D.E. Publicado em 25/10/2013 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso do Ministério Público Federal para reconhecer a continuidade delitiva; e dar parcial provimento ao recurso da defesa para excluir da condenação os fatos abrangidos pelas NFLDs 35.239.036-0 e 35.239.035-2, que não tratam de contribuições previdenciárias descontadas dos salários dos empregados. Assim, a pena imposta a Henrique Kertzman Misionschnik fica estabelecida em 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão e 13 (treze) dias-multa; e a imposta a Jaques Broder Cohen, em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa, como incursos nas disposições do artigo 168-A, c.c. o artigo 71, co artigo 71, caput, ambos do Código Penal. Quanto ao mais, fica mantida a r. sentença de primeiro grau de jurisdição. Eventual prescrição, à vista das penas aplicadas, será analisada após o trânsito em julgado para a acusação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
O Senhor Desembargador Federal Nelton dos Santos (Relator): Trata-se de apelações interpostas, de um lado, por Henrique Kertzman Misionschnik e Jacques Broder Cohen e, de outro, pelo Ministério Público Federal, em face de sentença que condenou os réus, como incursos nas disposições do art. 168-A do Código Penal, a 2 (dois) anos de reclusão, a serem cumpridos inicialmente em regime aberto, e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, cada qual no valor de 1/10 (um décimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, substituída a pena privativa de liberdade por prestações pecuniária e de serviços à comunidade.
Consta da denúncia que os réus Henrique Kertzman Misionschnik e Jacques Broder Cohen, o primeiro na qualidade de sócio majoritário e o segundo na de fundador e administrador da empresa "Giovanna Baby Indústria e Comércio Ltda.", deixaram de recolher aos cofres do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS as quantias descontadas dos salários de seus empregados a título de contribuição social, nos períodos de março de 1997 a dezembro de 1998, fevereiro a dezembro de 1999, janeiro de 1999 a setembro de 2000 e março de 1999 a janeiro de 2000.
Em suas razões recursais, a defesa dos réus alega, preliminarmente, que:
a) a denúncia é inepta, pois não observou o disposto no art. 41 do Código de Processo e Penal e descreveu fatos em dissonância com a respectiva Representação Fiscal para fins penais;
b) a sentença deve ser anulada, pois condenou os apelantes por fatos não descritos da peça acusatória;
c) a ausência de exame de corpo de delito comprovando a efetiva apropriação indébita enseja o reconhecimento de nulidade da condenação.
Quanto ao mérito, a defesa busca a reforma da sentença, com base nas seguintes alegações:
a) apenas o apelante Henrique Kertzman Misionschnik administrou efetivamente a empresa, de sorte que o corréu Jaques Broder Cohen não pode ser responsabilizado pelos fatos descritos na denúncia;
b) a defesa demonstrou as dificuldades financeiras enfrentadas pela empresa e pelo corréu Henrique Kertzman Misionschnik, comprovando a impossibilidade de efetuar o recolhimento das contribuições previdenciárias, razão pela qual os réus devem ser absolvidos por inexigibilidade de conduta diversa;
c) a conduta imputada aos réus é atípica, tendo em vista a ausência de dolo específico;
d) não restou comprovado que os réus tomaram para si os valores não recolhidos à previdência social.
O Ministério Público Federal, em suas razões recursais, pugna pela reforma da sentença, aduzindo que:
a) embora o réu Jacques Broder Cohen tenha saído formalmente da sociedade em junho de 1997, a prova dos autos indica que ele permaneceu administrando-a, razão pela qual deve ser condenado pelas condutas praticadas após o referido período;
b) deve ser aplicada à pena de ambos os réus a causa de aumento de pena prevista no art. 71 do Código Penal e, ainda, em sua fração máxima;
c) a pena-base deve ser majorada em, pelo menos, 1/2 (metade), tendo em vista a existência de circunstâncias desfavoráveis contra ambos os réus.
Ambas as partes apresentaram contrarrazões.
Nesta instância, o Ministério Público Federal, em parecer da lavra da e. Procuradora Regional da República Ana Lúcia Amaral, opina pelo desprovimento da apelação defensiva e pelo provimento do recurso ministerial.
É o relatório.
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VOTO
O Senhor Desembargador Federal Nelton dos Santos (Relator): A defesa dos réus alega, num primeiro momento, que a denúncia é inepta.
Lendo-se, contudo, a exordial acusatória, não se constata a existência de vício formal a contaminá-la de nulidade.
Com efeito, o Ministério Público Federal atribui aos denunciados a conduta consciente e voluntária de não recolherem, nas épocas próprias, os valores descontados dos salários dos empregados da empresa "Giovanna Baby Indústria e Comércio Ltda." em períodos ali especificados, conforme NFLDs perfeitamente identificadas e quantificadas.
Referida conduta é penalmente típica, encontrando previsão no artigo 168-A do Código Penal. A descrição apresentada pelo parquet é suficiente ao perfeito exercício do direito de defesa. Não há, pois, a cogitada inépcia.
Também não é caso, data venia, de anular-se a sentença, que examinou com precisão os fatos identificados pelas NFLD indicadas na denúncia, não havendo violação ao princípio da congruência. A alegação de que parte dos documentos acostados à denúncia não se refere a contribuição descontada dos salários dos empregados é atinente ao mérito, já que diz respeito à conformidade entre a imputação e a prova. Nulidade haveria se a desconformidade recaísse entre a imputação e a sentença, o que não é o caso.
Quanto à materialidade dos delitos, diga-se que a representação fiscal para fins penais é prova suficiente da ocorrência dos fatos ali descritos, mesmo porque não houve fundada impugnação que colocasse em dúvida o trabalho da fiscalização.
Por outro lado, assiste razão à defesa na parte em que afirma que os documentos produzidos no âmbito da fiscalização não se referem, todos, a descontos de contribuições sobre salários de empregados.
Com efeito, da representação fiscal para fins penais colhe-se que os administradores da empresa deixaram de recolher, aos cofres do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, "os valores cobrados em notas fiscais, faturas ou recibos de prestação de serviços, referentes a contribuições devidas por empresas que lhes prestaram serviços, bem como as contribuições previdenciárias deduzidas dos salários de seus empregados" (f. 6).
Ora, a denúncia alude apenas a contribuições descontadas dos salários dos empregados, sendo certo que, relativamente a essa conduta, há somente duas NFLDs. Veja-se:
a) NFLD n.º 35.239.034-4 - contribuições previdenciárias descontadas dos salários dos empregados (f. 239 e 242);
b) NFLD n.º 35.239.036-0 - retenção pela tomadora de serviços mediante cessão de mão-de-obra (f. 284 e 287);
c) NFLD n.º 35.239.037-9 - contribuições previdenciárias descontadas dos salários dos empregados (f. 263 e 267);
d) NFLD n.º 35.239.035-2 - retenção pela tomadora de serviços mediante cessão de mão-de-obra (f. 219 e 222).
Desse modo, os denunciados não podem ser condenados com base em documentos que se referem a débitos de natureza diversa daquela referida na denúncia. O Ministério Público Federal afirma que os réus não recolheram contribuições previdenciárias descontadas dos salários dos empregados. Ocorre que, duas das quatro NFLDs indicadas pelo parquet dizem respeito a retenção pela tomadora de serviços mediante cessão de mão-de obra.
Assim, prova da materialidade existe somente em relação às contribuições previdenciárias descontadas dos salários dos empregados, ou seja, aquelas de que tratam as NFLDs n. 35.239.034-4 e 35.239.037-9, cujos valores e competências são a seguir relacionados:
NFLD n.º 35.239.034-4: 03/1997 a 12/1998 - R$ 45.344,16;
NFLD n.º 35.239.037-9: 01/1999 a 12/2000 - R$ 143.585,23.
Quanto à autoria, a MM. Juíza sentenciante considerou que o denunciado Henrique Kertzman Misionschnik praticou a conduta durante todos os períodos referidos na denúncia; e que o denunciado Jaques Broder Cohen praticou-a somente até junho de 1997, quando deixou o quadro de sócios da empresa.
Não há qualquer discussão a respeito da autoria do denunciado Henrique Kertzman Misionschnik, mas em relação ao denunciado Jaques Broder Cohen ambas as partes sustentam o desacerto da sentença.
A defesa, de um lado, aduz que Jaques Broder Cohen não administrou a empresa. A r. sentença, porém, evidenciou que a prova documental - consubstanciada no contrato social - é corroborada pela prova oral, no sentido de que, até junho de 1997, referido réu participava da gestão da empresa.
De outro lado, o parquet afirma que a prova produzida nos autos é suficiente à conclusão de que Jaquer Broder Cohen continuou administrando a empresa mesmo depois de formalmente afastado da sociedade.
As primeiras provas mencionadas pelo Ministério Público Federal são os depoimentos prestados por José Carlos Lorente e Augusto Peixoto da Mata Machado à autoridade policial.
Ocorre que o Ministério Público Federal não arrolou tais testemunhas na denúncia e, por conseguinte, elas não foram inquiridas sob o crivo do contraditório. Nada consta nos autos que inviabilizasse a repetição da prova em juízo. Logo, ela não pode ser usada contra os réus.
Indo adiante em seu arrazoado, o parquet invoca o conteúdo dos testemunhos arrolados pela defesa, que confirmariam que o denunciado Jaques Broder Cohen continuou a freqüentar a empresa mesmo depois de sua formal retirada do quadro societário.
Com a devida vênia, da circunstância de o denunciado Jaques Broder Cohen ter, eventualmente, continuado a freqüentar a empresa não decorre a conclusão de que ele tenha continuado a administrá-la. E o fato de Jaques Broder Cohen ter transferido gratuitamente suas cotas sociais ao corréu não é suficiente para sua condenação, a qual pressuporia prova segura de que, no exercício da administração da empresa, ele tivesse deliberado pelo não recolhimento das contribuições em questão.
Sob outro aspecto, a defesa alega que não houve dolo específico e que não se comprovou que os réus tomaram para si os valores descontados.
A esse respeito, é firme o entendimento da Turma no sentido de que, nesse tipo de delito, basta o dolo genérico, sendo prescindível qualquer perquirição ou prova a respeito do animus rem sibi habendi. Comprovados os descontos e o não recolhimento voluntário, tem-se o suficiente para a configuração do crime.
A defesa alega, ainda, que a empresa enfrentou dificuldades financeiras que a escusariam da imputação, a conta de inexigibilidade de conduta diversa.
A esse respeito, diga-se, em primeiro lugar, que meras dificuldades financeiras não caracterizam a excludente. Seria preciso comprovar a absoluta impossibilidade de efetuarem-se os recolhimentos, não sendo admissível que o administrador eleja prioridades outras com dinheiro que não lhe pertence.
Em segundo lugar, anote-se que a defesa comprovou apenas a existência de demissões, reclamações trabalhistas e títulos protestados, o que não basta para a absolvição. Demissões são fatos corriqueiros em qualquer empresa, assim como a existência de reclamações trabalhistas; e títulos protestados comprovam apenas inadimplemento de obrigações. A prova oral, por sua vez, não é hábil a evidenciar a absoluta impossibilidade financeira, fato que haveria de ser comprovado mediante demonstrativos financeiros e patrimoniais.
Nessas condições, é imperioso manter a sentença no que tange à conclusão condenatória: Henrique Kertzman Misionschnik, pelo período de março de 1997 a dezembro de 2000; e Jaques Broder Cohen, pelo período de março a junho de 1997.
No que concerne à dosimetria das sanções, o Ministério Público Federal pugna pela exasperação da pena-base, ao argumento de que ambos os réus ostentariam antecedentes criminais.
Da leitura das razões ministeriais, todavia, vê-se que não é possível prover o recurso, pois todos os feitos criminais protagonizados pelos denunciados são inquéritos policiais ou ações penais não encerradas definitivamente, inservíveis, destarte, à elevação da pena-base, nos termos da Súmula 444 do Superior Tribunal de Justiça.
O elevado valor das contribuições não recolhidas, por sua vez, resulta da continuidade delitiva, não podendo ser considerado na primeira fase do cálculo da pena. Considerados mês a mês, os valores não recolhidos não são expressivos a ponto de justificar a fixação da pena-base em patamar acima do mínimo legal.
Fixada a pena-base no piso legal, não há espaço para a incidência de circunstâncias atenuantes. Circunstâncias agravantes, por sua vez, não há.
Também não existem causas especiais de aumento ou de diminuição da pena.
Aplica-se, contudo, a majoração pela continuidade delitiva. Nesse passo, considero equivocada, data venia, a assertiva lançada na sentença, no sentido de que teria havido crime único. Cada omissão de recolhimento configura um delito e, renovada mês a mês, caracteriza a continuidade delitiva.
O réu Jaques Broder Cohen praticou a conduta por período muito pequeno (três meses), de sorte que a fração de aumento deve ser fixada em 1/6 (um sexto), resultando em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa.
Já o réu Henrique Kertzman Misionschnik praticou-a por 44 (quarenta e quatro) vezes, merecendo incremento sancionatório da ordem de 1/3 (um terço), totalizando 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão e 13 (treze) dias-multa.
Nos termos do artigo 33, § 2º, alínea "c", do Código Penal, o regime prisional inicial, para ambos, há de ser o aberto.
Presentes os requisitos previstos no artigo 44 do Código Penal, as penas privativas de liberdade devem ser substituídas por prestações pecuniária e de serviços à comunidade. Mantenho, pois, a sentença nesse particular, observando, apenas, que a prestação de serviços à comunidade, para ambos os réus, deverá dar-se pelo tempo de pena ora substituído.
O valor do dia-multa não sofreu impugnação, devendo ser mantido assim como fixado na sentença.
Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso do Ministério Público Federal para reconhecer a continuidade delitiva; e dou parcial provimento ao recurso da defesa para excluir da condenação os fatos abrangidos pelas NFLDs 35.239.036-0 e 35.239.035-2, que não tratam de contribuições previdenciárias descontadas dos salários dos empregados. Assim, a pena imposta a Henrique Kertzman Misionschnik fica estabelecida em 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão e 13 (treze) dias-multa; e a imposta a Jaques Broder Cohen, em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa, como incursos nas disposições do artigo 168-A, c.c. o artigo 71, caput, ambos do Código Penal. Quanto ao mais, fica mantida a r. sentença de primeiro grau de jurisdição.
Eventual prescrição, à vista das penas aplicadas, será analisada após o trânsito em julgado para a acusação.
É como voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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