Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE Nº 0008805-78.2009.4.03.6119/SP
2009.61.19.008805-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
EMBARGANTE : MAVINGA KIMBANJI reu preso
ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO (Int.Pessoal)
: RJ035394 ANNE ELISABETH NUNES DE OLIVEIRA (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
EMBARGADO : Justica Publica
No. ORIG. : 00088057820094036119 5 Vr GUARULHOS/SP

VOTO CONDUTOR

É mínima a divergência que lanço em relação ao voto do e. relator.


Com efeito, acompanho Sua Excelência em relação à incidência da atenuante pela confissão espontânea, na conformidade da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.


Também estou de acordo com a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no § 4º do artigo 33 da Lei n.º 11.343/2006, reconhecendo o preenchimento dos respectivos requisitos.


O único ponto em que dissinto diz com a fração de diminuição. É que, a meu juízo, o caso é de fixar-se a minorante em 1/6 (um sexto) e não em 1/3 (um terço).


É que, apesar de não integrar a organização criminosa, o réu, ora embargante, agiu com perfeita consciência de estar a serviço de um grupo dessa natureza. Assim, situando-se o réu em posição muito próxima àquela que lhe subtrairia direito ao benefício, o caso é de estabelecer-se a diminuição de pena em seu patamar mínimo: 1/6 (um sexto).


Partindo, pois, da pena-base de 6 (seis) anos de reclusão e atenuando-a em 6 (seis) meses em razão da confissão espontânea, chega-se a um resultado parcial de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de reclusão.


Sobre esse resultado parcial, faz-se incidir a causa de aumento pela transnacionalidade do tráfico, na ordem de 1/6 (um sexto); e, na sequência, a causa de diminuição prevista no § 4º do artigo 33 da Lei n.º 11.343/2006, também à base de 1/6 (um sexto).


Contas feitas, chega-se a um resultado final de 5 (cinco) anos, 4 (quatro) meses e 5 (cinco) dias de reclusão.


Com base nas circunstâncias judiciais desfavoráveis - que conduziram à pena-base a patamar acima do mínimo legal - mantenho o regime fechado para o início do cumprimento da pena, ex vi do artigo 33, § 3º, do Código Penal.


Atento a critérios de proporção, fixo a pena de multa em 534 (quinhentos e trinta e quatro) dias-multa.


Ante o exposto, dou parcial provimento aos embargos infringentes.


É como voto.



Nelton dos Santos
Desembargador Federal Relator


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Data e Hora: 22/10/2013 14:43:28



D.E.

Publicado em 04/11/2013
EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE Nº 0008805-78.2009.4.03.6119/SP
2009.61.19.008805-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
EMBARGANTE : MAVINGA KIMBANJI reu preso
ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO (Int.Pessoal)
: RJ035394 ANNE ELISABETH NUNES DE OLIVEIRA (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
EMBARGADO : Justica Publica
No. ORIG. : 00088057820094036119 5 Vr GUARULHOS/SP

EMENTA

PENAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE COCAÍNA. EMBARGOS INFRINGENTES. DOSIMETRIA DA PENA. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA. LEI N.º 11.343/2006, ARTIGO 33, § 4º. FRAÇÃO DE DIMINUIÇÃO. RECURSO PROVIDO EM PARTE.
1. Se a confissão do réu contribuiu para a formação do juízo condenatório, faz ele jus à atenuação de pena prevista no artigo 65, inciso III, alínea "d", do Código Penal.
2. Se, apesar de não integrar a organização criminosa, o réu perpetra o tráfico ilícito de drogas com perfeita consciência de estar a serviço de um grupo dessa natureza, situando-se, pois, em posição muito próxima àquela que lhe subtrairia direito à redução de pena prevista no § 4º do artigo 33 do Código Penal, o benefício deve ser fixado no patamar mínimo: 1/6 (um sexto).
3. Embargos infringentes providos em parte.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, pelo voto médio do Desembargador Federal NELTON DOS SANTOS, com quem votou o Desembargador Federal LUIZ STEFANINI, deu parcial provimento aos embargos infringentes, para aplicar a atenuante de confissão espontânea e a diminuição da pena prevista no artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343 /2006 em 1/6, fixando a pena definitiva em 5 (cinco) anos, 4 (quatro) meses e 5 (cinco) dias de reclusão e 534 (quinhentos e trinta e quatro) dias - multa, e manter o regime inicial fechado.Vencidos, em parte, o Desembargador Federal PAULO FONTES (Relator), o Juiz Federal Convocado PAULO DOMINGUES (Revisor), e os Desembargadores Federais ANDRÉ NEKATSCHALOW e COTRIM GUIMARÃES (que, de ofício, fixava o regime inicial semiaberto) que davam provimento aos embargos a fim de autorizar a aplicação da atenuante da confissão espontânea e da causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, como decidido no voto vencido; os Juízes Federais Convocados NELSON PORFIRIO e MARCIO MESQUITA, que lhes negavam provimento e o Desembargador PEIXOTO JUNIOR, que lhes dava parcial provimento somente para aplicar a atenuante da confissão espontânea, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 03 de outubro de 2013.
Nelton dos Santos
Desembargador Federal Relator


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EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE Nº 0008805-78.2009.4.03.6119/SP
2009.61.19.008805-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
EMBARGANTE : MAVINGA KIMBANJI reu preso
ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO (Int.Pessoal)
: ANNE ELISABETH NUNES DE OLIVEIRA (Int.Pessoal)
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No. ORIG. : 00088057820094036119 5 Vr GUARULHOS/SP

RELATÓRIO

O Exmo. Desembargador Federal Paulo Fontes (Relator):


Trata-se de embargos infringentes (fls. 313/323) opostos pela Defensoria Pública da União em favor de Mavinga Kimbanji, angolano, contra o acórdão proferido pela Primeira Turma deste E. Tribunal que, por unanimidade, conheceu em parte do recurso interposto pela defesa e, na parte conhecida, negou-lhe provimento e, por maioria, deu provimento à apelação do Ministério Público Federal, reajustando-se as penas e determinando, ainda, a comunicação à Vara das Execuções e ao Ministério da Justiça para fins de expulsão, tudo nos termos do voto do Exmo. Desembargador Federal Johonsom di Salvo, relator, acompanhado pelo voto da Exma. Desembargadora Federal Vesna Kolmar, vencido o Exmo. Desembargador Federal José Lunardelli que negou provimento a ambos os apelos e manteve a pena fixada na sentença.


A ementa do acórdão recorrido foi assim redigida (fls. 301/302-vº):


APELAÇÃO CRIMINAL - TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES - EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE CONSISTENTE NA INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA NÃO DEMONSTRADA - MAJORAÇÃO DA PENA-BASE - EXCLUSÃO DA CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE DA CONFISSÃO E DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO § 4º DO ARTIGO 33 DA LEI Nº 11.343/2006 - INAPLICABILIDADE DA CAUSA DE REDUÇÃO DE PENA PREVISTA NO ARTIGO 24, § 2º, DO CÓDIGO PENAL - INTERNACIONALIDADE DO TRÁFICO COMPROVADA - INOCORRÊNCIA DE BIS IN IDEM - NÃO CONHECIMENTO DO PLEITO SUBSIDIÁRIO DE DEFESA DE APLICAÇÃO DO PATAMAR DE AUMENTO DECORRENTE DA INTERNACIONALIDADE NO MÍNIMO LEGAL - MAJORAÇÃO DO NÚMERO DE DIAS-MULTA - IMPOSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO POR PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS E DE RECORRER EM LIBERDADE - INUTILIDADE DA SUPOSTA INCONSTITUCIONALIDADE SUSCITADA - APELAÇÃO MINISTERIAL PROVIDA - APELAÇÃO DA DEFESA IMPROVIDA, NA PARTE EM QUE FOI CONHECIDA.
1. Réu condenado pela prática de tráfico internacional de entorpecentes porque trazia consigo, dentro de seu próprio organismo, para fins de comércio ou entrega de qualquer forma a consumo de terceiros, no exterior, 980g (novecentos e oitenta gramas) - peso líquido - de cocaína, substância entorpecente que determina dependência física e/ou psíquica, sem autorização legal ou regulamentar.
2. Não há a menor demonstração da condição financeira adversa do réu, alegada de forma genérica pela Defensoria, como motivo "justificador" da narcotraficância à conta de "estado de necessidade" (ofensa ao artigo 156 do CPP). É absolutamente impossível - à conta de clamorosa imoralidade - a tentativa de emprestar juridicidade para a narcotraficância transnacional que vitima milhões de pessoas no mundo todo, sob o pálio do enfrentamento de agruras econômicas.
3. Majoração da pena-base tendo em vista a quantidade do nefasto entorpecente transportado pelo réu (quase um quilo de cocaína), bem como a eleição de audacioso, doloroso e perigosíssimo método de ocultação, consistente na ingestão de 98 (noventa e oito) cápsulas de cocaína, a demonstrar elevado grau de culpabilidade, já que a forma de ocultação da droga em seu próprio corpo - com risco de morte - evidencia que o acusado aceitava até esse desfecho letal no afã de perpetrar a traficância.
4. A confissão traduziu-se em admissão da autoria impossível de ser negada, diante da prova inequívoca do transporte da droga pelo réu, dentro de seu próprio organismo, nas dependências do Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos/SP. Além disso, é irreconhecível a confissão espontânea na conduta do agente que admite conduta criminosa incontrovertível, mas no mesmo ato aduz causa excludente do injusto da prática criminosa que, por sinal, é disparatada. Ademais, a jurisprudência do STF vem repelindo o reconhecimento da atenuante nos casos de prisão em flagrante (HC 102002/RS, rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 22/11/2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-234 DIVULG 09-12-2011 PUBLIC 12-12-2011; HC 101861/MS, rel. Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 13/4/2011, DJe-085 DIVULG 06-05-2011 PUBLIC 09-05-2011; HC 108148/MS, rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 7/6/2011, DJe-125 DIVULG 30-06-2011 PUBLIC 01-07-2011 de 1/7/2011).
5. A pessoa que se dispõe a efetuar o transporte de substância entorpecente para o exterior com as despesas custeadas e mediante promessa de recompensa evidentemente age animada pela affectio de pertencer a uma organização criminosa. O réu, de forma voluntária, contribuiu para a narcotraficância internacional, constituindo figura essencial ao sucesso da empreitada criminosa, eis que incumbido de receber a droga devidamente embalada em cápsulas do fornecedor, ocultá-la e transportá-la dentro de seu organismo, devendo entregá-la ao destinatário na África do Sul, representando, portanto, o imprescindível elo de ligação entre fornecedor e receptor, o que afasta, de plano, a incidência do benefício discorrido, cuja aplicação exige a prova extreme de dúvidas da concorrência dos quatro requisitos exigidos na norma. Ademais, o modus operandi do transporte - ingestão de cápsulas contendo a droga - está a revelar a participação de outras pessoas na dinâmica criminosa, permitindo enxergar o pertencimento do réu a grupo criminoso.
6. Não há que se cogitar da aplicação da causa de redução de pena prevista no artigo 24, § 2º, do Código Penal, eis que não se afigura nada razoável, nem aceitável, expor a risco a saúde pública, bem jurídico tutelado pela norma penal, em prol de uma temporária melhora na situação financeira do réu, que não comprovou sequer um fato concreto que demonstrasse a sua necessidade. O conjunto probatório carreado aos autos conduz a inafastável ilação de que o motivo propulsor da prática criminosa foi a obtenção de dinheiro fácil.
7. Internacionalidade do tráfico comprovada pelo fato de o réu ter sido socorrido trazendo consigo cocaína no interior do Aeroporto Internacional de Guarulhos prestes a embarcar para o exterior, já dentro da aeronave, restando clara e evidente sua intenção de transportar a droga para fora do país, fato suficiente para considerar o crime consumado e para caracterizar a internacionalidade do tráfico perpetrado, ainda que não efetivada a internação da droga em território estrangeiro.
8. Não há que se cogitar da ocorrência de bis in idem, como inutilmente almeja a defesa diante do frágil argumento de que o verbo "exportar", contido no caput do artigo 33 da Lei nº 11.343/06, já conteria a causa da internacionalidade. É que o crime previsto no artigo 33 da Lei nº 11.343/06 caracteriza-se como tipo penal misto alternativo, e o réu foi denunciado e posteriormente condenado pela conduta de transportar e trazer consigo substância entorpecente destinada à exportação para a África do Sul, e não pela conduta de exportar droga.
9. Não conhecimento do pleito subsidiário da defesa de aplicação do patamar de aumento decorrente da internacionalidade do tráfico no mínimo legal, eis que o magistrado a quo assim procedeu.
10. Majoração da pena pecuniária diante do provimento do recurso da acusação para o aumento da pena-base, exclusão da atenuante da confissão e exclusão da causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06, uma vez que tais pleitos devem repercutir na fixação da reprimenda pecuniária em face da observância do critério bifásico eleito no artigo 43 do mesmo diploma legal, segundo o qual, na primeira fase hão de ser marcados os números de dias-multa (aqui levando-se em conta os mesmos critérios eleitos para a fixação trifásica da pena reclusiva) e na segunda fase deve ser escolhido o quantum unitário de cada um deles consoante a situação econômica do réu.
11. Incabível a substituição por pena alternativa em razão da quantidade de pena privativa de liberdade fixada, que excede o limite disposto no inciso I do artigo 44 do Código Penal.
12. É entendimento cediço que ao condenado por crime de tráfico ilícito de entorpecentes é negado o direito de recorrer em liberdade, máxime se o agente respondeu preso a todo o processo em razão de prisão em flagrante ou de prisão preventiva - exatamente a hipótese sub judice -, não havendo de se cogitar em ofensa ao princípio constitucional da presunção de inocência, nos termos da Súmula nº 09 do Colendo Superior Tribunal de Justiça. Precedentes.
13. A matéria de inconstitucionalidade parcial do artigo 44 da Lei nº 11.343/2006, no que tange à vedação da concessão da liberdade provisória, é inócua na singularidade do caso, vez que, como já mencionado, o réu não preenche as condições necessárias para pleitear o benefício.
14. Apelação ministerial provida. Apelação da defesa improvida, no quanto conhecida.

A Defensoria Pública da União, por meio dos embargos infringentes sob exame, pretende o rejulgamento da causa, de modo a fazer prevalecer o voto vencido do Desembargador Federal José Lunardelli, o qual, segundo aduz, além de ter mantido a pena-base fixada na sentença, determinava a aplicação da atenuante da confissão espontânea e da causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, §4º, da Lei nº 11.343/06.


Já o ilustre Procurador Regional da República, Dr. Osvaldo Capelari Júnior, manifestou-se, inicialmente, pelo parcial conhecimento do recurso, porquanto, conforme alegou, a divergência estaria adstrita à aplicação da atenuante da confissão espontânea e da causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, §4º, da Lei nº 11.343/2006, haja vista que o voto vencido teria acompanhado o voto vencedor no tocante à pena-base. Sem prejuízo do conhecimento apenas parcial do recurso, o ilustrado membro do Ministério Público Federal requereu seu desprovimento (fls. 329/350).


É o relatório.


À revisão, nos termos regimentais.


PAULO FONTES
Desembargador Federal


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EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE Nº 0008805-78.2009.4.03.6119/SP
2009.61.19.008805-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
EMBARGANTE : MAVINGA KIMBANJI reu preso
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VOTO

O Exmo. Desembargador Federal Paulo Fontes (Relator):


Preliminarmente, não assiste razão ao Ministério Público Federal quando postula o conhecimento apenas parcial do recurso.


De fato, como alegou a Defensoria Pública da União em suas razões recursais (fls. 313/323), houve efetiva divergência quanto à pena-base, haja vista que o voto vencedor aumentou a sanção-base para 6(seis) anos e 8 (oito) meses de reclusão, enquanto o voto vencido, muito embora tenha afirmado, equivocadamente, que acompanhava o voto vencedor na fixação da pena-base, manteve-a no quantum fixado na sentença, a saber, em 6(seis) anos de reclusão.


Logo, como a dosimetria da pena-base diz respeito à parte não-unânime do acórdão atacado, os presentes embargos devem ser conhecidos também neste tocante, tal como se infere do artigo 609, parágrafo único, do Código de Processo Penal.


Por tais razões, conheço integralmente do recurso.


No mérito, a divergência está restrita à aplicação da atenuante da confissão espontânea e da causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, §4º, da Lei nº 11.343/2006.


O voto condutor do acórdão impugnado, proferido pelo Exmo. Desembargador Federal Johonsom di Salvo, na parte que interessa ao presente julgamento, deu provimento à apelação do Ministério Público Federal para afastar a incidência da atenuante da confissão espontânea bem como a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, §4º, da Lei nº 11.343/2006, majorando as penas que haviam sido aplicadas ao réu pela sentença apelada (fls. 298-vº/300-vº - destaques do original):


[...]

Passo à análise da dosimetria da pena.
Em observância às circunstâncias judiciais elencadas no artigo 59 do Código Penal e ao disposto no artigo 42 da Lei nº 11.343/06, precipuamente, à natureza nefasta da droga apreendida (cocaína), a pena-base foi fixada acima do mínimo legal, em 6 (seis) anos de reclusão.
Quanto ao motivo mercenário que ensejou a prática criminosa, aventado no recurso ministerial, destaco que o fato de o agente ter sua conduta impulsionada pelo desejo vil de obtenção de lucro financeiro é circunstância inerente ao tipo penal.
No que diz respeito às conseqüências do crime, ventiladas na apelação do parquet, elucido que o risco de dano à sociedade, indissociável do próprio resultado do crime de tráfico de entorpecentes, já foi ponderado pelo legislador quando da cominação da pena em abstrato, constituindo circunstância indissociável ao tipo penal sub examine (nesse sentido: HC 162.967/RS, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 18/05/2010, DJe 21/06/2010).
Todavia, a quantidade do nefasto entorpecente transportado pelo réu (quase um quilo de cocaína), bem como a eleição de audacioso, doloroso e perigosíssimo método de ocultação, consistente na ingestão de 98 (noventa e oito) cápsulas de cocaína, a demonstrar elevado grau de culpabilidade já que a forma de ocultação da droga em seu próprio corpo - com risco de morte - evidencia que o acusado aceitava até esse desfecho letal no afã de perpetrar a traficância, justificam a elevação da pena-base para 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de reclusão.
Na segunda fase, razão assiste ao MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ao requerer a exclusão da circunstância atenuante prevista no artigo 65, inciso III, "d", eis que a confissão traduziu-se em admissão da autoria impossível de ser negada, diante da prova inequívoca do transporte da droga pelo réu, dentro de seu próprio organismo, nas dependências do Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos/SP.
Além disso, MAVINGA agregou à confissão tese defensiva consistente no não comprovado estado de necessidade.
Ora, é irreconhecível a confissão espontânea na conduta do agente que admite conduta criminosa incontrovertível, mas no mesmo ato aduz causa excludente do injusto da prática criminosa que, por sinal, é disparatada.
Ademais, a jurisprudência do STF vem repelindo o reconhecimento da atenuante nos casos de prisão em flagrante (HC 102002/RS, rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 22/11/2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-234 DIVULG 09-12-2011 PUBLIC 12-12-2011; HC 101861/MS, rel. Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 13/4/2011, DJe-085 DIVULG 06-05-2011 PUBLIC 09-05-2011; HC 108148/MS, rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 7/6/2011, DJe-125 DIVULG 30-06-2011 PUBLIC 01-07-2011 de 1/7/2011).
Na terceira e última fase, o magistrado sentenciante aplicou a causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06 no patamar de 1/3 (um terço).
Na esteira das razões de apelação do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, entendo pela não incidência do benefício discorrido no caso sub judice, pois a pessoa que se dispõe a efetuar o transporte de substância entorpecente para o exterior com as despesas custeadas e mediante promessa de recompensa evidentemente age animada pela affectio de pertencer a uma organização criminosa. Isso é certo, pois nenhum grupo de narcotraficantes arriscaria uma custosa operação de busca de cocaína entregando-a em mãos de pessoa neófita e deles desconhecida.
Com efeito, o apelante, de forma voluntária, contribuiu para a narcotraficância internacional, constituindo figura essencial ao sucesso da empreitada criminosa, eis que incumbido de receber a droga devidamente embalada em cápsulas do fornecedor, ocultá-la e transportá-la dentro de seu organismo, devendo entregá-la ao destinatário na África do Sul, representando, portanto, o imprescindível elo de ligação entre fornecedor e receptor, o que afasta, de plano, a incidência do benefício discorrido, cuja aplicação exige a prova extreme de dúvidas da concorrência dos quatro requisitos exigidos na norma.
Ademais, o modus operandi do transporte - ingestão de cápsulas contendo a droga - está a revelar a participação de outras pessoas na dinâmica criminosa, permitindo enxergar o pertencimento do réu a grupo criminoso.
Não há que se cogitar da aplicação da causa de redução de pena prevista no artigo 24, § 2º, do Código Penal, eis que não se afigura nada razoável, nem aceitável, expor a risco a saúde pública, bem jurídico tutelado pela norma penal, em prol de uma temporária melhora na situação financeira do apelante, recordando que no caso dos autos não restou comprovado sequer um fato concreto que demonstrasse a sua necessidade. Além disso, é certo que a prática de tráfico internacional de entorpecentes não era a única alternativa de sobrevivência para MAVINGA, que exercia o labor de fotógrafo e recebia ajuda de um amigo de nome "Medard" (fls. 169). In casu, o conjunto probatório carreado aos autos conduz a inafastável ilação de que o motivo propulsor da atuação criminosa de MAVINGA foi a obtenção de dinheiro fácil - receberia a quantia de dois mil dólares pelo transporte da droga.
Ainda na terceira fase, não há que se cogitar do pretendido afastamento da majorante referente à internacionalidade do tráfico, estando a mesma comprovada pelo fato de o apelante ter sido socorrido trazendo consigo cocaína no interior do Aeroporto Internacional de Guarulhos prestes a embarcar para o exterior, já dentro da aeronave, restando clara e evidente sua intenção de transportar a droga para fora do país, fato suficiente para considerar o crime consumado e para caracterizar a internacionalidade do tráfico perpetrado, ainda que não efetivada a internação da droga em território estrangeiro.
Acrescente-se que não há que se cogitar da ocorrência de bis in idem, como inutilmente almeja a defesa diante do frágil argumento de que o verbo "exportar", contido no caput do artigo 33 da Lei nº 11.343/06, já conteria a causa da internacionalidade. É que o crime previsto no artigo 33 da Lei nº 11.343/06 caracteriza-se como tipo penal misto alternativo, e MAVINGA foi denunciado e posteriormente condenado pela conduta de transportar e trazer consigo substância entorpecente destinada à exportação para a África do Sul, e não pela conduta de exportar droga.
Nesse sentido já decidiu a Primeira Turma desta Corte: ACR 0007422-70.2006.4.03.6119, Juíza Federal Convocada SILVIA ROCHA, j. 6/3/2012, TRF3 CJ1 16/3/2012.
Mantido o percentual de aumento decorrente da internacionalidade do tráfico no mínimo legal de 1/6 (um sexto), a pena privativa de liberdade resta definitivamente fixada em 7 (sete) anos, 9 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão. Nesse ponto, o pleito subsidiário da defesa de aplicação do patamar de aumento decorrente da internacionalidade do tráfico no mínimo legal não merece conhecimento.
Diante do provimento do recurso da acusação para o aumento da pena-base, exclusão da atenuante da confissão e exclusão da causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06, tais pleitos devem repercutir na fixação da reprimenda pecuniária em face da observância do critério bifásico eleito no artigo 43 do mesmo diploma legal, segundo o qual, na primeira fase hão de ser marcados os números de dias-multa (aqui levando-se em conta os mesmos critérios eleitos para a fixação trifásica da pena reclusiva) e na segunda fase deve ser escolhido o quantum unitário de cada um deles consoante a situação econômica do réu. Assim, fixa-se a reprimenda pecuniária em 777 (setecentos e setenta e sete), mantido o valor unitário mínimo.
Ainda que tenha sido declarada pelo STF a inconstitucionalidade da Lei nº 11.343/06 na parte em que vedava a conversão em pena substitutiva, na singularidade do caso é incabível a incidência de pena alternativa em razão da quantidade de pena privativa de liberdade fixada, que excede o limite disposto no inciso I do artigo 44 do Código Penal.
Outrossim, é entendimento cediço que ao condenado por crime de tráfico ilícito de entorpecentes é negado o direito de recorrer em liberdade, máxime se o agente respondeu preso a todo o processo em razão de prisão em flagrante ou de prisão preventiva - exatamente a hipótese sub judice (fls. 21) -, não havendo de se cogitar em ofensa ao princípio constitucional da presunção de inocência, nos termos da Súmula nº 09 do Colendo Superior Tribunal de Justiça.
Nesse sentido: STJ, HC 152.470/RJ, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 17/03/2011, DJe 04/04/2011.
A matéria de inconstitucionalidade parcial do artigo 44 da Lei nº 11.343/2006, no que tange à vedação da concessão da liberdade provisória, é inócua na singularidade do caso, vez que, como já mencionado, o réu não preenche as condições necessárias para pleitear o benefício.
Em face de todo o exposto, conheço em parte do recurso interposto pela defesa e, na parte conhecida, nego-lhe provimento, e dou provimento à apelação do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL reajustando as penas. Comunique-se a Vara das Execuções e ao Ministério da Justiça para fins de expulsão.
É como voto.

Por sua vez, o voto vencido, da lavra do Exmo. Desembargador Federal José Lunardelli, negava provimento à apelação do Ministério Público Federal, mantendo as penas no quantum em que fixadas pela sentença apelada após considerar a possibilidade da incidência, na hipótese dos autos, tanto da atenuante da confissão espontânea como da causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, §4º, da Lei nº 11.343/2006 (fls. 304/306-vº - negritei):

[...]
A divergência restringe-se à dosimetria da pena.
Na primeira fase, acompanho o e. relator, que manteve a pena-base como fixada na sentença recorrida, ou seja, em 6 (seis) anos de reclusão e 600 (seiscentos) dias-multa.
Na segunda fase, o e. relator deixou de fazer incidir a atenuante da confissão espontânea, nos seguintes termos:
"Na segunda fase, razão assiste ao MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ao requerer a exclusão da circunstância atenuante prevista no artigo 65, inciso III, "d", eis que a confissão traduziu-se em admissão da autoria impossível de ser negada, diante da prova inequívoca do transporte da droga pelo réu, dentro de seu próprio organismo, nas dependências do Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos/SP.
Além disso, MAVINGA agregou à confissão tese defensiva consistente no não comprovado estado de necessidade.
Ora, é irreconhecível a confissão espontânea na conduta do agente que admite conduta criminosa incontrovertível, mas no mesmo ato aduz causa excludente do injusto da prática criminosa que, por sinal, é disparatada."
De modo diverso, entendo que deve ser mantido o reconhecimento da referida atenuante, nos termos da sentença recorrida, que reduziu a pena para 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 550 (quinhentos e cinqüenta) dias-multa.
Extrai-se dos autos que o Juízo de 1º grau alicerçou a sentença condenatória, dentre outros elementos, na confissão do réu, verbis:
"Nesta data, em seu interrogatório, o réu confessou que estava transportando o entorpecente encontrado e que sabia se tratar de entorpecente. Disse, também, que foi contratado por uma pessoa de nome Matata, através de uma vizinha cujo nome desconhece, e que receberia a importância de US4 2000,00 para levar a droga até a África do Sul. Disse que aceitou porque estava em dificuldades financeiras" (fls. 195-v).
A confissão do acusado, porque espontânea, ou seja, sem a intervenção de fatores externos, autoriza o reconhecimento da atenuante genérica, inclusive porque foi utilizada como um dos fundamentos da condenação.
Nessa esteira, colaciono o seguinte aresto do Superior Tribunal de Justiça:"(...) Se a confissão judicial é um dos fundamentos da condenação, a atenuante prevista no art.65, inciso III, alínea d, do Código Penal, deve ser aplicada"( HC 70437/RJ, Rel.Min.Felix Fischer, DJ 17.09.07,p.314).
O fato de o acusado somente ter confessado após descobrirem a cocaína dentro de seu estômago não tem o condão de afastar o reconhecimento da atenuante, direito subjetivo do réu que confessa os fatos, uma vez que havia alternativas disponíveis ao acusado, como o direito constitucional de permanecer calado, podendo, inclusive, 'inventar' qualquer estória para justificar a alegação ignorância a respeito da existência da droga, como fazem certos acusados, mesmo quando presos em flagrante delito. Contudo, optou por dizer a verdade, colaborando com a Justiça. Essa conduta é incentivada e premiada pelo legislador ao considerá-la como fator atenuante na individualização da sanção penal.
Aliás, o incentivo à confissão encontra fundamento não só legal, mas também na nossa tradição cristã, pois "Quem esconde seus pecados não prospera, mas quem os confessa e os abandona encontra misericórdia" (Pv 28.13).
Ressalte-se, ainda, que, o fato de a defesa alegar excludente de ilicitude, no caso, estado de necessidade, não afasta o reconhecimento dessa atenuante, pois a confissão do fato delituoso foi realizada, cabendo ao magistrado avaliar se há causa bastante para exclusão da ilicitude. Nesse sentido, decisão também do Superior Tribunal de Justiça:
"PENAL. HABEAS CORPUS. ARTIGO 129 DO CÓDIGO PENAL. CONDENAÇÃO. ALEGAÇÃO DE LEGÍTIMA DEFESA. NECESSIDADE DE AMPLA DILAÇÃO PROBATÓRIA. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. DOSIMETRIA DA PENA. FUNDAMENTAÇÃO. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. PROVA PARA A CONDENAÇÃO. OBRIGATORIEDADE DE SUA INCIDÊNCIA.
(...)
V - Se a confissão espontânea do paciente alicerçou o decreto condenatório, é de ser reconhecido o benefício da atenuante do art. 65, III, alínea "d", do CP. Não afasta a sua incidência o fato de o réu, a par de confessar, ter alegado que agiu em legítima defesa (Precedentes). Writ parcialmente concedido" (HC 87930, Rel. Min. Félix Fischer - DJ 12.11.07). grifei.
Na terceira fase da dosimetria, foi mantida, à unanimidade, a majorante decorrente da transnacionalidade do delito (art. 40, inciso I, da Lei n.º 11.343/06), no percentual de 1/6 (um sexto), razão pela qual a pena resta fixada em 6 (seis) anos, 5 (cinco) meses e 641 (seiscentos e quarenta e um) dias-multa.
Ainda na terceira e última fase, o magistrado sentenciante aplicou a causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06 no patamar de 1/3 (um terço).
Por sua vez, o e relator, acolhendo pedido ministerial, excluiu referida causa de diminuição, nos seguintes termos:
"Na esteira das razões de apelação do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, entendo pela não incidência do benefício discorrido no caso sub judice, pois a pessoa que se dispõe a efetuar o transporte de substância entorpecente para o exterior com as despesas custeadas e mediante promessa de recompensa evidentemente age animada pela affectio de pertencer a uma organização criminosa. Isso é certo, pois nenhum grupo de narcotraficantes arriscaria uma custosa operação de busca de cocaína entregando-a em mãos de pessoa neófita e deles desconhecida.
Com efeito, o apelante, de forma voluntária, contribuiu para a narcotraficância internacional, constituindo figura essencial ao sucesso da empreitada criminosa, eis que incumbido de receber a droga devidamente embalada em cápsulas do fornecedor, ocultá-la e transportá-la dentro de seu organismo, devendo entregá-la ao destinatário na África do Sul, representando, portanto, o imprescindível elo de ligação entre fornecedor e receptor, o que afasta, de plano, a incidência do benefício discorrido, cuja aplicação exige a prova extreme de dúvidas da concorrência dos quatro requisitos exigidos na norma.
Ademais, o modus operandi do transporte - ingestão de cápsulas contendo a droga - está a revelar a participação de outras pessoas na dinâmica criminosa, permitindo enxergar o pertencimento do réu a grupo criminoso.
Não há que se cogitar da aplicação da causa de redução de pena prevista no artigo 24, § 2º, do Código Penal, eis que não se afigura nada razoável, nem aceitável, expor a risco a saúde pública, bem jurídico tutelado pela norma penal, em prol de uma temporária melhora na situação financeira do apelante, recordando que no caso dos autos não restou comprovado sequer um fato concreto que demonstrasse a sua necessidade. Além disso, é certo que a prática de tráfico internacional de entorpecentes não era a única alternativa de sobrevivência para MAVINGA, que exercia o labor de fotógrafo e recebia ajuda de um amigo de nome "Medard" (fls. 169). In casu, o conjunto probatório carreado aos autos conduz a inafastável ilação de que o motivo propulsor da atuação criminosa de MAVINGA foi a obtenção de dinheiro fácil - receberia a quantia de dois mil dólares pelo transporte da droga.
Ainda na terceira fase, não há que se cogitar do pretendido afastamento da majorante referente à internacionalidade do tráfico, estando a mesma comprovada pelo fato de o apelante ter sido socorrido trazendo consigo cocaína no interior do Aeroporto Internacional de Guarulhos prestes a embarcar para o exterior, já dentro da aeronave, restando clara e evidente sua intenção de transportar a droga para fora do país, fato suficiente para considerar o crime consumado e para caracterizar a internacionalidade do tráfico perpetrado, ainda que não efetivada a internação da droga em território estrangeiro.
Acrescente-se que não há que se cogitar da ocorrência de bis in idem, como inutilmente almeja a defesa diante do frágil argumento de que o verbo "exportar", contido no caput do artigo 33 da Lei nº 11.343/06, já conteria a causa da internacionalidade. É que o crime previsto no artigo 33 da Lei nº 11.343/06 caracteriza-se como tipo penal misto alternativo, e MAVINGA foi denunciado e posteriormente condenado pela conduta de transportar e trazer consigo substância entorpecente destinada à exportação para a África do Sul, e não pela conduta de exportar droga.
Contudo, entendo deva ser mantida a aplicação da referida causa de diminuição, nos termos da sentença recorrida.
Isso porque o artigo 33, § 4º, da Lei de Drogas, prevê a redução de 1/6 a 2/3 para o agente que seja primário, possua bons antecedentes e não se dedique a atividades criminosas nem integre organização criminosa.
O dispositivo foi criado a fim de facultar ao julgador ajustar a aplicação e a individualização da pena às múltiplas condutas envolvidas no tráfico de drogas, notadamente o internacional, porquanto não seria razoável tratar o traficante primário, ou mesmo as "mulas", com a mesma carga punitiva a ser aplicada aos principais responsáveis pela organização criminosa que atuam na prática deste ilícito penal.
Dos elementos coligidos nos autos, constata-se que a conduta da acusada se enquadra no que se convencionou denominar no jargão do tráfico internacional de droga de "mula", isto é, pessoa que funciona como agente ocasional no transporte de drogas, pois não se subordina de modo permanente às organizações criminosas nem integra seus quadros. Trata-se, em regra, de mão-de-obra avulsa, esporádica, de pessoas que são cooptadas para empreitada criminosa sem ter qualquer poder decisório sobre o modo e o próprio roteiro do transporte, cabendo apenas obediência às ordens recebidas. Pouco ou nada sabem a respeito da organização criminosa.
Sobre o papel das "mulas" no narcotráfico e sua hipotética integração em organizações criminosas, bem apreciou essa questão o TRF- 5ª Região, asseverando que:
"A etimologia do léxico "integrar" remete a íntegro, inteiro, conjunto. Muitas são as acepções da palavra, mas na frase objeto do nosso estudo, pertine àquela de incluir-se como elemento do conjunto, como membro da quadrilha.
O apelante - ficou claro - foi utilizado como "mula".
No âmbito do tráfico, o termo "mula" não foi adotado à toa. Nomeou-se assim o indivíduo que se faz de correio de drogas, especialmente em viagens internacionais. Para tanto é remunerado e apenas segue ordens. São tão menosprezados pelos escalões superiores das organizações criminosas do tráfico que não raro os próprios traficantes que contratam as "mulas" as denunciam aos órgãos de segurança e imigração, com intuito de, para efetuarem a prisão, os policiais não poderem revistar outros indivíduos, também "mulas", estes transportando maiores quantidades de entorpecentes.
São pessoas aliciadas, que participam do fato delituoso em condição vexatória e com grande risco para a vida, quando conduzem a droga dentro de suas próprias vísceras.
Reconheço que o só fato de ser o responsável pelo transporte da droga não importa, necessariamente, não integrar a organização criminosa. Todavia, alguém que exerce esse papel pela primeira vez, como é o caso, segundo a própria sentença, não deve ser considerado membro da organização criminosa, que na verdade "terceirizou" a arriscada atividade." (TRF - 5ª R. - APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2007.81.00.007277-3 - rel. JOSÉ MARIA LUCENA - j. 13.11.2008 - DJU 02.12.2008)
Em suma, do fato puro e simples de determinada pessoa servir como "mula" para o transporte de droga não é possível, por si só, inferir a inaplicabilidade da causa de diminuição de pena prevista no § 4º do artigo 33 da Lei 11.342/2006, por supostamente integrar organização criminosa.
Mavinga Kimbanji é primário, não ostenta maus antecedentes e não há prova nos autos de que se dedica a atividades criminosas, nem elementos para concluir que integra organização criminosa, apesar de encarregado do transporte da droga. Certamente, estava transportando a droga para bando criminoso internacional, o que não significa, porém, que fosse integrante dele.
Sendo assim, faz jus à aplicação da causa de redução de pena, prevista no § 4º do art. 33 da Lei n.º 11.343/06, no percentual de 1/3 (um terço), devido às circunstâncias objetivas e subjetivas do caso concreto, em que "foi contratado por uma pessoa de nome Matata, através de uma vizinha cujo nome desconhece, e que receberia a importância de US$ 2000,00 para levar a droga até a África do Sul. Disse que aceitou porque estava em dificuldades financeiras".
Assim, reduzindo-se a pena em 1/3 (um terço), resta definitivamente fixada em 4 (quatro) anos, 3 (três) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 430 (quatrocentos e trinta) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente na data dos fatos.
Diante do exposto, conheço em parte do recurso interposto pela defesa e, na parte conhecida, nego-lhe provimento, bem como nego provimento à apelação do Ministério Público Federal.
É o voto.

Pois bem.


A primeira questão posta a julgamento refere-se à incidência da atenuante da confissão espontânea, prevista no artigo 65, III, alínea d, do Código Penal.


A esse respeito, com a devida vênia do voto-condutor, reputo que o réu faz jus à incidência da atenuante em questão, pois, a despeito de ter sido preso em flagrante, sua confissão foi utilizada para embasar a condenação e, muito embora tenha afirmado ter agido sob estado de necessidade em razão das dificuldades financeiras que supostamente enfrentava, confessou espontaneamente a autoria dos fatos a si imputados.


Inegável, portanto, que o acusado, ora embargante, cumpriu os requisitos legais para ter aplicada a atenuante em referência, de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre a questão, em conformidade com a qual: a) não se afasta a confissão espontânea nos casos em que o agente busca se valer de alguma dirimente; e b) é de se reconhecer a incidência dessa minorante se ela foi utilizada para embasar a condenação proferida contra o acusado, como se observa no caso dos autos (cf. fls. 195-vº).


Nesse sentido, confiram-se os seguintes precedentes (negritei):


PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE. IRRELEVÂNCIA. RECONHECIMENTO. RECURSO DESPROVIDO.
I. A confissão espontânea, como circunstância determinante de alguma redução de pena, é a que representa admissão incondicional da prática do delito.
II. Hipótese em que o réu confirmou a responsabilidade pela administração da empresa alegando que os recolhimentos não foram realizados em virtude de dificuldades financeiras pelas quais passou a empresa.
III. Embora tenha afirmado ter agido sob estado de necessidade tendo em vista as dificuldades financeiras enfrentadas pela empresa, o réu confessou espontaneamente a autoria dos fatos a ela imputados, o que atrai a incidência do art. 65, III, "d", do Código Penal.
IV. Recurso desprovido.
(REsp 1163090/SC, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 01.03.2011, DJe 14.03.2011).

HABEAS CORPUS. ART. 168-A, § 1º, I, DO CÓDIGO PENAL. DOSIMETRIA DA PENA. CONFISSÃO DOS RÉUS UTILIZADA PARA EMBASAR A CONDENAÇÃO. ALEGAÇÃO DE EXCLUDENTE DE ILICITUDE. RECONHECIMENTO DA ATENUANTE.
1. Há evidente ilegalidade se o magistrado a quo e o Tribunal de origem utilizaram-se da confissão dos pacientes para embasar a condenação, mas deixaram de reconhecer a atenuante genérica da confissão espontânea, prevista no art. 65, III, "d", do Código Penal.
2. A invocação de excludente de ilicitude não obsta a incidência da atenuante da confissão espontânea.
3. Habeas corpus concedido para aplicar a atenuante da confissão espontânea, reduzindo a reprimenda imposta aos pacientes.
(HC 142853/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 21.10.2010, DJe 16.11.2010).

Habeas corpus. Artigo 168-A do Código Penal. Dosimetria da pena.
Atenuante da confissão espontânea. Incidência. Ordem concedida.
a) O paciente admitiu que deixara de efetuar o recolhimento das contribuições previdenciárias, mas procurou justificar sua conduta, alegando dificuldades financeiras da empresa.
b) Para a incidência da atenuante da confissão espontânea, basta que o agente confesse a autoria do delito. Não obsta o reconhecimento da atenuante a circunstância de o agente negar parte da imputação ou invocar excludente de ilicitude.
c) Ordem concedida para, reconhecida a atenuante da confissão espontânea, reduzir a pena privativa de liberdade para cinco anos de reclusão, mantido o regime prisional semiaberto.
(HC 147594/SP, Rel. Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), SEXTA TURMA, julgado em 18.03.2010, DJe 20.09.2010).
..EMEN: HABEAS CORPUS. PENAL. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS. APLICAÇÃO DA PENA. FIXAÇÃO DA PENA-BASE. QUANTIDADE DA SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. CIRCUNSTÂNCIAS DO DELITO. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. RECONHECIMENTO. ART. 33, § 4.º, DA NOVA LEI DE TÓXICOS. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA AFASTADA PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. REGIME PRISIONAL FECHADO. CABIMENTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. INVIABILIDADE. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. ORDEM DE HABEAS CORPUS PARCIALMENTE CONCEDIDA.
1. A exasperação da pena-base restou suficientemente fundamentada, sobretudo em razão das circunstâncias da prática do delito, que evidenciam a prática de tráfico em larga escala, as quais notoriamente extrapolam aquelas normais à espécie.
2. Se a confissão do acusado foi utilizada para corroborar o acervo provatório, embasando a condenação, mostra-se obrigatória a atenuação da pena, a teor do art. 65, inciso III, alínea d, do Código Penal. Precedentes desta Corte e do Supremo Tribunal Federal.
[...]
8. Ordem de habeas corpus parcialmente concedida para, mantida a condenação, reformar a sentença condenatória e o acórdão impugnados, no tocante à dosimetria da pena, a fim de reconhecer a incidência da atenuante da confissão espontânea, nos termos explicitados no voto.
(HC 201202306429, LAURITA VAZ, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:21/06/2013 ..DTPB:.).
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. RECONHECIMENTO E APLICAÇÃO. CONFISSÃO UTILIZADA NA SENTENÇA COMO ELEMENTO DE CONVICÇÃO DO MAGISTRADO. AGRAVO IMPROVIDO.
1 - Utilizada pelo Magistrado na sentença condenatória a confissão realizada pela acusada como prova da ocorrência do delito e como elemento de formação da sua convicção, é de rigor, no cálculo da fixação da pena, o reconhecimento e a aplicação da atenuante prevista no artigo 65, inciso III, alínea d, do Código Penal, pouco importando se a confissão foi parcial ou integral, ou se houve a sua retratação em juízo. Precedentes.
2 - Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no HC 146240/RS, Rel. Ministro HAROLDO RODRIGUES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/CE), SEXTA TURMA, julgado em 03/12/2009, DJe 01/02/2010).

A segunda e última questão sub judice diz respeito à aplicação da causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, §4º, da Lei nº 11.343/2006:


§ 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, [...], desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.

De início, anoto que o deslinde da controvérsia constitui questão tormentosa e gerou polêmica até mesmo entre os integrantes da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do Habeas Corpus nº 101.265/SP, ocorrido em 10.04.2012, cujo acórdão, lavrado pelo Exmo. Ministro Joaquim Barbosa, foi assim ementado (negritei):


Ementa: Habeas Corpus. Tráfico transnacional de drogas. Aplicação da causa de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006. Impossibilidade. Não preenchimento dos requisitos cumulativos. Participação da paciente em organização criminosa devidamente reconhecida pelas instâncias inferiores. Necessidade de reexame fático e probatório. Inviabilidade. Ordem denegada. Para a concessão do benefício previsto no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006, é necessário que o agente, cumulativamente, seja primário, tenha bons antecedentes, não se dedique a atividades criminosas nem integre organização criminosa. No caso em análise, o reconhecimento de que a paciente integra organização criminosa, considerando-se os concretos elementos probatórios coligidos nos autos, é circunstância suficiente a obstar a incidência da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06. A discussão sobre o acerto ou desacerto das decisões proferidas pelas instâncias inferiores exige a realização de minucioso reexame do lastro fático-probatório dos autos de origem, o que, como se sabe, é incompatível com a restrita via processual do habeas corpus, que não admite dilação probatória. Precedentes. Ordem denegada.

A respeito, extrai-se do voto vista proferido pelo Exmo. Ministro Gilmar Mendes no julgamento em referência uma síntese dos entendimentos adotados pelos ministros integrantes da Segunda Turma daquela excelsa Corte (negritei):


O Ministro Ayres Britto, relator, após discorrer sobre a internacionalização das ações criminosas, ressalvou "a dificuldade em aceitar, como dogma, a tese de que toda e qualquer pessoa que realize o transporte de droga integre organização criminosa". Consignou que, não obstante a importância da "mula" para a efetividade do tráfico internacional, "essa única circunstância não faz da paciente, necessariamente, um membro dessa ou daquela organização criminosa. Nem tanto pela falta de estabilidade no 'mundo do crime', senão pela constatação de que não se comprovou que ela, paciente, usufruía dos lucros das atividades assumidas pela organização criminosa, comungasse com um 'código de honra' ou mesmo tivesse acesso a algum integrante da rede, salvo 'olheiro' que terminou por aliciá-la".
Asseverou, ainda, sua Excelência que "aceitar como válida a premissa de que a internacionalidade do tráfico é, por si só, incompatível com a minorante do § 4º do art. 22 da Lei 11.343/2006 implica adoção de uma hermenêutica patentemente frágil. Isso porque o tráfico de drogas, mesmo em sua dimensão interna ou nacional, estrutura-se na divisão de tarefas entre pessoas escalonadas em postos". Enfatizou que a "transnacionalidade do delito de tráfico de drogas não desobriga o magistrado de ponderar circunstâncias objetivas e subjetivas no processo orteguiano de fixação da pena em concreto".
Com efeito, o eminente relator concedeu parcialmente a ordem para afastar o óbice da incidência do § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006 e determinar ao Juízo do processo que refaça o cálculo da pena.
A Ministra Ellen Gracie, por sua vez, abriu divergência, por entender "correta a atuação do juiz de primeiro grau, porque, muito embora a situação humana seja realmente terrível e essas pessoas não tenham a condição, às vezes, de se furtar de realizar esse trabalho, também é fato que o tráfico internacional não existiria sem a presença delas".
O Ministro Celso de Mello acompanhou a divergência. De início, ressaltou circunstâncias fáticas que orientaram a conclusão do magistrado sentenciante. Destacou que, "no fundo, o denominado 'avião', ou a chamada ´mula', ainda que ela tenha um papel menor no plano da organização criminosa, não deixa de pertencer, no desenvolvimento da sua conduta típica, a essa mesma estrutura, que, no fundo, depende, fundamentalmente, da atuação isolada de tais pessoas". E, considerando as peculiaridades do caso, entendeu assistir razão ao magistrado ao afastar a causa de diminuição prevista no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/06.
O Ministro Joaquim, igualmente, acompanhou a divergência.
[...]

Note-se, pois, que apesar de a maioria dos ministros integrantes da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal terem se posicionado contrariamente à aplicação do benefício previsto no artigo 33, §4º, da Lei nº 11.343/2006 às mulas, mesmo essa maioria não deixou de atribuir importância às circunstâncias fáticas do caso concreto na tarefa de auxiliar a conclusão do magistrado pela incidência ou não de tal benesse legal. É o que, aliás, se depreende da ementa do acórdão que resultou do julgamento em destaque, acima transcrita.


É digna de menção a enfática defesa feita pelo Ministro Ayres Britto, relator, a favor da aplicação da minorante prevista no artigo 33, §4º, da Lei nº 11.343/2006 às mulas (negrito do original; sublinhei):


20. Há mais: aceitar como válida a premissa de que a internacionalidade do tráfico é, por si só, incompatível com a minorante do §4º do art. 33 da Lei 11.343/2006 implica a adoção de uma hermenêutica patentemente frágil, permito-me dizer. Isso porque o tráfico de drogas, mesmo em sua dimensão interna ou nacional, se estrutura na divisão de tarefas entre pessoas "escalonadas" em "postos" ("bucha", "avião", "vendedor", "vapor", "fogueteiro", "distribuidor", "gerente", "dono da boca" etc). Pelo que a encampação da tese de que a indispensabilidade do trabalho do transportador da droga ("avião", "mula") impede a redução da pena importa, a bem da verdade, a nulificação do objetivo da norma penal mais benéfica. Objetivo, esse, aparelhado com a garantia da individualização da pena (inciso XLVI do art. 5º da CF). Estou a dizer: entre duas possibilidades hermenêuticas, tenho como decisiva aquela que maior eficácia confere à personalização da sanção, garantia resguardada no tópico dos direitos e garantias individuais da Constituição brasileira... .
[...]
21. Assim postas as coisas, reafirmo que não tenho como validar a tese esposada pelas instâncias precedentes. Tese que, no limite, reduz o campo de personalização da reprimenda daqueles indivíduos acusados de tráfico internacional de entorpecentes. Nunca implicando demasia recordar que mesmo a pessoa condenada pelo mais infamante dos delitos não decai jamais de sua dignidade intrínseca de ser humano. Não se animaliza perante o Direito e muito menos há de ser tratado como coisa ou anódino objeto. O que não implica a automática incidência da minorante em causa a todo e qualquer indivíduo surpreendido no ato de transportar entorpecentes.

[...]


Merecem destaque, outrossim, as ponderações feitas pelo Exmo. Ministro Gilmar Mendes que, mesmo divergindo do relator, ressaltou (negritei):


Todavia, na mesma linha de pensamento do eminente relator, não consigo fixar aprioristicamente que, ao se rotular o indivíduo como "mula", sempre se estará diante do óbice de "integrar" organização criminosa. Penso que a diferenciação deve ser feita caso a caso, a partir de dados objetivos do processo.
Já proclamava Nélson Hungria que:
"(...) dentro dos autos, no exame das provas coligidas, não está o juiz adstrito a nenhuma fictio juris ou a critérios prefixos. No campo dos fatos humanos, a correspondência estatística de um dado efeito a uma dada causa não autoriza proclamar-se como um axioma que esse efeito se dará, impreterivelmente, sempre que ocorrer essa causa. Se as próprias leis físicas, as mais incontestadas, são relativas e estão sujeitas a retificações, não se compreende que a lei social adote prévios critérios invariáveis e hirtos para tratamentos de fatos do homem, que, embora idênticos na sua aparência, podem ser profundamente diversos na sua essência, no seu sentido e finalidade".
De igual forma, como destacado pelo relator, a transnacionalidade pode e deve ser um referencial, mas, não, necessariamente, um óbice ao reconhecimento da minorante.
O compromisso, primeiro, com a Constituição, obriga o magistrado, à luz da individualização da pena, a partir sempre de referenciais objetivos e não de formulações apriorísticas.
E, nessa quadra, peço vênia ao eminente relator, para acompanhar a divergência, porquanto, no caso, o magistrado de primeiro grau não se limitou ao campo teórico, interpretativo, mas analisou concretamente as circunstâncias que o orientaram a concluir pela inadmissibilidade de aplicação da minorante à paciente.

[...]


Assim, com base nas diretrizes assentadas pelos eméritos ministros integrantes da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal no julgamento do Habeas Corpus nº 101.265/SP, principalmente aquela segundo a qual a transnacionalidade do tráfico pode e deve constituir um referencial de que o réu ou a ré traficante integra organização criminosa, mas não necessariamente impede o reconhecimento da incidência da minorante prevista no artigo 33, §4º, da Lei nº 11.343/2006, passo a analisar o caso dos autos.


Na esteira do julgado do Supremo Tribunal Federal acima citado, entendo que a mera traficância transnacional não basta para afirmar que o agente integra organização criminosa, sendo necessária a presença de indícios que sugiram muito mais que uma simples cooperação ou cooptação de agentes, como, por exemplo, que o réu ou a ré tenha, de alguma forma, uma participação mais efetiva nas atividades da quadrilha - v.g., que tenha combinado o preço do serviço, a data ou o roteiro da viagem, a quantidade de droga a ser transportada etc. -, ou, ainda, que venha se colocando à disposição do bando sempre que necessário, empreendendo, rotineiramente, viagens internacionais em situações análogas.


Com efeito, se se admitir que o mero modus operandi característico da traficância serve como prova de que o agente integra organização criminosa, isto acabaria exlcuindo, por completo, a possibilidade de aplicação da causa de diminuição em referência, na medida em que, invariavelmente, todo tráfico de substância entorpecente pressupõe a participação de outras pessoas, ainda que indiretamente.


Registro, a propósito, que, na hipótese vertente, o acusado é primário, não ostenta maus antecedentes e, apesar de ter se encarregado do transporte da droga, afirmou que assim agiu porque estava em dificuldades financeiras. Acresça-se, ademais, que a quantidade de drogas apreendida em poder do réu - 980 gramas de cocaína - não excede o que é comumente apreendido em posse da mula em casos tais.


Nada obstante - e é importante que se diga -, com exceção da substância entorpecente, não foram encontrados com o acusado quaisquer instrumentos relacionados ao tráfico nem o número de telefone, o endereço ou qualquer outra referência aos membros da organização criminosa proprietária da droga.


Por tais razões, entendo cabível a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, §4º, da Lei nº 11.343/2006 ao embargante, no percentual de 1/3 (um terço), assim como estabelecido pelo voto vencido e tal como vem decidindo essa Egrégia Seção em casos análogos (negritei):


DIREITO PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE ENTORPECENTES. ART. 33, CAPUT, C.C. ART. 40, I, DA LEI 11.343/06. "MULA" DO TRÁFICO. APLICABILIDADE DO ART. 33, § 4º, DA LEI 11.343/06. NECESSÁRIA ANÁLISE CASO A CASO. IMPOSSIBILIDADE DE EXCLUSÃO A PRIORI. EMBARGOS PROVIDOS.
I) A figura apelidada de "mula", como é o caso do réu, embora seja essencial ao êxito da traficância transnacional, não pode ser aprioristicamente considerada como integrante de organização criminosa. Tal enquadramento somente é possível mediante a apresentação de provas do envolvimento estável e permanente do acusado com o grupo narcotraficante com o qual colaborou.
II) Não se afigura lícita a presunção em seu desfavor, o que avilta inclusive a verificação empírica dos casos semelhantes, nos quais predomina a cooptação eventual de pessoas das camadas sociais mais pobres e menos instruídas, tentadas a aplacar suas premências financeiras com a incursão na criminalidade pontual.
III) Presentes os requisitos autorizativos, faz o embargante jus ao benefício penal do mencionado dispositivo, porém em fração parcimoniosa, reservando-se o patamar máximo às situações de periculosidade manifestamente reduzida.
IV) Embargos infringentes providos para aplicar a causa de diminuição de pena do art. 33, §4º, da Lei 11.343/06, na fração de 1/6, ficando a reprimenda redimensionada para 5 anos, 07 meses e 2 dias de reclusão, regime inicial fechado, e 569 dias-multa.
(TRF 3ª Região, PRIMEIRA SEÇÃO, EIFNU 0005025-96.2010.4.03.6119, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL COTRIM GUIMARÃES, julgado em 15.08.2013, e-DJF3 Judicial 1 DATA:23.08.2013)
EMBARGOS INFRINGENTES. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. RECONHECIMENTO DO ARTIGO 33, §4º, DA Lei 11.343/2006. EMBARGOS PROVIDOS.
1 - O artigo 33, §4º, da Lei nº 11.343/06 dispõe a respeito da possibilidade de redução da pena ao condenado pelo delito de tráfico de drogas desde que o agente seja primário, tenha bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas, nem integre organizações criminosas.
2 - Não consta dos autos provas de maus antecedentes do réu, tampouco de sua não-primariedade. É certo que nesse caso o réu atuou como "mula" para o tráfico internacional de drogas. Porém, não há evidências concretas de que esta não tenha sido sua única conduta delitiva. Ao contrário, ao que tudo indica, como na maioria de casos semelhantes, o réu é pessoa humilde, de baixa instrução e encontrava-se em desfavorável situação financeira.
3 - Ressalta-se que o auxílio material exercido por terceiras pessoas para o sucesso do tráfico não basta para provar que o réu integre alguma organização criminosa, pois, para tanto, seria necessária mínima prova de que exercia, dentro da organização, algum papel estável ou que estava totalmente à disposição desta. Mesmo porque, pensar ao contrário, significaria excluir a possibilidade de aplicação do benefício em comento, haja vista que todas as condutas típicas previstas no artigo 33, caput, da Lei 11.343/2006 pressupõe, invariavelmente, o envolvimento, mesmo que indireto, de outras pessoas.
4 - Registra-se que a quantidade de drogas não extrapola ao que é rotineiramente apreendido em poder desse tipo de tráfico, considerando que se trata de ingestão de cápsulas contendo cocaína, não sendo encontrados em poder do réu, com exceção da droga propriamente dita, quaisquer apetrechos relacionados ao tráfico.
5 - Dentro desse contexto, sendo o réu primário, sem antecedentes criminais, não havendo nos autos provas de que se dedique à criminalidade ou integre uma organização criminosa, o ora embargante faz jus à aplicação do artigo 33, §4º, da Lei nº 11.343/2006.
6 - Embargos providos.
(TRF 3ª Região, PRIMEIRA SEÇÃO, EIFNU 0012703-10.2009.4.03.6181, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL CECILIA MELLO, julgado em 21.03.2013, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04.04.2013)

Ante o exposto, CONHEÇO TOTALMENTE DO RECURSO E DOU-LHE PROVIMENTO a fim de autorizar a aplicação da atenuante da confissão espontânea e da causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, §4º, da Lei nº 11.343/2006 no caso concreto, fixando as penas do embargante, de forma definitiva, em 4 (quatro) anos, 3 (três) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 430 (quatrocentos e trinta) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente na data dos fatos, tal como decidiu o voto vencido.


É como voto.


PAULO FONTES
Desembargador Federal


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