Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 07/08/2013
HABEAS CORPUS Nº 0013734-42.2013.4.03.0000/SP
2013.03.00.013734-4/SP
RELATOR : Juiz Federal Convocado PAULO DOMINGUES
IMPETRANTE : EMERSON CHIBIAQUI
PACIENTE : AMAURY MOREIRA DE SOUZA
ADVOGADO : EMERSON CHIBIAQUI
IMPETRADO : JUIZO FEDERAL DA 1 VARA DE SOROCABA Sec Jud SP
No. ORIG. : 00084023420124036110 1 Vr SOROCABA/SP

EMENTA

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE FALSIDADE IDEOLÓGICA. DECLARAÇÃO DE POBREZA PARA OBTENÇÃO DO BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. TRANCAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM CONCEDIDA.
1. O benefício da assistência judiciária não exige miserabilidade, mas que aquele que o pretende não tenha condições de suportar as custas e despesas processuais sem prejuízo de seu sustento ou de sua família.
2. O fato de declaração de pobreza estar sujeita a controle posterior não elimina a tipicidade da conduta, sob pena de se transferir àquele que é o destinatário da declaração falsa a responsabilidade sobre a conduta do declarante.
3. A conduta de quem apresenta declaração nesse sentido deve ser analisada em cada caso concreto a fim de se evitar o apenamento de quem, sem dolo, simplesmente manifesta seu entendimento de não poder arcar com as custas. O mesmo vale para o advogado; se, a princípio, não é a sua declaração, mas da parte, não deve ele ser apenado.
4. Não é qualquer indeferimento do pedido de gratuidade de justiça que leva à conclusão do cometimento de um crime. A parte pode entender serem os gastos com a demanda suficientemente altos a ponto de comprometer sua subsistência, e ter seu pedido indeferido, por manifestar o Juiz entendimento diverso.
5. Ordem concedida.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, conceder a ordem de habeas corpus, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 30 de julho de 2013.
PAULO DOMINGUES
Juiz Federal Convocado


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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HABEAS CORPUS Nº 0013734-42.2013.4.03.0000/SP
2013.03.00.013734-4/SP
RELATOR : Juiz Federal Convocado PAULO DOMINGUES
IMPETRANTE : EMERSON CHIBIAQUI
PACIENTE : AMAURY MOREIRA DE SOUZA
ADVOGADO : EMERSON CHIBIAQUI
IMPETRADO : JUIZO FEDERAL DA 1 VARA DE SOROCABA Sec Jud SP
No. ORIG. : 00084023420124036110 1 Vr SOROCABA/SP

RELATÓRIO

Trata-se de habeas corpus com pedido de liminar, impetrado por Emerson Chibiaqui, advogado inscrito na OAB/SP sob o nº 237.072, em favor de AMARY MOREIRA DE SOUZA, contra ato do Juízo da 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Sorocaba/SP, objetivando o trancamento de inquérito policial em que o paciente figura como investigado.


O impetrante alega, em síntese, ser ilegal o ato da autoridade impetrada, consistente na determinação de instauração de inquérito policial para apurar supostas condutas que configurariam os delitos previstos nos arts. 299 e 304 do Código Penal, haja vista inexistir justa causa para tanto, pois os fatos são atípicos.


A liminar foi deferida, determinando-se a suspensão do inquérito policial em tela.

Foram solicitadas informações à autoridade impetrada, que as prestou (fls. 27/58).

A Procuradoria Regional da República ofereceu parecer (fls. 60/68), opinando pela concessão da ordem.

É o relatório.


PAULO DOMINGUES
Juiz Federal Convocado


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HABEAS CORPUS Nº 0013734-42.2013.4.03.0000/SP
2013.03.00.013734-4/SP
RELATOR : Juiz Federal Convocado PAULO DOMINGUES
IMPETRANTE : EMERSON CHIBIAQUI
PACIENTE : AMAURY MOREIRA DE SOUZA
ADVOGADO : EMERSON CHIBIAQUI
IMPETRADO : JUIZO FEDERAL DA 1 VARA DE SOROCABA Sec Jud SP
No. ORIG. : 00084023420124036110 1 Vr SOROCABA/SP

VOTO

O presente habeas corpus objetiva o trancamento de inquérito policial que apura as condutas de firmar e de usar declaração de hipossuficiência falsa para fins de obtenção dos benefícios da gratuidade de justiça, o que configuraria os delitos descritos nos arts. 299 e 304, ambos do Código Penal, que ora transcrevo:

Falsidade ideológica
Art. 299 - Omitir, em documento público ou particular, declaração que
dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou
diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar
obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:
Uso de documento falso
Art. 304 - Fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a que se referem os arts. 297 a 302:
Pena - a cominada à falsificação ou à alteração.

O Juízo da 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Sorocaba/SP, após realizar diligências e indeferir, nos autos da ação ordinária de revisão de benefício previdenciário nº 0008402-34.2012.4.03.6110 (fls. 14), o pedido de concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, formulado pelo paciente AMARY MOREIRA DE SOUZA, determinou a instauração do competente inquérito policial, para apuração da suposta prática dos delitos previstos nos arts. 299 e 304 do Código Penal.


Entretanto, importante lembrar que o benefício da assistência judiciária não exige miserabilidade, mas que aquele que o pretende não tenha condições de suportar as custas e despesas processuais sem prejuízo de seu sustento ou de sua família.

Por ocasião da decisão liminar, assim ponderei a respeito da alegada atipicidade da conduta:

"Com efeito, doutrina e jurisprudência se inclinam no sentido de que não configura os delitos de falsidade ideológica (CP, art. 299) e/ou uso de documento falso (CP, art. 304), a apresentação de declaração de pobreza para concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita.
A propósito, a lição de Guilherme de Souza Nucci (In: Código penal comentado. 11 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 1117):
Declaração de pobreza para obter os benefícios da justiça gratuita: não pode ser considerada documento para os fins deste artigo, pois é possível produzir prova respeito do estado de miserabilidade de quem pleiteia o benefício da assistência judiciária. O juiz pode, à vista das provas colhidas, indeferir o pedido (art. 6.º, Lei 1.060/50), sendo, pois, irrelevante a declaração apresentada (destaques no original).
No mesmo sentido, trago, a título exemplificativo, as seguintes ementas de acórdão do Superior Tribunal de Justiça:
HABEAS CORPUS. ARTIGOS 299 E 304 DO CÓDIGO PENAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. DECLARAÇÃO DE POBREZA FALSA. OBJETIVO DE OBTENÇÃO DOS BENEFÍCIOS DA JUSTIÇA GRATUITA. CONDUTAS ATÍPICAS. ORDEM CONCEDIDA.
1. Somente se configura o crime de falsidade ideológica se a declaração prestada não estiver sujeita a confirmação pela parte interessada, gozando, portanto, de presunção absoluta de veracidade.
2. Esta Corte já decidiu ser atípica a conduta de firmar ou usar declaração de pobreza falsa em juízo, com a finalidade de obter os benefícios da gratuidade de justiça, tendo em vista a presunção relativa de tal documento, que comporta prova em contrário.
3. Ordem concedida para trancar a ação penal.
(STJ, Habeas Corpus 218.570/SP, Reg. nº 2011/0220172-0, 6ª Turma, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, j. 16.02.2012, v.u., DJe 05.03.2012)
HABEAS CORPUS. CRIMES DE FALSIDADE IDEOLÓGICA E DE USO DE DOCUMENTO FALSO. DECLARAÇÃO DE POBREZA PARA A OBTENÇÃO DO BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. FALTA DE JUSTA CAUSA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ORDEM CONCEDIDA.
1. A conduta daquele que apresenta, em processo judicial, declaração de hipossuficiência inidônea, declarando-se pobre em desacordo com a realidade ou com as hipóteses taxativas da Lei nº 1.060/50, não pode ser enquadrada como crime de falsidade ideológica (art. 299 do CP) ou de uso de documento falso (art. 304 do CP), pois aludida manifestação não pode ser considerada documento para fins penais, já que é passível de comprovação posterior, seja por provocação da parte contrária seja por aferição, de ofício, pelo magistrado da causa. Precedentes do STJ e do STF; magistério de Guilherme de Souza Nucci e de Juarez Tavares.
2. Ordem concedida para trancar a ação penal.
(STJ, Habeas Corpus 217.657/SP, Reg. nº 2011/0210566-3, 6ª Turma, Relator Ministro Vasco Della Giustina [Desembargador Convocado do TJ/RS], j. 02.02.2012, v.u., DJe 22.02.2012)
Outrossim, cabe ressaltar que o paciente interpôs recurso de agravo de instrumento em face da decisão que inferiu o pedido de assistência judiciária gratuita (0007556-77.2013.4.03.0000 - fls. 11), ao qual o relator negou seguimento, com fundamento no art. 557 do Código de Processo Civil. Em face dessa decisão monocrática, outro recurso foi interposto, encontrando-se pendente de julgamento nesta Corte.
Portanto, não há, ainda, prova peremptória acerca da falsidade ideológica da declaração de hipossuficiência, cabendo ao órgão jurisdicional competente decidir a respeito de sua conformidade ou não com a realidade.
Portanto, nesse momento processual, a questão é de opinião: o paciente entende que, a partir do alegado, faz jus ao benefício da assistência judiciária gratuita. O juiz considera que não. Pronto. A questão é de interpretação a partir dos fatos narrados e documentos apresentados.
Em situações como essas, o juízo poderia indeferir o pleito, poderia considerar até existir litigância de má-fé, conforme o caso. Poderia, como o fez, indeferir o pedido e multiplicar o valor das custas. Mas não verifico como o indeferimento de pedido fundamentado possa ser tratado como conduta criminosa."

Reitero o entendimento pessoal no sentido de que não se pode, a priori, considerar atípica a conduta de prestar declaração falsa em processo judicial. Não se trata, simplesmente, de economizar o valor das custas e despesas processuais, mas sim de iludir o juízo.

E, não é o fato de essa declaração ser sujeita a controle posterior que elimina a tipicidade da conduta. O fato de ser posterior o controle não pode alterar conduta já praticada, sob pena de se transferir àquele que é o destinatário da declaração falsa a responsabilidade sobre a conduta do declarante.

Assim, deve ser analisada, em cada caso concreto, a conduta de quem apresenta declaração nesse sentido - naturalmente, com o necessário cuidado, a fim de se evitar o apenamento de quem, sem dolo, simplesmente manifesta seu entendimento de não poder arcar com as custas.

O mesmo vale para o advogado; se, a princípio, não é sua a declaração, mas da parte, não deve ele ser apenado. Mas, é de se verificar, no caso a ser examinado, se há participação sua na conduta, e se presente o dolo.

Em síntese, deve-se proceder ao cotejo do valor das custas e demais possíveis despesas processuais em atenção aos rendimentos da parte e também de suas despesas, o que de fato não ocorreu na presente situação.

Além disso, não é qualquer indeferimento do pedido de gratuidade de justiça que leva à conclusão do cometimento de um crime. Afinal, a parte pode entender serem os gastos com a demanda suficientemente altos a ponto de comprometer sua subsistência, e ter seu pedido indeferido, por manifestar o Juiz entendimento diverso. Novamente, para se entender presente conduta delituosa deve saltar aos olhos a falsidade e o dolo na conduta.

No caso em exame, a declaração prestada pela paciente consistiu na afirmação de que "não possui condições de arcar com as custas processuais, assim como quaisquer outras despesas decorrentes do processo, sem prejuízo próprio e/ou de sua família, pleiteando assim os benefícios da Assistência Judiciária Gratuita" (fls. 723).

Verifico, portanto, que no caso concreto a interessada não apontou valor diverso do seu ganho real, apenas declarou hipossuficiência (fls. 30).

Por tudo quanto foi dito, evidencia-se o desejo de obter o benefício, por meio de articulado bem apresentado por seu patrono, que pode ou não ser deferido pelo magistrado; mas, daí não se vislumbra a presença de vontade de falsear a verdade ou dolo na conduta da paciente. Ausente, assim, o elemento subjetivo essencial para a caracterização dos delitos em tela, não havendo previsão legal para a modalidade culposa.

Ademais, assim já se pronunciou a Primeira Turma desta Corte ao julgar o habeas corpus nº 0009780-85.2013.4.03.0000, de minha relatoria, na sessão do dia 16.07.13, encontrando-se assim ementado:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE FALSIDADE IDEOLÓGICA. DECLARAÇÃO DE POBREZA PARA OBTENÇÃO DO BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. TRANCAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM CONCEDIDA.
1. O benefício da assistência judiciária não exige miserabilidade, mas que aquele que o pretende não tenha condições de suportar as custas e despesas processuais sem prejuízo de seu sustento ou de sua família.
2. O fato de declaração de pobreza estar sujeita a controle posterior não elimina a tipicidade da conduta, sob pena de se transferir àquele que é o destinatário da declaração falsa a responsabilidade sobre a conduta do declarante.
3. A conduta de quem apresenta declaração nesse sentido deve ser analisada em cada caso concreto a fim de se evitar o apenamento de quem, sem dolo, simplesmente manifesta seu entendimento de não poder arcar com as custas. O mesmo vale para o advogado; se, a princípio, não é a sua declaração, mas da parte, não deve ele ser apenado.
4. Não é qualquer indeferimento do pedido de gratuidade de justiça que leva à conclusão do cometimento de um crime. A parte pode entender serem os gastos com a demanda suficientemente altos a ponto de comprometer sua subsistência, e ter seu pedido indeferido, por manifestar o Juiz entendimento diverso.
5. Ordem concedida.
(TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, HC 0009780-85.2013.4.03.0000, Rel. JUIZ CONVOCADO PAULO DOMINGUES, julgado em 16/07/2013, e-DJF3 Judicial 1 DATA:22/07/2013)

Assim, sendo patente a ilegalidade da persecução penal, impõe-se a concessão da ordem de habeas corpus.

Posto isso, CONCEDO A ORDEM de habeas corpus, para determinar o trancamento do inquérito policial.

É como voto.

PAULO DOMINGUES
Juiz Federal Convocado


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): PAULO SERGIO DOMINGUES:10112
Nº de Série do Certificado: 5A3F5317054ABE2A
Data e Hora: 30/07/2013 19:21:15