Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 07/08/2013
HABEAS CORPUS Nº 0013672-02.2013.4.03.0000/SP
2013.03.00.013672-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
IMPETRANTE : AMILTON FERNANDES
PACIENTE : HENRIQUE TODERO
ADVOGADO : AMILTON FERNANDES e outro
IMPETRADO : JUIZO FEDERAL DA 3 VARA DE PIRACICABA SP
No. ORIG. : 00114149320114036109 3 Vr PIRACICABA/SP

EMENTA

HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSUAL PENAL. SIGILO BANCÁRIO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. QUEBRA. ADMISSIBILIDADE. TRANCAMENTO AÇÃO PENAL. ALEGAÇÃO DE FALTA DE JUSTA CAUSA NÃO EVIDENCIADA DE PLANO.
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça confirma a validade das provas obtidas mediante quebra do sigilo bancário em procedimento administrativo instaurado pela Receita Federal com fundamento no art. 6º da Lei Complementar n. 105, de 10.01.01, de natureza procedimental e de aplicação retroativa para efeito de tornar lícita essa prova também em relação a fatos ocorridos anteriormente à sua vigência. Acrescente-se que a jurisprudência também admite a apuração de fatos em virtude da movimentação financeira concernente à CPMF, em conformidade com o § 3º do art. 11 da Lei n. 9.311/96, com a redação dada pela Lei n. 10.174/01 (STJ, REsp n. 1111248, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 17.02.09; HC n. 66014, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 24.08.09; HC n. 42968, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 07.08.08; HC n. 66128, Rel. Des. Fed. Conv. Jane Silva, j. 27.03.08; HC n. 31448, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 23.08.07).
2. O trancamento da ação penal pela via de habeas corpus é medida de exceção, que só é admissível quando emerge dos autos, de forma inequívoca, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade. Precedentes do STF e do STJ.
3. Ordem de habeas corpus denegada.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, denegar a ordem de habeas corpus, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 29 de julho de 2013.
Louise Filgueiras
Juíza Federal Convocada


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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HABEAS CORPUS Nº 0013672-02.2013.4.03.0000/SP
2013.03.00.013672-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
IMPETRANTE : AMILTON FERNANDES
PACIENTE : HENRIQUE TODERO
ADVOGADO : AMILTON FERNANDES e outro
IMPETRADO : JUIZO FEDERAL DA 3 VARA DE PIRACICABA SP
No. ORIG. : 00114149320114036109 3 Vr PIRACICABA/SP

RELATÓRIO

Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado pelo Ilustre Advogado Dr. Amilton Fernandes, em favor de Henrique Todero, para o trancamento da Ação Penal n. 0011414-93.2011.403.6109, em trâmite perante o MM. Juízo Federal da 3ª Vara Criminal de Piracicaba (SP) (fl. 24).

Alega-se, em síntese, o quanto segue:

a) o paciente foi denunciado como incurso no art. 1º, I, da Lei n. 8.137/90, tendo em vista que, nos anos de 2003 e 2004, teria suprimido e reduzido imposto de renda pessoa física, mediante omissão de informações e operações tributáveis, consistentes no auferimento de renda por intermédio de depósitos em conta bancária;
b) o Delegado da Receita Federal de Limeira (SP) iniciou o Procedimento Fiscal n. 08.1.12.00-2006-00199-0, em que informa que o paciente não apresentou extratos bancários solicitados, o que deu ensejo a requisições de informações sobre movimentações financeiras em contas titularizadas pelo paciente, dirigidas ao Banco HSBC Bank Brasil, Unibanco, Banco Alvorada (atual Bradesco), Banco do Brasil S/A, Banco Itaú, Banco Bradesco e Banco Santander;
c) no expediente fiscalizatório, foram elaboradas planilhas com base nos extratos apresentados pelas instituições financeiras, tendo a denúncia assinalado a existência de crédito tributário no valor de R$ 521.235,40 (quinhentos e vinte e um mil, duzentos e trinta e cinco reais e quarenta centavos);
d) o paciente apresentou defesa preliminar nos autos da aludida ação penal, alegando procedência da Ação Anulatória de Débito Fiscal n. 2008.61.09.010707-0, que tramitou perante o MM. Juízo da 2ª Vara Federal de Piracicaba (SP) e em que prevaleceu a tese sustentada pelo paciente sobre o descabimento da quebra do sigilo bancário do contribuinte para fins de cobrança de tributos pela Autoridade Fiscal;
e) a ação penal em referência perdeu o objeto e, ainda que se argumente que a sentença proferida na ação anulatória mencionada não transitou em julgado, o auto de infração subjacente infringiu direito constitucional do paciente, na medida em que o Fisco utilizou-se apenas de extratos bancários para fins de presunção de receita não declarada, transferindo o ônus da prova ao paciente, que deveria comprovar a origem da receita apurada nos depósitos bancários;
f) a Lei não ampara a tributação unicamente com base em depósitos bancários;
g) "apesar dos depósitos bancários refletirem sinais exteriores de riqueza, não podem ser taxados de rendimentos tributáveis, eis que falhos já que os valores podem ser estornados ou mesmo cancelados pela insuficiência de fundos, bem como podem ser oriundos de outros empréstimos/financiamentos bancários para o giro da empresa" (fls. 9/10);
h) a Lei Complementar n. 105/2001, art. 5º, § 4º dispõe sobre a imprescindibilidade de prova evidente de falhas, incorreções ou omissões para o lançamento do tributo;
i) a Súmula n. 182 do extinto TFR preceitua que é ilegítimo o lançamento do imposto de renda arbitrado apenas com base em extratos ou depósitos bancários;
j) deve ser afastado o lançamento tributário efetuado pelo Fisco, tendo em vista que as presunções para apuração da base de cálculo de tributos só são admissíveis se obedecidos os princípios constitucionais da legalidade e da tipicidade em matéria fiscal;
k) o art. 9º do Decreto Lei n. 1.471/88 prevê o cancelamento e o arquivamento de procedimentos administrativos fulcrados apenas nos valores constantes de extratos ou de comprovantes de depósitos bancários e a Lei n. 9.430 revela que depósito não é necessariamente renda;
l) competia à Receita Federal comprovar que houve acréscimo patrimonial, gerador da renda tributável;
m) a quebra do sigilo bancário do paciente não foi autorizada por decisão motivada emanada do Poder Judiciário;
n) a Administração Pública não pode afastar o sigilo bancário, para fins de fiscalização tributária, por infringir direitos fundamentais dos contribuintes relacionados à privacidade e à intimidade;
o) a Lei Complementar n. 105/2001 deve ser declarada inconstitucional, por possibilitar à Administração Tributária a quebra do sigilo fiscal sem precedente autorização judicial;
p) o pedido de trancamento da ação penal formulado pelo paciente em defesa preliminar foi indeferido pela autoridade coatora;
q) o constrangimento ilegal exsurge do prosseguimento da aludida ação penal, com a expedição de carta precatória para oitiva de testemunhas;
r) requer-se, liminarmente, a suspensão da Ação Penal n. 0011414-93.2011.403.6109 fls. 2/25)

O impetrante colacionou documentos aos autos (fls. 27/116).

O pedido liminar foi indeferido (fls. 118/120).

A autoridade impetrada prestou informações (fls. 124/125).

O Ilustre Procurador Regional da República, Dr. Marcelo Moscogliato, manifestou-se pela denegação da ordem (fls. 127/129).


VOTO

Sigilo bancário. Processo administrativo. Quebra. Admissibilidade. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça confirma a validade das provas obtidas mediante quebra do sigilo bancário em procedimento administrativo instaurado pela Receita Federal com fundamento no art. 6º da Lei Complementar n. 105, de 10.01.01, de natureza procedimental e de aplicação retroativa para efeito de tornar lícita essa prova também em relação a fatos ocorridos anteriormente à sua vigência. Acrescente-se que a jurisprudência também admite a apuração de fatos em virtude da movimentação financeira concernente à CPMF, em conformidade com o § 3º do art. 11 da Lei n. 9.311/96, com a redação dada pela Lei n. 10.174/01:


PROCESSUAL CIVIL E PENAL - TRIBUTÁRIO - SIGILO BANCÁRIO - TRANSFERÊNCIA DO DEVER DE SIGILO A OUTRAS AUTORIDADES - ENCAMINHAMENTO DE INFORMAÇÕES SIGILOSAS AO MINISTÉRIO PÚBLICO E À RECEITA FEDERAL - INDEPENDÊNCIA DE ATUAÇÃO - SONEGAÇÃO - APURAÇÃO DE CRIME - (...)
1. As informações obtidas pela quebra do sigilo bancário em processo criminal podem e devem ser encaminhadas às autoridades competentes - Ministério Público e Receita Federal, havendo evidências do cometimento de outros crimes. (Interpretação conjunta dos arts. 3º, 6º e 10 Lei Complementar nº 105/01 e do art. 40 do CPP).
2. A quebra de sigilo bancário no curso do processo criminal tem a finalidade de apuração conduta criminosa objeto da relação processual específica, podendo ser aproveitadas em investigações sobre outros crimes.
(...)
8. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não
provido.
(STJ, REsp n. 1111248, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 17.02.09)
PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. FATOS OCORRIDOS EM 1998. INCIDÊNCIA RETROATIVA DA LEI Nº 10.174/2001 E DA LEI COMPLEMENTAR Nº 105/2001. VIOLAÇÃO DOS SIGILOS BANCÁRIO E FISCAL. INOCORRÊNCIA.
1. O Superior Tribunal de Justiça já pacificou o entendimento de que a Lei nº 10.174/01 e a Lei Complementar nº 105/01 têm aplicação imediata, alcançando fatos ocorridos anteriormente à sua vigência.
2. Não viola os sigilos bancário e fiscal a utilização, pelas autoridades fazendárias, em procedimentos administrativos, das informações prestadas pelos contribuintes, ainda que se refiram a fatos geradores ocorridos em data anterior à vigência das mencionadas normas. Precedentes.
3. Ordem denegada.
(STJ, HC n. 66014, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 24.08.09)
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. SONEGAÇÃO FISCAL. INVESTIGAÇÃO. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO. LEI COMPLEMENTAR 105/01. ART 6.º. RETROATIVIDADE. ART. 144, § 1.º DO CTN. CONSTRANGIMENTO. AUSÊNCIA.
1. A regra inserta no art. 6.º da Lei Complementar 101/2001, revestindo-se de caráter procedimental, por força do art. 144, § 1.º, do Código Tributário Nacional, possui aplicação imediata,
incidindo sobre fatos pretéritos. Precedentes.
(...)
3. Ordem conhecida em parte e, nesta extensão, denegada, cassada a liminar.
(STJ, HC n. 42968, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 07.08.08)
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO E FISCAL. EXISTÊNCIA DE MANDADO DE SEGURANÇA ANULANDO O PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO-FISCAL. APELAÇÃO QUE CASSOU A DECISÃO. AUSÊNCIA DE PRÉVIA E NECESSÁRIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA A DETERMINAÇÃO DA QUEBRA DOS SIGILOS BANCÁRIO E FISCAL. INOCORRÊNCIA. ART. 11, § 3º, DA LEI N. 9.311/96 COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI N. 10.174/2001. LEI COMPLEMENTAR N. 105/2001. UTILIZAÇÃO DE INFORMAÇÕES PROVENIENTES DA ARRECADAÇÃO DA CPMF PARA A CONSTITUIÇÃO DE CRÉDITO REFERENTE A OUTROS TRIBUTOS. POSSIBILIDADE. ARTIGO 144, § 1º, DO CTN.
PRECEDENTES. ORDEM DENEGADA.
Cassada a sentença em mandado de segurança que havia anulado procedimento administrativo-fiscal, mantém-se válidos os fundamentos da decisão judicial autorizadora da quebra dos sigilos bancário e fiscal.
A Lei n.° 10.174/2001, que alterou a redação do § 3º do artigo 11 da Lei n.° 9.311/96, possibilitou a utilização de informações provenientes da CPMF para a instauração de procedimento administrativo-fiscal para cobrança de créditos relativos a outros
tributos e contribuições.
As autoridades administrativas têm acesso a documentos, livros e registros de instituições financeiras, de acordo com a Lei Complementar n.° 105/2001, que estabelece normas gerais sobre sigilo bancário.
A Lei n.° 10.174/2001 e a Lei Complementar n.° 105/2001 são normas tributárias de natureza procedimental, de aplicação imediata, e, nos termos do que dispõe o artigo 144, § 1º, do CTN, alcançam os fatos pretéritos. Precedentes.
(...)
Ordem parcialmente conhecida e, nesta extensão, denegada.
(STJ, HC n. 66128, Rel. Des. Fed. Conv. Jane Silva, j. 27.03.08)
PROCESSO PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. PLEITO DE TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL. IMPOSSIBILIDADE. LEGALIDADE DAS PROVAS OBTIDAS COM A UTILIZAÇÃO DE DADOS DA CPMF DO ANO DE 1998. RETROAÇÃO DA LEI 10.174/01, QUE ALTEROU O § 3º DO ART. 11 DA LEI 9.311/96. NORMA MERAMENTE PROCEDIMENTAL. APLICAÇÃO IMEDIATA. ALCANCE DE FATOS PRETÉRITOS. ORDEM DENEGADA.
1. É possível a retroação da Lei 10.174/01, que alterou o § 3º do art. 11 da Lei 9.311/96, para englobar fatos geradores ocorridos em momento anterior à sua vigência.
2. Conforme entendimento do STJ, referido dispositivo legal tem natureza procedimental; portanto, com aplicação imediata, e passível de alcançar fatos pretéritos.
3. Assim, não há constrangimento ilegal na investigação da suposta prática, no ano de 1998, de crime contra a ordem tributária, pois decorrente de atividade legalmente autorizada à fiscalização tributária; logo, lícita a prova produzida.
4. Ordem denegada.
(STJ, HC n. 31448, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 23.08.07)

Trancamento de ação penal. Exame aprofundado de provas. Inadmissibilidade. O trancamento da ação penal pela via de habeas corpus é medida de exceção, que só é admissível quando emerge dos autos, de forma inequívoca, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade:


EMENTA: HABEAS CORPUS (...) TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL - IMPOSSIBILIDADE DE APROFUNDAMENTO NO EXAME DE PROVAS - ORDEM DENEGADA.
(...)
2- O trancamento de uma ação penal exige que a ausência de justa causa, a atipicidade da conduta ou uma causa extintiva da punibilidade estejam evidentes, independente de investigação probatória, incompatível com a estreita via do habeas corpus.
3- Se a denúncia descreve conduta típica, presumidamente atribuída ao réu, contendo elementos que lhe proporcionam ampla defesa, a ação penal deve prosseguir.
4- Ordem denegada.
(STJ, 5ª Turma, HC n. 89.119-PE, Rel. Jane Silva, unânime, j. 25.10.07, DJ 25.10.07, DJ 12.11.07, p. 271)
EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. (...) ALEGAÇÃO DE FALTA DE JUSTA CAUSA NÃO EVIDENCIADA DE PLANO. TRANCAMENTO. IMPOSSIBILIDADE.
1. O trancamento da ação penal pela via de habeas corpus é medida de exceção, que só é admissível quando emerge dos autos, de forma inequívoca, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade.
2. A denúncia descreve, com todos os elementos indispensáveis, a existência dos crimes em tese (atentado violento ao pudor mediante violência presumida), bem como a respectiva autoria, com indícios suficientes para a deflagração da persecução penal. Nesse contexto, não se afigura viável em sede de habeas corpus, sem o devido processo legal, garantido o contraditório e a ampla defesa, inocentar o Paciente da acusação, precipitando prematuramente o mérito.
(...)
4. Ordem denegada.
(STJ, 5ª Turma, HC n. 56.104-RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, unânime, 13.12.07, DJ 11.02.08, p. 1)
EMENTA: HABEAS CORPUS - PROCESSUAL PENAL (...) - AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL NÃO CARACTERIZADA - DENÚNCIA DE ACORDO COM OS DITAMES DO ARTIGO 41 DO CPP - ELEMENTO SUBJETIVO - INVIABILIDADE DE ANÁLISE NA VIA EXCEPCIONAL DO WRIT - ORDEM DENEGADA.
1. A via estreita do habeas corpus não comporta análise aprofundada da matéria de prova veiculada na ação penal, prestando-se, apenas, ao exame de ilegalidades perceptíveis prima facie pelo julgador. Em razão disso, torna indispensável a existência de prova pré-constituída do alegado, para justificar a sua concessão. E o contrário não seria mesmo de se admitir, pois não seria aceitável que, ordinariamente, a decisão de trancamento da ação penal decorresse de um procedimento de natureza célere - como é o de habeas corpus - onde não se realiza uma cognição exauriente, em razão da urgência reclamada pelo bem jurídico que ali se busca tutelar.
2. É por isso que a decisão de trancamento da ação penal só deve sobrevir excepcionalmente, no âmbito do processo de habeas corpus.
3. Na hipótese dos autos, a denúncia atende aos requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal, bem como, não se vislumbra as hipóteses previstas no artigo 43 daquele mesmo diploma legal. Assim, não procede o argumento do paciente, no sentido de que a denúncia é inepta, por descrever fato atípico.
(...)
5. A seu turno, a alegação de que o paciente não possuía dolo ao tempo da conduta não é de ser apreciada nesta via excepcional, haja vista que também demanda acurada análise de matéria probatória, o que é inviável neste processo, conforme já consignado.
6. Ordem denegada.
(TRF da 3ª Região, HC n. 2003.03.019644-6, Rel. Des. Fed. Ramza Tartuce, unânime, j. 24.11.03, DJU 16.12.03, p. 647)

O entendimento do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que o trancamento da ação penal por falta de justa causa reveste-se do caráter da excepcionalidade:


EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL, POR AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. EXCEPCIONALIDADE. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA. REEXAME DE PROVAS. INVIABILIDADE. 1. O trancamento da ação penal por ausência de justa causa é medida excepcional, justificando-se quando despontar, fora de dúvida, atipicidade da conduta, causa extintiva da punibilidade ou ausência de indícios de autoria, o que não ocorre no caso sob exame. 2. A denúncia que descreve as condutas dos co-réus de forma detalhada e individualizada, estabelecendo nexo de causalidade com os fatos, não é inepta 3. O habeas corpus não é a via processual adequada à análise aprofundada de matéria fático-probatória. Ordem indeferida.
(STF, HC n. 94.752-RS, Rel. Min. Eros Grau, j. 26.08.08)

Do caso dos autos. Pleiteia o impetrante a concessão liminar da ordem de habeas corpus para suspender o trâmite processual da Ação Penal n. 0011414-93.2011.403.6109, em andamento na 3ª Vara Criminal de Piracicaba (SP), objetivando, com o julgamento final do writ, seu trancamento definitivo.

Em linhas gerais, sustenta a existência de constrangimento ilegal no prosseguimento do referido feito, que se encontra na fase de expedição de cartas precatórias para oitiva de testemunhas de defesa (fl. 116), tendo em vista que se funda em auto de infração declarado nulo no bojo da Ação Anulatória de Débito Fiscal n. 2008.61.09.010707-0.

Contesta a utilização de extratos bancários para fins de presunção de receita não declarada, bem como quebra do sigilo bancário do paciente, desprovida de prévia autorização fundamentada do Poder Judiciário.

Entretanto, ausente o alegado constrangimento ilegal.

Irresigna-se o impetrante contra o conteúdo da seguinte decisão, proferida pela autoridade impetrada:


Como se sabe, o art. 397 do CPP somente permite sentença de absolvição (sumária) em casos sem qualquer dúvida, isto é, em que a inexistência de justa causa é hialina. Com as vênias devidas ao i. patrono do Réu, no feito em questão não há fundamento para a incidência do dispositivo legal no que toca à possível ilegitimidade do Acusado para figurar no feito.
Com relação à possível ilicitude da prova obtida pela fiscalização (extratos de conta bancária), há de se verificar que pende de julgamento no e. STF o RE n. 601.314/SP no qual já foi reconhecida a existência de repercussão geral e que trata da mesma matéria. É dizer: a Suprema Corte, conquanto já tenha proferido decisões favoráveis ao entendimento do Acusado, deverá se pronunciar novamente, desta feita, ao que tudo indica, de forma definitiva.
Como o art. 93 do CPP permite ao órgão jurisdicional colher prova antecipadamente, não há que ser acolhido o pedido do Acusado nesta fase. Com efeito, após a tramitação do feito, é plausível que o STF tenha decidido a questão, decisão esta que certamente refletirá efeitos na presente ação criminal.
De toda a sorte, refuto, pelo menos por ora, a alegação do Acusado para resolve-la ao final do processo ou, se for o caso, acolher a decisão eventualmente prolatada pelo e. STF.
Por outro lado, a questão relativa ao montante que efetivamente transitou pela conta corrente e se tais valores ostentam ou não natureza de renda passivel de tributação é incursão que deverá ser feita em momento posterior. Com efeito, é possível que esta ação penal necessite de perícia contábil para se determinar, com exatidão, o total passível de incidência de IRPF.
Uma tal colocação não merece análise no presente momento, pois, como dito acima, somente após prova pericial podemos afirmar se as quantias objeto do auto de infração são fundamento para a incidência do referido imposto.
Ante o exposto, REJEITO as alegações formuladas pelo Réu, pois não há incidência de quaisquer dos permissivos legais instituídos pelo art. 397 do CPP.
(...)
Como não há testemunhas arroladas pela Acusação, DETERMINO a expedição de cartas precatórias para a oitiva das testemunhas arroladas pela defesa e interrogatório (destaques originais, fls. 108/109)

Como bem ponderado pela autoridade impetrada, a apuração realizada pela fiscalização sobre os rendimentos tributáveis do paciente com base em extratos bancários é matéria que demanda colheita de provas, que poderá vir a ser melhor esclarecida nos autos por intermédio de perícia contábil.

Considero válidas as provas obtidas mediante quebra do sigilo bancário em procedimento administrativo instaurado pela Receita Federal com fundamento no art. 6º da Lei Complementar n. 105, de 10.01.01, tendo em vista que a garantia da intimidade deve ceder diante do interesse público na repressão de condutas ilícitas e não pode servir de abrigo à impunidade. Aplicável nesse passo o princípio da proporcionalidade entre os direitos constitucionais individuais e o interesse público na repressão de condutas ilícitas.

Não obstante o impetrante tenha colacionado aos autos sentença proferida na Ação Anulatória de Débito Fiscal n. 2008.61.09.010707-0, que anulou o auto de infração objeto do Processo Administrativo n. 13886.000921/2008-61 (fls. 104/106), ele informa que não houve o trânsito em julgado (fl. 9).

Ademais, a decisão de recebimento da denúncia reconheceu a existência de prova da materialidade do delito de sonegação fiscal imputado ao paciente, tendo em vista a constituição do crédito tributário referente ao Processo Administrativo n. 13886.000921/2008-61, com inscrição na Dívida Ativa da União:


Primeiramente, cumpre ressaltar que o crédito tributário foi devidamente constituído, seguindo, dessa forma, a orientação do e. STF no sentido de que somente há justa causa para instauração do processo criminal diante da concretização do crédito tributário.
Nesse sentido, nota-se de todo o procedimento administrativo de constituição do referido crédito que o sujeito passivo foi sempre intimado das decisões proferidas pela SRFB. Teve, portanto, garantido pleno direito de defesa.
Ademais, há documentos comprovando que houve legitimidade na constituição do crédito tributário.
Vejam-se, a propósito, os documentos de fls. 527, 528, 530 e 535 (todos do apenso). Neste último, já confeccionado pela PGFN, há informação de constituição do crédito decorrente do PA n. 13886.000921/2008-61 na CDA n. 80.1.08.002397-42.
Ante tais observações, há de se reconhecer presente indícios da materialidade delitiva (fl. 31v.)

Ressalto que, havendo lançamento definitivo, a propositura de ação anulatória de débito fiscal não obsta o prosseguimento da ação penal que apura a ocorrência de crime contra a ordem tributária, haja vista a independência das esferas cível e penal (Nesse sentido: STJ, HC n. 161462, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 18.06.13 e HC n. 137494, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 18.10.11; TRF 3ª Região, HC n. 47834, Des. Fed. Rel. Antonio Cedenho, j. 13.02.12 e HC n. 46277, Des. Fed. Rel. Vesna Kolmar, j. 11.10.11).

Consigno que o trancamento da ação penal pela via de habeas corpus é medida de exceção, que só é admissível quando emerge dos autos, de forma inequívoca, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade.

Impõe-se o prosseguimento da Ação Penal n. 0011414-93.2011.403.6109, em curso no MM. Juízo Federal da 3ª Vara Criminal de Piracicaba (SP).

Não emerge dos autos, de forma inequívoca, a inocência das pacientes, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade a justificar o trancamento, pela via de habeas corpus, da Ação Penal n. 008833-93.2005.403.6181 que deverá ter regular prosseguimento.

Nesse sentido, manifestou-se o Ilustre Procurador Regional da República, Dr. Marcelo Moscogliato:


4. Em primeiro lugar, a ação penal se iniciou porque o processo administrativo-tributário instaurado contra o paciente foi concluído e há lançamento definitivo do Imposto de Renda Pessoa Física - IRPF, respeitando-se a orientação jurisprudencial do excelso Supremo Tribunal Federal.
5. Em segundo lugar, conforme entendimento uníssono das Cortes Superiores, a existência de ação cível anulatória do crédito tributário em andamento, que não afetou a integridade do lançamento realizado, não impede a persecução penal do agente em juízo, em respeito à independência das esferas cível e criminal. Neste sentido, os seguintes precedentes: (...).
Posto isto, opino pela denegação da ordem para que prossiga a ação penal (fls. 128/129)

Ante o exposto, DENEGO a ordem de habeas corpus.

Louise Filgueiras
Juíza Federal Convocada


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Data e Hora: 30/07/2013 19:32:54