Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 04/11/2013
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0007294-31.2002.4.03.6106/SP
2002.61.06.007294-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
APELANTE : GILBERTO BISPO
ADVOGADO : SP053231 FRANCISCO ANDRÉ
APELADO : Justica Publica
CO-REU : DEVAIR APARECIDO LEME

EMENTA

PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE CONTRABANDO E DESCAMINHO. COMPETÊNCIA ABSOLUTA DA JUSTIÇA FEDERAL. VARA FEDERAL DO LOCAL DE APREENSÃO DOS BENS. SÚMULA 151 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA QUE NÃO SE APLICA AO CASO CONCRETO. MONTANTE DE IMPOSTOS QUE ULTRAPASSA VINTE MIL REAIS. EXASPERAÇÃO DA PENA BASE COM BASE EM CONDENAÇÃO NÃO TRANSITADA EM JULGADO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 444 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE REDUZIDA E SUBSTITUÍDA POR RESTRITIVA DE DIREITOS. PENA DE MULTA AFASTADA "EX OFFICIO" POR AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
1. O crime de contrabando e descaminho insere-se dentre as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, razão pela qual é processado na Vara Federal competente, qual seja, a que exerça jurisdição sobre o local de apreensão dos bens, nos termos da Súmula 151 do Superior Tribunal de Justiça.
2. Materialidade comprovada com base no auto de apresentação e apreensão das mercadorias, laudo de exame merceológico e auto de infração e termo de apreensão e guarda fiscal.
3. Autoria comprovada com base nos depoimentos colhidos nos autos e no interrogatório do apelante.
4. É leviana a alegação da defesa de que o apelante teria sido perseguido pela Polícia e pelo Fisco. O que se colhe da prova dos autos é que os agentes estatais não fizeram mais do que cumprir, com eficiência, seus deveres de ofício.
5. Dolo configurado. O apelante não negou os fatos e suas intenções, deixando clara a trama delitiva. Por óbvio que tinha plena consciência da ilicitude da conduta, bem como acerca da ausência de recolhimento dos impostos devidos.
6. Inaplicável, ao caso, o princípio da insignificância ante o montante dos impostos não recolhidos ser superior aos R$ 20.000,00 (vinte mil reais) fixados como limite mínimo para as execuções da Fazenda Nacional.
7. É entendimento pacificado, a teor do verbete da Súmula 444 do Superior Tribunal de Justiça, que é "vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base". Pena base reduzida.
8. Pena de multa afastada, ex officio, por ausência de previsão legal.
9. Apelação parcialmente provida para manter a condenação de Gilberto Bispo como incurso nas penas do artigo 334, § 1º, "c", do Código Penal e reduzir a pena para 01 (um) ano e 09 (nove) meses de reclusão, no regime aberto, substituindo-a por duas restritivas de direitos consistentes em: a) prestação de serviços à comunidade ou a entidade pública, assistencial ou filantrópica, a critério do Juízo das Execuções Penais; b) limitação de final de semana, ambas pelo prazo da condenação


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento parcial à apelação Apelação para manter a condenação de Gilberto Bispo como incurso nas penas do artigo 334, § 1º, "c", do Código Penal e reduzir a pena para 01 (um) ano e 09 (nove) meses de reclusão, no regime aberto, substituindo-a por duas restritivas de direitos consistentes em: a) prestação de serviços à comunidade ou a entidade pública, assistencial ou filantrópica, a critério do Juízo das Execuções Penais, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.



São Paulo, 21 de outubro de 2013.
Antonio Cedenho
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0007294-31.2002.4.03.6106/SP
2002.61.06.007294-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
APELANTE : GILBERTO BISPO
ADVOGADO : SP053231 FRANCISCO ANDRÉ
APELADO : Justica Publica
CO-REU : DEVAIR APARECIDO LEME

RELATÓRIO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO:


Trata-se de apelação criminal interposta pelo réu Gilberto Bispo contra sentença que o condenou pela prática do crime previsto no artigo 334, § 1º, "c", do Código Penal.


Narra a denúncia (fls. 02/04) que o apelante, em 05 de julho de 2001, internalizou em território nacional cigarros de procedência estrangeira sem a devida documentação e autorização legal. Na oportunidade, agentes da polícia federal abordaram um veículo Kombi e surpreenderam Aristides Simões e Devair Aparecido Leme transportando cigarros sem a devida documentação, todos pertencentes a Gilberto Bispo, o qual acompanhava o veículo em sua motocicleta. Apreendidas as mercadorias pelos Policiais Federais, estes foram informados pelo próprio apelante acerca de outros cigarros acondicionados na sua residência e ferro-velho. Foi realizada, no momento, a prisão em flagrante dos 03 (três) sujeitos.


A denúncia, oferecida contra Gilberto Bispo e Devair Aparecido Leme, foi recebida em 17/10/2001 (fl. 105).


No curso do processo, o réu Devair veio a falecer (fl. 329).


Às fls. 366/369 foi proferida sentença, publicada em 26.03.2010, condenando o apelante à pena de 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão, no regime de cumprimento inicial semi-aberto, como incurso nas penas do artigo 334, § 1º, "c", do Código Penal.


Às fls. 375/381 o apelante interpôs recurso de apelação, sustentando, em síntese: a) incompetência da Justiça Federal para processar o feito; b) desconhecimento, por parte do apelante, de que os cigarros foram importados sem pagamento de tributos; c) perseguição do Fisco e da Polícia estatal; d) pena base exasperada indevidamente, sobremaneira pela consideração indevida de maus antecedentes. Ao final, requer sua absolvição.


O Ministério Público Federal apresentou suas contrarrazões (fls. 417/425) e requereu a manutenção da condenação.


Em parecer (fls. 430/434), a Procuradoria Regional da República opina pelo desprovimento do recurso. Às fls. 455/458, a Procuradoria Regional da República pugna pela não aplicação do princípio da insignificância e, ao fim, pelo desprovimento do recurso.


É o relatório.


À revisão.


Antonio Cedenho
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0007294-31.2002.4.03.6106/SP
2002.61.06.007294-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
APELANTE : GILBERTO BISPO
ADVOGADO : SP053231 FRANCISCO ANDRÉ
APELADO : Justica Publica
CO-REU : DEVAIR APARECIDO LEME

VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO:


Em primeiro, insurge-se o apelante contra o processamento do feito perante a Justiça Federal.


A esse respeito, assevero que a competência da Justiça Federal é definida em razão da matéria, critério este de ordem absoluta, o que implica dizer que os crimes que atentam contra o interesse da União não são passíveis de processamento perante a Justiça Estadual.


O crime de contrabando e descaminho insere-se dentre as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, razão pela qual é processado na Vara Federal competente, qual seja, a que exerça jurisdição sobre o local de apreensão dos bens.


Nesse tocante, confira-se o teor da Súmula 151 do Superior Tribunal de Justiça:


"A competência para processo e julgamento por crime de contrabando e descaminho define-se pela prevenção do Juízo Federal do lugar de apreensão dos bens".

Assim, sem mais sobre o assunto, afasto a alegação.


Pois bem.


Quanto à materialidade delitiva, esta é incontestável. Às fls. 13/15 consta auto de apresentação e apreensão das mercadorias (cigarros). Às fls. 109/110 consta laudo de exame merceológico dando conta do valor das mercadorias e de sua condição alienígena. Às fls. 111/116 consta Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal relativo às mercadorias apreendidas.


Nesse tocante, friso, de forma a espancar alegações do gênero, que os fatos narrados na inicial correspondem ao crime de descaminho quanto à internalização no país de cigarros cuja comercialização no Brasil é permitida e, também, ao crime de contrabando, já que foram importados cigarros cuja comercialização é proibida, o que se infere da análise do Registro de Produto Fumígeno - Relação de Marca de Cigarros - Ano de 2013 - ANVISA (http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/fc7ae1004d2d1476aed7fe4031a95fac/Marcas+de+Cigarros_2013-08-20.pdf?MOD=AJPERES).


Nesse sentido:


APELAÇÃO CRIMINAL. ARTIGO 334, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL. CIGARROS DE PROCEDÊNCIA ESTRANGEIRA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA MANTIDA. 1 - Trata-se de apreensão de 15.860 maços de cigarros de procedência estrangeira avaliados no total de R$ 7.137,00, conforme constou do Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal de Mercadorias. 2 - O Laudo de Exame Merceológico confirmou a origem estrangeira dos cigarros bem como o valor estimado das unidades apreendidas. 3 - Postos os fatos, é imperioso anotar que esta E. 2ª Turma adotou o entendimento de que cigarros de origem estrangeira internados irregularmente no território nacional são mercadorias cuja importação não é proibida. Proibida é a comercialização de cigarro nacional fabricado para exportação, de cigarro falsificado e de marca sem registro perante a autoridade sanitária brasileira. Portanto, o caso dos autos não versa sobre o crime de contrabando, como sustentado pelo órgão ministerial nesta Corte. Precedentes. 4 - Dito isso, cumpre dizer que tanto o Supremo Tribunal Federal, como o Superior Tribunal de Justiça entendem que é aplicável aos delitos de descaminho o princípio da insignificância, quando o valor do imposto que não foi recolhido corresponde ao valor que o próprio Estado, sujeito passivo do crime, manifesta desinteresse em sua cobrança (Recurso Especial Repetitivo representativo de controvérsia - Resp nº 1.112.748 - TO, julgado pelo Egrégio STJ em 09 de setembro de 2009). 5 - Ocorre que recentemente foi editada a Portaria MF nº 75, de 22 de março de 2012, publicada em 26 de março de 2012 que, em seu artigo 1º, determina o não ajuizamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00. 6 - De qualquer forma, nos termos do cálculo efetuado pela Receita Federal do Brasil, do montante dos tributos que incidiriam nessa importação caso fosse regular (R$ 12.383,49), R$ 935,62 corresponderiam à COFINS e R$ 652,84 ao PIS, além dos R$ 9.817,34 relativos ao IPI e R$ R$ 1.427,40 ao II. Todavia, para efeitos criminais, tratando-se de introdução de mercadoria alienígena não proibida, a carga tributária devida à União é composta pelo Imposto de Importação (II), cujo fato gerador é a entrada do produto estrangeiro no território nacional (artigo 19 do CTN); e pelo Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), derivado do desembaraço aduaneiro do artigo de origem estrangeira (artigo 46, I, do CTN); já que o artigo 334 do Código Penal especifica a conduta como: "(...) iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria: (...)" 7 - Com efeito, a COFINS e o PIS pertencem à classe das contribuições e não dos impostos, como expressamente delimita o crime em comento, o que proíbe as suas inclusões no cálculo, uma vez que não se admite para efeitos penais interpretação extensiva nem analógica, senão in bonam partem. 8 - Dessa forma, a estimativa fiscal da carga tributária para fins de representação criminal não pode levar em conta tais contribuições, sob pena de infração ao princípio da estrita legalidade. Precedentes. 9 - Atualizando-se o tributo devido na época (31/03/2010) até 05/2013 tem-se o valor de R$ 14.068,97 (cálculo efetuado com base no IGP-M (FGV):WWW.bcb.gov.br), que não é superior de qualquer forma ao limite de R$ 20.000,00 previsto na Portaria MF nº 75 , de 22 de março de 2012, atualmente em vigor, o que permite a solução da demanda com a aplicação do princípio da insignificância . 10 - Mantido o decreto de absolvição sumária. Apelação ministerial improvida.(ACR 00029049420114036108, DESEMBARGADORA FEDERAL CECILIA MELLO, TRF3 - SEGUNDA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:29/08/2013 ..FONTE_REPUBLICACAO:.) Destacou-se.

Ressalto, como bem salientado pela Procuradoria da República, que a comercialização, no Brasil, de cigarros importados, depende do cumprimento de uma série de requisitos legais. Transcrevo, para fins ilustrativos, trecho do parecer da Procuradoria da República acostado às fls. 455/458.


"O importador de cigarros deve, em suma: 1) constituir-se sob a forma de sociedade; 2) Inscrever-se no Registro Especial instituído pelo art. 1º do Decreto Lei nº 1.593/77; 3) requerer à Secretaria da Receita Federal o fornecimento dos selos de controle de que trata o art. 46 da Lei nº 4.502/64, sendo certo que em tal requerimento devem constar, obrigatoriamente, o nome e o endereço do fabricante no exterior, a quantidade de vintenas, marca comercial e características físicas do produto a ser importado, bem como o preço do fabricante no país de origem, o preço FOB da importação e o preço de venda a varejo pelo qual será feita a comercialização no Brasil; 4) ser o requerimento acima mencionado aceito pela Secretaria da Receita Federal, que deverá divulgar, por meio do Diário Oficial da União, a identificação do importador, a marca comercial e características do produto, o preço de venda a varejo, a quantidade autorizada de vintenas e o valor unitário e cor dos respectivos selos de controle; 5) efetuar, dentro de 15 dias contados da aceitação do requerimento, o pagamento dos selos e sua retirada na Receita Federal; 6) providenciar a impressão, nos selos de controle, de seu número de inscrição no CNPJ e do preço de venda a varejo; 7) remeter os selos de controle ao fabricante no exterior, que deverá aplicá-los em cada maço, carteira ou qualquer outro recipiente que contenha vinte unidades do produto; 8) efetuar, dentro do prazo de 90 dias contados a partir do fornecimento dos selos de controle, o registro da declaração da importação".

A corroborar o quanto sobredito, o artigo 47 da Lei 9.532/97 é enfático:

"Art. 47. O importador de cigarros deve constituir-se sob a forma de sociedade, sujeitando-se, também, à inscrição no Registro Especial instituído pelo art. 1º do Decreto-lei nº 1.593, de 1997".

Da acurada análise da legislação de regência, extrai-se, indubitavelmente, que o legislador criou uma série de limitações à importação de fumígenos, com uma razão de ser bem definida.


Com efeito, essas restrições estão insertas em uma política de Estado que visa, a partir da certeza da procedência dos cigarros estrangeiros, proteger a saúde pública. As exigências legais acabam por garantir minimamente um controle de qualidade apto a evitar malefícios além daqueles já inerentes ao uso do tabaco.


Essas regras, portanto, devem ser estritamente observadas. O descumprimento de tais preceitos, conseqüentemente, é crime e, como tal, deve ser coibido e punido pelo Estado.


O fato é que, no caso, não foram cumpridos nenhum dos requisitos necessários à importação regular de cigarros, o que configura como criminosa a conduta narrada na inicial. Isso sem contar que os cigarros importados se destinavam à venda, subsumindo-se os fatos à conduta descrita no artigo 334, § 1º, "c", do Código Penal.


Assim, por destinarem-se os cigarros à venda e não haver nos autos qualquer prova no sentido de que foram regularmente importados, com submissão à tributação fiscal, configurado está o descaminho, além do contrabando com relação àqueles cuja comercialização no Brasil não foi chancelada pela ANVISA.


A autoria também está provada nos autos. Em primeiro, frise-se que o apelante foi preso em flagrante decorrente da atuação da Polícia Federal no intento de flagrar o crime perpetrado (fl. 07/12).


Em sede policial, o acusado afirmou (fl. 10):


"(...) é proprietário de um ferro-velho na cidade de José Bonifácio/SP e, como forma de "bico", adquire cigarros em Ciudad Del Leste/Paraguai e os revende na cidade de José Bonifácio/SP e região "sem nota" fiscal"

Sob contraditório, ratificou (fl. 153,v):


"Os fatos acontecerem. O interrogando realmente pediu a Devair que trouxesse os maços de cigarro do Paraguai. O interrogando pediu exatamente a quantia descrita na denúncia. O interrogando pretendia vender os maços de cigarro e também entregar a outros para a venda".

O Policial Federal ouvido judicialmente como testemunha apontou que (fl. 278):


"No dia dos fatos o depoente juntamente com o APF José Roberto Curtolo Barbeiro, hoje aposentado, recebeu da autoridade policial determinação para investigar o réu eis que havia informações que o mesmo trazia cigarros do Paraguai, às vezes pessoalmente e às vezes por terceiros, valendo-se de ônibus de turismo. De posse da determinação da autoridade policial, montaram uma "campana" na residência do réu, a partir de aproximadamente duas horas, sendo que por volta das 5 horas apareceu uma Kombi verde, conduzida por duas pessoas e acompanhada de uma moto dirigida pelo réu. O veículo e a moto foram abordados sem qualquer resistência e foi constatado no interior da Kombi o transporte de cigarros importados, bem como cigarros produzidos no Brasil, especialmente para exportação, cuja reintrodução é proibida (...) no momento dos fatos o réu não negou a conduta. Mais que isso, assumiu a propriedade dos cigarros, bem como informou aos agentes que havia mais em sua casa bem como em um ferro velho de sua propriedade...".

A testemunha de defesa Aristides Simões trouxe aos autos que (fl. 326):


"Gilberto ficava com uns 500 maços mais ou menos e ia vendendo aos poucos... Essa foi a primeira vez que eu fiz frete para pegar cigarros para o réu, pois eu estava parado e ele me chamou e eu fui".

Observa-se, pelo cotejo entre depoimentos, que todos estão em absoluta consonância. O apelante afirma que os fatos aconteceram, ou seja, que trouxe cigarros do exterior e que pretendia vendê-los. Afirma, também, que tinha um ferro velho, exatamente como o Policial Federal descreve os fatos, ou seja, que pegou o apelante em flagrante e que este último o levou ao seu ferro velho, local em que havia mais cigarros de origem estrangeira. A testemunha de defesa corrobora a prática delitiva perpetrada pelo apelante.


Assim, não há dúvidas de que o apelante é autor dos fatos, exatamente como apontado na denúncia.


E, portanto, é leviana a alegação da defesa de que o apelante teria sido perseguido pela Polícia e pelo Fisco. O que se colhe da prova dos autos é que os agentes estatais não fizeram mais do que cumprir, com eficiência, seus deveres de ofício, não havendo mais a considerar neste ponto.


De mais a mais, o dolo, igualmente, é manifesto. O apelante afirma que corriqueiramente adquiria cigarros no Paraguai e os revendia na cidade de José Bonifácio/SP e região. É de clareza solar, portanto, que sabia muito bem das circunstâncias que envolviam as condutas que perpetrava e que tinha pleno conhecimento de que os tributos devidos não estavam sendo recolhidos.


Aliás, conforme exposto alhures, o apelante sequer poderia importar cigarros sem constituir pessoa jurídica para tal e sem submeter-se à legislação que rege a importação de produtos fumígenos.


O apelante não negou os fatos e suas intenções, deixando clara a trama delitiva. Por óbvio que tinha plena consciência da ilicitude da conduta, bem como acerca da ausência de recolhimento dos impostos devidos. Portanto, está configurado o dolo do apelante, tornando-se desnecessárias maiores digressões sobre o tema.


Prossigo.


A Procuradoria Regional da República, no parecer de fls. 455/458, menciona o princípio da insignificância, pugnando pela não aplicação ao caso por tratar-se de contrabando de cigarros. Sustenta sua argumentação afirmando que "o comércio ilícito de produtos de tabaco liga-se não só à tutela da Administração Pública, mas também à preservação da saúde pública, não sendo matéria limitada meramente ao campo da tributação".


Todavia, deixo de aplicar o princípio da insignificância, mas por fundamento diverso.


Esse Tribunal Regional Federal da 3ª Região já aplicou o princípio da insignificância em situações como a vertente. Ademais, como o artigo 1º da Portaria nº 75/2012 do Ministério da Fazenda atualizou o valor das execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para R$ 20.000,00 (vinte mil reais), tem-se considerado este como o valor limite para a aplicação do princípio da insignificância.


PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. ARTIGO 334, §1º, "c" e"d", DO CÓDIGO PENAL. LEI 10522/02. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. ENTENDIMENTO CONSOLIDADO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA NO JULGAMENTO DE RECURSO REPETITIVO (RESP 112.478-TO). RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Denúncia que narra a prática, em tese, do crime definido no artigo 334,§1º, alíneas "c" e"d", do Código Penal. 2. Os elementos de cognição demonstram que as mercadorias apreendidas são cigarros produzidos no estrangeiro. A conduta de importar fraudulentamente cigarros produzidos no exterior subsume-se ao tipo penal de descaminho (artigo 334, "caput", segunda parte, do Código Penal). 3. Configuraria o crime de contrabando (artigo 334, "caput", primeira parte), fosse importação de cigarro produzido no Brasil e destinado exclusivamente à exportação e, portanto, de internação proibida. 4. Considerando o valor dos tributos devidos, é de ser aplicado o princípio da insignificância para absolver a ré do crime de descaminho. 5. O artigo 20, caput, da Lei n.º 10.522/2002, com a redação dada pela Lei n.º 11.033/2004, autoriza o arquivamento dos autos da execução fiscal, sem baixa na distribuição, quando o valor devido for de até R$ 10.000,00 (dez mil reais). 6. Hodiernamente, a Portaria nº 75 de 22 de março de 2012 do Ministério da Fazendo dispõe, em seu primeiro artigo, que a Dívida Ativa da Fazenda Nacional de valor consolidado de até R$ 20.000,00 (vinte mil reais), não será ajuizada. 7. O valor do débito é inferior ao patamar legal, sendo plenamente aplicável o princípio da insignificância, como corolário do princípio da pequenez ofensiva inserto no artigo 98, inciso I, da Constituição Federal, o qual estabelece que o Direito Penal, pela adequação típica do fato à norma incriminadora, somente intervenha nos casos de lesão de certa gravidade, atestando a atipicidade penal nas hipóteses de delitos de lesão mínima, que ensejam resultado diminuto. 8. Recurso em sentido estrito desprovido.(RSE 00031665320104036181, DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI, TRF3 - PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:05/09/2013 .FONTE_REPUBLICACAO:.)

Ademais, ainda que algumas das marcas dos cigarros apreendidos não possuam registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA, não há óbice à aplicação do princípio da insignificância (o limite de dez mil reais nos julgados abaixo foram considerados antes da Portaria do Ministério da Fazenda, editada no ano de 2012).


"PROCESSO PENAL - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO CRIMINAL - ART 334 CP - OMISSÃO - CONTRABANDO DE CIGARROS - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICANCIA - EMBARGOS CONHECIDOS E REJEITADOS.
1. Inexiste, no v. acórdão ora embargado, qualquer omissão a sanar pela via destes embargos declaratórios. Na verdade, os embargantes deixam clara a sua intenção de rediscutir questões já decididas nos autos, o que não se coaduna com os objetivos traçados pelos artigos 619 e 620 do Código de Processo Penal.
2. Ao contrário do que aduz o embargante, os fundamentos esposados no v. acórdão acerca da aplicação do princípio da insignificância para os delitos de descaminho ou contrabando de cigarros encontram-se bem delineados naquele texto, o qual faço reproduzir:
3. "Ressalto que o meu anterior entendimento acerca do tema, que foi acompanhado com muita freqüência pelos meus pares, era o de que o princípio da insignificância não se aplicava ao crime de descaminho a não ser naquelas hipóteses previstas pela própria Lei 10.522/2002, em seu artigo 18, §1º.
E, relativamente ao contrabando de cigarro, em face do risco social que tal conduta implica (por furtar-se ao controle do consumo, realizado pelo emprego extrafiscal do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI e o seu impacto no preço do produto), e, depois, pela coletivização dos riscos sem contrapartida nenhuma ao Poder Público que o consumo desses cigarros implica, uma vez que será o subsistema da saúde pública que, a médio prazo, arcará com o tratamento dos fumantes de cigarros baratos e amplamente comercializados pelo país.
4. Todavia, deixo de aplicar esse meu entendimento ao caso em tela e adoto o posicionamento que aplica o aludido princípio para os casos em que os débitos tributários não ultrapassem o limite de R$ 10.000,00, inclusive nos casos de importação de cigarros.
5. Frise-se que a jurisprudência nacional vem se solidificando em posicionar-se no sentido de aplicar a referida causa supralegal de excludente da ilicitude nos casos em que o valor dos tributos relativos às mercadorias apreendidas for inferior ao limite de R$10.000,00, inclusive tratando-se de cigarros.
6. Neste sentido, confira-se o seguinte aresto do Superior Tribunal de Justiça:
"DIREITO PENAL. CRIME DE CONTRABANDO POR ASSIMILAÇÃO. CIGARROS. REINSERÇÃO DE MERCADORIA BRASILEIRA DESTINADA À EXPORTAÇÃO NO TERRITÓRIO NACIONAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INCIDÊNCIA. VALOR INFERIOR A R$ 2.500,00, NOS TERMOS DA LEI N.º 10.522/02. CAUSA SUPRALEGAL DE EXCLUDENTE DE ILICITUDE. PRECEDENTES DO STJ.
1. Se a própria União, na esfera cível, a teor do art. 20 da Lei n.º 10.533/2002, entendeu por perdoar as dívidas inferiores a R$2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), não faz sentido apenar o recorrente pelo crime de contrabando por assimilação, pelo fato de ter introduzido no país mercadoria nacional sem o recolhimento de tributo inferior ao mencionado valor.
2. Aplicação do princípio da insignificância como causa supralegal de exclusão da tipicidade. Precedentes do STJ.
3. Recurso provido." (g.n)
(STJ, RESP nº 308.307/RS, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 18.03.2004, v.u., DJ12/04/2004, p 232).
7. É que, tem-se levado em conta, como fator de discriminem, o valor monetário as mercadorias apreendidas (inclusive cigarros), sobre o qual incidem os tributos devidos. Confira-se (...)": Precedentes.
8. Embargos de declaração conhecidos e rejeitados."
(TRF 3ª Região, QUINTA TURMA, RSE 0001718-20.2008.4.03.6115, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL RAMZA TARTUCE, julgado em 15/08/2011, e-DJF3 Judicial 1 DATA:25/08/2011 PÁGINA: 1005)
"PENAL - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - CONTRABANDO DE CIGARROS - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - VALOR DAS MERCADORIAS AVALIADO ABAIXO DE DEZ MIL REAIS - LEI Nº 10.522/02 - APLICAÇÃO - FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL - IMPROVIMENTO DO RECURSO.
1. Há recentes julgados, inclusive de Tribunais Superiores, que admitem a aplicação do princípio da insignificância para os delitos de descaminho ou contrabando de cigarros cujo valor do tributo não recolhido é inferior a R$10.000,00.
2. Em julgamento de recurso especial oriundo do Superior Tribunal de Justiça, foi aplicado o princípio da insignificância para o delito de descaminho, adotando o patamar do artigo 20 da Lei 10.522/2002. Tal recurso foi selecionado como repetitivo nos termos do artigo 543-C do Código de Processo Civil, e do artigo 1º e parágrafos da Resolução nº 8, de 07/08/2008 expedida por aquela mesma Corte de Justiça. Com efeito, a controvérsia discutida acerca da referida causa excludente de ilicitude já havia sido objeto de outro recurso julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (REsp 1112748-TO), sob a nova sistemática da Lei nº 11.672/2008, que tratou do julgamento dos recursos repetitivos.
3. A jurisprudência nacional vem se solidificando em posicionar-se no sentido de aplicar a referida causa supralegal de excludente de ilicitude nos casos em que o valor dos tributos relativos às mercadorias apreendidas for inferior ao limite de R$10.000,00, inclusive tratando-se de cigarros. Precedentes : STJ, RESP nº 308.307/RS, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 18.03.2004, v.u., DJ12/04/2004, p 232; TRF3, RSE - 200361240015681, Desemb. Fed. JUIZ JOHONSOM DI SALVO, 1ª Turma - DJF3:13/06/2008; TRF4, ACR 2004.70.05.003546-7/PR, 8ª T. - Rel. JUÍZA FEDERAL ELOY BERNST JUSTO D.E. 04/02/2010.
4. Recurso improvido."
(TRF 3ª Região, QUINTA TURMA, RSE 0000972-46.2008.4.03.6118, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL LUIZ STEFANINI, julgado em 06/06/2011, e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/06/2011 PÁGINA: 519)

No caso dos autos, todavia, o montante de impostos devidos supera o limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), uma vez que totaliza R$ 34.048,26 (trinta e quatro mil, quarenta e oito reais e vinte e seis centavos), conforme consta na planilha de fl. 450, pelo que, pelas razões dantes expostas, não é cabível a aplicação do princípio da insignificância.


Desse modo, passo à análise da dosimetria da pena.


A defesa insurge-se contra a aplicação dos maus antecedentes como causa de aumento de pena.


A pena-base, considerando-se os antecedentes criminais relativos a um processo transitado em julgado e outro em andamento (sentença, fl. 369), foi fixada em dois anos e meio de reclusão.


Todavia, é entendimento pacificado, a teor do verbete da Súmula 444 do Superior Tribunal de Justiça, que "é vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base".


Assim, o aumento da pena-base, in casu, mostra-se exacerbado, devendo a pena ser reduzida, sobremaneira tendo em vista que as demais circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal não indicam necessidade de elevação.


Assim, fixo a pena-base em 01 (um) ano e 09 (nove) meses de reclusão.


Afasto, ex officio, a multa aplicada pelo Juízo monocrático ante a ausência de previsão legal.


Não há agravantes ou atenuantes a considerar, tampouco causas de aumento ou diminuição.


Fixo, como regime inicial de cumprimento de pena, o aberto, nos termos do artigo 33, § 2º, "c", do Código Penal, pois não vislumbro, pela análise das circunstâncias judiciais do artigo 59, necessidade de fixação de regime de pena mais gravoso.


Substituo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em: a) prestação de serviços à comunidade ou a entidade pública, assistencial ou filantrópica, a critério do Juízo das Execuções Penais; b) limitação de final de semana, ambas pelo prazo da condenação.


Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação para manter a condenação de Gilberto Bispo como incurso nas penas do artigo 334, § 1º, "c", do Código Penal e reduzir a pena para 01 (um) ano e 09 (nove) meses de reclusão, no regime aberto, substituindo-a por duas restritivas de direitos consistentes em a) prestação de serviços à comunidade ou a entidade pública, assistencial ou filantrópica, a critério do Juízo das Execuções Penais; b) limitação de final de semana, ambas pelo prazo da condenação.


É o voto.




Antonio Cedenho
Desembargador Federal


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