D.E. Publicado em 06/03/2014 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas. Decide Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da Terceira Região, à unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Trata-se de Ação Civil Pública intentada pelo Ministério Público federal em face do Estado de São Paulo, com vistas à imposição de obrigação de fazer ao ente federado, consubstanciada em determinar-se à Polícia Judiciária que, nos casos de detenção de estrangeiro, seja o mesmo imediatamente notificado de seu direito de solicitar assistência consular, antes de qualquer oitiva perante a autoridade brasileira, com o devido registro da providência nos autos da prisão em flagrante, sob pena de multa diária por descumprimento, ressalvando-se que não deve a autoridade policial postergar a prática de qualquer ato previsto no CPP em razão da ausência, na delegacia de polícia, da autoridade consular, devendo limitar-se à necessária comunicação.
Aduz a inicial, em síntese, que a polícia civil do Estado de São Paulo tem descumprindo a recomendação nº 04/2004, expedida pelo Ministério Público Federal ao realizar prisões de cidadãos estrangeiros sem observância do quanto determinado na Convenção de Viena sobre Relações Consulares.
Concedida a antecipação da tutela e interposto agravo de instrumento, que não conferiu o pleiteado efeito ativo.
A r. sentença julgou procedente a ação. O juízo a quo afirmou a legitimidade do parquet federal para propor ações da espécie, nos termos dos art's. 127 e 129, III, da Constituição e entendeu que restou demonstrado, ainda que por um único auto de prisão em flagrante, a omissão da autoridade policial no tocante à notificação do detido estrangeiro de seu direito à assistência consular, o que por si só é suficiente para demonstrar potencialidade lesiva ao devido processo penal, dando azo a futuras alegações de nulidade. Ademais, ante a previsão estampada no art. 5º, XXXV, da Carta Magna e o contido na Convenção de Viena, objetivo da presente ação demonstra o dever de finalidade pública consubstanciada no respeito às circunstâncias específicas do estrangeiro preso no Brasil, que devem ser respeitadas. Acolheu o pedido para fixar a obrigação de fazer delineada na inicial, sob pena de multa diária no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por cada caso de descumprimento, sem prejuízo da caracterização do crime de desobediência por omissão.
Apelou o requerido, pugnando pela reforma da sentença, posto que, a despeito da inicial fundar-se em supostas violações da espécie em inúmeros flagrantes, o autor só carreou um auto de prisão em flagrante onde constatada a omissão. O conjunto probatório, portanto, não demonstra o alegado, não se desincumbindo de seu ônus processual. Tão pouco se trata de fato notório, posto que, na verdade, sabe-se que são os consulados que mostram desinteresse para com seus nacionais presos pela prática de crimes no Brasil quando comunicados pela polícia. Rebate, ainda, o argumento volvido à ofensa ao devido processo legal e possíveis alegações futuras de nulidades, posto que a norma cujo descumprimento é apontado deve ser interpretada com razoabilidade, pois diversas as razões que podem levar a tanto, tais como inexistência de consulado no país, horário de funcionamento dos consulados, etc. Além disso, como, via de regra, a primeira oitiva é feita em sede de inquérito policial, entendido este como mero procedimento, não há que falar em nulidade à futura ação penal. Por fim, a multa diária é inócua, por não assegurar a coercitividade almejada, além de indevida, pois representa ofensa à independência dos poderes do Estado e acarreta consideráveis custos à sociedade. Não sendo este o entendimento, pugna pela sua redução, ante o princípio da razoabilidade.
Com contrarrazões subiram os autos a esta E. Corte.
É o relatório.
Dispensada a revisão na forma regimental.
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VOTO
Senhores Desembargadores, trata-se de Ação Civil Pública intentada pelo Ministério Público federal em face do Estado de São Paulo, com vistas à imposição de obrigação de fazer ao ente federado, consubstanciada em determinar-se à Polícia Judiciária que, nos casos de detenção de estrangeiro, seja o mesmo imediatamente notificado de seu direito de solicitar assistência consular, antes de qualquer oitiva perante a autoridade brasileira, com o devido registro da providência nos autos da prisão em flagrante, sob pena de multa diária por descumprimento, ressalvando-se que não deve a autoridade policial postergar a prática de qualquer ato previsto no CPP em razão da ausência, na delegacia de polícia, da autoridade consular, devendo limitar-se à necessária comunicação.
A. r. sentença deve ser mantida.
Inicialmente, assenta-se a legitimidade do órgão ministerial decorrente da previsão estampada no art. 129, II e III, da Constituição Federal, que reserva ao mesmo a função de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos nela assegurados, dentre os quais podemos citar a dignidade e a segurança jurídica, interesses sociais que, no caso, merecem acentuada atenção, certo ademais que a ação civil pública é amplamente utilizada nos pretórios para a finalidade.
Quanto à questão de fundo, prevê o art. 36, da Convenção de Viena, assinada pelo Brasil em 1963 e aprovada através do Decreto Legislativo nº 06/67 pelo Congresso Nacional, depois ratificada pelo Presidente da República por meio do Decreto nº 61.078/67, passando a integrar o ordenamento jurídico pátrio, in verbis:
Como se vê, buscou-se garantir ao estrangeiro o direito de, ao ser preso fora do território de sua pátria, comunicar-se com o respectivo consulado. A norma vai ao encontro das garantias fundamentais previstas na nossa Carta Maior, notadamente aquelas retratadas nos incisos LXII e LXIII, do art. 5º, comportando interpretação conjunta.
Pois bem. Não prospera a pretendida reforma da sentença sob o argumento de que o autor não se desincumbiu do ônus que lhe competia.
De fato, para a comprovação de que havida omissão da Polícia Civil do Estado de São Paulo no cumprimento da previsão contida na Convenção de Viena, suficiente a juntada de um auto de prisão em flagrante no qual constatada a omissão.
Sabido que o efetivo que compõe a segurança pública no Estado de São Paulo, aí compreendida também a Polícia Militar, há tempos, vive dias de grande dificuldade, com baixa remuneração, praticamente nenhum treinamento, falta de condições de trabalho, seja de armamento de péssima qualidade, e em pequena quantidade quando melhores, seja de veículos e outros materiais básicos. Falta, principalmente, material humano com preparo adequado para fazer face à crescente criminalidade que assola este país, não só neste ente da federação, mas em praticamente todo o território nacional.
Neste passo, a omissão em causa, tratando-se de norma expressa em Convenção Internacional, não causa surpresa e, sim, é recorrente.
Bem por isso, a medida pleiteada representa, muito mais que uma aparente punição, mecanismo de verdadeiro apoio, na medida em que pretende obrigar o Estado a instruir melhor seus policiais, o que é sempre bem vindo, máxime quando em jogo a liberdade de ir e vir do cidadão, inclusive do estrangeiro.
Também não merece acolhida a alegação de que não haveria prejuízo ao devido processo legal, visto que possível irregularidade na fase inquisitorial não acarretaria nulidade à ação penal, certo ademais que eventuais descumprimentos decorreriam de dificuldades outras, muitas vezes impostas pelos próprios consulados.
É que esta realidade não passou despercebida pelo autor. Ainda que a falta de comunicação da prisão ao consulado não implique, de regra, em nulidade do flagrante, o que só pode ser aferido em cada caso concreto, certamente que não se pode fazer vista grossa ao descumprimento da norma.
Se há previsão determinando à autoridade competente que assegure o direito ao auxílio consular, assim como ocorre com a obrigatoriedade de comunicar a prisão à família ou pessoa indicada pelo detento, garantindo-lhe assistência desta e de advogado, imperiosa e de rigor a sua observância. Cumpre-se, assim, o dever do administrador, volvido aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (CF: art. 37).
Ademais, o pedido foi bem delimitado e reveste-se de razoabilidade, porquanto ressalva que não deve a autoridade policial postergar a prática de qualquer ato previsto no Código de Processo Penal, em razão da ausência, na delegacia de polícia, de autoridade consular, limitando a obrigação à comunicação da prisão ao consulado respectivo, caso o país de origem possua representação consular no Brasil (fls. 10 - tópico 2 do pedido).
A fixação de multa diária (astreintes) em face do poder público é amplamente admitida pelos pretórios. Confira-se:
Na hipótese dos autos, a multa diária fixada é de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por descumprimento e não se revela excessiva nem desproporcional. De fato, deve-se sopesar que o cumprimento da obrigação de fazer imposta não demanda grandes projetos para sua execução e pode ser alcançada prontamente, com envio de instruções e orientações ao efetivo da Polícia Civil por meio eletrônico, adaptando, se o caso, as instruções ministradas nos diversos cursos de formação profissional, de sorte a incutir, desde logo, em seus novos integrantes, esta nova cautela, viabilizando, assim, o acesso à nova diretriz a ser observada.
Assim, justifica-se o patamar aparentemente elevado, para compelir o ente federativo a adotar prontamente as medidas cabíveis, pois de sabença trivial que muitos os entraves que se colocam na atividade (mentalidade) administrativa, muitos deles apenas de cunho protelatório. Não fosse assim, a multa diária perderia sua finalidade.
É o voto.
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