D.E. Publicado em 04/11/2013 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, reduzir, ex officio, a pena-base do crime de descaminho para 1 (um) ano de reclusão, mantendo-se, contudo, sua pena definitiva, e negar provimento à apelação, mantida, no mais, a r. sentença, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO:
Trata-se de apelação criminal interposta pelo réu AMOE MARIANO DA SILVA contra sentença que o condenou pela prática dos crimes previstos nos artigos 334, §1º, "c", e 273, §§1º-A e 1º-B, todos do Código Penal.
Narra a denúncia oferecida pelo Parquet federal que Amoe Mariano da Silva foi surpreendido, em 16 de setembro de 2009, por volta do final do período da manhã, no posto policial localizado na altura do Km 82 da Rodovia Fernão Dias, por policiais rodoviários federais, que faziam fiscalização de rotina, transportando mercadorias de origem estrangeira desacompanhadas de documentação comprobatória de seu regular internação em território nacional, cujo valor estimado alcançou R$ 39.155,10 (trinta e nove mi, cento e cinqüenta e cinco reais e dez centavos), bem como grande quantidade de medicamentos consistentes em: 12.000 (doze) mil comprimidos de "PRAMIL SILDENAFIL - 50mg", 60 (sessenta) comprimidos de "VIAGRA SILDENAFILA CITRATO - 50mg", 60 (sessenta) comprimidos de "CIALIS TADALAFILA - 20mg", 20 (vinte) ampolas de "NANDROLONE DECANOATE NORMA - 2ml" e 1.000 (mil) comprimidos de "CYOTEC 200mcg COMPRESSE MISOPROSTOL" (fls. 132/133v).
A denúncia foi recebida em 13 de novembro de 2009 (fls. 135/137).
Após regular instrução, foi proferida sentença (fls. 310/318), publicada em 31 de maio de 2010 (fl. 319), que julgou procedente a ação penal para condenar o réu Amoe Mariano da Silva pela prática dos delitos descritos nos artigos 334, §1º, "c", e 273, §§1º-A e 1º-B, ambos do Código Penal, ao cumprimento da pena de 11 (onze) anos de reclusão, em regime inicial fechado, e pagamento de 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos.
A defesa, em razões recursais (fls. 338/343), pugna pela absolvição sob fundamento de insuficiência de provas hábeis a ensejar o decreto condenatório, restando ausente a autoria e o elemento subjetivo. Ademais, alega que o acusado não tinha conhecimento de que a conduta de comprar acessórios para telefonia celular configurava crime de descaminho, bem como de que havia os medicamentos em sua bagagem.
Foram apresentadas contrarrazões pela acusação (fls. 345/348v).
A Procuradoria Regional da República da 3ª Região opina, em parecer, pelo parcial provimento do recurso para reduzir à metade a pena de reclusão pela prática do delito previsto no artigo 273, §§1º-A e 1º-B, do Código Penal (fls. 353/357).
É o relatório.
À revisão.
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VOTO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO:
Inexistindo preliminares a serem analisadas, passo ao exame do mérito recursal.
A materialidade delitiva do crime de descaminho restou demonstrada através do Auto de Apresentação e Apreensão - IPL 2-2829/09 (fls. 09/11), Laudo de Exame Merceológico nº 5944/2009 - NUCRIM/SETEC/SR/DPF/SP (fls. 119/126), Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal nº 0815500/00116/10 (fls. 282/289) e Ofício nº 0504/2010/GAB/IRF/SPO (fls. 280/281), os quais apontam que diversas mercadorias de procedência estrangeira, tais como: perfumes, peças de aparelhos celulares, aparelhos eletrônicos, avaliadas no valor total de R$ 167.845,00 (cento e sessenta e sete mil e oitocentos e quarenta e cinco reais), estavam desacompanhadas da respectiva documentação legal e foram introduzidas em território nacional com ilusão de tributos no valor de R$ 29.610,18 (vinte e nove mil, seiscentos e dez reais e dezoito centavos), tendo sido adquiridas para fins comerciais.
Já a materialidade delitiva do crime de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais restou incontroversa, conforme bem analisado pela sentença recorrida, já que os documentos acima citados, além do Laudo de Exame de Produto Farmacêutico nº 5141/2009 - NUCRIM/SETEC/SR/DPF/SP (fls. 111/117) e nº 1809/2009 (fls. 226/231), constataram que foram apreendidos 12.000 (doze) mil comprimidos de "PRAMIL SILDENAFIL - 50mg", 60 (sessenta) comprimidos de "VIAGRA SILDENAFILA CITRATO - 50mg", 60 (sessenta) comprimidos de "CIALIS TADALAFILA - 20mg", 20 (vinte) ampolas de "NANDROLONE DECANOATE NORMA - 2ml" e 1.000 (mil) comprimidos de "CYTOTEC 200mcg COMPRESSE MISOPROSTOL".
Referidos laudos revelaram, em síntese, que: o medicamento "PRAMIL SILDENAFIL - 50mg", fabricado pela empresa "NOVOPHAR - DIVISIÓN DE LA QUIMICA FARMACEUTICA S/A", não possui registro junto à ANVISA; o medicamento "VIAGRA SILDENAFILA CITRATO - 50mg" é falsificado, pois foi constatado o princípio ativo "Tadalafil", ao invés "Sildenafil"; o medicamento "CIALIS TADALAFILA - 20mg" é falsificado, pois a empresa farmacêutica registrada na ANVISA "Eli Lilly do Brasil" informou que inexiste o lote nº 0446628 do respectivo produto; o medicamento "NANDROLONE DECANOATE NORMA - 2ml" foi produzido pelo laboratório "Norma Hellas A.E." que não possui registro na ANVISA; e o medicamento "CYTOTEC 200mcg COMPRESSE MISOPROSTOL" não possui registro na ANVISA, sendo utilizado ilegalmente como abortivo.
Conclui-se, portanto, que os medicamentos apreendidos não possuíam os respectivos registros na Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA ("Pramil", "Nandrolone" e "Cytotec") ou eram falsificados ("Viagra" e "Cialis"), sendo proibida sua importação, comércio e uso em todo o território nacional.
A autoria delitiva de ambos os delitos é incontroversa, já que o acusado foi preso em flagrante na posse de bagagens em que estavam armazenadas as diversas mercadorias descaminhadas e os medicamentos falsificados e/ou sem registros no órgão de vigilância sanitária, conforme depoimentos dos policiais rodoviários federais que realizaram revista nos pertences do acusado (fls. 02/05), devidamente corroborados pelos depoimentos testemunhais prestados em Juízo de Rorani Breves dos Santos Junior (mídia à fl. 186) e Carlos Alberto da Cunha Leme Junior (mídia à fl. 256), policiais que realizaram, no dia 16 de setembro de 2009, fiscalização de rotina no interior do ônibus da Viação Cometa, que fazia a linha São Paulo/SP-Belo Horizonte/MG, em que o denunciado estava a bordo.
Incabível a alegação da defesa de que o réu desconhecia a ilicitude da conduta de comprar acessórios para telefonia celular, pois confessou em Juízo que tinha conhecimento de que estava transportando algumas mercadorias adquiridas na "Galeria Pajé" e nas redondezas da Rua 25 de Março, ambas localizadas no centro da cidade de São Paulo/SP em local conhecido como de comercialização de produtos clandestinos, com o intuito de revendê-las em sua cidade, já que lá exercia atividade comercial.
Ainda, a defesa pugna pela absolvição, sob o argumento de que o réu incorreu em erro sobre elemento constitutivo do tipo por induzimento de terceiro, pois o réu não tinha conhecimento acerca dos medicamentos encontrados em uma de suas bagagens, já que um terceiro chamado "Luis Carlos" lhe a entregou nos arredores da Rua 25 de Março para que ele lhe entregasse dias depois na cidade de Recife/PE.
É certo que muitas vezes parte dos delitos são praticados tendo como causa erros ou juízos falsos, que levam seus autores a realizar condutas tipificadas como crime, sendo que tais enganos não são espontâneos, mas provocados por terceiras pessoas que se interpõem na mesma relação.
Contudo, é imprescindível que a defesa comprove a caracterização do erro sobre elementar do tipo penal, que apenas ocorre em circunstâncias extraordinárias, quando há prova irrefutável da ausência de consciência da ilicitude da conduta, não sendo suficientes meras alegações de desconhecimento do transporte dos medicamentos.
No caso, a alegação de erro de tipo mostrou-se inverossímil e insubsistente, sem correspondência com as demais provas e indícios constantes nos autos, tratando-se de mais uma dentre tantas versões apresentadas pela defesa do acusado visando sua absolvição.
Apesar dos medicamentos estarem acondicionados em capas para aparelhos celulares, os policiais rodoviários federais, que revistaram as bagagens do acusado, não tiveram maiores dificuldades para constatar a presença dos produtos farmacêuticos, cuja expressiva quantidade, aliás, já é suficiente o bastante para afastar qualquer desconhecimento acerca do conteúdo da bagagem.
Por outro lado, o apelante desenvolve atividade comercial de produtos ilegais, tendo adquirido tanto as mercadorias descaminhadas, quanto os medicamentos proibidos em notável local de comercialização de produtos clandestinos. Ademais, o réu, ao alegar que se propôs a transportar bagagem de outrem, sem se certificar sobre seu conteúdo, incorreu ao menos no dolo eventual.
Outrossim, o denunciado, em interrogatório judicial, foi inquirido a respeito de informações da pessoa que lhe teria entregue a bagagem em que havia os medicamentos proibidos, mas não apontou nenhuma informação suficiente para identificá-la.
Assim, no tocante ao elemento subjetivo, por residir apenas na mente do agente, não pode ser demonstrado diretamente, devendo ser analisados os elementos colhidos nos autos como um todo de forma a demonstrar a vontade do agente em praticar a conduta descrita no tipo penal pelo qual é acusado.
No caso, a análise do conjunto probatório permite concluir sem sombra de dúvidas que o réu agiu dolosamente, haja vista que foi preso em flagrante transportando grande quantidade de mercadorias desacompanhadas da respectiva documentação legal e medicamentos falsos ou sem os respectivos registros na ANVISA, adquiridas em razão de sua atividade comercial.
Destarte, é de rigor manter a condenação do réu Amoe Mariano da Silva como incurso nas penas dos artigos 334, §1º, "c" e 273, §§1º-A e 1º-B, inciso I, ambos do Código Penal.
Passo à análise da dosimetria da pena.
Na primeira fase, consistente no arbitramento da pena-base, devem ser analisadas as circunstâncias judiciais previstas no artigo 59, do Código Penal, ou seja, a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do agente, os motivos, as circunstâncias e conseqüências do crime, bem como o comportamento da vítima. A finalidade dessas circunstâncias, denominadas judiciais, por balizarem uma atuação jurisdicional fundada num exercício discricionário, é a de permitir a aplicação de penas individualizadas e proporcionais aos delitos praticados, que sejam necessárias e suficientes para promover a reprovação e a prevenção da conduta.
O MM Juízo a quo fixou a pena-base do delito descrito no artigo 334, inciso I, do Código Penal acima do mínimo legal, em 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão, em razão da existência de inquérito policial e ação criminal em andamento (fls. 241/242), o que revelaria a personalidade e conduta social do réu voltadas para a prática delitiva.
Todavia, em caráter excepcional, deixou de majorar a pena-base do crime previsto no artigo 273, §§1º-A e 1º-B, do Código Penal, por entender que pena mínima legal já era demasiadamente elevada.
Contudo, a jurisprudência pátria veda majorar a pena-base por tal razão, não podendo ser considerados na análise dos antecedentes, tampouco da personalidade e conduta social, eventuais inquéritos policiais ou ações penais em curso, nos termos da Súmula nº 444, do C. Superior Tribunal de Justiça.
Nesse sentido:
Portanto, a pena-base do delito de descaminho deve ser reduzida ex officio para 1 (um) ano de reclusão, razão pela qual, na segunda fase, deve ser mantida nesse patamar, pois ainda que reconhecida a atenuante decorrente confissão, não pode ser reduzida aquém do mínimo legal, nos termos da Súmula nº 231, do C. Superior Tribunal de Justiça.
No mais, inexistindo outras atenuantes, bem como agravantes, causas de aumento e diminuição, a pena do crime descrito no artigo 334, §1º, "c", do Código Penal deve ser mantida definitivamente em 1 (um) ano de reclusão.
Em relação ao crime de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais, observo que esta E. Quinta Turma suscitou argüição de inconstitucionalidade nos autos da ação penal nº 0000793-60.2009.4.03.6124, com fulcro no artigo 97, da Constituição Federal e artigo 11, parágrafo único, "g", c/c artigos 173 e 174, do Regimento Interno desta C. Corte, em razão de eventual transgressão do princípio da razoabilidade quanto à pena mínima cominada ao tipo penal do artigo 273, §1º-B, do Código Penal.
Contudo, em sessão realizada em 14 de agosto de 2013, o C. Órgão Especial desta Corte Regional rejeitou a referida argüição de inconstitucionalidade, de relatoria do Excelentíssimo Desembargador Federal Márcio Moraes, por entender que o rigor da pena justifica-se pela própria natureza do bem jurídico tutelado, qual seja, a saúde pública, além da elevada potencialidade lesiva da conduta tipificada, as quais foram devidamente sopesadas pelo legislador, conforme seguinte ementa:
Portanto, em relação a esse delito, mantenho a pena-base fixada no mínimo legal, 10 (dez) anos de reclusão e pagamento de 10 (dez) dias-multa, já que inexistem circunstâncias judiciais desfavoráveis ao apelante, a qual torno definitiva, ante a ausência de agravantes, atenuantes e causas de aumento ou diminuição.
Em face do concurso material de delitos, as penas devem ser somadas, resultando em 11 (onze) anos de reclusão e pagamento de 10 (dez) dias-multa, nos termos do artigo 69, do Código Penal.
O valor do dia-multa deve ser mantido no mínimo legal, em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos.
O regime inicial de cumprimento de pena deve ser mantido no fechado, haja vista que a pena superou 8 (oito) anos de reclusão, nos termos do artigo 33, §2º, "a", do Código Penal.
Por fim, incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, já que ausente o requisito objetivo da quantidade da pena, previsto no artigo 44, inciso I, do Código Penal.
Diante do exposto, reduzo, ex officio, a pena-base do crime de descaminho para 1 (um) ano de reclusão, mantendo-se, contudo, sua pena definitiva, e nego provimento à apelação, mantendo-se, no mais, a r. sentença.
É o voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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Data e Hora: | 25/10/2013 20:31:29 |