Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 31/10/2013
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0008033-60.2004.4.03.6000/MS
2004.60.00.008033-4/MS
RELATOR : Desembargador Federal LUIZ STEFANINI
APELANTE : FRANCISCO CARLOS PIERETTE
ADVOGADO : LEONARDO AVELINO DUARTE e outro
APELANTE : SILVIO APARECIDO ACOSTA ESCOBAR
ADVOGADO : MARISETE ROSA DA COSTA ESCOBAR e outro
APELADO : Justica Publica

EMENTA

PENAL - SUPRESSÃO DE DOCUMENTO - MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO DOS RÉUS - MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO - COMPROVAÇÃO - DESVIO DOS DOCUMENTOS DE SUA FINALIDADE JURÍDICA - DECISÕES POSTERIORES MAIS BENÉFICAS PARA AS EMPRESAS AUTUADAS - SENTENÇA - QUATRO PERÍODOS DE CONTINUIDADE DELITIVA RECONHECIDOS - CONCURSO DE CRIMES - RÉU SILVIO APARECIDO ACOSTA ESCOBAR - CONDENAÇÃO EM 10 (DEZ) ANOS, 9 (NOVE) MESES E 8 (OITO) DIAS DE RECLUSÃO E 49 (QUARENTA E NOVE) DIAS-MULTA - REGIME FECHADO - RÉU FRANCISCO PIERETTE - CONDENAÇÃO EM 2 (DOIS) ANOS E 4 (QUATRO) MESES DE RECLUSÃO E 11 (ONZE) DIAS-MULTA - SUBSTITUIÇÃO POR DUAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS - RECONHECIDA A PERDA DOS CARGOS PÚBLICOS - IMPROVIMENTO DA APELAÇÃO DEFENSIVA.
1 - Silvio Escobar, no exercício do cargo comissionado de Delegado Regional do Trabalho, suprimiu e ocultou pelo menos 10 (dez) decisões que constavam dos autos dos respectivos processos administrativos de imposição de multa trabalhista, 7 (sete) delas por ele próprio assinadas e 3 (três) pelo co-denunciado Francisco Pierette.
2 - Ficou constatado que o réu Silvio Escobar mantinha em seu gabinete, soltos, os documentos que deveriam estar dentro dos autos ou mesmo os que tinham sido encaminhados para empresas e que não deveriam ter retornado à Delegacia.
3 - Acusados agiram dessa forma para substituir as decisões por outras de menor valor ou, em alguns casos, apenas com datas posteriores, possibilitando que as empresas tivessem um desconto legal de 50%, permitido pelo art. 636, § 6º, CLT.
4 - Materialidade delitiva restou efetivamente comprovada por meio do Auto de Busca e Apreensão realizado na Delegacia Regional do Trabalho e pelo Auto de Busca e Apreensão realizado na Fazenda Santa Olinda. Considera-se também a listagem de condutas praticadas em benefício da Usina Santa Olinda e da empresa COBEL.
5 - Os réus, ao atuarem da maneira narrada, mais de uma vez, desviaram os documentos de suas finalidades, fazendo-os não mais cumprir seu destino, inutilizando-os ao assinarem novas notificações que invalidavam os efeitos das anteriores mesmo sabendo que estas não mais podiam ser alteradas.
6 - Continuidade delitiva deve ser mantida tão somente quanto aos quatro períodos de continuidade reconhecidos em primeiro grau, porém, somando-se as penas aplicadas àqueles períodos, em face do concurso material, a saber: 1º período: 6.10.97 e 6.10.97; 2º período: 10.8.99; 3º período: 25.07.01, 25.07.01 e 25.07.01; 4º período: 5.07.02, 8.07.02, 5.06.02 e 5.07.02.
7 - Previstos os requisitos do art. 44 do Código Penal, corretamente foi substituída a pena privativa de liberdade do réu Francisco Pierette por uma pena restritiva de direitos, com a duração da pena substituída, consistente em prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas, e 10 (dez) dias-multa, no valor de 1 (um) salário mínimo vigente na data do fato, atualizado monetariamente na execução.
8 - A conduta de supressão de documentos se amolda a figura de abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública (art. 92, I, "a", do Código Penal) . Dessa forma, sendo a pena dos réus superior a 1 (um) ano foi corretamente declarada a perda dos cargos públicos por eles ocupados.
9 - Apelação defensiva improvida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento às apelações, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.



São Paulo, 21 de outubro de 2013.
LUIZ STEFANINI
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0008033-60.2004.4.03.6000/MS
2004.60.00.008033-4/MS
RELATOR : Desembargador Federal LUIZ STEFANINI
APELANTE : FRANCISCO CARLOS PIERETTE
ADVOGADO : LEONARDO AVELINO DUARTE e outro
APELANTE : SILVIO APARECIDO ACOSTA ESCOBAR
ADVOGADO : MARISETE ROSA DA COSTA ESCOBAR e outro
APELADO : Justica Publica

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por Silvio Aparecido Acosta Escobar e Francisco Carlos Pierette, em face da r. sentença de fls. 865/887 que condenou o réu Silvio como incurso nas penas do art. 305 c/c art. 71, ambos do Código Penal, a 10 (dez) anos, 9 (nove) meses e 8 (oito) dias de reclusão, no regime inicial fechado, e 49 (quarenta e nove) dias-multa. O réu Francisco foi condenado como incurso nas penas do art. 305 do Código Penal, a 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, no regime inicial aberto, e 11 (onze) dias-multa, sendo esta substituída por uma pena restritiva de direitos, com a duração da pena substituída, consistente em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, e 10 (dez) dias-multa.


Com fundamento no art. 92, I, "a", do Código Penal, foi declarado em relação aos réus, como efeito da condenação dos mesmos, a perda dos cargos públicos de que eram titulares.


Em razões de fls. 909/954, as defesas dos réus requerem, em síntese, a reforma da r. sentença para absolver os apelantes das acusações que lhes foram imputadas na denúncia, ou, se esse não for o entendimento, que seja afastado o efeito da condenação, consistente na perda dos cargos públicos por eles ocupados.


Contrarrazões do Ministério Público às fls. 977/987, pelo improvimento das apelações defensivas.


Em parecer de fls. 993/998, a Procuradoria Regional da República opinou pelo improvimento dos apelos defensivos.


É o relatório.


À revisão.


LUIZ STEFANINI
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0008033-60.2004.4.03.6000/MS
2004.60.00.008033-4/MS
RELATOR : Desembargador Federal LUIZ STEFANINI
APELANTE : FRANCISCO CARLOS PIERETTE
ADVOGADO : LEONARDO AVELINO DUARTE e outro
APELANTE : SILVIO APARECIDO ACOSTA ESCOBAR
ADVOGADO : MARISETE ROSA DA COSTA ESCOBAR e outro
APELADO : Justica Publica

VOTO

Segundo a denúncia, pela instauração de um procedimento administrativo nº 1.21.000.001231/2002-25 (fls. 21/34) para apuração da ocorrência de atos de improbidade administrativa praticados pelos denunciados e de um mandado de busca e apreensão cautelar de processos e documentos na Delegacia Regional do Trabalho (fls. 36/45), em Campo Grande, e na Usina Santa Olinda S/A (fls. 47/61), verificou-se que, com o intuito de beneficiar empresas, em especial a Usina Santa Olinda S/A, unidade de Sidrolândia, e a COBEL - Construtora de Obras de Engenharia Ltda, o réu Silvio Escobar, no exercício do cargo comissionado de Delegado Regional do Trabalho, suprimiu e ocultou pelo menos 10 (dez) decisões que constavam dos autos dos respectivos processos administrativos de imposição de multa trabalhista, 7 (sete) delas por ele próprio assinadas e 3 (três) pelo co-denunciado Francisco Pierette. Os referidos processos em que ocorreram as supressões são: Proc. nº 46.312.001826/95, Proc. nº 46312.003526/95, Proc. nº 43612.003483/97, Proc. nº 46.312.003209/96, Proc. nº 46312.002382/98, Proc. nº 46312.002390/98, Proc. nº 46.312.003302/98, Proc. nº 46312.003350/98, Proc. nº 46312.002298/98 e Proc. nº 46312.003303/98.


Ficou constatado que o réu Silvio Escobar mantinha em seu gabinete, soltos, os documentos (relacionados na fl. 42) que deveriam estar dentro dos autos ou mesmo os que tinham sido encaminhados para empresas e que não deveriam ter retornado à Delegacia, somente sendo possível tal fato se levados diretamente pelos representantes dessas empresas até o réu.


Os acusados agiram dessa forma para substituir essas decisões por outras de menor valor ou, em alguns casos, apenas com datas posteriores, possibilitando que as empresas tivessem um desconto legal de 50%, permitido pelo art. 636, § 6º, CLT. Toda essa ação era executada depois que as decisões já constituíram ato perfeito e público, pelo que já não mais se prestavam a alterações, sem que se fizesse constar no processo qualquer registro oficial da substituição.


Consta, ainda, que a prática delituosa em benefício da Usina Santa Olinda remontava a, pelo menos, 1997.


A materialidade delitiva restou efetivamente comprovada por meio do Auto de Busca e Apreensão realizado na Delegacia Regional do Trabalho (fls. 36/45) e pelo Auto de Busca e Apreensão realizado na Fazenda Santa Olinda (fls. 47/62). Considera-se também a listagem de condutas praticadas (fls. 11/13) em benefício da Usina Santa Olinda e da empresa COBEL, tanto para a alteração de datas permitindo o pagamento da metade da multa devida quanto para a diminuição do valor destas.


A autoria, da mesma forma, é inconteste.


O art. 305 do Código Penal estabelece que é crime "Destruir, suprimir ou ocultar, em benefício próprio ou de outrem, ou em prejuízo alheio, documento público ou particular verdadeiro, de que não podia dispor". A supressão de documentos, segundo De Plácido e Silva, "notadamente em sentido do Direito Penal, é a subtração do documento aos efeitos jurídicos pretendidos, na intenção de se favorecer ao próprio supressor, ou a outrem, em prejuízo de alguém. A supressão, pois, tanto pode resultar da ocultação do documento, como de sua inutilização, desde que, por um ou por outro meio, o documento se desvia de suas finalidades, em prejuízo de outrem, ou em detrimento da Justiça." (grifo nosso)


O ocorrido no processo nº 46312.003483/97 (doc. 1 - fls. 21/34), originado da lavratura do auto de infração nº 0025615118, lavrado em 25/09/97, capitulado no art. 23, § 1º, I, da Lei nº 8.036/90, é uma das demonstrações de como agiam os réus.


Em 14/12/98, o réu Silvio Escobar, na condição de Delegado Regional do Trabalho, julgando subsistente a infração ao disposto no art. 23, § 1º, I, da Lei nº 8.036/90, expediu a notificação nº 2983/98, impondo à Usina Santa Olinda uma multa de 70.800 Ufir. Esta foi encaminhada ao escritório do advogado da empresa, que por fax enviou ao setor administrativo da Usina a notificação. Tem-se neste instante um ato administrativo perfeito e acabado na esfera de atuação da Delegacia Regional do Trabalho. No entanto, não há comprovação do pagamento desta multa, uma vez que não foi encontrada DARF correspondente a esta quitação.


Todavia, nesse mesmo processo, o co-réu Francisco Carlos Pierette, na condição de Delegado substituto, expediu nova Notificação, a de nº 1570/99, impondo uma multa com base no mesmo Auto de Infração. Contudo, a infração foi alterada para o art. 630, §§ 3º e 4° da CLT, que dispõe sobre irregularidades de não exibição de documentos e embaraço na fiscalização, o que se mostra ilógico, uma vez que o Auto de Infração referia-se à falta de depósito do FGTS e não à falta de apresentação das guias de recolhimento do FGTS.


Essa nova notificação reduziu a multa aplicada à empresa. Em vez de ter de pagar 70.800 Ufir, a Usina passou a dever somente 1.891,42 Ufir. A importância foi recolhida em 01/09/2001, com redução de 50%, o que resulta em R$ 923,96, um valor consideravelmente inferior ao original.


O depoimento (fls. 149/154) da agente administrativa do Ministério Público, Marli Araújo de Carvalho, corrobora o evidenciado pelo exemplo da conduta dos agentes. Ela afirma que: "as providências que o Delegado podia tomar quando da apreciação dos processos conclusos, segundo a portaria nº 148/96 eram as seguintes: procedência, procedência parcial e improcedência. Informa que apenas nos casos de improcedência o delegado encaminhava os processos para autoridade superior, à Secretaria de Inspeção do Trabalho em Brasília. Recentemente a depoente foi informada pelo auditor Picollo que houve alteração na portaria 148/96 determinando que nas procedências parciais deveriam os autos subir à Secretaria. Perguntada pelo procurador sobre como se considerava, no contexto decisório, a hipótese de recapitulação respondeu a depoente que também essa matéria é regulada pela portaria 148/96, tendo-lhe sido apresentada a portaria para indicar o artigo, indicou a depoente o § 1º do artigo 10 [...] Perguntada sobre se o Delegado elaborava o despacho saneador referido no parágrafo e concedia prazo para a defesa respondeu a depoente que o Delegado costumava apenas corrigir a capitulação na decisão que antecedia e era repetida a notificação. Nesses casos o próprio Delegado redigia os termos da decisão e repassava o processo para que o setor de multas digitasse a decisão e a notificação. Explica a depoente que a diferença entre recapitulação e improcedência é que nesta não se confirma a irregularidade, enquanto que naquela entende o Delegado que o enquadramento certo é um outro dispositivo. Só no caso da improcedência é que subia para autoridade superior [...] A respeito da discussão acerca do enquadramento da lei do trabalhador rural, informou a depoente que houve muita discussão sobre o assunto, mas o posicionamento do Delegado sempre foi o de aplicar a lei do trabalhador rural, mesmo em casos de não recolhimento do FGTS. Ressalva contudo que isso não acontecia com todas as empresas lembra-se que com relação a Usina Santa Olinda, o Delegado sempre adotava esse entendimento, todavia havia alguns outros casos de empresas rurais em que ele não seguia essa lei [...] Informa ainda que ocorreram algumas vezes em que o próprio Delegado retirou a notificação do processo e determinou a substituição por outra sem que isso fosse certificado. Nessas ocasiões o Delegado não justificava essa substituição apenas dizia que estava errada e devia ser notificada de novo."- grifo nosso.


Ademais, como bem destacado na r. sentença "a quo", "salvo em relação ao proc. 46312.003483/98 (f. 230), no qual consta a assinatura do réu Francisco na decisão que substituiu a decisão suprimida dos autos, que fora assinada pelo co-réu Silvio, posteriormente novamente substituída por decisão do réu Silvio, os demais processos acima referidos apresentam assinatura do co-réu Sílvio na decisão substituta. [...] Por outro lado, verifica-se que as decisões posteriores eram mais benéficas aos autuados, de forma que além do dolo genérico de 'suprimir documento público' também restou provado o dolo específico contido nas elementares 'em benefício de outrem' (art. 305, CP). Por outro lado, a prova documental já indica os autores dos crimes, porque assinaram as decisões que substituíam as decisões suprimidas dos autos" - grifo nosso.


Percebe-se, dessa forma, que os réus, ao atuarem da maneira narrada, mais de uma vez, desviaram os documentos de suas finalidades, fazendo-os não mais cumprir seu destino, inutilizando-os ao assinarem novas notificações que invalidavam os efeitos das anteriores mesmo, como já ressaltado, sabendo que estas não mais podiam ser alteradas, conduta que enquadra-se no disposto pelo art. 305.


A alegação da defesa (fl. 915) de que as decisões indicadas como suprimidas e posteriormente substituídas por outras não desapareceram, uma vez que foram encontradas na operação do Ministério Público, não configurando assim a supressão não merece prosperar. Reitera-se que ao emitirem essas novas notificações, com fundamentos incorretos para beneficiar as empresas, os réus tornavam os efeitos das notificações corretas inválidas, tornando-as inutilizáveis, sem poderem atingir seus efeitos jurídicos, o que se caracteriza como atitude criminosa.


Outrossim, comprovadas autoria, materialidade e o dolo dos acusados, deve ser mantida a condenação dos réus como incursos nas penas do art. 305 do Código Penal.


Passo, pois, à análise da dosimetria da pena.


DO CONCURSO MATERIAL DE CRIMES - RÉU SÍLVIO APARECIDO COSTA ESCOBAR


Por primeiro, reputo correta a r. sentença "a quo" ao aplicar o concurso material de crimes (art. 69 do CP) ao corréu Sílvio, não havendo falar-se no reconhecimento da continuidade delitiva em relação a todos os delitos perpetrados por esse réu.


Isso porque, pelas datas das inúmeras práticas criminosas - 6.10.97, 6.10.97, 10.8.99, 25.07.01, 25.07.01, 25.07.01, 5.07.02, 8.07.02, 5.06.02 e 5.07.02 (dez vezes) -, claro está que os delitos cometidos pelo acusado nos quatro blocos de continuidade delitiva supra destacados (em grifo) não foram perpetrados como desdobramento uns dos outros, não se verificando unidade de desígnios entre os vários delitos continuados, elemento subjetivo imprescindível à caracterização do instituto da continuidade delitiva.


Com efeito, verifica-se que de outubro/1997 a agosto/1999 passaram-se quase dois anos, o mesmo se verificando de agosto/1999 a julho/2001. E, de julho/2001 a junho e julho/2002 passou-se um ano de uma prática delitiva a outra, de maneira que impossível reconhecer-se a continuidade delitiva entre todos esses períodos, mas, ao contrário, o que se vislumbra é a prática reiterada de delitos pelo réu, em momentos distintos e esparsos, sem a ocorrência de vínculo subjetivo entre eles.


Realmente, trata-se de crimes diferentes que teriam sido perpetrados em circunstâncias diversas e estão a traduzir, na realidade, habitualidade delitiva e não continuidade.


Com habitual brilhantismo preleciona Júlio Fabbrini Mirabete "in Manual de Direito Penal - Vol. 1, Ed. Atlas, 8ª edição":


"(...) Por fim, não há que reconhecer o crime continuado quando se tratar de habitualidade criminosa. O delinqüente habitual faz do crime uma profissão e pode infringir a lei várias vezes do mesmo modo, mas não comete crime continuado com a reiteração das práticas delituosas (perseverantia in crimine ou perseverantia sceleris).

A continuidade, sucessão circunstancial de crimes, não pode ser confundida com a habitualidade criminosa, sucessão planejada, indiciária do "modus vivendi" do agente e que reclama, não tratamento amenizado, mas reprimenda mais severa".


Nesse mesmo sentido, Guilherme de Souza Nucci, em sua obra "Código Penal Comentado, 3ª edição, RT, pág. 282" ensina que "não se aplica o crime continuado ao criminoso habitual ou profissional, pois não merece o benefício - afinal, busca valer-se de instituto fundamentalmente voltado ao criminoso eventual. Note-se que, se fosse aplicável, mais conveniente seria ao delinqüente cometer vários crimes, em seqüência, tornando-se sua 'profissão', do que fazê-lo vez ou outra. Não se pode pensar em diminuir o excesso punitivo de quem faz do delito um autêntico meio de ganhar a vida" - grifo nosso.


E finaliza com a seguinte diferenciação: "Na continuidade, há sucessão circunstancial de crimes. Na habitualidade, sucessão planejada, indiciária do modus vivendi do agente. Seria contraditório instituto que recomenda pena menor ser aplicada à hipótese que reclama sanção mais severa".


Sobre o tema, demonstrando a impossibilidade de reconhecer-se a continuidade delitiva no caso em questão, cito os seguintes precedentes:


AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. CONTINUIDADE DELITIVA. REQUISITOS DO ART. 71 DO CÓDIGO PENAL NÃO PREENCHIDOS. REITERAÇÃO DELITIVA. CONFIGURAÇÃO. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. 1. O Superior Tribunal de Justiça entende que, para a caracterização da continuidade delitiva, é imprescindível o preenchimento dos requisitos objetivos (mesmas condições de tempo, espaço e modus operandi) e subjetivo (unidade de desígnios). 2. No caso, os crimes contra o patrimônio não estavam interligados, de forma a serem reconhecidos como continuação ou desdobramento um do outro, pelo aproveitamento das mesmas oportunidades. 3. Afastada pelas instâncias ordinárias a idéia de continuidade delitiva, esta tese não pode ser objeto de análise em sede de habeas corpus, pois demandaria revolvimento de todo o conjunto fático-probatório, o que é inviável na via eleita. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (AGRHC 201201053499 AGRHC - AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS - 243336 Relator(a) CAMPOS MARQUES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PR) Sigla do órgão STJ Órgão julgador QUINTA TURMA Fonte DJE DATA:24/04/2013) - grifo nosso.


HABEAS CORPUS. ROUBOS CIRCUNSTANCIADOS. CONTINUIDADE DELITIVA. IMPOSSIBILIDADE. DESÍGNIOS AUTÔNOMOS. HABITUALIDADE. INVIÁVEL REEXAME PROBATÓRIO. VIA INDEVIDAMENTE UTILIZADA COMO SUCEDÂNEO DE RECURSO ESPECIAL. NÃO CABIMENTO. CONSTRANGIMENTO NÃO EVIDENCIADO. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE MANIFESTA. 1. Na esteira dos recentes precedentes do Supremo Tribunal Federal e desta Corte Superior de Justiça, é incabível o habeas corpus utilizado em substituição ao recurso adequado. Precedentes. 2. A inadequação da via eleita, contudo, não desobriga este Tribunal Superior de, ex officio, fazer cessar manifesta ilegalidade que importe no cerceamento do direito de ir e vir do paciente. 3. A continuidade delitiva estará caracterizada quando o agente, mediante mais de uma conduta, praticar dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar e modo de execução e outras semelhantes, devendo os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro. 4. Em tais casos, este Superior Tribunal de Justiça vem adotando a teoria mista, no sentido de que para a configuração do crime continuado é também necessário aferir a existência de uma unidade de desígnios entre os vários delitos cometidos. 5. Na hipótese, o Tribunal de origem concluiu que o paciente é criminoso contumaz, não havendo comprovação de qualquer liame subjetivo entre suas condutas, de modo que está configurada a habitualidade delitiva. 6. Maiores incursões no tema, com a finalidade de constatar eventual similitude entre os delitos cometidos, demandaria intenso reexame das provas, providência incabível na estreita via do habeas corpus. 7. Este Superior Tribunal de Justiça firmou seu entendimento no sentido de que não se mostra razoável o reconhecimento da continuidade delitiva se o intervalo entre o cometimento dos crimes ultrapassa trinta dias, como ocorre no presente caso. 8. Ordem não conhecida. (HC 200902070905 HC - HABEAS CORPUS - 151297 Relator(a) ALDERITA RAMOS DE OLIVEIRA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/PE) Sigla do órgão STJ Órgão julgador SEXTA TURMA Fonte DJE DATA:13/12/2012) - grifo nosso.


HABEAS CORPUS. WRIT SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. IMPOSSIBILIDADE. EXECUÇÃO PENAL. UNIFICAÇÃO DAS PENAS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. RECONHECIMENTO DE CONTINUIDADE DELITIVA. INVIABILIDADE. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. [...] 3. Consoante entendimento desta Corte, para a caracterização da continuidade delitiva não é suficiente a alegação de que os crimes de mesma espécie foram praticados nas mesmas condições de tempo, espaço e modus operandi (requisitos objetivos), pois necessário que decorram de uma unidade de desígnios (requisito subjetivo). 4. Diante do quadro já delineado pelo Juízo das Execuções e pela Corte Estadual, para o reconhecimento, nesta via, do crime continuado e, como consequência, da unificação das penas, seria necessário o revolvimento aprofundado do acervo probatório, o que não se mostra possível, em sede de habeas corpus. 5. Habeas corpus não conhecido. (HC 201001118375 HC - HABEAS CORPUS - 176603 Relator(a) OG FERNANDES Sigla do órgão STJ Órgão julgador SEXTA TURMA Fonte DJE DATA:21/06/2013) - grifo nosso.


Dessa forma, a continuidade delitiva deve ser mantida tão somente quanto aos quatro períodos de continuidade reconhecidos em primeiro grau, porém, somando-se as penas aplicadas àqueles períodos, em face do concurso material, a saber: 1º período: 6.10.97 e 6.10.97; 2º período: 10.8.99; 3º período: 25.07.01, 25.07.01 e 25.07.01; 4º período: 5.07.02, 8.07.02, 5.06.02 e 5.07.02


Dito isso, passo a analisar a dosimetria da pena imposta aos réus em primeiro grau.


Réu Silvio Aparecido Acosta Escobar


Art. 59 do Código Penal


Conforme já observado pelo magistrado "a quo", o réu não registra antecedentes criminais, tem boa conduta social, mas o grau de reprovabilidade da conduta é elevado, uma vez que Silvio detinha atribuições de chefia e, portanto, era o responsável pela fiscalização de irregularidades, devendo coibir tais atos que acabou por praticar.


1º período: 6.10.97 e 6.10.97


Na primeira fase, atentando-se as diretrizes do art. 59, o magistrado acertadamente fixou a pena-base acima do mínimo legal em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa, no valor de 1 (um) salário mínimo vigente à data do fato.


Na segunda fase não ocorrem agravantes ou atenuantes.


Na terceira e última fase, como bem observado, incide a causa de aumento referente à continuidade, razão pela qual a pena foi elevada em 1/6 (um sexto), resultando na pena definitiva de 2 (dois) anos, 8 (oito) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 12 (doze) dias-multa, no valor de 1 (um) salário mínimo vigente à data do fato, atualizado na execução.


2º período: 10.8.99


Na primeira fase, atentando-se as diretrizes do art. 59, o meritíssimo juiz acertadamente fixou a pena-base acima do mínimo legal em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa, no valor de 1 (um) salário mínimo vigente à data do fato, atualizado na execução.


Na segunda fase não ocorrem agravantes ou atenuantes.


Na terceira e última fase, não incidem causas de aumento ou diminuição.


3º período: 25.07.01, 25.07.01 e 25.07.01


Na primeira fase, atentando-se as diretrizes do art. 59, o magistrado acertadamente fixou a pena-base acima do mínimo legal em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa, no valor de 1 (um) salário mínimo vigente à data do fato.


Na segunda fase não ocorrem agravantes ou atenuantes.


Na terceira e última fase, como bem observado, incide a causa de aumento referente à continuidade, razão pela qual a pena foi elevada em 1/5 (um quinto), resultando na pena definitiva de 2 (dois) anos, 9 (nove) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão e 13 (doze) dias-multa, no valor de 1 (um) salário mínimo vigente à data do fato, atualizado na execução.


4º período: 5.07.02, 8.07.02, 5.06.02 e 5.07.02


Na primeira fase, atentando-se as diretrizes do art. 59, o juiz "a quo" acertadamente fixou a pena-base acima do mínimo legal em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa, no valor de 1 (um) salário mínimo vigente à data do fato.


Na segunda fase não ocorrem agravantes ou atenuantes.


Na terceira e última fase, como bem observado, incide a causa de aumento referente à continuidade, razão pela qual a pena foi elevada em 1/4 (um quarto), resultando na pena definitiva de 2 (dois) anos, 11 (onze) meses e 13 (doze) dias-multa, no valor de 1 (um) salário mínimo vigente à data do fato, atualizado na execução.


Soma das penas


Conforme ressaltado pelo MMº Juízo "a quo", bem como diante das observações que acima teci, em face do estabelecido pelo art. 69 do Código Penal, as penas devem ser somadas, o que resulta em uma reprimenda total de 10 (dez) anos, 9 (nove) meses e 8 (oito) dias de reclusão e 49 (quarenta e nove) dias-multa, a ser cumprida, de acordo com o previsto pelo art. 33 do Código Penal, em regime inicial fechado.


Réu Francisco Pierette


Art. 59 do Código Penal


Conforme já observado pelo magistrado "a quo", o réu não registra antecedentes criminais, tem boa conduta social, mas o grau de reprovabilidade da conduta é elevado, uma vez que Francisco cometeu o crime na condição de delegado substituto, ou seja, naquele momento detinha atribuições de chefia e, portanto, era o responsável pela fiscalização de irregularidades, devendo coibir os atos que acabou por praticar.


Na primeira fase, atentando-se as diretrizes do art. 59, o magistrado acertadamente fixou a pena-base acima do mínimo legal em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa, no valor de 1 (um) salário mínimo vigente à data do fato, atualizado na execução.


Na segunda fase não ocorrem agravantes ou atenuantes.


Na terceira e última fase, não incidem causas de aumento ou diminuição, tornando-se definitiva a pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa, a ser cumprida em regime inicial aberto, conforme art. 33, § 2º, "c", do Código Penal.


Previstos os requisitos do art. 44 do Código Penal, corretamente foi substituída a pena privativa de liberdade por uma pena restritiva de direitos, com a duração da pena substituída, consistente em prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas, e 10 (dez) dias-multa, no valor de 1 (um) salário mínimo vigente na data do fato, atualizado monetariamente na execução.


Da perda do cargo público


Conforme destacado pelo juiz "a quo", o art. 92, I, "a", do Código Penal dispõe como efeito genérico da condenação a perda do cargo, função pública ou mandato eletivo, quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a 1 (um) ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública.


Certamente a conduta de supressão de documentos públicos, no exercício de função pública, inclusive, de chefia, amolda-se a figura de abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública. Dessa forma, sendo a pena dos réus superior a 1 (um) ano foi corretamente declarada a perda dos cargos públicos por eles ocupados.


Ante o exposto, nego provimento às apelações defensivas.


É como voto.


LUIZ STEFANINI
Desembargador Federal


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