Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 25/10/2013
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0012643-37.2009.4.03.6181/SP
2009.61.81.012643-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal PEIXOTO JUNIOR
APELANTE : Justica Publica
APELADO : JOSE DONIZETE BRANDAO
ADVOGADO : SP269482 MARIA CAROLINA CHRISTOFOLO (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
REU ABSOLVIDO : ROGERIO APARECIDO CORREA
: NELSON PERES FILHO
No. ORIG. : 00126433720094036181 7P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PENAL. DELITO DO ARTIGO 296, §1º, III, DO CÓDIGO PENAL. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA MANTIDA.
- Hipótese dos autos que é de imputação de conduta do acusado exibindo a policiais federais uma carteira preta - tipo funcional - com o brasão da República e os dizeres "Agente Segurança".
- Delito que não se configura à falta de dolo de ludibrio e uso indevido do símbolo identificador.
- Sentença absolutória mantida por outra ordem de fundamentação.
- Recurso desprovido.



ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 15 de outubro de 2013.
Peixoto Junior
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0012643-37.2009.4.03.6181/SP
2009.61.81.012643-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal PEIXOTO JUNIOR
APELANTE : Justica Publica
APELADO : JOSE DONIZETE BRANDAO
ADVOGADO : MARIA CAROLINA CHRISTOFOLO (Int.Pessoal)
: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
REU ABSOLVIDO : ROGERIO APARECIDO CORREA
: NELSON PERES FILHO
No. ORIG. : 00126433720094036181 7P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL PEIXOTO JÚNIOR: - Rogério Aparecido Correa, Nelson Peres Filho e José Donizete Brandão foram denunciados como incursos no artigo 183 da Lei 9.472/97 e o último também por delito previsto no artigo 296, §1º, III, do Código Penal, descritos os fatos nestes termos pela denúncia que como apresentada se transcreve:

"1. Consta dos presentes autos que Rogério Aparecido Correa, Nelson Peres Filho e José Donizete Brandão exploraram clandestinamente atividade de telecomunicação, sem autorização da ANATEL, tendo sido presos em flagrante delito em razão disso no dia 21 de outubro de 2009.
Por volta das 13:30 dessa data, os Agentes de Polícia Federal Marcelo Antônio Scapatici e Fabio Nascimento Henriques Souza encontravam-se na região central de São Paulo/SP em diligência destinada a apurar eventual atividade clandestina de segurança privada, ocasião em que dois homens vestidos com roupa com os dizeres "vigilância particular" foram abordados na esquina da Rua Aurora com a Rua Guaianazes. Ambos portavam e utilizavam rádios de comunicação do tipo HT. Instados a se identificar pelos policiais federais, um deles, após alguma insistência, apresentou sua carteira de identidade, tratando-se do acusado Nelson. O outro era Rogério, que também exibiu sua carteira de identidade.
Em seguida, chegou outro homem, que havia sido chamado por Rogério por meio do rádio de comunicação e que aparentemente coordenava a atividade de vigilância particular. Tratava-se do acusado José Donizete Brandão, que também portava um rádio de comunicação HT. José Donizete, na ocasião, não apresentou carteira de identidade, tendo exibido aos policiais federais uma carteira preta tipo funcional inidônea, com o Brasão da República e os dizeres "Agente Segurança" (fls. 32). Dessa forma, fez uso indevido de símbolo atribuído de forma privativa à União. O auto de apreensão a fls. 23/24 indica que: com Rogério, foi apreendido um rádio HT da marca Motorola, tipo transceptores portáteis FM, nome comercial PRO 3150 UHF, modelo LAH34RDC9AA1AN, número de série 422NBY0212; com Nelson, foi apreendido um rádio HT da marca Motorola, tipo transceptores portáteis FM, nome comercial PRO 3150 UHF, modelo LAH34RDC9AA1AN, número de série 422NCQ1891; e, com José Donizete, foi apreendido um rádio HT da marca Motorola, tipo transceptores portáteis FM, nome comercial PRO 3150 UHF, modelo LAH34RDC9AA1AN, número de série 422NCG3955.
O parecer técnico da ANATEL (fls. 62/63) indica que tais equipamentos operam na faixa de freqüência compreendida de 450,0 a 470,0 MHz, com potência máxima de saída de 4 Watts, cuja homologação para o Serviço Limitado Privado encontra-se cancelada desde 16/06/2008. Por sua vez, o laudo técnico da Polícia Federal a fls. 124/128 indica que os rádios são transceptores, com frequência de transmissão exata de 463,834 MHz e potência transmitida efetiva de 0,16 W, muito embora a potência nominal especificada seja de 1 a 4 W.
Encontra-se, pois, comprovada a materialidade do crime de exploração clandestina de telecomunicações, na medida em que os rádios operavam, sem válida homologação da ANATEL, no espectro de freqüências utilizado pelos serviços de "Radiotáxi Privado (SRT)", "Radiotáxi Especializado (SER)", "Limitado Privado (SLP)" e "Radiação Restrita", podendo causar interferências nas estações licenciadas que optassem na mesma freqüência ou em frequências próximas, tudo conforme esclarecido a fls. 127.
A autoria do delito ora descrito é inequívoca, pois, dos depoimentos colhidos nos autos a fls. 91/92, 94/103, 105/112 e 115/116, não resta dúvida de que a região em que atuavam os acusados era caracterizada pela presença de seguranças particulares que se utilizavam, para o serviço, de rádios de comunicação. E os acusados foram reconhecidos, nesse contexto, por diversas testemunhas, como se vê, por exemplo, a fls. 94 (Rogério), 96/97 (Nelson e José Donizete), 100 (José Donizete), 105 (José Donizete) e 111 (Rogério, Nelson e José Donizete). O exercício da atividade de segurança privada pelos acusados, com exploração clandestina de telecomunicações, iniciou-se em data que não se pode precisar e perdurou até a prisão deles em 21 de outubro de 2009."

Foi proferida sentença absolvendo sumariamente os acusados quanto ao delito do artigo 183 da Lei 9.472/97, prosseguindo o feito quanto ao delito do artigo 296, §1º, III, do Código Penal imputado ao corréu José Donizete Brandão.

O processo percorreu seus trâmites regulares, sobrevindo sentença absolvendo o acusado com fundamento no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, por entender o magistrado "a quo" que "existe dúvida quanto a ter o acusado exibido a porta-carteira falsa espontaneamente com o fim de se identificar como vigilante autorizado pelo poder público, ou foi obrigado a apresentar o documento que apenas trazia consigo".

Recorre o Ministério Público Federal alegando haver provas suficientes da materialidade e autoria delitiva, ainda aduzindo que "não se pode extrair boa-fé [...] de pessoa que exerce indevidamente funções de segurança privada e carrega consigo porta carteira funcional, incrustada com o Brasão da República Federativa do Brasil, que contém os dizeres 'Agente Segurança'".

Com contrarrazões subiram os autos.

O parecer ministerial é pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

À revisão.



Peixoto Junior
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0012643-37.2009.4.03.6181/SP
2009.61.81.012643-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal PEIXOTO JUNIOR
APELANTE : Justica Publica
APELADO : JOSE DONIZETE BRANDAO
ADVOGADO : SP269482 MARIA CAROLINA CHRISTOFOLO (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
REU ABSOLVIDO : ROGERIO APARECIDO CORREA
: NELSON PERES FILHO
No. ORIG. : 00126433720094036181 7P Vr SAO PAULO/SP

VOTO

Insurge-se o Ministério Público Federal contra sentença que absolveu o acusado de imputação de delito do artigo 296, §1º, III, do Código Penal, nestes termos motivada:


"No mérito, a ação penal é improcedente. Embora comprovada a materialidade delitiva pelo laudo de fls. 282/284, bem como o documento de fls. 291, a autoria não restou devidamente delineada. É certo que a porta-carteira apreendida em poder do acusado José Donizete contém a reprodução de um brasão da república falso. Porém, o delito atribuído ao acusado têm como verbo nuclear do tipo o termo "usar". Em sentido vulgar referido verbo pode ser compreendido como o simples fato de alguém portar determinado objeto já consistiria o uso. Entretanto, o verbo tem sentido próprio na seara do direito penal, exigindo o tipo que o agente dê ao objeto o específico emprego a que, em tese, se destina. Assim, o uso de um documento falso de identificação constitui delito quando o agente emprega referido documento para o fim de se identificar perante terceiros. Por outro lado, considerando que o dolo no direito penal é constituído pelo binômio vontade/consentimento, ou seja, age com dolo o agente que voluntariamente realiza determinada ação sabendo-a ilícita. Em outras palavras, o elemento subjetivo do tipo penal imputado ao acusado concretiza-se mediante o uso espontâneo, voluntário, do objeto material do crime. Neste ponto específico existe dúvida quanto a ter o acusado exibido a porta-carteira falsa espontaneamente com o fim de se identificar como vigilante devidamente autorizado pelo poder público, ou foi obrigado a apresentar o documento que apenas trazia consigo. Esta dúvida pode ser inferida com razoável tranqüilidade dos depoimentos prestados em Juízo pelas testemunhas, inclusive e especialmente, pela testemunha Fábio. Disse ele que o acusado apenas exibiu o documento após insistência que fez. Por fim, as demais testemunhas ouvidas disseram nunca ter visto referido documento sendo exibido em data pretérita, ou também não viram o acusado atuando como vigilante. Diante dessa dúvida quanto a realização objetiva da conduta típica pelo acusado, respaldada pela ausência subjetiva do tipo, o desfecho absolutório é de rigor."

Alega o Ministério Público Federal em seu arrazoado que há provas suficientes da materialidade e autoria delitiva, ainda aduzindo que "não se pode extrair boa-fé [...] de pessoa que exerce indevidamente funções de segurança privada e carrega consigo porta carteira funcional, incrustada com o Brasão da República Federativa do Brasil, que contém os dizeres 'Agente Segurança'".

Não merece acolhida a pretensão ministerial.

Primeiramente, convém destacar o disposto no tipo penal do artigo 296, §1º, III, do Código Penal, "verbis":

"Falsificação do selo ou sinal público
Art. 296 - Falsificar, fabricando-os ou alterando-os:
I - selo público destinado a autenticar atos oficiais da União, de Estado ou de Município;
II - selo ou sinal atribuído por lei a entidade de direito público, ou a autoridade, ou sinal público de tabelião:
Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa.
§ 1º - Incorre nas mesmas penas:
I - quem faz uso do selo ou sinal falsificado;
II - quem utiliza indevidamente o selo ou sinal verdadeiro em prejuízo de outrem ou em proveito próprio ou alheio.
III - quem altera, falsifica ou faz uso indevido de marcas, logotipos, siglas ou quaisquer outros símbolos utilizados ou identificadores de órgãos ou entidades da Administração Pública. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
§ 2º - Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, aumenta-se a pena de sexta parte."
(grifo nosso)

Nota-se que as condutas incriminadas são de alteração, falsificação e uso indevido de marcas, logotipos, siglas ou quaisquer outros símbolos utilizados ou identificadores de órgãos ou entidades da Administração Pública, quanto à última conduta bastando uma simples leitura do texto da lei para se constatar que não é qualquer uso que configura o delito, mas apenas aquele que for indevido, convindo destacar que, segundo as lições de Delmanto (Código Penal Comentado, 2010, p. 847), usar indevidamente é "utilizar de forma imprópria", do que se extrai que deve haver potencialidade para ludibriar, enganar, induzir em erro.

Reputo necessário, então, analisar se na hipótese dos autos se caracteriza a elementar do uso indevido.

Na hipótese dos autos, a imputação é de conduta do acusado exibindo a policiais federais uma carteira preta - tipo funcional - com o brasão da República e os dizeres "Agente Segurança".

Conforme conclusão do laudo de fls. 282/284, o documento apreendido "apresenta semelhança com carteira funcional identificadora de agentes públicos, especialmente com relação à presença do brasão da República Federativa do Brasil, sendo capaz de enganar e sugerir que o documento é oficial", todavia "dependendo das circunstâncias da apresentação e do conhecimento da pessoa a quem for apresentado".

Observo ainda que, no momento do flagrante, o réu portava boné de cor preta com a inscrição "VIGILÂNCIA - RUA DAS MOTOS", bem como uma cópia autenticada de identidade de "Vigia Autônomo", conforme auto de apresentação e apreensão de fls. 23/25, sendo que em juízo foram ouvidos como testemunhas de acusação os policiais federais participantes da diligência, Marcelo Antonio Scapatici declarando que "o acusado se identificou como chefe de segurança no local e apresentou a carteira de identidade de vigilante que estava dentro do porta carteira" (fl. 332), e Fábio Nascimento Henriques de Souza afirmando que o réu "se identificou como vigilante apresentando um documento" e que tal documento "estava no interior de uma porta carteira que continha o Brasão da República" (fl. 334),

No quadro que se apresenta, o que se verifica é que o réu estava com boné cujas inscrições indicavam de forma visível que os serviços por ele prestados eram de vigilância na "Rua das Motos" e que a carteira com o excogitado brasão sequer foi por ele utilizada como meio de identificação, mas apenas como objeto para acondicionar a identidade de "Vigia Autônomo" que fora apresentada aos policiais federais, não sendo razoável supor que pudessem ter sido ludibriados, crendo se tratar de documento oficial e ser o réu agente público, ao fim e ao cabo não exsurgindo nenhum elemento que permita concluir houvesse dolo de ludibrio e uso indevido do brasão da República.

Nada, destarte, a objetar ao parecer ministerial, concluindo que:


"Portanto, após percuciente das provas produzidas, verifica-se que a carteira aludida não tinha, naquele momento, o condão de enganar e intimidar os policiais, também não havendo prova de que o apelado teria tentado sugerir que se tratava de documento oficial, que tenha utilizado indevidamente o símbolo, motivo pelo qual o fato descrito na exordial acusatória é atípico."

Cabe também o destaque do seguinte precedente da Corte de interesse na questão:


"PENAL. HABEAS CORPUS. USO DAS ARMAS NACIONAIS - BRASÃO DA REPÚBLICA - POR ASSOCIAÇÃO PRIVADA. DENÚNCIA QUE NÃO INDICA QUAIS FATOS OU CIRCUNSTÂNCIAS PROVOCAM CONFUSÃO COM ENTIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, NEM APONTA FINALIDADE ECONÔMICA. CONDUTA ATÍPICA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL .
1. Habeas corpus objetivando o trancamento da ação penal na qual se imputa ao paciente a conduta de ter utilizado indevidamente as Armas Nacionais, dando-o como incurso no artigo 296 , §1°, inciso III, do Código Penal.
2. O tipo penal do artigo 296, §1º, inciso III do Código Penal , na modalidade de "uso", contém elemento normativo, porque somente incrimina a conduta de quem faz uso indevido . Destarte, a contrario sensu, afigura-se atípica a conduta de quem utiliza de símbolos de forma não indevida, a ensejar a conclusão de que não é qualquer e toda utilização capaz de surtir efeitos na esfera penal.
........................................................................................................................................................................................................................................."
(TRF3, HC 0005572-34.2008.4.03.0000, Primeira Turma, Rel. Juiz Federal Convocado Márcio Mesquita, DJF3 DATA: 09/06/2008)

Destarte, ainda que por outra ordem de fundamentação, não divirjo do decreto absolutório.

Diante do exposto, nego provimento ao recurso.

É o voto.



Peixoto Junior
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): OTAVIO PEIXOTO JUNIOR:10032
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Data e Hora: 16/10/2013 15:57:35