D.E. Publicado em 31/10/2013 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso ministerial, a fim de receber a denúncia quanto ao crime tipificado no art. 304, do Código Penal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal, em face da r. decisão de fl. 90, em que o MMº Juízo Federal da 3ª Vara Criminal Federal de São Paulo/SP, rejeitou a denúncia ofertada em desfavor do acusado Marco Antônio Lima, quanto ao crime tipificado no art. 304 c.c art. 297, do Código Penal, por entender que não restou comprovada a materialidade delitiva.
Em razões de fls. 93/98, o Parquet Federal, em síntese, requer a reforma da decisão a fim de que a denúncia seja recebida, uma vez que a jurisprudência tem admitido de maneira pacífica o uso de outros meios de prova que não a perícia para demonstrar a materialidade de delitos que deixam vestígios materiais.
Contrarrazões pela defesa às fls. 104/106, pelo improvimento do recurso ministerial.
Em sede de juízo de retratação (fl.107), o magistrado manteve a decisão recorrida por seus próprios fundamentos.
Em parecer de fls. 109/111, a Procuradoria Regional da República opinou pelo improvimento do recurso.
É o relatório.
Dispensada a revisão.
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VOTO
O recurso merece provimento.
Segundo a denúncia, no dia 20 de maio de 2011, Marco Antonio Lima compareceu ao posto da Receita Federal no Poupatempo Itaquera, em São Paulo, com a intenção de corrigir inconsistências cadastrais de seu CPF. Ele então apresentou o cartão plástico de CPF nº 234.577.958-60, emitido em seu nome, com data de nascimento no dia 18/06/1980 e expedido em novembro de 2008 pelos Correios ao atendente Sergio Ricardo Hokama. Este, em consulta ao sistema, verificou que o referido número de CPF fora emitido em nome do denunciado, mas com data de nascimento diversa, dia 08/06/1980, e com expedição em 21/01/2011.
No entanto, por força da Instrução Normativa RFB n. 1.042/2010, o cartão de CPF em PVC deixou de ser emitido pelos Correios a partir de setembro de 2010, sendo substituído por um cartão virtual emitido no site da Receita Federal. Dessa forma, além das datas de nascimento e expedição conflitantes, o cartão apresentado pelo denunciado não mais poderia ter sido expedido pelos Correios.
O atendente Sérgio também conseguiu verificar no sistema que Marco Antonio já possuía em seu nome outro número de CPF, nº 278.829.248-14, em que constavam data de nascimento e nome da mãe com pequenas alterações das constantes no cartão apresentado. A data aparecia como 18/06/1980 e, como nome da mãe, Edewirges Baptista Lirola ao invés de Edevirges Baptista Lirola. O servidor, além disso, constatou que o título de eleitor nº 00578660322-16, usado para o cadastro do CPF nº 234.577.958-60, era inexistente.
Se deparando com essas irregularidades, Sérgio Ricardo Hokama solicitou ao denunciado que exibisse novamente o cartão com o CPF nº 234.577.958-60, momento em este negou que portasse o referido documento. Diante disso, foi acionada a ação de um policial civil no local que, em revista pessoal em Marco Antonio, encontrou o cartão.
A decisão recorrida (fl. 90) restou assim fundamentada:
O I. Magistrado de primeiro grau ao rejeitar a denúncia deixou de atentar, primeiramente, para o fato de que existe firme jurisprudência no sentido da desnecessidade de prova pericial para a comprovação da materialidade delitiva no delito de uso de documento falso.
Nesse sentido, colaciono os seguintes julgados:
"PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. USO DE DOCUMENTO FALSO. ALEGADA AUSÊNCIA DE MATERIALIDADE DO DELITO PELA NÃO-REALIZAÇÃO DO EXAME DE CORPO DE DELITO. PRESCINDIBILIDADE. CONTRAFAÇÃO EVIDENTE. DOCUMENTO ENCARTADO NOS AUTOS. CONFISSÃO DO RÉU. TERCEIRO QUE CONFIRMA QUE NÃO FOI AUTOR DAS DECLARAÇÕES. ORDEM DENEGADA. 1. Não há ilegalidade na não-realização do exame de corpo de delito quando a existência material do crime encontra-se comprovada, tornando, assim, inútil a realização da perícia. 2. No caso, o documento falsificado encontra-se encartado nos autos, o reú confessou a prática do ilícito e o ex-empregador declarou não ser o autor das declarações. 3. Ordem denegada. " (HC 141821/RS, 5.ª Turma, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, DJe de 01/02/2010.) - grifo nosso.
"AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. RÉU PROCURADOR DO ESTADO. FALSIDADE IDEOLÓGICA E USO DE DOCUMENTO FALSO. EXAME DE CORPO DE DELITO NO CRIME DE USO DE DOCUMENTO PARTICULAR FALSO. MATERIALIDADE DO CRIME AFERIDA POR OUTROS MEIOS IDÔNEOS. FORO PRIVILEGIADO. ACÓRDÃO QUE DECIDIU BASEADO EXCLUSIVAMENTE EM FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. CONCEITO DE OBJETO MATERIAL DO DELITO DE FALSIDADE IDEOLÓGICA. MATÉRIA NÃO DEBATIDA PELA CORTE A QUO. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. PETIÇÃO. INSERÇÃO DE FATO INVERÍDICO. FALSIDADE IDEOLÓGICA. IMPOSSIBILIDADE. 1. Na hipótese de crime de falsidade documental, a comprovação da materialidade pelo exame de corpo de delito não é indispensável à propositura da ação penal, podendo ser produzida a prova no curso do sumário e a materialidade do crime aferida por outros meios idôneos. [...] 5. Agravo regimental desprovido. Habeas corpus concedido, de ofício, para declarar a atipicidade do crime de falsidade ideológica imputado ao Agravante, mantido, no mais, o acórdão recorrido. " (AgRg no Ag 1015372/RJ, 5.ª Turma, Rel. Min. LAURITA VAZ, DJe de 29/03/2010.) - grifo nosso.
Conforme se pode extrair do auto de prisão em flagrante (fls. 02/03) e do termo de depoimento em auto de prisão em flagrante delito (fls. 06/07): "logo após ter apresentado um cartão CPF com o número nº 234.577.958-60, emitido com o nome MARCO ANTONIO LIMA, nascimento 18/06/1980, com expedição em Novembro de 2008 pelos Correios, sendo que em consultas cadastrais no sistema, os funcionários verificaram que constava como data de nascimento o dia 08/06/1980, e que o número de inscrição havia sido gerado somente em 21/01/2011. Ocorre que a partir de setembro de 2010, o cartão do CPF em PVC deixou de ser emitido pelos Correios...Como a inscrição foi gerada somente em 21/01/2011, conclui-se que não haveria como o cidadão possuir um cartão em PVC.". Além disso, como anteriormente ressaltado, o denunciado já possuía outro número de CPF e o título de eleitor fornecido para conseguir esse novo número constante no cartão de PVC era inexistente. Dessa forma, conclui-se haver outros meios idôneos constantes no processo para averiguação da materialidade.
Em segundo lugar, deve-se salientar que o crime de uso de documento falso "Trata-se de crime formal (que não exige resultado naturalístico para sua consumação), instantâneo e comum (que não exige qualidade ou condição especial do sujeito), de forma livre (que pode ser praticado por qualquer meio ou forma pelo agente), instantâneo de efeitos permanentes (consuma-se de pronto, mas seus efeitos perduram no tempo); unissubjetivo (que pode ser praticado por um agente apenas), plurissubsistente (crime que, em regra, pode ser praticado com mais de um ato, admitindo, em conseqüência, fracionamento em sua execução. " (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Especial 4. Dos Crimes Contra os Costumes até Dos Crimes Contra a Fé Pública. 3ª ed. 2008, p.342/343).
Por fim, a adequação do fato como típico bem como a existência de eventual causa de extinção da punibilidade somente poderão ser corretamente avaliados após investigação dos fatos e sua devida apuração juntamente com outras provas. Se a conduta não se mostra, em princípio, atípica, merece devida elucidação.
Ante todo o exposto, dou provimento ao recurso ministerial, a fim de receber a denúncia quanto ao crime tipificado no art. 304 do Código Penal.
É como voto.
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