D.E. Publicado em 21/10/2013 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, julgar prejudicado o agravo regimental, rejeitar a matéria preliminar e negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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VOTO-VISTA
O Desembargador Federal Johonsom di Salvo:
Agravo de instrumento interposto contra decisão que, em ação cautelar preparatória de ação civil pública, foi proferida nos termos seguintes:
"DEFIRO PARCIALMENTE A LIMINAR para o fim de:
1) Decretar, ressalvando os bens impenhoráveis, a imediata indisponibilidade e vinculação processual de todos os bens pertencentes a MARCUS ALBERTO ELIAS, nos termos do art. 12 da Lei n.º 7.347/85, afastando seu sigilo fiscal, para tanto, por meio da utilização do sistema INFOJUD;
2) Decretar a imediata indisponibilidade parcial e vinculação processual dos bens da requerida LAEP INVESTIMENTS LTD. de modo que suas participações societárias ou quotas de sociedades e veículos de investimento brasileiros conforme lista apresentada na petição inicial ficarão judicialmente constritos e vinculados ao processo. Assim, fica impedida a transferência, por qualquer meio ou sob qualquer forma, inclusive em decorrência de reorganizações ou reestruturações societárias, como aquela cuja realização se pretende deliberar no próximo dia 07 de março, direta ou indiretamente, de participações societárias ou por quotas de sociedades e veículos de investimento brasileiros pertencentes, direta ou indiretamente, à LAEP, conforme lista de fls. 52.
Para tanto, determino a expedição de ofícios ao Banco Central do Brasil - Bacen, a este eletronicamente por meio do sistema denominado "BACENJUD", para que se concretize junto às instituições financeiras a indisponibilidade dos bens do requerido Marcus.
Oficiem-se conforme requerido às fls. 52-53 apenas quanto às medidas concedidas e preferencialmente pelas ferramentas eletrônicas já existentes.
Prejudicada a análise do pedido de segredo de justiça, tendo em vista a apreciação da liminar" - fls. 1.444 e 1.445.
Essa decisão teve o seguinte relatório:
"Trata-se de cautelar preparatória de ação civil pública, a qual foi ajuizada pelo Ministério Público Federal e pela Comissão de Valores Mobiliários, objetivando obter provimento jurisdicional que, liminarmente e sem a oitiva da parte contrária:
1) .PA 1,10 torne imediatamente indisponíveis todos os bens pertencentes a Marcus Alberto Elias;
2) .PA 1,10 quebre os sigilos fiscal e bancário do requerido Marcus Alberto Elias;
3) .PA 1,10 quebre os sigilos fiscal e bancário das empresas por ele direta ou indiretamente controladas;
4) .PA 1,10 impeça a transferência, por qualquer meio ou sob qualquer forma, inclusive em decorrência de reorganizações ou reestruturações societárias, de participações societárias ou quotas de sociedades e veículos de investimento brasileiros pertencentes direta ou indiretamente à LAEP conforme lista apresentada (fls. 52).
Relatam os requerentes em sua petição inicial que a Laep Investiments Ltd. (LAEP) é uma companhia estrangeira, constituída em Bermudas, com ações listadas na Bolsa de Valores de Luxemburgo e BDRs listados na BM&F Bovespa.
Aduzem que, no final de outubro de 2007, a LAEP realizou no Brasil oferta pública de distribuição de BDRs a um preço de R$ 7,50 cada, tendo captado nessa operação um total de R$ 507,6 milhões.
As ações que dão lastro aos BDRs são chamadas de Classe A e não garantem direito de voto a seus titulares, salvo exceções constantes do estatuto social da Companhia ou da legislação societária de Bermudas.
De qualquer forma, afirmam que os detentores de BDRs não são e não serão considerados detentores das ações e, assim, não possuem o direito de comparecer ou de votar nas assembléias gerais de acionistas, como foi esclarecido nas informações feitas para a oferta pública inicial (fls. 08).
A LAEP, ainda segundo os requerentes, é companhia cujo objetivo é deter participações em outras sociedades, sendo que, atualmente, atua nos setores de lácteos e varejo de artigos de luxo (DASLU).
O valor patrimonial por ação da LAEP, na data-base de 30/09/2012, seria de R$ 5,33 (PL de R$ 222,0 milhões dividido por 41,7 milhões de ações).
Após essa introdução, alegam os requerentes que haveria nos autos elementos indiciários da prática de atos que caracterizariam abuso de direito pelos requeridos, chegando a "configurar a ocorrência de operação fraudulenta no mercado de capitais, ocasionando relevantes prejuízos aos seus investidores e a todo o mercado brasileiro" (fl. 05).
Tais elementos foram assim descritos na petição inicial:
- sucessivos aumentos de capital, sem que fosse assegurado o direito de preferência dos acionistas e sem que fosse dada "imediata e devida publicidade a tais operações, como exigem as normas da CVM, em especial a Instrução CVM n.º 358/2002, que exige a divulgação imediata de qualquer ato ou fato relevante ocorrido nos negócios da companhia emissora de valores mobiliários" (fls. 16);
- grupamentos de ações de forma a diluir a participação das ações Classe A na composição do capital social da Companhia, sendo que as justificativas apresentadas para tanto revelariam, na verdade, indícios de que o objetivo último das operações era o de beneficiar a Companhia e seus controladores em detrimento indevido dos investidores;
- como resultado de tais operações, apesar de, em tese, terem sido praticadas licitamente de acordo com as Leis de Bermudas, teria havido uma "diluição teórica da ordem de 96,06%" em relação às ações Classe A e, assim, "desde a oferta pública inicial, em 30.10.07, até a presente data, os BDRs da LAEP desvalorizaram-se 99,94%, especialmente a partir de 2011 e ainda que desconsiderada a desvalorização decorrente da crise mundial de 2008" (fl. 18);
- as operações de captação direta ou indireta de recursos no mercado brasileiro totalizariam até junho de 2012 aproximadamente R$ 1,20 bilhão;
- mais da metade das ações de Classe A emitidas após a referida oferta pública de BDRs foi utilizada para o pagamento de credores financeiros e fornecedores de matérias-primas e serviços, o que indica estar havendo "financiamento das dívidas da Companhia pelos investidores em BDRs" (fls. 22);
- há fundadas suspeitas de desvio de recursos da LAEP quando da sua frustrada tentativa de aquisição de sociedades portuguesas (aproximadamente R$ 48 milhões teriam sido liquidados nessas operações sem que se comprovassem a origem e o pagamento desse valor);
- apesar da Companhia ter sofrido prejuízos líquidos que totalizaram R$ 974 milhões entre 2009 e 2012, no mesmo período seus administradores, dentre eles o requerido Marcus Alberto Elias, receberam remuneração da ordem de R$ 90 milhões;
- houve um relevante e, aparentemente, infundado aumento nas despesas administrativas da LAEP entre 2009 e 2011 (cerca de 456%);
- houve substituição dos administradores da LAEP por pessoas jurídicas no exterior (intuito seria o de "dificultar ou mesmo impossibilitar a apuração de suas responsabilidades" (fls. 32);
- a LAEP manifestou interesse em descontinuar seu programa de BDRs, sendo que a Superintendência de Registro de Valores Mobiliários da CVM manifestou-se pela rejeição do procedimento, uma vez que "não se mostrava adequado para proteger os legítimos interesses dos atuais detentores de BDRs" (fls. 34);
- neste procedimento a LAEP oferece pagar R$ 0,517 por BDR, mas o valor do patrimônio líquido da Companhia dividido pelo total de ações de sua emissão resultaria num valor positivo de aproximadamente R$ 7,66 por BDR (ou seja, a LAEP teria captado no mercado brasileiro mais de R$ 1bilhão e pretende "deixar o país pagando aos investidores nacionais o valor de apenas R$ 21milhões" (fls. 35);
- a CVM teria identificado sérios indícios de fraudes nos laudos preparados para a justificação do preço ofertado na OPA;- foi realizada nova diluição da participação dos acionistas Classe A em dezembro de 2012, tornando-os participantes apenas de 49% do capital social contra os 96,4% anteriores.
Destacam os requerentes que tais elementos, se considerados isoladamente, não poderiam ser considerados ilícitos, mas, conjuntamente, indicam efetivamente a existência de fraudes que devem ser combatidas.Tal conclusão seria corroborada pela última notícia por eles mencionada.
Referem-se a ela da seguinte maneira:
"Sabendo que sua OPA certamente não seria, como de fato não foi, aceita pela CVM, e em mais uma tentativa de burlar as regras brasileiras e, assim, lesar milhares de investidores no país, a companhia anunciou no dia 18 de fevereiro próximo passado, que desistiria da absurda oferta pública para descontinuidade do programa de BDRs, mas que realizaria outra reestruturação societária - esta não sujeita à aprovação pela CVM - cujo efeito final prático será o mesmo: a LAEP deixará o mercado brasileiro, pagando aos seus investidores, mo módico e, porque não dizer, ultrajante valor de R$ 0,517 por BDR" (fls. 37).
Esclarecem que a fusão proposta pelo Conselho de Administração da Companhia deverá ser aprovada no próximo dia 07 de março de 2013, motivo pelo qual, a fim de se evitar maiores prejuízos e algum ressarcimento de danos já causados aos investidores nacionais.
Por fim, destacam que o simples fato de um investidor ter prejuízo ou mesmo perder todo o seu capital em investimentos como os da espécie é normal, mas não se poderia admitir que tais prejuízos decorressem de uma série de atos fraudulentos praticados em único benefício dos que atuaram nesse sentido.
Assim, alegando estarem preenchidos os requisitos legais, pleiteiam a concessão de medida liminar na forma acima descrita para se afastar o risco de tornar a futura ação indenizatória totalmente ineficaz.
Requerem a decretação temporária de sigilo deste processo "até a concessão da liminar ora pleiteada".
MARCUS ALBERTO ELIAS, controlador da empresa LAEP INVESTMENTS LTD., insurge-se contra o decreto de indisponibilidade de seus bens alegando, em síntese:
1) a inaplicabilidade da legislação brasileira sobre a matéria envolvendo o tema tratado na ação cautelar, em especial porque a agência de regulamentação econômica de Bermudas (sede da companhia) atestou que a firma LAEP INVESTMENTS LTD. não praticou qualquer irregularidade gerencial ou societária, quando às ofertas de ações feitas no Brasil;
2) o açodamento do Ministério Público Federal e da CVM, que se pautaram apenas sobre queixas infundadas formuladas de modo irresponsável por uma minoria acionária, o que resultou em lide temerária já que não existe qualquer inquérito administrativo ou inquérito civil finalizados, imputando práticas ilícitas ao agravante.
3) a ilegitimidade passiva do agravante, pois é apontado como "principal beneficiário da fraude" mas a inicial não contém uma só acusação direta contra ele, e sim contra a sociedade LAEP INVESTMENTS LTD.
Afirma também o desaparecimento de qualquer periculum in mora, já que a fusão entre a LAEP INVESTMENTS LTD. e a firma estrangeira PROSPERITY OVERSEAS LTD., frustrou-se pela desistência da segunda, de modo que a indisponibilidade dos bens do recorrente é um violento "arresto" ilegal, posto que não há qualquer dívida exeqüenda.
Em sessão de julgamento, o eminente relator, acompanhado pela Desembargadora Federal Consuelo Yoshida, votaram pelo improvimento do agravo e pelo prejuízo do agravo regimental.
Pedi vista para melhor me assenhorear do caso, inclusive à vista da distribuição de extensos memoriais.
E passo a votar.
Em fevereiro do corrente ano, o Ministério Público Federal e a CVM associaram-se em litisconsórcio ativo propondo ação cautelar preparatória de ação civil pública, pedindo medidas patrimoniais contra a empresa de constituição estrangeira (mas com representação local) LAEP INVESTMENTS LTD. e seu controlador MARCUS ALBERTO ELIAS.
Os autores aceitam que a empresa não se sujeita a Lei das S/A nacional quanto a sua constituição, mas que deve ficar submetida a Lei nº 6.385/76, art. 2º, § 2º e regramentos administrativos da CVM, já que em outubro de 2007 realizou oferta pública de BDRs - calçadas em ações classe A que não dão direito a voto - no mercado local, angariando mais de quinhentos milhões de reais.
Insistem que a LAEP HOLDING LTD., acionista controlador da agravante, por seu turno controlada pelo Sr. MARCUS ALBERTO ELIAS, manteve para si as ações classe B, que dão direito a voto (e, portanto, controle sobre as orientações societárias).
Tratando-se a ré LAEP INVESTMENTS LTD. de empresa cujo objetivo é deter participações noutras firmas (e na verdade controlada pelo agravante MARCUS ALBERTO ELIAS), teria perpetrado fraudes para seu "esvaziamento" com danos irreversíveis aos acionistas brasileiros.
Sem situação de excepcionalidade real que, segundo seu próprio estatuto oferecido à CVM, justificasse a providência, a agravante fez 200 emissões de ações classe A no mercado brasileiro, sem outorgar aos já detentores de BDRs prioridade para sua aquisição, assim diluindo-as. Não concedendo a preferência aos acionistas já detentores de BDRs, ao arrepio de seu estatuto (que só permitia a diluição de novas ações classe A em situação excepcional concreta), as 212 novas emissões de ações classe A (sem direito a voto) para angariar capital tornaram os já acionistas portadores de BDRs, proprietários "em escala menor" da empresa; a inicial sintetiza que a LAEP INVESTMENTS LTD. e seu controlador MARCUS ALBERTO ELIAS assim agiram obtendo mais de seiscentos e trinta milhões de reais da poupança popular brasileira, usufruindo sozinhos dessa riqueza.
Embora essa atuação não ofendesse as leis de Bermudas, acabou por negar direito de preferência (sem a ocorrência da excepcionalidade que o estatuto social previa para essa negativa) aos já detentores de BDRs representativos de ações classe A, prejudicou-os, concentrando poder nos detentores das ações classe B (abuso de direito), sendo que tornaram-se detentores de apenas 49% do capital social contra os 96,4% anteriores.
Afirma-se também a presença de indícios de que a LAEP INVESTMENTS LTD. e seu controlador MARCUS ALBERTO ELIAS desviaram recursos do mercado brasileiro de capitais para fornir empresas portuguesas a eles ligadas, através de operações que a inicial busca detalhar longamente (fls. 177 e seguintes), culminando numa assembléia geral designada para ser feita em Bermudas em março de 2013, onde haveria a fusão da LAEP INVESTMENTS LTD (decidida somente por MARCUS, eis que é o maior detentor de votos) com a firma PROSPERITY OVERSEAS LTD., o que implicaria no desaparecimento da primeira, o que asseguraria aos detentores de BDRs ou de ações classe A o recebimento de menos de um real por cada uma.
Em brevíssima síntese, esses são os principais fatos que a inicial aponta em demérito dos réus, insistindo na ocorrência de fraudes com grande poder de lesão para investidores nacionais e para o desprestígio do mercado de capitais brasileiro.
Como dito no voto do relator, não será em sede de agravo de instrumento - onde o espaço de cognição resume-se ao que já existe nos autos - que a Turma irá resolver as intrincadas questões que envolvem LAEP INVESTMENTS LTD., seu controlador MARCUS ALBERTO ELIAS e os acionistas, para resolver qualquer certeza sobre fraudes.
O que impende no momento é perscrutar sobre a presença (ou não) de fumus boni iuris e do periculum in mora, que são os requisitos essenciais da medida cautelar.
Por primeiro, tem-se que a não submissão da companhia LAEP INVESTMENTS LTD. e os atos de seus controlador MARCUS ALBERTO ELIAS às leis brasileiras, deve ser vista cum granulum salis.
Se de um lado a constituição da firma deve obedecer apenas as leis próprias do "paraíso fiscal" das Bermudas, isso não significa dizer - ao reverso do que pretendem os agravantes - que a empresa está imunizada contra nosso sistema jurídico.
A empresa constituída no estrangeiro deve se submeter às leis brasileiras; isso é óbvio. O estrangeiro que aqui "assenta praça", seja pessoa natural ou jurídica, não goza de privilégios nem de imunidades em relação aos nacionais; é o que consta do caput do art. 5º da CF.
O Brasil não é uma colônia; pelo contrário, desde 7/9/1822 é uma país soberano com ordem jurídica de altíssima qualidade e os que aqui aportaram para ganhar a vida ou obter lucros têm o dever de submissão às leis brasileiras. A propósito, a velha Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, em seu art. 3º, afirma que "ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece".
Assim, o fato de uma autoridade de fiscalização das Ilhas Bermudas (Bermuda Monetary Authority) haver atestado que os negócios da empresa LAEP (lá constituída) estão regulares conforme as leis alienígenas, não é sinal absoluto de que as atuações sociais da empresa são regulares conforme as leis brasileiras; desse modo, não há como impedir o Judiciário de verificar, em ação civil pública, se as acusações formuladas pelo Ministério Público Federal e pela CVM são ou não são reais.
Ter como absolutas as informações de autoridade estrangeira, no caso, importaria em verdadeira afronta ao inc. XXXV do art. 5º da CF.
A propósito, convém recordar que é acesa, em nível mundial, a discussão sobre a licitude ou não dos "paraísos fiscais", já que é evidente que os países que, com mais ou menos vigor, assim de qualificam através de leis que isentam os ricos e as grandes empresas de restrições, dos riscos e das obrigações que a Democracia exige de cada um de nós, devem ser vistos com cautela maior do que as nações que atuam com responsabilidade e com isso prestigiam um capitalismo mais sadio, com os impostos, a regulação financeira e as obrigações de transparência que têm razão de existir quando se pensa em Democracia.
Por isso que a empresa e seu controlador - no caso o Sr. MARCUS ALBERTO ELIAS - sujeitam-se aos rigores da Lei nº 6.385/76, onde consta que cabe à CVM "proteger os titulares de valores mobiliários e os investidores do mercado contra..., emissões irregulares de valores mobiliários,atos ilegais de administradores e acionistas controladores das companhias abertas, o uso de informação relevante não divulgada no mercado de valores mobiliários, assegurar a observância de práticas comerciais equitativas no mercado de valores mobiliários". No exercício de suas atribuições, essa autarquia deve fiscalizar permanentemente as atividades e os serviços do mercado de valores mobiliários (art. 8º, III).
Assim é que, no desempenho de suas competências, a CVM instalou os processos CVM nºs RJ/2010/0770 (apuração da não divulgação de fato relevante sobre a aquisição pela LAEP de unidades industriais da Parmalat) e RJ/2012/10069 (apuração de eventual responsabilidade do então Representante Legal da LAEP pelo descumprimento ao art. 3º da Instrução 358/02 c/c art. 4º §2º, da Instrução 480/02); e apura negociação com valores mobiliários de posse de informações relevantes ainda não divulgadas (infração ao artigo 13 da Instrução CVM nº 358/02 c/c o parágrafo 1º do artigo 155 da Lei nº 6.404/76), por parte de administradores da LAEP, situação que respinga em MARCUS ALBERTO ELIAS.
A propósito desse último fato, convém perscrutar a questão da responsabilidade da empresa estrangeira e de seus controladores em atenção ao que dispõe a Lei nº 6.404/76, a partir do momento em que inicia atuar no mercado brasileiro.
Sendo certo que o exercício de poder nas sociedades empresárias se baseia no trinômio investimento - direção - controle, inovando no cenário empresarial brasileiro e quiçá até mesmo no cenário mundial, a Lei nº 6.404/76 apresentou o conceito de acionista controlador e suas responsabilidades, principiando fazê-lo no art. 116 da Lei nº 6.404/76; com isso, personificou a figura do controlador (que até então era implícita no momento das atuações assembleares); tal figura resume-se na detenção do poder maior no âmbito da companhia.
Nesse aspecto, convém deixar bem claro que o controle significa não a simples gestão, mas a predominância sobre os negócios sociais como um todo.
Tanto é assim que o prof. COMPARATO afirma que "o problema fundamental da economia moderna não é mais a titularidade da riqueza, mas o controle sobre ela", realidade que se verifica tanto no âmbito das economias nacionais, quanto nos limites das sociedades empresárias.
Voltando ao controlador, ele pode ser apenas um sócio, ou um grupo deles, bem como uma outra pessoa jurídica, sendo que, no caso do aglomerado de pessoas (físicas ou jurídicas), devem apresentar-se com um sentido de voto comum, mas de exercício permanente.
Referindo-se a sociedades controladoras, o § 2º do art. 243 foi expresso também: "Considera-se controlada a sociedade na qual a controladora, diretamente ou através de outras controladas, é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores".
Segundo a lei, o acionista controlador deve, "usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto" e, por isso, "tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa... cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar" (§ único do art. 116).
Noutras palavras, o exercício do controle deve tender a realizar o objeto social da companhia e fazê-la cumprir sua função social.
Assim, se há indícios de desvios de finalidade ou de atuação na sociedade controlada, com prejuízos para os demais acionistas, para a comunidade em geral, ou ainda afronta às leis que a empresa controlada deve observar, não se pode afastar a corresponsabilidade do controlador.
A lei é expressa nesse sentido: são as enumerações exemplificativas do art. 117, tornando-o responsável pelo abuso de poder nas formas que menciona.
De modo geral, a doutrina, com base no discurso do art. 117, que não é numerus clausus, aponta que o desvio dos objetivos da companhia - imputável ao controlador - pode consistir no favorecimento de outra sociedade, em prejuízo da participação dos acionistas minoritários nos lucros ou no acervo da própria controlada, ou em detrimento da economia do país onde a empresa desenvolve suas finalidades. Ainda, aponta-se o desvio dos lucros ou bens, através de negócios simulados ou fraudulentos, como exercício abusivo do poder de controle, mesmo que não venha se caracterizar a distribuição disfarçada dos lucros.
Especificamente no tocante às sociedades por ações, o art. 115 conceituou em que concerne o abuso no exercício do voto dominante.
Ao acionista controlador não se permite o atuar arbitrário; seu poder de controle não é absoluto no âmbito das atividades e finalidades da companhia; pelo contrário, sua força controladora é equilibrada pela sua responsabilidade perante outros acionistas, perante a sociedade servida pela empresa, e perante os órgãos estatais de controle do mercado de capitais e financeiro.
Assim como ocorre em todos os segmentos em que há exercício de poder, para o acionista controlador não vale a máxima que a História atribui a Luís XIV: "l'ètat c'est moi". Noutro dizer: existe e deve ser cobrada a responsabilidade do controlador.
Portanto, havendo vestígios veementes de atividades irregulares da companhia, impulsionadas pela ação do controlador - mesmo que indireto - ele não se livra da corresponsabilidade e pode ser alojado no pólo passivo de ações onde se demanda a responsabilização da companhia por atos prejudiciais praticados como suposto desempenho dos fins societários.
Não importa que a companhia seja estrangeira e que seu controlador não resida em território nacional: se a firma se insere no mercado de valores mobiliários nacional e se porta obviamente de acordo com as determinações de quem detém o poder de mando, é claro que a lei brasileira deve incidir na espécie.
Por isso não há que se falar em ilegitimatio ad causam do cidadão brasileiro MARCUS ALBERTO ELIAS, controlador indireto da LAEP INVESTMENTS LTD.
Enfim, há indicativos de investigação aberta pela CVM em face da agravante e de seu controlador.
Ora, o fato de essas investigações estarem em andamento não inibe o ajuizamento de ações cautelares.
O art. 3º da Lei nº 7.913/89 manda aplicar a essa lei, no que couber, o disposto na Lei nº 7.347 , de 24 de julho de 1985.
O pedido de medida cautelar possibilitado pela Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985 não exige requisitos especiais além daqueles ordinariamente cogitados pelo CPC.
Assim, é de nenhuma relevância que inquéritos abertos na CVM ainda não tenham sido concluídos, mesmo porque o objetivo deles é distinto do que o Ministério Público Federal objetiva com a presente cautelar, que in casu intenta resguardo da pretensão em obter ressarcimento de danos causados aos titulares de valores mobiliários e aos investidores do mercado com as condutas supostamente irregulares da agravante.
Ademais, a ação do Ministério Público Federal não pode ficar tolhida, no âmbito da defesa do mercado de capitais, pelos procedimentos da CVM, assim como não é tolhida, no âmbito criminal, pela inércia ou demora da Polícia em ultimar o inquérito policial.
A legitimidade ativa é atribuída, de acordo com a Constituição (art. 129, III), ao Ministério Público; assim, o órgão que pode agir ex officio, em virtude ou não de inquérito civil por ele instaurado, ou mediante solicitação da CVM, não fica inibido pela omissão ou demora investigativa de qualquer outro órgão.
A propósito, é evidente que a Lei nº 7.913/89 complementa, na esfera cível, outra atribuição do Ministério Público, que existe na esfera criminal consistente em reprimir os crimes do "colarinho branco" cometidos no mercado de capitais, conforme a Lei nº 7.492/86.
De outro lado, ao contrário do que pensam alguns, o Ministério Público não está obrigado a ultimar inquérito civil antes de propor ação civil pública, cautelar ou principal; aos desavisados de todo tipo, basta a leitura pedagógica do art. 26, I, da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei nº 8.625/93), bem como do artigo 8º, § 1º da Lei nº 7.347/85, onde está dito que o órgão "poderá" instaurar o inquérito civil; mas, por óbvio, se já dispuser de elementos que julga suficientes para atuar em juízo, não fica inibido de fazê-lo; se vai ter ou não sucesso a final, isso é outra história.
A propósito convém aduzir a lição de HUGO NIGRO MAZZILI, com quem tivemos oportunidade de conviver vários anos no Ministério Público do Estado de São Paulo, e que seguramente é quem conhece mais profundamente a instituição.
É dele o ensinamento (http://www.mazzilli.com.br/pages/artigos/pontoscontic.pdf):
No mesmo sentido colaciono julgado do STJ, verbis: "Não se faz necessária a prévia instauração de inquérito civil ou procedimento administrativo para que o Ministério Público requisite informações a órgãos públicos - interpretação do artigo 26, I, "b", da Lei nº 8.625/93" (REsp 873.565/MG, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/06/2007, DJ 28/06/2007, p. 880). E ainda:
Portanto, não há que se falar que o Parquet não poderia ajuizar ação cautelar sem antes esperar a conclusão de inquérito da CVM ou o final de inquérito civil que o órgão deveria "obrigatoriamente" instaurar, e que MARCUS padece de um ilegítimo "arresto".
Também se repelem alegações de que a indisponibilidade declarada em 1º grau interfere na vida societária de outras empresas, controladas por MARCUS ou de que participa a companhia LAEP.
Primeiro, porque não há nos autos nenhuma prova disso; pelo contrário, o decreto de indisponibilidade dirige-se apenas aos dois réus e os patrimônios das outras sociedades empresárias não se confundem com os deles.
Segundo, porque mesmo que houvesse alguma lesão a terceiros, não é dado a MARCUS ou a LAEP defenderem direito alheio em nome próprio, à luz do art. 6º do CPC.
O que emerge dos autos é a presente nítida de fumus boni iuris.
Que na ocasião se imbricava com o periculum in mora: a possibilidade de a sociedade empresária desaparecer, depois de fusão com outra empresa igualmente estrangeira.
Embora se argumente que o risco passou depois que a PROSPERITY OVERSEAS LTD. desistiu do negócio, isso não é uma verdade integral.
Se a LAEP continuasse seus negócios, nada impediria que ela e quem a controlasse encontrassem, no estrangeiro, outra firma interessada na fusão, que realizando-se no exterior, conforme as leis dos "paraísos fiscais", aí seria imune a interferência da legislação brasileira e dos órgãos nacionais de fiscalização.
Sucede que no entendimento deste Desembargador Federal um outro fato assumiu relevância sobretudo no cenário do periculum in mora, e que será levado em conta à vista de sua notoriedade.
Tornou-se de conhecimento público - porque o evento consta do site da LAEP mantido na internet e foi referido pela revista Exame, edição de setembro de 2013 - que a Suprema Corte de Bermudas decretou a liquidação da companhia LAEP, a pedido do fundo Emerging Markets Special Situation 3 (que tem sede nas Ilhas Cayman), sendo que o tribunal nomeou como liquidantes da companhia os srs. Michael Morrison e Charles Tresh, sendo afastados os antigos administradores e controladores, os membros do Board of Directors e os da Diretoria; os liquidantes, pessoas físicas estrangeiras, passaram a gerir e controlar a sociedade com vistas ao pagamento de uma dívida milionária para com o tal fundo, ora sub examine da 37ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo.
No entender deste Desembargador, esse fato mais acentua o cabimento da indisponibilidade questionada no agravo - sempre recordando que a parte agravante não é imune da legislação brasileira - à conta de se tratar de medida preventiva de ação de responsabilização por ressarcimentos a investidores brasileiros. É que obviamente as medidas a serem encetadas pelos liquidantes não terão compromisso com os investidores brasileiros, tampouco com outras quaisquer dívidas além daquela que provocou a liquidação que se gere conforme as leis de Bermudas.
Com tais considerações, que se somam às do eminente relator, voto para rejeitar matéria preliminar, negar provimento ao agravo de instrumento e julgar prejudicado o agravo regimental.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | LUIZ ANTONIO JOHONSOM DI SALVO:10042 |
Nº de Série do Certificado: | 071C0E4C5CCF4CC3 |
Data e Hora: | 11/10/2013 19:24:15 |
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RELATÓRIO
Cuida-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que, em ação cautelar preparatória de ação civil pública, encerrou a seguinte manifestação judicial:
Aduz, preliminarmente, ser parte ilegítima pra compor o polo passivo da ação por apenas ser acionista da controladora da Laep, corré na ação de origem, da qual posteriormente se desligou. Nesse ponto, destaca que a medida vindicada pelos agravados caracteriza desconsideração da personalidade jurídica da Laep e da Laep Holdings Ltd., inadmissível em momento cautelar.
Quanto ao mérito, alega o agravante gravitar a controvérsia em torno dos certificados BDR - "Brazilian Depositary Receipts": títulos de depósito de valores mobiliários emitidos no Brasil, representativos de valores mobiliários de emissão de companhia abertas ou assemelhadas com sede no exterior.
Afirma terem esses títulos, desde sua colocação no mercado mobiliário brasileiro, perdido mais de 90% (noventa por cento) de seu valor, situação a qual os agravados atribuiriam ao agravante e à Laep Investments Ltd., indicando prática fraudulenta prejudicial ao mercado de capitais no Brasil.
Argumenta, ainda, ser inverossímil a imputação feita pelos agravados, por não ter havido demonstração, pelos meios legais conhecidos, dos fatos indicados na inicial da ação cautelar.
Expõe ser alvo de grupo organizado de pessoas as quais suportaram prejuízos financeiros decorrentes da aquisição dos certificados BDR no mercado secundário, quando seu valor já estava defasado.
Aduz, ainda, que, em razão das inúmeras ameaças à sua integridade física e moral, afastou-se da administração da Laep Investments Ltd., na qual foi substituído, juntamente com os demais administradores, por pessoas jurídicas, situação permitida pela legislação de Bermudas, sede da Laep Investments Ltd.
Sustenta que o referido grupo, integrante do percentual de representação mínima da participação como investidores na Laep Investments Ltd., seria o responsável pelas informações inverídicas fornecidas à Comissão de Valores Mobiliários, sustentáculo do procedimento administrativo desenvolvido nessa autarquia, no qual se imputa ao agravante a responsabilidade pelo insucesso financeiro na aquisição dos títulos mobiliários.
Expende, ademais, serem regulares os aumentos de capital da "Laep Investments Ltd.", por não ter havido diluição injustificada ou benefício ao agravante. Argumenta, ainda, a ausência de prejuízo para os detentores das títulos indicados.
Por fim, esclarece não existir vínculo entre o agravante e os credores da "Laep Investments Ltd."
Processado o recurso sem a concessão da medida pleiteada. O agravante pleiteou a reforma dessa decisão. As agravadas apresentaram resposta.
Dispensada a revisão, na forma regimental.
É o relatório.
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VOTO
Inicialmente, julgo prejudicado o pedido de reforma da decisão relativa ao efeito suspensivo, ante o julgamento do presente agravo de instrumento.
Rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva porquanto, à época dos fatos, o agravante era controlador da "Laep Investments Ltd".
Quanto ao mérito, ao apreciar o pedido de efeito suspensivo, assim decidiu o relator:
Não obstante as alegações expostas, não há nos autos alteração substancial capaz de influir na decisão proferida quando do exame do pedido de efeito suspensivo.
Ante o exposto, voto por julgar prejudicado o agravo regimental, rejeitar a matéria preliminar e negar provimento ao agravo de instrumento.
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