Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 31/10/2013
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0006224-98.2009.4.03.6181/SP
2009.61.81.006224-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal LUIZ STEFANINI
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO : DOMINGAS DOS ANJOS RODRIGUES DOS SANTOS
ADVOGADO : LEONARDO JOSE DA SILVA BERALDO (Int.Pessoal)
: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00062249820094036181 8P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PENAL - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - ART. 171, § 3º COMBINADO COM ART. 71, AMBOS DO CÓDIGO PENAL - REJEIÇÃO DA DENÚNCIA - FALTA DE JUSTA CAUSA PARA O EXERCÍCIO DA AÇÃO PENAL - ELEMENTOS DE PROVA ILÍCITA - CRIME DE ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO - CRIME PERMANENTE - DELITO EM PLENA CONSUMAÇÃO - "TEORIA DA INEVITABILIDADE" - ADMISSÃO DA DENÚNCIA ANÔNIMA - NÃO HÁ FALAR-SE EM ILICITUDE DO FLAGRANTE - RECURSO MINISTERIAL PROVIDO.
1. Crime de estelionato previdenciário é de natureza permanente, de forma que enquanto não cessada a permanência haverá o estado de flagrância, nos termos do previsto no artigo 303 do Código de Processo Penal, e havendo tal, a inviolabilidade de domicílio tutelada pelo art. 5º, inciso, XI, da Constituição Federal, não mais resta absoluta, podendo a prisão em flagrante ser legitimamente realizada por qualquer do povo.
2. No período entre 4 de setembro de 2007 (data do primeiro pagamento) e 5 de janeiro de 2009 (data do último pagamento), a denunciada DOMINGAS DOS ANJOS RODRIGUES DOS SANTOS, obteve, para si, vantagem ilícita, em prejuízo do INSS, induzindo e mantendo em erro a autarquia previdenciária, mediante meio fraudulento. Após informada da ilicitude do recebimento na Polícia Civil, no dia seguinte (10/01/2009) foi ao INSS cancelar o benefício.
3. Se tratando de crime permanente, e, considerando que no momento da abordagem policial o delito em tela estava em plena consumação, não há falar-se em ilicitude do flagrante, tampouco das provas carreadas aos autos.
4. O fato objeto de apuração nestes autos seria, de qualquer forma, descoberto pelas autoridades policiais, por meio de simples procedimento investigativo, qual seja, a expedição de ofício ao INSS a fim de ser apurado o recebimento do benefício previdenciário pela acusada em nome de pessoa já falecida. Nesse caso, aplica-se a denominada "Teoria da Inevitabilidade", prevista em nosso sistema processual penal no artigo 157, § 2º, do CPP.
5. O simples fato de a Polícia ter agido com lastro em denúncia anônima, por si só, não tem o condão de macular a diligência e as provas colhidas, uma vez que, além de não haver provas incontestes de ter havido violação de domicílio pelos policiais, a denúncia anônima é admitida em nosso ordenamento, ainda que com restrições.
6. A simples apuração de um fato apresentado anonimamente à Polícia, não apenas não se trata de ato arbitrário ou desproporcional, mas, ao contrário, revela-se como obrigação dessas autoridades em ao menos averiguar o fato em tese criminoso, face à aplicação ao caso do princípio da indisponibilidade do interesse público.
7. Os fatos deveriam ser melhor apurados em sede de instrução, para, ao final, poder-se concluir com supedâneo em todo um contexto probatório robusto, ainda que seja para reconhecer-se a nulidade ab initio da persecução criminal. Incabível essa conclusão antes de se possibilitar o exercício pleno do contraditório e da ampla defesa às partes.
8. Recurso ministerial provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso ministerial, a fim de receber a denúncia quanto ao crime tipificado no art. 171, § 3º, do Código Penal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.



São Paulo, 21 de outubro de 2013.
LUIZ STEFANINI
Desembargador Federal


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RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0006224-98.2009.4.03.6181/SP
2009.61.81.006224-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal LUIZ STEFANINI
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO : DOMINGAS DOS ANJOS RODRIGUES DOS SANTOS
ADVOGADO : LEONARDO JOSE DA SILVA BERALDO (Int.Pessoal)
: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00062249820094036181 8P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal, em face da r. decisão de fls. 130/138, em que o MMº Juízo Federal da 8ª Vara Criminal Federal de São Paulo/SP, rejeitou a denúncia ofertada em desfavor da acusada Domingas dos Anjos Rodrigues dos Santos, quanto ao crime tipificado no art. 171, §3º, combinado com o art. 71, ambos do Código Penal, por não haver justa causa para o exercício da ação penal, porquanto lastreada em elementos de prova ilícita (art. 5º, LVI, CF).


Em razões de fls. 142/148, o Parquet Federal, em síntese, requer a reforma da decisão a fim de que a denúncia seja recebida, uma vez que existiriam elementos probatórios independentes suficientes ao recebimento da denúncia.


Contrarrazões pela defesa às fls. 154/162, pelo improvimento do recurso ministerial.


Em sede de juízo de retratação (fl. 164), o magistrado manteve a decisão recorrida por seus próprios fundamentos.


Em parecer de fls. 165/169, a Procuradoria Regional da República opinou pelo provimento do recurso.


É o relatório.


Dispensada a revisão.



LUIZ STEFANINI
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0006224-98.2009.4.03.6181/SP
2009.61.81.006224-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : DOMINGAS DOS ANJOS RODRIGUES DOS SANTOS
ADVOGADO : LEONARDO JOSE DA SILVA BERALDO (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00062249820094036181 8P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta pelo Ministério Público Federal em face da sentença de fls. 198/202, que absolveu sumariamente Domingas dos Anjos Rodrigues dos Santos do delito do art. 171, § 3º, do Código Penal, com fundamento no art. 397, III, do Código de Processo Penal, por entender ser atípico o fato descrito na denúncia.

A acusação, em razões de apelação, sustenta:

a) restar configurada a tipicidade da conduta, pois a utilização de cartão magnético e senha pertencentes à irmã falecida da apelada constituiu o ardil necessário para manter em erro os funcionários do Instituto Nacional do Seguro Social e assegurar o indevido recebimento de benefício assistencial;
b) não haver elementos nos autos que induza à absolvição sumária da acusada, pelo que requer o prosseguimento da ação penal em face de Domingas dos Anjos Rodrigues dos Santos (fls. 204210).

Contrarrazões da defesa às fls. 212/221.

A Procuradoria Regional da República manifesta-se pelo provimento do recurso, para que seja dado regular prosseguimento ao feito (fls. 224/226v.).

Os autos foram encaminhados à revisão, nos termos regimentais.

É o relatório.



Andre Nekatschalow
Desembargador Federal


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RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0006224-98.2009.4.03.6181/SP
2009.61.81.006224-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal LUIZ STEFANINI
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO : DOMINGAS DOS ANJOS RODRIGUES DOS SANTOS
ADVOGADO : LEONARDO JOSE DA SILVA BERALDO (Int.Pessoal)
: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00062249820094036181 8P Vr SAO PAULO/SP

VOTO

O recurso merece provimento.


Segundo a denúncia, no período entre 4 de setembro de 2007 (data do primeiro pagamento) e 5 de janeiro de 2009 (data do último pagamento), a denunciada Domingas dos Anjos Rodrigues dos Santos obteve, para si, vantagem ilícita, em prejuízo do INSS, induzindo e mantendo em erro a autarquia previdenciária, mediante meio fraudulento.


Domingas continuou a receber o benefício assistencial a pessoa portadora de deficiência de titularidade de sua irmã, a segurada Emília Aparecida Rodrigues dos Santos, de quem era curadora, mesmo com o falecimento desta em 26 de agosto de 2007.


Os depósitos das parcelas do benefício assistencial de Emília eram feitos em agência do Banco Itaú, em São Paulo. Domingas conseguia acesso aos valores por meio do cartão magnético da Previdência Social n. 41341-0192-65125-05, emitido em seu nome e com o qual ela realizava os saques.


Por meio de uma denúncia anônima, o fato chegou ao conhecimento das autoridades policiais, que se dirigiram diretamente ao domicílio de Domingas, sem prévia autorização judicial. Lá adentrando encontraram documentos (fls. 17/21) como cartão de banco, extratos bancários, que demonstravam a irregularidade da conduta desta.


Consta, ainda, que "após informada da ilicitude do recebimento na Polícia Civil, no dia seguinte (10/01/2009) foi ao INSS cancelar o benefício" (fl.36).


A decisão recorrida (fls. 130/138) restou assim fundamentada:


"[...] Entrementes, no caso em tela, a polícia civil - instituição amiúde refratária à observância do devido processo legal (art. 5º, LVI, CF) e demais postulados característicos do Estado Democrático de Direito - imediatamente após a delação anônima, dirigiu-se diretamente à casa da investigada para colher elementos de prova em seu domicílio sem autorização judicial.
Ora, a delação anônima, por si só, não constitui elemento suficiente nem mesmo para que o Poder Judiciário defira a medida de busca e apreensão domiciliar (art. 240, § 1º, do CPP).
[...]
Nesse contexto, pondero que ao Poder Judiciário, como guardião dos direitos individuais e da observância das garantias constitucionais por parte do Estado, incumbe o dever de zelar pela efetividade destas garantias no caso concreto, de forma a eliminar práticas investigativas que afrontam caros princípios constitucionais.
[...]
Portanto, em virtude da falta de aptidão jurídica da prova colhida na fase inquisitiva, a qual se revelou imprestável porquanto obtida por meio ilícito, consistente em devassa à inviolabilidade do domicílio e à intimidade da investigada, à míngua de autorização judicial, a ação penal carece de justa causa".

Pois bem, brevemente sintetizados os fatos, tenho que o I. Magistrado de primeiro grau, ao rejeitar a denúncia, não atentou para o fato de o crime de estelionato previdenciário, perpetrado pelo próprio beneficiário, ser de natureza permanente, de forma que enquanto não cessada a permanência haverá o estado de flagrância, nos termos do previsto no artigo 303 do Código de Processo Penal, e havendo tal quadro, a inviolabilidade de domicílio tutelada pelo art. 5º, inciso, XI, da Constituição Federal, não mais resta absoluta.


Com efeito, enquanto remanescer o estado de flagrância é facultado a qualquer pessoa do povo, e dever das autoridades policiais, adentrar em domicílio alheio, a qualquer momento do dia ou da noite, para efetuar prisão em flagrante, à luz do disposto no artigo 5º, inciso LXI, da Constituição Federal.


Relativamente aos fatos já narrados, apreende-se que até o momento da abordagem policial, Domingas dos Anjos Rodrigues dos Santos estava em prática delituosa, porquanto o crime de estelionato previdenciário por ela perpetrado, por possuir natureza permanente, mantinha-se em plena consumação.


Nesse sentido, quanto ao entendimento de o crime de estelionato previdenciário tratar-se de delito permanente colaciono os seguintes julgados:


PENAL. RECURSO ESPECIAL. ART. 171, § 3º, DO CP. DELITO PERMANENTE. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. TERMO INICIAL. I - O estelionato previdenciário, em que há percepção de parcelas sucessivas do benefício, é crime permanente cujo lapso prescricional começa a contar da data em que cessa a permanência (artigo 111, inciso III, do Código Penal). (Precedentes). II - Escorreita a orientação do e. Tribunal a quo que considerou-se cessada a permanência delitiva na data do recebimento da última parcela indevida, in casu, aquela determinada administrativamente pelo INSS (STJ - SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Classe: RESP - RECURSO ESPECIAL - 964335 Processo: 200701486500 UF: RJ Órgão Julgador: QUINTA TURMA Data da decisão: 25/10/2007 Documento: STJ000792449 Fonte DJ DATA:10/12/2007 PÁGINA:439 Relator(a) FELIX FISCHER) - grifo nosso.


ESTELIONATO QUALIFICADO (CP, ART 171, § 3º). FRAUDE NA PERCEPÇÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PRESCRIÇÃO. (...) Quanto à prescrição, dada a natureza permanente da conduta, o prazo começa a fluir a partir da cessação da permanência e não do primeiro pagamento do benefício. Precedente (HC 83.252). 2. HC indeferido (STF - Supremo Tribunal Federal Classe: HC - HABEAS CORPUS Processo: 83967 UF: SP - SÃO PAULO Órgão Julgador: Data da decisão: Documento: Fonte DJ 03-09-2004 PP-00034 EMENT VOL-02162-01 PP-00127 LEXSTF v. 27, n. 313, 2005, p. 451-455 Relator(a) ELLEN GRACIE) - grifo nosso.


(..) A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal é no sentido de que o crime de estelionato praticado contra a previdência social tem natureza permanente, e, por isso, o prazo prescricional começa a fluir a partir da cessação da permanência e não do primeiro pagamento do benefício. 3. Não-ocorrência da prescrição retroativa 4. Habeas Corpus denegado (STF - Supremo Tribunal Federal Classe: HC - HABEAS CORPUS Processo: 89925 UF: RS - RIO GRANDE DO SUL Órgão Julgador: Data da decisão: Documento: Fonte DJ 16-02-2007 PP-00049 EMENT VOL-02264-03 PP-00511 Relator(a) CÁRMEN LÚCIA) - grifo nosso.


[...] I - O crime de estelionato contra a Previdência Social tem caráter permanente. O momento consumativo perdura até o instante em que cessada a permanência, data a ser considerada para fins prescricionais. Inocorrência de prescrição retroativa. Preliminar rejeitada (TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO Classe: ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 29369 Processo: 200061810044263 UF: SP Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA Data da decisão: 19/02/2008 Documento: TRF300144454 Fonte DJU DATA:29/02/2008 PÁGINA: 560 Relator(a) JUIZ HENRIQUE HERKENHOFF) - grifo nosso.


Outrossim, em se tratando de crime permanente, e, considerando que no momento da abordagem policial o delito em tela estava em plena consumação, o que legitimaria, inclusive, a prisão em flagrante, entendo não haver falar-se em ilicitude da atuação policial, tampouco das provas carreadas aos autos, sendo desnecessária, em casos como tais, autorização judicial prévia.


Entendo, ainda, que neste momento prefacial de análise da inicial acusatória não há como se atribuir conduta ilícita aos policiais que realizaram a diligência, pois, além da situação de flagrância acima retratada, inexiste prova cabal de que a acusada não tenha, voluntariamente, permitido o ingresso dos agentes em sua residência.


Ademais, como bem destacado pelo "Parquet" Federal em seu parecer, o fato objeto de apuração nestes autos seria, de qualquer forma, descoberto pelas autoridades policiais, por meio de simples procedimento investigativo, qual seja, a expedição de ofício ao INSS a fim de ser apurado o recebimento do benefício previdenciário pela acusada em nome de pessoa já falecida.


Nesse caso, aplica-se a denominada "Teoria da Inevitabilidade", prevista em nosso sistema processual penal no artigo 157, § 2º, do CPP, verbis:


"Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)

§ 1o São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)

§ 2o Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova". (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008) - grifo nosso.


Portanto, considerando que seguindo os trâmites típicos e de praxe da investigação a autoridade policial, inevitavelmente, obteria as provas necessárias à demonstração da materialidade e autoria delitivas, não há que se considerar tais provas como ilícitas.


Por fim, o simples fato de a Polícia ter agido com lastro em denúncia anônima, por si só, não tem o condão de macular a diligência e as provas colhidas, uma vez que, como dito, além de não haver provas incontestes de ter havido violação de domicílio pelos policiais, por meio de conduta coatora à requerida, a denúncia anônima é admitida em nosso ordenamento, ainda que com restrições.


Com efeito, não há qualquer mácula de inconstitucionalidade na denominada "denúncia anônima", sendo, ao contrário, forma corriqueira de apuração de infrações penais pela Polícia e que, muitas vezes, revela-se como único meio de se desvendar determinadas práticas delitivas, servindo, ao mesmo tempo, como estímulo ao denunciante em apresentar a notitia criminis, já que resguardadas a sua vida e integridade física e a de seus familiares, circunstância que vai ao encontro do interesse público, devendo, por outro lado, ser criteriosa e prudentemente utilizada pelas autoridades policiais, a fim de evitar-se invasão desproporcional e abusiva na esfera da intimidade e privacidade dos cidadãos, o que, como já observado, não há provas de ter ocorrido no caso em análise.


Portanto, a simples apuração de um fato apresentado anonimamente à Polícia, não apenas não se trata de ato arbitrário ou desproporcional, mas, ao contrário, revela-se como obrigação dessas autoridades em ao menos averiguar, discreta e prudentemente, o fato em tese criminoso, face à aplicação ao caso do princípio da indisponibilidade do interesse público.


Sobre o tema o ilustre Professor Fernando da Costa Tourinho Filho preleciona que:


"Disque-denúncia: Assinala-se que já se tornou praxe, na Polícia, o denominado 'Disque-Denúncia'. Contudo, a autoridade que receber a denúncia não tem nenhuma obrigação de atendê-la. Mas, se quiser empreender a investigação, que o faça de maneira discreta, mantendo absoluto sigilo, e se por acaso houver êxito, que se instaure o inquérito". (in Código de Processo Penal Comentado, Saraiva, 12ª ed., p. 51).


Nesse mesmo sentido, colaciono os seguintes julgados:


CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO. APURAÇÃO DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. POSSIBILIDADE. DENÚNCIA ANÔNIMA. INVESTIGAÇÃO SOBRE SUA VERACIDADE. POSSIBILIDADE. [...] Impõe-se destacar também que a "denúncia" anônima, quando fundada - vale dispor, desde que forneça, por qualquer meio legalmente permitido, informações sobre o fato e seu provável autor, bem como a qualificação mínima que permita sua identificação e localização -, não impede a respectiva investigação sobre a sua veracidade, porquanto o anonimato não pode servir de escudo para eventuais práticas ilícitas e ponto de transformar o Estado em verdadeiro paraíso fiscal. 8. Aliás, o art. 2º, § 3º, da Resolução n. 23/07, do Conselho Nacional do Ministério Público, é expresso ao prever a necessidade de tomada de providências, ainda que o conhecimento pelo Parquet de fatos constituidores, em tese, de lesão aos interesses e direitos cuja proteção está a seu cargo se dê por manifestação anônima. Precedentes. (RMS 32065 / PR RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA 2010/0081177-0 Relator(a) Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES (1141) Órgão Julgador T2 - SEGUNDA TURMA Data do Julgamento 17/02/2011 Data da Publicação/Fonte DJe 10/03/2011 9. Recurso ordinário não provido) - grifo nosso.


PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 33, CAPUT, DA LEI N.º 11.343/06. ALEGADA CONDENAÇÃO FUNDAMENTADA EXCLUSIVAMENTE EM ELEMENTOS INFORMATIVOS COLHIDOS NO INQUÉRITO POLICIAL. INOCORRÊNCIA. PRETENSÃO DE ABSOLVIÇÃO POR AUSÊNCIA DE PROVAS IDÔNEAS A EMBASAR A CONDENAÇÃO. EXAME DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO INCABÍVEL NA VIA ELEITA. INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL A PARTIR DE DENÚNCIA ANÔNIMA. ADMISSIBILIDADE. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. CONDENAÇÃO TRANSITADA EM JULGADO. PERDA DO OBJETO.III - Não há, na linha da jurisprudência do c. Supremo Tribunal Federal, (v.g. HC 95.244/PE, 1ª Turma, Rel. Min. Dias Toffoli, DJE 30/04/2010) qualquer ilegalidade na determinação de realização de diligência para apurar a veracidade de denúncia anônima formulada dando conta da prática de crime de tráfico de entorpecentes, da qual advém a prisão em flagrante do paciente. (HC 137256 / RJ HABEAS CORPUS 2009/0100281-6 Relator(a) Ministro FELIX FISCHER (1109) Órgão Julgador T5 - QUINTA TURMA Data do Julgamento 03/08/2010 Data da Publicação/Fonte DJe 13/09/2010) - grifo nosso.


Destarte, considerando que a denúncia anônima, por si só, não tem o condão de macular a persecução criminal, que não há prova inconteste de violação do domicílio da acusada, e, portanto, de coação ilegal pelos agentes estatais que atuaram na diligência, bem como que no caso dos autos revelou-se tratar-se de crime permanente, a legitimar a atuação policial, tenho que houve precipitação do MMº Juízo "a quo", ao rejeitar a denúncia com base em fatos que, segundo entendo, deveriam ser melhor apurados em sede de instrução, para, ao final, poder-se concluir com supedâneo em todo um contexto probatório robusto, ainda que seja para reconhecer-se a nulidade ab initio da persecução criminal, sendo a meu ver incabível essa conclusão antes de se possibilitar o exercício pleno do contraditório e da ampla defesa às partes.

Ante todo o exposto, dou provimento ao recurso ministerial, a fim de receber a denúncia quanto ao crime tipificado no art. 171, § 3º, do Código Penal.


É como voto.


LUIZ STEFANINI
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): LUIZ DE LIMA STEFANINI:10055
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Data e Hora: 17/09/2013 15:42:06



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0006224-98.2009.4.03.6181/SP
2009.61.81.006224-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : DOMINGAS DOS ANJOS RODRIGUES DOS SANTOS
ADVOGADO : LEONARDO JOSE DA SILVA BERALDO (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00062249820094036181 8P Vr SAO PAULO/SP

VOTO

Imputação. Domingas dos Anjos Rodrigues dos Santos foi denunciada pelo art. 171, § 3º, c. c. o art. 71, ambos do Código Penal, porque entre 04.09.07 e 05.01.09, induzindo e mantendo em erro a Autarquia Previdenciária, obteve para si vantagem ilícita.

Narra a denúncia que a vantagem ilícita consistiu no recebimento indevido de benefício assistencial por Domingas dos Anjos, por meio de saques realizados com a utilização de cartão magnético e senha relacionados a benefício assistencial para pessoas deficientes recebido por Emília Aparecida Rodrigues dos Santos, sua falecida irmã.

A apelada era sua curadora de Emília Aparecida e, por essa razão, o cartão magnético da Previdência Social foi emitido em seu próprio nome, o que lhe permitia sacar e administrar as parcelas do benefício previdenciário devido à irmã. No entanto, mesmo depois do falecimento de Emília, a ré, omitindo-se quanto a este fato, continuou a levantar os valores mensais disponibilizados pelo INSS, o que causou aos cofres públicos o prejuízo de R$ 6.817,20 (seis mil, oitocentos e dezessete reais e vinte centavos) (fls. 127/129).

Do processo. O Juízo a quo rejeitou a denúncia em 31.01.12.

O Ministério Público Federal recorreu contra esta decisão (fls. 142/148) e a Quinta Turma deste Tribunal Regional, em 21.10.13, por meio do voto do então relator Des. Federal Luiz Stefanini, proveu o recurso e recebeu a denúncia (fl. 181/181v.)

Sentença. O Juízo a quo absolveu sumariamente a apelada com fundamento no art. 397, III, do Código de Processo Penal, ao entendimento de que ausente o dolo da conduta, não há previsão legal para imputar à ré o delito do art. 171, § 3º, do Código Penal na forma culposa (fls. 198/202).

Erro de proibição. Para configurar o erro de proibição é necessário que o agente suponha, por erro, que seu comportamento é lícito, vale dizer, há um juízo equivocado sobre aquilo que lhe é permitido fazer na vida em sociedade, consoante Julio Fabbrini Mirabete, in verbis:

O agente, no erro de proibição, faz um juízo equivocado sobre aquilo que lhe é permitido fazer na vida em sociedade. Evidentemente, não se exige de todas as pessoas que conheçam exatamente todos os dispositivos legais, mas o erro só é justificável quando o sujeito não tem condições de conhecer a ilicitude de seu comportamento.
(Mirabete, Julio Fabbrini, Manual de direito penal, São Paulo, Atlas, 2003, p. 201)

Do caso dos autos. O Juízo a quo absolveu sumariamente a ré, sob o fundamento de não restar comprovado nos autos o artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento utilizado por Domingas para induzir em erro o INSS e continuar recebendo parcelas do benefício assistencial devido a sua falecida irmã, já que pensava que o benefício lhe era devido e desconhecer a necessidade de comunicar o óbito da beneficiária ao INSS (fls. 198/202).

Esse fundamento não deve prevalecer.

A mera alegação de que desconhecia a ilicitude da conduta não exime a apelada de sua responsabilidade penal, sendo necessária sua comprovação cabal para caracterizar a excludente de antijuridicidade.

Infere-se dos autos a inexistência de provas hábeis a justificar o erro de proibição. Ao contrário, todo o contexto fático remete à conclusão de que a ré estava ciente da conduta praticada, inexistindo quaisquer indícios que demonstrem com segurança o total desconhecimento acerca de sua ilicitude, tampouco a inevitabilidade de tal ignorância.

Em interrogatório policial a acusada declarou desconhecer que as parcelas do benefício assistencial destinadas a Emília não lhe pertenciam, uma vez que era sua curadora e responsável pela administração de seus bens, no entanto, na mesma ocasião, afirmou haver requerido o benefício em nome de sua irmã, pois sabia que o referido benefício era devido apenas a pessoas com necessidades especiais (fls. 15 e 36/37).

Não incide, portanto, nesta fase processual, a absolvição sumária da acusada.

Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso para reformar a sentença e determinar o prosseguimento do feito.

É o voto.


Andre Nekatschalow
Desembargador Federal


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