nas penas do artigo 33, caput, c.c. o artigo 40, inciso I, ambos da Lei n.º 11.343/06, a 05 (cinco) anos, 04 (quatro) meses e 05 (cinco) dias de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 540 (quinhentos e quarenta) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à data do fato, devidamente corrigido.

Em razões de fls. 199/220, o Ministério Público Federal requer, em síntese:

a) o aumento da pena-base imposta ao acusado, ante a natureza e a quantidade do entorpecente apreendido, bem como pela existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis ao réu;

b) o afastamento da causa de diminuição de pena prevista pelo §4º do artigo 33 da Lei n.º 11.343/06, porquanto evidente que o acusado integra organização criminosa voltada à prática do tráfico internacional de drogas;

c) a majoração da fração aplicada quanto à causa de aumento de pena da internacionalidade (artigo 40, inciso I, da Lei n.º 11.343/06), considerando a distância a ser percorrida pelo réu.

Contrarrazões defensivas às fls. 237/242, pelo improvimento da apelação ministerial.

Em razões de fls. 243/256, a defesa do acusado requer, em síntese:

a) a absolvição do réu, com fulcro no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, ante a ausência de provas da materialidade delitiva, porquanto não foi realizado exame pericial na totalidade do entorpecente apreendido, bem como por não ter o laudo final atestado a massa líquida total da substância. Subsidiariamente, pugna pela não utilização da quantidade e da natureza da droga como critério de elevação da pena-base;

b) a absolvição do réu, por estar caracterizada a coação moral irresistível, nos termos do artigo 22 do Código Penal, uma vez que somente os mandantes do crime (autores da coação) podem ser punidos. Subsidiariamente, caso se entenda tenham sido as coações resistíveis, requer a aplicação da circunstância atenuante prevista pelo artigo 65, inciso III, alínea "c", do Código Penal;

c) a absolvição do réu pelo reconhecimento do estado de necessidade exculpante, na medida em que o acusado passava por dificuldades financeiras à época dos fatos, somente tendo praticado a infração penal para atenuar tal situação, pelo que não há que se falar em exigibilidade de conduta diversa. Subsidiariamente, pugna pela aplicação da causa de diminuição de pena prevista pelo artigo 24, §2º, do Código Penal, no patamar de 2/3 (dois terços);

d) eventualmente, a fixação da pena-base no mínimo legal, uma vez que as circunstâncias judiciais são favoráveis ao réu. Ademais, não se pode elevar a pena-base somente com base na natureza e na quantidade da droga apreendida, bem como considerando aspectos inerentes ao próprio tipo penal, tais como as consequências naturais do crime de tráfico internacional (difusão da droga mundo afora), sob pena de bis in idem;

e) o afastamento da internacionalidade do delito, sob pena de bis in idem, porquanto o verbo "exportar" já denota conduta de caráter transnacional. Subsidiariamente, requer a fixação da causa de aumento de pena no patamar mínimo legal;

f) o reconhecimento da atenuante da confissão (artigo 65, inciso III, alínea "d", do Código Penal), exercida pelo acusado de forma espontânea e perante a autoridade judiciária, ainda que a pena aplicada permaneça abaixo do mínimo legal;

g) a aplicação do §4º do artigo 33 da Lei n.º 11.343/06 no seu patamar máximo;

h) a inaplicabilidade da pena de multa, ante a insuficiência financeira do réu. Subsidiariamente, pugna que conste da decisão que o não pagamento da multa não impede a expulsão do acusado;

i) a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, preenchidos os requisitos previstos pelo artigo 44 do Código Penal;

j) a fixação do regime inicial aberto ou semi-aberto para cumprimento da pena, com fundamento no artigo 33 do Código Penal, e não no inconstitucional §1º do artigo 2º da Lei n.º 8.078/90;

k) o reconhecimento ao réu do direito de recorrer em liberdade.

Contrarrazões ministeriais às fls. 258/269, pelo desprovimento da apelação defensiva.

Em parecer de fls. 276/291, a Procuradoria Regional da República opinou pelo improvimento do apelo defensivo e pelo parcial provimento do recurso da acusação, a fim de que seja afastada a aplicação do benefício previsto pelo §4º do artigo 33 da Lei n.º 11.343/06.

É o relatório.

À revisão.

LUIZ STEFANINI
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0009185-33.2011.4.03.6119/SP
2011.61.19.009185-9/SP
RELATOR : Desembargador Federal LUIZ STEFANINI
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : USMAN CONTEH reu preso
ADVOGADO : DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00091853320114036119 5 Vr GUARULHOS/SP

VOTO

Segundo a denúncia, no dia 11/07/2011, policiais civis montaram um bloqueio na Rodovia Hélio Smidt, em Guarulhos/SP, e passaram a abordar veículos que por ali trafegavam, em virtude do recebimento de uma informação anônima, dando conta que um africano havia engolido cápsulas contendo cocaína, e que embarcaria em vôo pelo Aeroporto Internacional de Guarulhos/SP.

Por volta das 14h30m, USMAN CONTEH foi surpreendido pelos policiais civis no interior de um táxi, quando se dirigia ao referido Aeroporto. Após ter sido encaminhado ao Hospital Geral de Guarulhos/SP, a fim de ser submetido à avaliação médica e radiografia, constatou-se que o acusado trazia consigo, no estômago, 40 (quarenta) cápsulas contendo cocaína, totalizando a massa líquida de 608,6 g (seiscentos e oito gramas e seis decigramas). USMAN embarcaria no vôo DT-746, da companhia aérea TAAG, com destino a Luanda/Angola, de acordo com os bilhetes aéreos apreendidos.

Feitas essas considerações, tenho que a materialidade delitiva restou efetivamente comprovada por meio do Auto de Exibição e Apreensão (fls. 11/12), e do Laudo de Constatação de Substância Entorpecente (fl. 23), posteriormente ratificado pelo Laudo Pericial do Núcleo de Exames de Entorpecentes de fls. 66/68, que atesta ser cocaína a substância entorpecente apreendida na posse do acusado.

Nesse aspecto, não merece prosperar a alegação defensiva quanto à ausência de prova da materialidade na conduta do réu, na medida em que os laudos teriam sido elaborados com base, apenas, em "amostra" do material apreendido, não se demonstrando que a totalidade da substância encontrada em poder do réu - 608,6 g (seiscentos e oito gramas e seis decigramas) -, seria, de fato, cocaína.

Ora, é cediço que as perícias toxicológicas são realizadas com base em amostras, sem que isso retire a credibilidade de suas conclusões. Ademais, como bem explicitado pelo MM. Juízo a quo (fl. 169):

"De outra parte, saliento que não há dúvida de que a quantidade de droga inicialmente examinada pelo perito foi suficiente para a constatação de sua natureza, lembrando ainda que o laudo definitivo elaborado confirmou os dizeres do trabalho técnico preliminar.
A par disso, anoto que a defesa, na fase do art. 402 do Código de Processo Penal, não postulou o reexame do entorpecente apreendido."

Disso se extrai que não bastam meras alegações defensivas para que se tenha por duvidoso o laudo técnico apresentado. É preciso que a defesa aponte dados concretos do material apreendido - como, por exemplo, cores ou odores diferentes -, que permitam inferir, com razoável grau de plausibilidade, que nem todo o material apreendido tem a mesma natureza da amostra periciada.

Assim sendo, reputo comprovada a materialidade delitiva.

A autoria, da mesma forma, é inconteste.

Com efeito, além de ter sido preso em flagrante delito na posse da droga, alojada em cápsulas em seu estômago, USMAN confessou a prática delitiva ao ser interrogado em juízo (fl. 166), afirmando que tinha ciência de que realizava o transporte de invólucros de cocaína.

Outrossim, os fatos narrados pela inicial acusatória foram corroborados, em inquérito e em juízo, pelo policial civil Jorge André Carvalho, responsável pela prisão do réu (fls. 03 e 166, respectivamente).

Cumpre ressaltar que por ocasião de seu interrogatório judicial, o acusado alegou não ter vindo ao Brasil para realizar o tráfico, mas para comprar roupas e calçados, a mando de uma pessoa (comerciante) com a qual trabalhava na República de Serra Leoa/África, ganhando US$ 2.500 (dois mil e quinhentos dólares) pela viagem. Disse ainda que, no Brasil, teve seu passaporte e bilhetes aéreos recolhidos por terceiras pessoas, razão pela qual fora obrigado a engolir a droga antes de retornar ao seu país de origem.

Nesse diapasão, quanto ao pleito defensivo de absolvição do acusado em razão da existência de coação moral irresistível, ou, pela mesma razão, a diminuição da pena cominada como atenuante genérica pela coação resistível, com substrato nas alegadas ameaças que o apelante teria sofrido por parte de terceiras pessoas, após desembarcar no Brasil, tenho que improcedem os argumentos defensivos, senão vejamos.

Por ocasião de seu interrogatório policial (fl. 06), USMAN permaneceu calado. Em juízo (fl. 166), o réu foi evasivo, não informando quem, de fato, o contratou no continente africano. Igualmente, não forneceu quaisquer dados acerca das pessoas que o teriam coagido a ingerir a droga no Brasil, a fim de transportar o entorpecente ao exterior.

Assim sendo, reputo que as alegações do acusado não passam de clara versão evasiva e destituída de qualquer prova indiciária. Ademais, cumpre ressaltar que o réu tinha a opção de noticiar a alegada coação às autoridades brasileiras, mormente quando preso em flagrante delito, de maneira que era dele exigível conduta diversa.

A defesa do acusado aduz, ainda, que o mesmo estaria em dificuldades financeiras, porém, tais circunstâncias não têm o condão de extrair a ilicitude ou a culpabilidade de sua conduta.


Realmente, é cediço que o ordenamento jurídico pátrio permite, excepcionalmente, a prática de condutas típicas em razão de situações especiais, como aquele que age em legítima defesa ou em estado de necessidade justificante ou exculpante.


Porém, para que se possa reconhecer tais excludentes, é imprescindível que aquele que as alega comprove as suas razões sem qualquer sombra de dúvida, sob pena de desqualificação do próprio instituto, cuja finalidade é a de garantir, excepcionalmente, a tutela de um bem jurídico ao mesmo tempo em que outro é preterido, mas desde que presente uma causa justificante, sendo certo que a defesa não se desincumbiu desse ônus, nos termos do que determina o artigo 156 do Código de Processo Penal.


Ademais, eventuais privações econômicas e problemas familiares devem ser superados através de meios lícitos, jamais pela opção criminosa, sendo certo que os institutos em tela somente hão de ser reconhecidos em situações especialíssimas, nas quais o agente não possuía efetivamente outra alternativa senão a opção delitiva, mas desde que haja a devida proporcionalidade entre os bens jurídicos em confronto, o que não é o caso destes autos, porquanto não se pode preterir a saúde e a vida humana em prol do patrimônio do agente, máxime quando não comprovado, de forma cabal, que o proveito do crime seria utilizado para seu sustento e/ou de sua da família.


No tocante à transnacionalidade do tráfico, também restou demonstrada, ante as circunstâncias da prisão, realizada no interior de um táxi, que se dirigia ao Aeroporto Internacional de Guarulhos/SP, momentos antes de o acusado embarcar com destino a Luanda/Angola, corroborada pela reserva de passagem aérea e passaporte encartados aos autos (fls. 25/27 e 178, respectivamente), bem como pela confissão do apelante.


Por todas essas razões, não há como absolver USMAN da prática do delito a que foi condenado.


Passo, pois, à análise da dosimetria da pena.


Considerando as circunstâncias judiciais previstas nos artigos 59 do Código Penal e 42 da Lei n.º 11.343/06, particularmente a natureza e a quantidade de substância entorpecente apreendida na posse do réu - 608,6 g (seiscentos e oito gramas e seis decigramas) de massa líquida de cocaína, a pena-base foi fixada em 05 (cinco) anos e 06 (seis) meses de reclusão.


Entendo que referido quantum foi correta e proporcionalmente aplicado, pois a quantidade e a natureza da droga (cocaína), apta a causar consequências gravíssimas a relevante número de pessoas e famílias, são circunstâncias que legitimam a fixação da pena-base naquele patamar.

Nesse sentido, trago o seguinte precedente:

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. DESCABIMENTO. MODIFICAÇÃO DA ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL DO STJ, EM CONSONÂNCIA COM O NOVO POSICIONAMENTO ADOTADO PELO PRETÓRIO EXCELSO. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA. PENA-BASE. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. FIXAÇÃO ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. APLICAÇÃO DA CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTA NO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006 NO MÁXIMO LEGAL. REGIME INICIAL FECHADO. INVIABILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. FUNDAMENTAÇÕES IDÔNEAS. ELEVADA QUANTIDADE DE DROGA. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. [...] Demonstrado, pelas instâncias ordinárias, o alto grau de reprovabilidade da conduta, decorrente da expressiva quantidade da droga apreendida, imperiosa uma resposta penal mais efetiva, restando plenamente justificada a exasperação da pena-base. - No tocante à aplicação do redutor previsto no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006 em seu grau máximo, a jurisprudência desta Corte é no sentido de que a quantidade de droga apreendida, in casu, 96 (noventa e seis) papelotes de maconha, pesando um total de 376g (trezentos e setenta e seis gramas), é causa suficiente para afastar a aplicação do grau máximo da minorante prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006. Precedentes. (HC 203298 / PB HABEAS CORPUS 2011/0080752-5 Relator(a) Ministra MARILZA MAYNARD (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/SE) (8300) Órgão Julgador T5 - QUINTA TURMA Data do Julgamento 12/03/2013 Data da Publicação/Fonte DJe 15/03/2013) - grifo nosso.

Outrossim, as circunstâncias do crime corroboram para a exasperação, porquanto o fato de o apelante transportar 40 (quarenta) cápsulas em seu estômago, contendo mais de 0,5 Kg (meio quilograma) de cocaína, merece maior reprovabilidade, denotando estar o réu disposto a chegar às últimas consequências para o sucesso da empreitada criminosa.


Assim, sopesados esses aspectos, mantenho a pena-base tal como fixada pelo MM. Juízo a quo.


Na segunda fase, em consonância com o aduzido pela defesa, entendo presente o instituto da confissão espontânea (artigo 65, inciso III, alínea "d", do Código Penal).


Apesar da alegação de excludentes e da prisão em flagrante, o réu confessou a prática delitiva, o que basta ao reconhecimento da atenuante, sendo certo que o patamar de redução de 1/12 (um doze avos) se mostra razoável e proporcional ao caso em tela, posto que o acusado foi preso em flagrante na posse da droga, de maneira que o grau de relevância de sua confissão, ainda que importante na aferição do dolo e da culpabilidade, torna-se reduzido, a conduzir, pois, a um menor patamar de redução da pena, o que resulta na reprimenda de 05 (cinco) anos e 15 (quinze) dias de reclusão.

Na terceira fase e última fase, em razão da transnacionalidade do delito, deve ser mantida a aplicação da causa de aumento prevista no artigo 40, inciso I, da Lei n.º 11.343/06, no patamar de 1/6 (um sexto), tal como fixado em primeiro grau de jurisdição, apto à repressão da conduta praticada, sendo irrelevante, porém, para esta finalidade, a distância da viagem que seria empreendida pelo réu, resultando, assim, na pena de 05 (cinco) anos, 10 (dez) meses e 17 (dezessete) dias de reclusão.

Nesse sentido, colaciono o seguinte precedente:

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE ENTORPECENTES. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA DA PENA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS FAVORÁVEIS. PENA-BASE REDUZIDA AO MÍNIMO LEGAL. CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. NÃO-INCIDÊNCIA. BENEFÍCIO PREVISTO NO § 4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/06. NÃO-INCIDÊNCIA. CAUSA DE AUMENTO DO ART. 40, I, DA LEI 11.343/06. REDUÇÃO AO MÍNIMO LEGAL. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
[...] 5. A circunstância da transnacionalidade restou devidamente comprovada, pelas evidências do flagrante. Já no que concerne à quantidade do aumento, a transnacionalidade no aspecto da distância do destino da droga não se depara de maior censurabilidade, tudo dependendo de casuísmos, numa viagem mais curta, mas de riscos maiores, podendo o agente revelar maior capacidade para a traficância, pelo que o patamar de ¼ fixado na sentença deve ser reduzido para o mínimo previsto. 6. Apelação parcialmente provida. (ACR 201061190006979 ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 41720 Relator(a) DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO Sigla do órgão TRF3 Órgão julgador QUINTA TURMA Fonte DJF3 CJ1 DATA:10/03/2011 PÁGINA: 351)

Ademais, não há falar-se na ocorrência de bis in idem, porquanto o verbo "exportar", previsto no caput do artigo 33 da Lei n.º 11.343/2006, pode significar, como bem esclarecido pela própria defesa, o transporte da droga tanto para o exterior, quanto para os demais Estados ou Municípios da Federação Brasileira.


Nesse sentido, o Dicionário Aurélio prevê expressamente que o verbo "exportar" significa, verbis:


"Mandar transportar para fora de um país, estado ou município (artigos nele produzidos)."

Ocorre, porém, que, exclusivamente quanto ao transporte da droga para o exterior, entendeu o legislador por bem majorar as reprimendas impostas (artigo 40, inciso I, da Lei n.º 11.343/2006), face a maior reprovabilidade da conduta, de forma que as penas mínimas (de reclusão e multa) previstas no caput do artigo 33 (05 anos de reclusão e 500 dias-multa) referem-se, tão somente, à exportação da droga entre os estados e municípios brasileiros, se o tráfico for praticado no Brasil, incidindo a majorante do artigo 40, inciso I, apenas quando a exportação realizar-se ao exterior.


Deve-se ressaltar, outrossim, que a redação do inciso I do artigo 40 da Lei n.º 11.343/2006, ao externar que a transnacionalidade do tráfico deve ser aferida pelas circunstâncias concretas do fato, possibilita ao interprete concluir que o tráfico de drogas terá caráter transnacional toda vez que estiver presente qualquer liame com o exterior, independentemente de a conduta praticada pelo agente tenha, ou não, se voltado à exportação ou à importação de entorpecente.


Por todas essas razões, rechaço a alegação defensiva de bis in idem.


Quanto à aplicação do §4º do artigo 33 da Lei n.º 11.343/2006, não vislumbro nos autos a existência de quaisquer elementos que possibilitem concluir seja o apelante integrante da organização criminosa que o aliciou, ou mesmo que se dedique à prática reiterada de atividades criminosas, não sendo lícito presumir-se seja o réu criminoso habitual ou com personalidade voltada ao crime, sob pena de odiosa responsabilização objetiva, razão pela qual mantenho a aplicação da referida minorante.


Ademais, em análise do passaporte do réu, entranhados aos autos à fl. 178, verifico inexistirem quaisquer outras anotações e carimbos atestando viagens internacionais anteriores, circunstância que, a meu ver, exclui a possibilidade de tratar-se de "mula" profissional do tráfico internacional de drogas.


Dessa forma, entendo que deve ser mantida a incidência daquela causa de diminuição, no patamar mínimo legal de 1/6 (um sexto), tal como aplicado pelo MM. Juízo a quo, tendo em vista a natureza e a quantidade de droga apreendida com o acusado, bem como pelo fato de que o réu, ainda que agindo como simples "mula", tinha plena consciência de que estava contribuindo com organização criminosa voltada ao tráfico de drogas em âmbito internacional.


Portanto, a pena privativa de liberdade resta definitivamente aplicada em 04 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 24 (vinte e quatro) dias de reclusão.


A pena de multa, por sua vez, observada a proporcionalidade com a pena privativa de liberdade, resta fixada em 490 (quatrocentos e noventa) dias-multa.


Nesse diapasão, não há que se falar em inaplicabilidade da pena de multa, posto que expressamente prevista na legislação de regência, não havendo ressalva no texto da lei.


Outrossim, não há inconstitucionalidade no simples fato de referida reprimenda ser mais drástica frente aquela prevista no Código Penal, porquanto é lícito ao legislador infraconstitucional estabelecer parâmetros mais gravosos a determinadas espécies delitivas, nas hipóteses em que o delito também causar à sociedade consequências mais intensas e danosas, como se dá nos casos dos crimes hediondos e aos a eles equiparados.


Assim, a eventual impossibilidade de cumprimento da pena deverá ser sopesada pelo MM. Juízo das Execuções Penais, em momento oportuno.


Com relação ao regime inicial, deve ser mantido o inicial fechado, único compatível com a prática de crimes extremamente gravosos à sociedade, tal como o verificado no caso presente, tratando-se de apreensão de grande quantidade de cocaína, droga com potencial de causar consequências gravíssimas à saúde e à vida de número indeterminado de pessoas, sendo, pois, desfavoráveis ao acusado as circunstâncias judiciais previstas no artigo 59, c.c. o artigo 33, §3º, ambos do Código Penal.


No que se refere à substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, ausentes estão os pressupostos objetivos à concessão, tendo em vista que fixada reprimenda privativa de liberdade superior a 04 (quatro) anos de reclusão.


Ainda que assim não fosse, ausentes estão os pressupostos subjetivos previstos no artigo 44 do Código Penal, porquanto a quantidade e a natureza da droga teriam o condão de causar consequências gravíssimas a diversas pessoas, não sendo, assim, tal conduta compatível com os escopos da substituição.


Ademais, o apelante é estrangeiro, sem vínculos com o Brasil, fator que também inviabilizaria a substituição, já que não haveria como trabalhar licitamente neste País.


Nesse sentido, colaciono os seguintes precedentes:


Política Criminal. Pena de Prisão (Limitação aos Casos de Reconhecida Necessidade). Entorpecente (Tráfico Internacional). Estrangeiro Não-Residente no País (Caso). Art. 44 do Cód. Penal (Não-Aplicação). Substituição da Pena (Impossibilidade). 1. A norma penal prevê a possibilidade de se aplicarem sanções outras que não a pena privativa de liberdade para crimes de pequena e média gravidade, como meio eficaz de combater a crescente ação criminógena do cárcere (...) 3. Tratando-se de condenado de nacionalidade outra, certamente tal não impede a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, porquanto brasileiros e estrangeiros são iguais perante a lei - di-lo a Constituição -, pressupondo-se, porém, quanto aos estrangeiros, a regular residência no país (...) (STJ, RESP 200602656993, Relator(a) NILSON NAVES, SEXTA TURMA, DJE DATA:16/06/2008 LEXSTJ VOL.:00229 PG:00396) - grifo nosso.
HABEAS CORPUS. NARCOTRAFICÂNCIA (...) IMPOSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO POR PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. FALTA DO REQUISITO SUBJETIVO. QUANTIDADE, NATUREZA E FORMA DE TRANSPORTE DA DROGA APREENDIDA. REGIME PRISIONAL. INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO PARA EXPULSÃO DO PACIENTE DO PAÍS. MANUTENÇÃO DO REGIME MAIS GRAVOSO. PARECER DO MPF PELO CONHECIMENTO PARCIAL DO WRIT E, NA EXTENSÃO, PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM. ORDEM DENEGADA.
(...) 2. O óbice à substituição por pena restritiva de direitos e o cumprimento da pena em regime progressivo, ou mesmo em regime inicial aberto, decorre de construção jurisprudencial, que versa sobre a impossibilidade de se reconhecer a progressão de regime prisional a estrangeiro condenado pela prática de crime de tráfico ilícito, que tenha contra si decretada a expulsão, ou esteja em vias de ser decretada, quando não detenha residência fixa no país, sendo esta a hipótese dos autos (...) (STJ, HC 200801221176, Relator(a) NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, DJE DATA:03/11/2010) - grifo nosso.

Não há falar-se em direito à liberdade provisória e ao recurso em liberdade, pois, por primeiro, tendo o acusado sido preso em flagrante e assim permanecido durante todo o processo, com maior razão deve ser mantida a prisão cautelar até o trânsito em julgado, conforme reiterada jurisprudência de nossos tribunais superiores.


Outrossim, verifico presentes os pressupostos da prisão preventiva, pois além de a autoria e a materialidade delitivas já terem sido exaustivamente demonstradas, é certo que o acusado é estrangeiro, não havendo qualquer garantia de que, posto em liberdade, se apresente espontaneamente após o trânsito em julgado para o cumprimento de sua pena, circunstância suficiente à manutenção da prisão cautelar, como forma de garantir a aplicação da lei penal.


Ante todo o exposto, nego provimento à apelação ministerial e dou parcial provimento à apelação defensiva, a fim de reconhecer a incidência da atenuante da confissão espontânea (artigo 65, inciso III, alínea "d", do Código Penal), no patamar de 1/12 (um doze avos), restando a reprimenda do réu definitivamente fixada em 04 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 24 (vinte e quatro) dias de reclusão, e 490 (quatrocentos e noventa) dias-multa, mantendo-se, no mais, a r. sentença a quo.


Por fim, determino a Subsecretaria desta E. Quinta Turma que encaminhe cópia da presente decisão à C. Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, a fim de instruir o Habeas Corpus 272191/SP (2013/0190384-8), de Relatoria do E. Ministro Marco Aurélio Bellizze.


É como voto.


LUIZ STEFANINI
Desembargador Federal


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