Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 14/10/2014
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0105371-20.1997.4.03.6181/SP
1997.61.81.105371-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
APELANTE : LAFAIETE VIEIRA DA SILVA
ADVOGADO : DF001465A ANTONIO NABOR AREIAS BULHOES e outro
APELADO : Justica Publica
REU ABSOLVIDO : RINALDO PIRRO JUNIOR
EXTINTA A PUNIBILIDADE : ONOFRE AMERICO VAZ
: MOYSES PLACA
NÃO OFERECIDA DENÚNCIA : MARIA FRANCISCA VAZ
: WILLIANS STEVES RAPOSO
No. ORIG. : 01053712019974036181 3P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PENAL - PROCESSUAL PENAL - DOCUMENTO FALSO - PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA REJEITADA - AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVAS COMPROVADAS - DOLO COMPROVADO - DOSIMETRIA DA PENA - AUMENTO DA PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL BASEADA EM MAUS ANTECEDENTES DO RÉU - INADMISSIBILIDADE - SENTENÇA REFORMADA EM PARTE PARA CORRETA DOSAGEM DA PENA - RECURSO DA DEFESA A QUE SE DÁ PARCIAL PROVIMENTO.
1. Ao analisarmos detidamente o artigo 115 do Código Penal, temos que o mesmo é expresso ao referir-se à sentença em seu texto, não havendo como reconhecer-se a tese defendida, sob pena de criar-se nova regra legal, inexistente em nosso ordenamento jurídico.
2. A materialidade do delito restou devidamente comprovada pelas cópias da Execução Fiscal nº 95.0506914-6, acostadas as fls. 34/42 e 82/87, onde constam os documentos contrafeitos, juntados aos autos do executivo fiscal, e a comprovação de sua falsidade (fl. 46). Nesse sentido, a informação trazida aos autos pelo Gerente Geral do Banco do Brasil, Sr. Euricles Dias Moraes, que realizou os exames no documento apreendido.
3. Embora o réu tenha negado, durante seu interrogatório judicial, a participação no cometimento do delito, sua responsabilidade restou devidamente comprovada durante a instrução processual, que confirmou, de forma precisa e harmônica, a ocorrência dos fatos e a responsabilidade do apelante, como se demonstrará a seguir.
4. O conjunto probatório coligido é harmônico a apontar o apelante como autor do delito de uso de documento falso. Ao contrário do que quer fazer crer, ele se fazia passar por pessoa com influência no Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, vendendo, por assim dizer, um serviço de "advocacia administrativa" através do qual isentaria seus clientes de juros e multa nos processos em que estivessem envolvidos.
5. O Diploma Processual Penal, nos termos de seu artigo 156, é categórico quando determina que "a prova da alegação incumbirá a quem a fizer" e, in casu, o apelante nada trouxe aos autos além de meras alegações, não havendo qualquer outra prova a confirmar que o réu não possuía conhecia a ilicitude de suas condutas. Não há explicação lógica para a afirmação, por parte de diversas pessoas ouvidas nos autos, de que o réu se apresentava como alguém apto a "resolver os problemas" da empresa, pois era pessoa "influente no INSS", apresentando, para tanto, guias falsas a seus clientes.
6. Conclui-se que a prova acusatória é subsistente e hábil a comprovar a materialidade, autoria e o dolo, devendo ser mantida a sentença condenatória.
7. Muito embora ostente o apelante alguns registros criminais, como inquéritos policiais e processos em andamento ou arquivados, não há como considerá-los como maus antecedentes, por força da edição da súmula 444 do STJ. Os inquéritos policiais e ações penais em andamento não possuem o condão de alterar a pena-base para qualquer fim, e, sendo assim, não pode ser alterada a reprimenda, nem a título de culpabilidade mais intensa, nem como conduta social desviada ou personalidade voltada para o cometimento de delitos.
8. Reduzo a pena-base do réu para o seu mínimo legal, ou seja, para 02 (dois) anos de reclusão, em regime inicial aberto, mais o pagamento de 10 dias-multa, mantendo-se o valor do dia-multa no mínimo unitário legal, tornando-a definitiva.
9. Mantenho a substituição da pena privativa de liberdade acima fixada por duas penas restritivas de direitos, tais como fixada pela douta Juíza sentenciante, quais sejam, prestação de serviços à comunidade pelo mesmo prazo, à razão de uma hora para cada dia de condenação, além de prestação pecuniária equivalente a 05 (cinco) salários mínimos, que reverterão em prol de entidade beneficente, a serem especificados e fiscalizados pelo Juízo das Execuções Penais.
10. Preliminar Rejeitada. Recurso Parcialmente Provido. Sentença reformada em parte.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a preliminar argüida e, no mérito, dar parcial provimento ao recurso do réu, para reduzir a pena-base, mantendo, no mais, a r. sentença de primeiro grau, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 06 de outubro de 2014.
PAULO FONTES
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0105371-20.1997.4.03.6181/SP
1997.61.81.105371-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
APELANTE : LAFAIETE VIEIRA DA SILVA
ADVOGADO : DF001465A ANTONIO NABOR AREIAS BULHOES e outro
APELADO : Justica Publica
REU ABSOLVIDO : RINALDO PIRRO JUNIOR
EXTINTA A PUNIBILIDADE : ONOFRE AMERICO VAZ
: MOYSES PLACA
NÃO OFERECIDA DENÚNCIA : MARIA FRANCISCA VAZ
: WILLIANS STEVES RAPOSO
No. ORIG. : 01053712019974036181 3P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

Trata-se de APELAÇÃO CRIMINAL interposta por LAFAIETE VIEIRA DA SILVA contra a sentença proferida pelo MM. Juiz da 3ª Vara Criminal Federal de São Paulo/SP, que o condenou como incurso nas penas do artigo 304 c.c. 297 do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 11 (onze) dias-multa, fixando o valor do dia-multa no mínimo legal, corrigidos monetariamente por ocasião da execução. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direito. Custas na forma da lei (fls. 1483/1490).

Consta da denúncia que:


"(...) 2. Consta dos autos que, o referido procedimento inquisitorial foi instaurado em virtude da representação da 3ª Vara de Execuções Fiscais da Justiça Federal em São Paulo/SP (fls. 05/48), noticiando que a empresa "Servaz S/A Saneamento Construção e Drenagem" apresentou, em juízo, Guias de Recolhimento da Previdência Social, cujas cópias encontram-se às fls. 30/37 e 78/82, contendo autenticações mecânicas do Banco do Brasil S/A falsas, consoante cópia do documento encaminhado pela referida instituição financeira, acostada à fl. 41. As guias falsificadas datam de 31 de outubro de 1995.
3. Onofre Américo Vaz, sócio-presidente da empresa "Servaz S/A Saneamento Construção e Drenagem", prestou declarações às fls. 211/212, declarando que a empresa possuía uma administração completamente descentralizada, tratando o mesmo apenas dos assuntos comerciais, concorrência e contratos, sendo que a contabilidade, bem como o recolhimento das contribuições previdenciárias, ficavam a cargo de Rinaldo Pirro Junior. Informou que, segundo José Romero de Queiroz, chefe da divisão de recursos humanos da empresa, o referido contador recebera os valores para recolhimento previdenciário mas não os repassou à Previdência, forjando documentos e apresentando-os à empresa como se verdadeiros fossem.
4. A advogada Márcia Regina De Lucca prestou declarações às fls. 169/170, confirmando que o contador da empresa Reinaldo Pisso entregou-lhes as guias falsas para que esta as apresentasse nos autos da execução fiscal.
5. Rinaldo Pirro Junior, sustentou, às fls. 191/194 ter indicado a empresa "Consultancy - Consultoria Tributária e Empresarial" com a finalidade de prestar serviços PA empresa "Servaz S/A Saneamento Construção e Drenagem", apresentando os representantes da primeira empresa a Onofre Américo Vaz, havendo uma reunião no âmbito da "Servaz", com a participação de Onofre, outros diretores e os representantes da "Consultancy", objetivando esclarecimentos de como proceder face às contribuições previdenciárias em atraso. Afirmou que somente posteriormente veio a ter conhecimento de que a "Consultancy" estava envolvida em algumas irregularidades junto ao INSS.
6. Conforme restou demonstrado nos autos, o referido contador da "Servaz S/A Saneamento Construção e Drenagem", era responsável pelo pagamento das contribuições previdenciárias da empresa, tendo intermediado as negociações entre a empresa e a "Consultancy - Consultoria Tributária e Empresarial", notadamente com o conhecimento e participação de Onofre Américo Vaz, sócio-presidente da empresa. Lafaiete Vieira da Silva e Moisés Placa, os quais utilizavam o nome da "Consultancy" a fim de prestar serviços, tiveram envolvimento em outras fraudes, notadamente em falsificação de documentos, consoante informou a i. autoridade policial no relatório de fls. 289/291.
7. Willians Steves Raposo, sócio da empresa "Consultancy - Consultoria Tributária e Empresarial", prestou declarações às fls. 246/250, esclarecendo que conheceu Lafaiete Vieira da Silva por intermédio de terceiros, sendo que este apresentou-se como ex-funcionário do INSS. Quanto à Rinaldo Pirro Junior, afirmou que este já conhecia Moisés Placa, sendo que este último já prestava serviços para o primeiro. Confirmou, outrossim, que Lafaite se propôs a resolver problemas da "Servaz", de natureza previdenciária.
8. Assim, restou comprovado que a falsificação das Guias de Recolhimento da Previdência Social foi obtida através da ação do contador Rinaldo Pirro Junior, o qual, juntamente com o sócio-presidente Onofre Américo Vaz, e sob o seu consentimento, contratou os serviços de Lafaiete Vieira da Silva e Moisés Placa, responsáveis por outras falsificações similares a estas, consoante fls. 285/288.
Ante o exposto, o Ministério Público Federal denuncia RINALDO PIRRO JÚNIOR, MOISÉS PLAÇA, LAFAIETE VIEIRA DA SILVA e ONOFRE AMÉRICO VAZ, como incursos nas sanções do artigo 304, c.c. 297 e 29, do Código Penal, requerendo que, recebida esta, sejam os mesmos citados para acompanharem a ação penal, nos termos da lei processual penal, ouvindo-se na instrução as testemunhas abaixo arroladas (fls. 02/05). " (...) (os destaques são no original)

A denúncia foi recebida em 05 de março de 2002 (fls. 303/304).

Decisão de fl. 344 determinando a citação editalícia do acusado Lafaiete Vieira da Silva (fl. 344).

Lafaiete Vieira da Silva foi interrogado as fls. 490/491. Apresentou defesa prévia, arrolando testemunhas, as fls. 493/494.

Testemunhas de acusação ouvidas as fls. 569/571, 572/574, 575/576 e 577.

Testemunhas de defesa ouvidas as fls. 616, 657, 684, 693, 706/709, 713/715 e 716.

As partes nada requereram na fase do artigo 499 do Código de Processo Penal.

Alegações finais do Ministério Público Federal às fls. 732/737.

Alegações finais de Lafaiete Vieira da Silva as fls. 775/786.

Decisão de fl. 818 reconhecendo nulidade processual e anulando o feito a partir da oitiva das testemunhas de acusação.

Testemunhas de acusação ouvidas as fls. 900/901, 902/903 e 904.

Testemunhas de defesa ouvidas as fls. 1013/1014 e 1015.

Termo de deliberação, a fl. 1016, levantando a pena de revelia aplicada ao corréu Lafaiete.

Testemunha de defesa ouvida as fls. 1117, 1169/1172 e 1213.

Nada foi requerido na fase do artigo 499 do Código de Processo Penal.

Alegações finais da acusação as fls. 1237/1243 e alegações finais do corréu Lafaiete às 1278/1290.

Sentença prolatada em 18 em novembro de 2009, às fls. 1483/1490, julgando parcialmente procedente a ação para condenar o co-réu Lafaiete Vieira da Silva. O Ministério Público Federal foi intimado em 23 de novembro de 2009 (fl. 1491vº) e a sentença foi disponibilizada no Diário Eletrônico da Justiça em 27 de novembro de 2009 (fl. 1494).

Em razões de apelação (fls. 1537/1547), o réu alega, preliminarmente, a prescrição da pretensão punitiva, pois contará, na data do acórdão, com mais de setenta anos de idade, devendo o prazo prescricional ser reduzido à metade. No mérito, sustenta que não existem quaisquer provas que possam infirmar seu decreto condenatório, que foi baseado apenas em suposições, devendo ser aplicado o princípio do "in dúbio pro reo". Subsidiariamente, requer a redução da pena-base imposta ao acusado, posto que fixada em desacordo com o quanto disposto na súmula 444 do Egrégio Superior Tribunal de Justiça.

Com as contrarrazões (fls. 1551/1556), vieram os autos a esta Egrégia Corte, onde a Procuradoria Regional da República opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 1558/1564vº).

É O RELATÓRIO.

À revisão, na forma regimental.




PAULO FONTES
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0105371-20.1997.4.03.6181/SP
1997.61.81.105371-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
APELANTE : LAFAIETE VIEIRA DA SILVA
ADVOGADO : DF001465A ANTONIO NABOR AREIAS BULHOES e outro
APELADO : Justica Publica
REU ABSOLVIDO : RINALDO PIRRO JUNIOR
EXTINTA A PUNIBILIDADE : ONOFRE AMERICO VAZ
: MOYSES PLACA
NÃO OFERECIDA DENÚNCIA : MARIA FRANCISCA VAZ
: WILLIANS STEVES RAPOSO
No. ORIG. : 01053712019974036181 3P Vr SAO PAULO/SP

VOTO

Preliminarmente, tenho que não merece prosperar a tese aventada de que estaria prescrito o delito, já que, completando o réu setenta anos após a prolação da sentença, mas antes do julgamento por este colegiado, deve o prazo prescricional ser contado pela metade.

O artigo 115 do Código Penal é expresso ao referir-se à sentença, não havendo como reconhecer-se a tese defendida, sob pena de criar-se nova regra legal, inexistente em nosso ordenamento jurídico. Nesse sentido, no corpo do parecer do Ilustre Procurador Regional da República atuante no feito, farta jurisprudência às fls. 1560/1562vº, dispensando maiores comentários ao tema ora colocado.

Rejeito, portanto, a preliminar de prescrição da pretensão punitiva.

Passo a análise do mérito.

Consta dos autos que Lafaiete Vieira da Silva, associado ao co-réu Moyses Placa, utilizando-se do nome da empresa Consultancy - Consultoria Tributária e Empresarial, teria emitido documentos falsos - guias de pagamento da previdência social - para pagamento de executivos fiscais em desfavor da empresa Servaz S/A - Saneamento e Construção, sendo certo que referido procedimento foi realizado também em favor de outras empresas.

Verifica-se que a materialidade do delito restou devidamente comprovada pelas cópias da Execução Fiscal nº 95.0506914-6, acostadas as fls. 34/42 e 82/87, onde constam os documentos contrafeitos, juntados aos autos do executivo fiscal, e a comprovação de sua falsidade (fl. 46). Nesse sentido, a informação trazida aos autos pelo Gerente Geral do Banco do Brasil, Sr. Euricles Dias Moraes, que realizou os exames no documento apreendido, in verbis:


"(...) GRPS - Em resposta a seu expediente 1248/96, setor 21200-4 de 29 de agosto de 1996 informamos que as autenticações das guias de recolhimento da Previdência Social, em nome da SERVAZ S/A SANEAMENTO, CONSTRUÇÕES E DRENAGEM de 31 de outubro de 1995; 162 - R$ 35.714,18; 163 - R$ 97.258,06; 174 - R$ 265,24; 176 - R$ 996,44; 169 - R$ 206.536,96; 167 - R$ 17.930,24; são falsas. (...)" (fl. 46) (os destaques são no original).

Embora o réu tenha negado, durante seu interrogatório judicial, a participação no cometimento do delito, sua responsabilidade restou devidamente comprovada durante a instrução processual, que confirmou, de forma precisa e harmônica, a ocorrência dos fatos e a responsabilidade do apelante, como se demonstrará a seguir.

A testemunha Márcia Regina de Lucca, em seu interrogatório judicial (fls. 569/571), afirmou que "segundo informações de Rinaldo, quem respondia pela CONSULTANCY eram os co-réus Lafaiete e Moysés" (negritei). Outro não é o sentido das declarações da testemunha Willians Steves Raposo (fls. 572/574), que afirmou que o apelante prestaria serviços para "atuação administrativa", sendo apresentado como "ex-funcionário do alto escalão do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS", "alguém que poderia resolver os problemas" da empresa junto ao INSS. Ou seja, o réu apresentava-se como alguém que trabalhava "administrativamente" para facilitar a vida das empresas através da Consultancy, produzindo e apresentando documentos falsos para utilização daqueles que o contratavam.

No mesmo sentido, temos o depoimento do Sr. José Homero de Queiroz, contador que trabalhou junto à SERVAZ S/A no período de 1994 a 1996, que declarou:


"(...) Na segunda reunião participaram: o depoente os diretores da SERVAZ, Rinaldo, Willian e Lafaiete. Nesta reunião, Lafaiete, que se disse procurador do INSS, apresentou a solução para os problemas da SERVAZ. Esta solução consistiria em usar artifícios da lei, de forma lícita, para retirar os encargos financeiros do débito. Foi dito que apenas procuradores do INSS poderiam fazê-lo. Os encargos financeiros referiam-se à correção monetária, multa e juros. Sabe que Lafaiete foi contratado (...)" (fls. 575/576 - negritei)

Referida prova testemunhal corrobora o quanto afirmado em interrogatório judicial pelo co-réu Rinaldo (fls. 431/434), sócio do co-réu na Consultancy, que afirmou:


"(...) A empresa Consultanci foi apresentada ao interrogando por um amigo, ocasião em que conheceu Willians Esteves Raposo como sendo seu proprietário, o qual trouxe, por sua vez, Lafaiete Vieira, o qual se dizia como procurador aposentado do INSS, conhecendo seus trâmites e pareceres internos, especializado no assunto previdenciário, com condições de negociar dívidas do INSS, que só quem foi procurador do INSS teria condições. (...)"
"(...) Lafaiete sempre estava munido de papéis, normas internas, dando a entender que todo seu trabalho ia ser desenvolvido da absoluta legalidade. (...)"
"(...) O INSS constatou que a empresa realmente recolher no banco, mas questionou as guias que eram emitidas internamente pelo INSS para finalidade específica e o INSS não tinha emitido tais guias. No caso da Servaz, ao que soube o depoente, foi Lafaiete quem cuidou do processo. Lafaiete chegou a apresentar guias recolhidas, bem como telex do INSS dando baixa nas guias em aberto. (...)"
"(...) A Servaz acreditava na autenticidade das guias de recolhimento apresentadas por Lafaiete, tanto que anexou a um processo de execução da Justiça Federal. (...)"

Vê-se, pois, que o conjunto probatório coligido é harmônico ao apontar o apelante como autor do delito. Ao contrário do que quer fazer crer, ele se fazia passar por pessoa com influência no Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, vendendo, por assim dizer, um serviço de "advocacia administrativa" através do qual isentaria seus clientes de juros e multa nos processos em que estivessem envolvidos.

No presente caso, o crime de uso de documento falso restou configurado quando o réu apresentou as guias falsificadas, visando ludibriar as pessoas a quem vendia seus serviços, bem como à autoridade judiciária condutora do processo de execução fiscal. Não há que falar-se, aqui, se houve, ou não, prejuízo para configurar-se o delito, posto que o crime ora tratado é formal, não se exigindo qualquer resultado naturalístico para sua configuração.

Frise-se, por fim, que o Diploma Processual Penal, nos termos de seu artigo 156, é categórico quando determina que "a prova da alegação incumbirá a quem a fizer" e, in casu, o apelante nada trouxe aos autos além de meras alegações, não havendo qualquer outra prova a confirmar que o réu não conhecia a ilicitude das condutas perpetradas. Não há explicação lógica para a afirmação, por parte de diversas pessoas ouvidas nos autos, de que o réu se apresentava como alguém apto a "resolver os problemas" da empresa, pois era pessoa "influente no INSS", apresentando, para tanto, guias falsas a seus clientes.

Aliás, a posição da jurisprudência e da doutrina, a respeito do tema, não discrepa desse entendimento, como segue:


"Quem invoca desconhecer o caráter criminoso do fato, tem contra si o ônus de demonstrá-lo não sendo suficiente a alegação do réu, no sentido de que estava prestando serviço a terceiro, pessoa não identificada suficientemente" (TACRIM/SP - AC - Relator Juiz Franciulli Neto - JUTACRIM 49/356).
"A prova da alegação incumbe a quem a fizer, é o princípio dominante em nosso código. Oferecida a denúncia, cabe ao ministério público a prova do fato e da autoria; compete-lhe documentar a existência concreta do tipo (nullum crimen sine tipo) e de sua realização pelo acusado. Este também tem a seu cargo o onus probandi. Com efeito, se ele invoca uma causa excludente de anti-juridicidade (legítima defesa p.ex.) ou da culpabilidade (v.g., erro de fato), incumbe-lhe prová-la. Não apenas isso; a ele cabe ainda o ônus, se alega não estar provada a existência do fato." (Magalhães Noronha- Curso de Direito Processual Penal, 17a. edição, Saraiva, p.90).

De outra feita, é de se ressaltar que a certeza necessária para a averiguação da existência do delito nem sempre decorre de prova direta, mas pode advir da soma das diversas circunstâncias que cercam o fato, como ensina Júlio Fabbrini Mirabete, em seu Manual de Processo Penal¸ in verbis:


"Diante do sistema de livre convicção do juiz, encampado pelo Código, a prova indiciária, também chamada circunstancial, tem o mesmo valor das provas diretas, como se atesta na Exposição de Motivos, em que se afirma não haver hierarquia de provas por não existir necessariamente maior ou menor prestígio de uma com relação a qualquer outra (item VII). Assim, indícios múltiplos, concatenados e impregnados de elementos positivos de credibilidade são suficientes para dar base a uma decisão condenatória, máxime quando excluem qualquer hipótese favorável ao acusado." (in Manual de Processo Penal; Mirabete, Júlio Fabbrini; 17ª Edição; 2005; Editora Atlas; página 344)

Outra não é a posição do Egrégio Superior Tribunal de Justiça acerca do tema, in verbis:


HABEAS CORPUS. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO. COMPROVAÇÃO DA MATERIALIDADE DELITIVA. CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO QUE AFASTAM A EXIGIBILIDADE DA REALIZAÇÃO DE EXAME DE CORPO DE DELITO. PENA-BASE FIXADA ACIMA DO PISO LEGAL. VALORAÇÃO NEGATIVA DE MAUS ANTECEDENTES. AÇÃO PENAL EM CURSO. IMPOSSIBILIDADE. SUBSTITUIÇÃO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. MEDIDA QUE NÃO SE MOSTRA SOCIALMENTE RECOMENDÁVEL.
1. Diz o art. 158 do CPP que, quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.
2. No caso, a ausência de exame de corpo de delito direto não obsta o reconhecimento da materialidade do crime.
3. De se ver que o passaporte apresentado pela paciente foi retido pelas autoridades inglesas quando ela tentava ingressar naquela nação.
4. As informações prestadas pela Embaixada da África do Sul, contudo, dão conta de que o documento fora roubado quando ainda estava em branco. Assim, por óbvio que os dados constantes nesse documento foram objeto de falsificação.
5. Tais elementos, aliados à constatação da falsidade pelas autoridades britânicas e também pelas declarações prestadas pela paciente, dando conta de que adquirira o passaporte de terceira pessoa, ciente da contrafação, são suficientes para a comprovação da materialidade do crime a ela imputado.
6. Em observância ao princípio constitucional da presunção de inocência, ações penais em curso não se prestam para a configuração de maus antecedentes.
7. Na hipótese, há comprovação no sentido de que, à época da prolação da sentença na ação penal de que aqui se cuida, o processo-crime relativo a tráfico internacional de drogas ainda estava pendente de julgamento de apelação defensiva.
8. Ainda que a reprimenda tenha sido fixada no patamar mínimo, não se mostra socialmente recomendável a substituição da sanção corporal por restritivas de direitos, principalmente em razão da hoje definitiva condenação por tráfico internacional de drogas.
9. Ordem parcialmente concedida, tão somente para, afastando a circunstância judicial valorada como desfavorável, reduzir a pena recaída sobre a ora paciente, de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa a 2 (dois) anos de reclusão, a ser cumprida em regime aberto, mais pagamento de 10 (dez) dias-multa. (HC 150118 / SPHABEAS CORPUS2009/0197907-5 Relator(a) Ministro OG FERNANDES (1139) Órgão Julgador T6 - SEXTA TURMA Data do Julgamento23/08/2011 Data da Publicação/Fonte DJe 05/09/2011)

E, como bem ressaltado pela Ilustríssima Procuradora Regional da República Dra. Isabel Cristina Groba Vieira, em seu parecer de fls. 1558/1564vº, in verbis:


"(...) A autoria delitiva do apelante também restou demonstrada. A prova testemunhal é absolutamente coesa e harmônica no sentido de que a empresa SERVAZ S/A Saneamento Construção e Drenagem, por meio de RINALDO PIRRO JUNIOR, seu contador externo, manteve tratativas com a empresa CONSULTANCY - Consultoria Tributária e Empresarial, buscando resolver problemas previdenciários com o INSS. Nesse contexto, LAFAIETE VIEIRA DA SILVA, que ora dizia possuir trânsito pela autarquia previdenciária, ora se apresentava como seu funcionário, foi contatado para assessorar a empresa SERVAZ na quitação dos débitos, inclusive com a concessão de alguns benefícios, como a redução de multa, juros e maior prazo para pagamento. (fl. 1563) (...)"

Assim, conclui-se que a prova acusatória é subsistente e hábil a comprovar a materialidade, autoria e o dolo, devendo ser mantida a sentença condenatória.

Merece reparo, todavia, a dosimetria da pena.

Com efeito, muito embora ostente o apelante alguns registros criminais, como inquéritos policiais e processos em andamento ou arquivados, não há como considerá-los como maus antecedentes, por força da edição da súmula 444 do STJ. Os inquéritos policiais e ações penais em andamento não possuem o condão de alterar a pena-base para qualquer fim, e, sendo assim, não pode ser alterada a reprimenda, nem a título de culpabilidade mais intensa, nem como conduta social desviada ou personalidade voltada para o cometimento de delitos.

Assim está redigida a súmula 444 do STJ: "É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base."

Assim sendo, passo a redimensionar a pena-base aplicada em primeiro grau.

Pelos motivos acima elencados, reduzo a pena-base do réu para o seu mínimo legal, ou seja, para 02 (dois) anos de reclusão, em regime inicial aberto, mais o pagamento de 10 dias-multa, mantendo-se o valor do dia-multa no mínimo unitário legal.

Na segunda fase da dosimetria da pena, ora atacada, e na última fase, não houve reconhecimento de atenuantes ou agravantes, ou causas de aumento e diminuição de pena.

Fica, portanto, a pena do autor definitivamente fixada em 02 (dois) anos de reclusão, em regime inicial aberto, mais o pagamento de 10 dias-multa, no mínimo unitário legal.

Por fim, observo que a pena fixada é inferior a 04 (quatro) anos e o delito não foi cometido com utilização de violência ou grave ameaça. Por outro lado, o réu não é reincidente e as circunstâncias previstas no art. 44, inciso III, indicam que a substituição da pena corporal por restritivas de direitos será suficiente.

Destarte, mantenho a substituição da pena privativa de liberdade acima fixada por duas penas restritivas de direitos, tais como fixada pela douta Juíza sentenciante, quais sejam, prestação de serviços à comunidade pelo mesmo prazo, à razão de uma hora para cada dia de condenação, além de prestação pecuniária equivalente a 05 (cinco) salários mínimos, que reverterão em prol de entidade beneficente, a serem especificados e fiscalizados pelo Juízo das Execuções Penais.

Diante do exposto, rejeito a preliminar argüida e, no mérito, dou parcial provimento ao recurso do réu, para reduzir a pena-base, mantendo, no mais, a r. sentença de primeiro grau.

É COMO VOTO.



PAULO FONTES
Desembargador Federal


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