D.E. Publicado em 04/11/2013 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso e, de ofício, destinar a prestação pecuniária substitutiva à União, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:
Trata-se de apelação criminal interposta por ANA MARIA DE ALBUQUERQUE contra a sentença que a condenou como incursa no artigo 168-A, c.c. 71, ambos do Código Penal.
De acordo com a denúncia, a ré e Erika Sayuri Yokota, na qualidade de sócias responsáveis pela administração da empresa "MERCADINHO VILA SILVIA LTDA." deixaram de recolher, no prazo legal, contribuições destinadas à Previdência Social e que foram descontadas dos salários de seus empregados, referentes aos períodos do 13º salário de 2004 e janeiro a outubro de 2005. Os fatos originaram a Notificação Fiscal de Lançamento de Débito - NFLD nº 37.010.323-8, cujo débito atinge a cifra, com multa e juros, em 30.10.2006, de R$ 56.834,25 (cinqüenta e seis mil, oitocentos e trinta e quatro reais e vinte e cinco centavos).
A denúncia foi recebida em 04 de maio de 2007 (fl.103).
Após regular instrução, sobreveio sentença (fls.545/567), que julgou parcialmente procedente o pedido para absolver Érika Sayuri Yokota, com fulcro no artigo 386, IV do Código de Processo Penal e condenar ANA MARIA DE ALBUQUERQUE a 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime aberto, e 11 (onze) dias-multa, no piso legal, sendo substituída a reprimenda corporal por duas restritivas de direitos: prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária de um salário mínimo em favor de entidade ou programa designado pelo Juízo das Execuções.
Em suas razões recursais (fls.591/600) postula a defesa a absolvição da ré, diante da ausência de dolo específico; por atipicidade da conduta, pois o desconto é meramente contábil, não material, de modo que não há desconto do empregado; por inexigibilidade de conduta diversa, diante das dificuldades financeiras enfrentadas pela empresa, o que foi comprovado em Juízo, especialmente com a prova testemunhal, mas restou não observado pelo Juízo.
Contraminutas da acusação às fls.605/614, pela manutenção da sentença recorrida.
Parecer da Procuradoria Regional da República (fls.617/622), em prol de ser desprovido o recurso da ré.
É o relatório.
À revisão.
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VOTO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:
O recurso não comporta provimento.
1. Da materialidade.
Diversos documentos comprovam a materialidade delitiva: notificação fiscal de lançamento de débito (fl.10), discriminativos do débito (fls.13/17), relatório de lançamentos (fls.18/20), folhas de pagamento da empresa (fls.38/90) e representação fiscal para fins penais (fls.08/09).
Aduz a defesa haver atipicidade da conduta, pois o desconto realizado é, na verdade, meramente contábil, não material, de modo que não há desconto do empregado. No entanto, razão não lhe assiste.
Embora a defesa tenha contestado a ocorrência dos descontos dos funcionários e a falta de repasse de tais valores ao INSS, certo é que as folhas de pagamento da empresa (fls. 38/90) demonstram que os valores foram descontados dos salários dos empregados, e os discriminativos analítico e sintético do débito (fls.13/17) atestam que não foram repassados ao INSS, tampouco houve qualquer tipo de pagamento ou parcelamento do débito, de modo que a materialidade delitiva é questão amplamente demonstrada nos autos.
2. Da autoria.
A autoria do delito restou comprovada nos autos.
Ouvida em Juízo, a sócia Érika Sayuri Yokota declarou (fl.153):
A apelante reconheceu, em Juízo (fl.211), que embora Érika fosse sua sócia, era a depoente responsável por administrar a empresa à época dos fatos.
As testemunhas (fls.273/275, 276/277, 308/309, 341/342) também narraram o exercício exclusivo da administração do mercadinho por parte da ré ANA MARIA.
Ademais, às fls.30/32 encontram-se acostadas cópias do instrumento particular de alteração contratual da sociedade limitada Mercadinho Vila Sílvia Ltda., referentes à data dos fatos. Verifica-se em tais documentos que a ré era detentora de 50% (cinqüenta por cento) do capital social, a quem cabia a gerência da sociedade, possuindo amplos poderes como administradora, inclusive para efetuar o repasse da contribuições previdenciárias, não se eximindo, pois, da culpabilidade do delito em tela.
3. Do dolo.
Verifico, ao contrário do alegado pela defesa, o dolo na conduta da denunciada, consubstanciado na vontade livre e consciente no sentido de deixar de repassar as contribuições. A conduta descrita no artigo 168-A, caput, do Código Penal é "deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional".
Pela dicção legal, trata-se crime omissivo próprio (omissivo puro), que se consuma com a mera transgressão da norma ("deixar de repassar/recolher"), independentemente do resultado da conduta do agente ou qualquer outro efeito distinto da omissão em si mesma (v.g., auferir proveito patrimonial pessoal). Não se exige o dolo específico, consistente na vontade livre e consciente de ter a coisa para si (animus rem sibi habendi)
Daí ser lícito concluir que o elemento subjetivo do tipo descrito no artigo 168-A do Código Penal é o dolo genérico, assim entendido a vontade livre e consciente de descontar contribuição previdenciária da folha de salário dos empregados e deixar de repassar os valores à Previdência Social.
Esse entendimento encontra amparo na jurisprudência do E. Superior Tribunal Federal:
Daí ser descabido falar-se em atipicidade da conduta, como sustenta a defesa, por ausência de dolo específico.
4. Da inexigibilidade de conduta diversa.
Na inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da culpabilidade em razão de dificuldades financeiras, para consubstanciar a excludente, tais aperturas devem ser de tal ordem que coloquem em risco a própria existência da empresa, uma vez que apenas a impossibilidade financeira devidamente comprovada nos autos poderia justificar a omissão nos recolhimentos.
Destarte, meros indícios de dificuldades econômicas vivenciadas pela empresa e cuja gravidade e intensidade não é possível aferir, não pode ensejar o reconhecimento da denominada inexigibilidade de conduta diversa, pois, desta forma, estaria se banalizando um instrumento de exclusão de culpabilidade que deve incidir em casos especialíssimos, ou seja, somente nas hipóteses restritas em que o repasse da contribuição social gera a quebra da empresa, demissão de funcionários ou compromete o próprio sustento do réu e da sua família. Nessas circunstâncias não seria razoável exigir o cumprimento da norma legal.
Há que se ressaltar, ainda, que qualquer estabelecimento comercial ou industrial, ou mesmo, pessoas físicas, passam por dificuldades financeiras, principalmente no país em que vivemos, onde a história recente se viu diante de diversos planos econômicos e das mais variadas crises econômicas.
Apesar disso, não se pode justificar a prática reiterada de atos ilícitos previstos como crime, em face dessas eventuais situações críticas por que passam todos os cidadãos. Isso não é hipótese de estado de necessidade, cujos limites legais são restritos para que não se reverta na porta aberta à impunidade.
A defesa não se desincumbiu do ônus de provar o quanto alegado, nos termos do artigo 156, primeira parte, do Código de Processo Penal.
As justificativas utilizadas para o não recolhimento das contribuições não foram suficientes para provar que não havia outro modo de manter a empresa funcionando, não havendo tampouco provas de sacrifício patrimonial da ré.
Conquanto a defesa tenha sustentado que a empresa enfrentava problemas financeiros, não foi trazida aos autos a documentação comprobatória de que as dificuldades financeiras vivenciadas pela empresa tenham sido diferentes daquelas comuns a qualquer atividade de risco de modo a caracterizar a inexigibilidade de conduta diversa.
A defesa trouxe, além da prova testemunhal (fl.308), somente certidões de protesto de títulos e execuções fiscais (fls.413/463). No entanto, os títulos protestados referem-se a período distinto daquele apurado nos autos. Enquanto a prática delitiva remonta a dezembro 2004 e janeiro a outubro de 2005, os títulos protestados (fls.432 e 440) referem-se a dívidas de 2007, denotando o intuito da acusada de pagar os seus credores e não repassar à autarquia previdenciária o montante descontado do salário de seus empregados a título de contribuição previdenciária.
Como bem analisado na sentença recorrida, as duas certidões atinentes à época dos fatos referem-se a dívidas de pequeno valor, não sendo "aptas a demonstrar situação de total impossibilidade de cumprimento da obrigação legal de repassar ao INSS as contribuições descontadas de seus empregados".
De outra banda, a existência de títulos protestados não é suficiente para comprovar que não havia outro modo de continuar funcionando, devendo considerar-se, ainda, que o protesto de títulos é fato normal na atividade empresarial. Na verdade, esses fatos comprovam a inadimplência, não a ausência de recursos para o pagamento dessas obrigações.
Da mesma forma, a alegada venda de veículo com o fito de empregar o valor auferido no soerguimento da empresa não restou comprovada. A documentação juntada às fls.409/411 apontam a venda de uma camioneta Ford/Ecosport em maio de 2007, em período igualmente distante das apropriações indébitas previdenciárias tratadas nestes autos. Não se verifica, além disso, que o valor auferido tenha sido aplicado na empresa, o que poderia ser demonstrado com declarações de imposto de renda das pessoas física e jurídica envolvidas.
Anoto que o bem jurídico protegido é o patrimônio público, o patrimônio dos cidadãos que compõem o Sistema Previdenciário, não se admitindo o uso de dinheiro destinado ao custeio da Previdência Social como escusa para eventual dificuldade financeira do particular.
Comprovadas a materialidade, a autoria, o dolo e ausente causa legal excludente de culpabilidade, a manutenção da condenação pela prática do crime descrito no artigo 168-A do Código Penal é de rigor.
5. Da dosimetria.
A pena, elevada apenas na terceira fase, por conta da continuidade delitiva, a 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime aberto, e 11 (onze) dias-multa, no piso legal, foi adequadamente fixada na sentença e, ademais, não restou impugnada na apelação.
Apenas merece reparos a substituição da reprimenda corporal por duas restritivas de direitos: prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária de um salário mínimo em favor de entidade ou programa designado pelo Juízo das Execuções. Conforme entendimento desta Turma, de ofício, destino a prestação pecuniária à União Federal.
Com tais considerações, nego provimento ao recurso e, de ofício, destino a prestação pecuniária substitutiva à União.
É o voto.
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Data e Hora: | 23/10/2013 16:59:35 |