Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 18/06/2014
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002032-73.2002.4.03.6115/SP
2002.61.15.002032-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : WALKIRIA UBIRACEMA WALTER DA SILVA
ADVOGADO : SP135768 JAIME DE LUCIA (Int.Pessoal)
: MG008260B NILVIO DE OLIVEIRA BATISTA
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00020327320024036115 1 Vr SAO CARLOS/SP

EMENTA

PENAL. USO DE DOCUMENTO PÚBLICO FALSO. DIPLOMA UNIVERSITÁRIO. ARTIGO 304 C.C. ARTIGO 297 DO CÓDIGO PENAL. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. DOLO GENÉRICO DEMONSTRADO. CRIME IMPOSSÍVEL. NÃO CARACTERIZAÇÃO. DOSIMETRIA. PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. REDUÇÃO DO VALOR. CONCESSÃO DOS BENEFÍCIOS DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. APELO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Sentença condenatória que aplicou a pena de dois anos e seis meses de reclusão, com trânsito em julgado para acusação. Inocorrência do transcurso do prazo de oito anos (artigo 109, IV, do Código Penal) entre a data dos fatos (2002) e o recebimento da denúncia (19/01/09), ou entre o recebimento da denúncia e a publicação da sentença condenatória (09/10/2012).
2. Incide no crime previsto no artigo 304, com as penas do artigo 297, ambos do Código Penal, aquele que faz uso de documento materialmente falsificado, como se fora autêntico.
3. Confissão da apelante, no sentido de que usou diploma de Licenciatura em Pedagogia, que teria sido expedido pela Faculdade de Educação, Ciências e Artes Dom Bosco de Monte Aprazível, perante a UFSCAR, com o objetivo de apostilar complementação de estudos.
4. Alegação não comprovada de que a ré desconhecia a falsidade do diploma. Provas robustas no sentido de que a acusada jamais concluiu o curso de Pedagogia na instituição de ensino de Monte Aprazível.
5. Para a configuração do delito, exige-se o dolo genérico, ou seja, a vontade de usar o documento, com a consciência da sua falsidade.
6. O crime de uso de documento falso é formal, não se exigindo, para a sua consumação, qualquer tipo de resultado ou prejuízo, bastando, para tanto, o seu efetivo uso, razão pela qual não se aplica o disposto no artigo 17 do Código Penal.
7. Pena privativa de liberdade de dois anos e seis meses de reclusão substituída por prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária, fixada em 05 (cinco) salários mínimos.
8. Redução da prestação pecuniária para o equivalente a 01 (um) salário mínimo, eis que ausentes nos autos elementos indicativos da situação econômica da ré, capazes de justificar a fixação acima do patamar mínimo.
9. Ademais, a finalidade da prestação pecuniária é reparar o dano causado pela infração penal, motivo pelo qual não precisa guardar correspondência ou ser proporcional à pena privativa de liberdade aplicada à acusada.
10. Pena substitutiva de prestação pecuniária, de ofício, destinada à União Federal, conforme entendimento adotado por esta Turma.
11. Concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, nos termos do artigo 2º da Lei 1.060/50, ante a afirmação de que a apelante não possui condições financeiras para arcar com as despesas do processo, sem prejuízo próprio ou de sua família.
12. Apelo parcialmente provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, DAR PARCIAL PROVIMENTO à apelação interposta por Walkiria Ubiracema Walter da Silva, para conceder os benefícios da assistência judiciária gratuita, nos termos do artigo 2º da Lei 1.060/50, e para reformar a sentença condenatória no tocante ao valor da pena substitutiva de prestação pecuniária, que passa a ser de 01 (um) salário mínimo, de ofício, destino a pena substitutiva de prestação pecuniária de 01 (um salário mínimo) à União Federal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

São Paulo, 10 de junho de 2014.
JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002032-73.2002.4.03.6115/SP
2002.61.15.002032-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : WALKIRIA UBIRACEMA WALTER DA SILVA
ADVOGADO : SP135768 JAIME DE LUCIA (Int.Pessoal)
: MG008260B NILVIO DE OLIVEIRA BATISTA
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00020327320024036115 1 Vr SAO CARLOS/SP

RELATÓRIO

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI: Trata-se de apelação criminal interposta por WALKIRIA UBIRACEMA WALTER DA SILVA em face de sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Federal de São Carlos/SP, que julgou procedente a pretensão punitiva estatal deduzida na denúncia e a condenou à pena de 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão e ao pagamento de 11 (onze) dias-multa, pela prática do crime previsto no artigo 304, c.c. artigo 297, ambos do Código Penal.

A ré foi denunciada pelo Parquet Federal como incursa nas sanções do artigo 304, com as penas preconizadas no artigo 297, ambos do Código Penal.

Segundo consta da denúncia (fls. 169/172):

"(...) No início do ano de 2002, nesta urbe, WALKIRIA UBIRACEMA WALTER DA SILVA fez uso, perante a Universidade Federal de São Carlos- UFSCAR, de um diploma universitário materialmente falso, de conclusão do curso de Licenciatura Plena em Pedagogia, que teria sido expedido em seu nome pela Faculdade de Educação, Ciências e Artes Dom Bosco de Monte Aprazível (documento original acostado à fl. 118). O propósito da apresentação do diploma mencionado era obter o apostilamento da complementação de estudos, referente à habilitação em inspeção escolar de ensino básico".

A denúncia foi recebida em 19 de janeiro de 2009 (fl. 173).

Defesa preliminar, às fls. 185/190, sustentando a ausência de dolo.

Decisão afastando as hipóteses de absolvição sumária (fl.191).

Decretação da revelia da acusada e nomeação de advogado "ad hoc" para acompanhamento da audiência, em razão do não comparecimento do defensor constituído, embora devidamente intimado (fl.267).

Em alegações finais, o Ministério Público Federal pleiteou a condenação da ré (fls. 273/280).

Memoriais da defesa (fls. 287/318), aduzindo, preliminarmente, a nulidade da decisão que decretou a revelia, bem como da audiência realizada no dia 16/02/2012. Alegou, ainda, a falta de dolo na conduta da acusada, a inexistência de concurso material entre as infrações tipificadas nos artigos 304 e 297 do Código Penal e a ocorrência de prescrição.

Decisão, às fls. 353/354, revogando a revelia e convertendo o julgamento em diligência, diante da constatação de que a ré não havia sido intimada pessoalmente para comparecimento à audiência do dia 16 de fevereiro de 2012. Afastada a alegação de nulidade da oitiva da testemunha de acusação.

Interrogatório judicial da ré, às fls. 361/362, e abertura de novo prazo para memoriais.

Alegações finais do Ministério Público Federal, às fls. 364/374, e da defesa, às fls. 403/412.

Após regular instrução, sobreveio a sentença de fls. 414/422, que julgou procedente a pretensão punitiva deduzida na denúncia e condenou WALKIRIA UBIRACEMA WALTER DA SILVA pela prática do delito previsto no artigo 304, com as penas do artigo 297, ambos do Código Penal. A pena privativa de liberdade foi fixada em 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão em regime aberto e 11 (onze) dias-multa, cada qual fixado no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos.

Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, a pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária, no valor de 05 (cinco) salários mínimos, e em prestação de serviços à comunidade.

Inconformada, a defesa interpôs recurso de apelação (fls.434, 442), alegando, em suas razões (fls.460/462) a ocorrência de prescrição. Subsidiariamente, requer a absolvição em razão da ausência de dolo, a nulidade da sentença, ou a redução do valor da pena substitutiva de prestação pecuniária. Pleiteia, ainda, a concessão dos benefícios da justiça gratuita.

Contrarrazões do Ministério Público Federal, manifestando-se pelo improvimento do recurso (fls.465/474).

Nesta Corte, o parecer da Procuradoria Regional da República é pelo provimento do recurso interposto, ainda que por outro fundamento, para que a acusada seja absolvida com fulcro no artigo 386, III, do Código de Processo Penal, diante da configuração de crime impossível (fls.476/480).

É o relatório.

À revisão.


JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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VOTO

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI: De início, concedo os benefícios da assistência judiciária gratuita, nos termos do artigo 2º da Lei n.º 1.060/50, pois conforme afirmação nos autos, a apelante não possui condições financeiras para arcar com as despesas do processo, sem prejuízo próprio ou de sua família.

Narra a denúncia que, no início do ano de 2002, Walkiria Ubiracema Walter da Silva usou um diploma universitário materialmente falso perante a Universidade Federal de São Carlos. Referido diploma refere-se à conclusão do curso de Licenciatura Plena em Pedagogia, e teria sido expedido em seu nome pela Faculdade de Educação, Ciências e Artes Dom Bosco de Monte Aprazível. A apresentação do diploma falso tinha como finalidade o apostilamento da complementação de estudos, referente à habilitação em inspeção escolar de ensino básico.

Pela sentença de fls. 414/422, a ré foi condenada como incursa no artigo 304, c.c. artigo 297, ambos do Código Penal.

Irresignada, a defesa alega a ocorrência de prescrição. Subsidiariamente, requer a absolvição, alegando a ausência de dolo, a nulidade da sentença ou a redução do valor da pena substitutiva de prestação pecuniária. Pleiteia, ainda, a concessão dos benefícios da justiça gratuita.

Da prescrição. A ré foi condenada à pena de dois anos e seis meses de reclusão, tendo a sentença transitado em julgado para a acusação.

Conforme a regra do artigo 109, inciso IV, do Código Penal, a prescrição da pretensão punitiva estatal estaria consumada com o transcurso do prazo de 08 (oito) anos entre a data dos fatos (início de 2002) e o recebimento da denúncia (19/01/2009), ou entre o recebimento da denúncia (19/01/2009) e a publicação da sentença condenatória (09/10/2012), o que não se verificou no caso em tela.

Afasto, portanto, a alegação de ocorrência da prescrição da pretensão punitiva, na modalidade retroativa.

Da nulidade. Igualmente, não merece acolhida a alegação de nulidade da sentença.

Às fls. 353/354 foi reconsiderada a decisão que decretou a revelia, diante da constatação de que a ré não havia sido intimada pessoalmente para comparecimento à audiência do dia 16 de fevereiro de 2012.

Sanada a irregularidade, procedeu-se a intimação da apelante, que foi interrogada judicialmente, às fls. 361/362. Em seguida, abriu-se novo prazo para elaboração de memoriais, os quais foram apresentados às fls. 364/374 e 403/412.

Ademais, não há nulidade na oitiva da testemunha Ana Maria da Costa Pereira Lima, na audiência ocorrida em 16 de fevereiro de 2012. Isso porque, embora o defensor constituído, devidamente intimado, não tenha comparecido à audiência, houve nomeação de advogado "ad hoc".

Não demonstrado prejuízo à defesa, não há que se falar em nulidade.
Da Materialidade. A ré foi condenada pela prática do delito de uso de documento público falso. Dispões os artigos 304 e 297 do Código Penal:

Art. 304 - Fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a que se referem os arts. 297 a 302:
Pena - a cominada à falsificação ou à alteração
Art. 297 - Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro:
Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa.

A materialidade restou demonstrada pelos documentos acostados ao IPL em apenso, sobretudo, pelo diploma universitário (fl.118), laudo de exame documentoscópico nº 237/2008 (fls.147/155), em que se concluiu pela inautenticidade do documento e ofício emitido pela UFSCAR, com o seguinte teor: "O original do diploma da Walkiria Ubiracema Walter não existe. Trata-se de um documento falso, pois não foi emitido pela Faculdade de Educação, Ciências e Artes Dom Bosco de Monte Aprazível, e o número de registro é inexistente aqui neste Departamento" (fl.97).

Merece destaque o ofício da Sociedade Civil de Ensino Dom Bosco de Monte Aprazível (fls.25/27), segundo o qual:

"(...) Walkiria Ubiracema Walter jamais concluiu o curso de pedagogia nesta instituição e não consta dos arquivos escolares que a mesma tenha logrado aprovação em qualquer um de seus concursos vestibulares, até a presente data realizados, bem como também não se consta aqui qualquer registro de transferência de outra instituição onde tivesse ela iniciado o referido curso.

(...) Esta instituição denomina-se 'Faculdade de Educação, Ciências e Artes Dom Bosco de Monte Aprazível' e jamais se denominou Faculdade de Educação, Ciências e Letras, tal como se apresenta no diploma falso.

Respondo pelo cargo de Diretor desta IES desde 1985, assim como a Profª Adélia Motta o faz pela secretaria desde 1995. Sendo que em 1998 a professora assinava Adélia Motta Navigli, porém, as assinaturas que constam do referido diploma não são verdadeiras, são tentativas muito grosseiras de falsificação das mesmas".

Da autoria. A autoria também restou demonstrada.

Interrogada judicialmente, a acusada admitiu que entregou à Universidade Federal de São Carlos o diploma universitário referente à conclusão do curso de Licenciatura Plena em Pedagogia, expedido em seu nome pela Faculdade de Educação, Ciências e Artes Dom Bosco de Monte Aprazível, com o objetivo de homologar a complementação de estudos realizada nas Faculdades Claretianas de Batatais. Indagada, declarou que o diploma refere-se ao curso que realizou à distância, oferecido pela Faculdade Monte Aprazível. Afirmou que o curso foi pago, embora não se recorde do valor e não tenha guardado os recibos. Disse que um intermediário, cujo nome não se recorda, entregava os programas e trabalhos em sua residência, os quais depois de concluídos, eram devolvidos a essa pessoa, para que encaminhasse à Faculdade Monte Aprazível. Segundo a ré, o curso teve a duração de quatro anos e durante todo esse período nunca assistiu a aulas teóricas, não freqüentou fisicamente a faculdade, tampouco conheceu algum outro funcionário da referida instituição de ensino. Declarou que recebeu o diploma das mãos dessa pessoa responsável pelo "intercâmbio", no ano de 1998. Asseverou que os trabalhos eram realizados na casa dos alunos. Não se recorda se o curso era semestral ou anual, nem das matérias constantes da grade curricular. Por fim, afirmou que foi ludibriada por pessoas de má conduta e que apenas soube da ilicitude do diploma através da Polícia Federal, no ano de 2002 (fls. 361/362).

Flavio Ferreira e Eneldina Juraci Ferreira Fagundes, ouvidos em juízo às fls. 205 e 217, respectivamente, declararam que não tinham conhecimento dos fatos narrados na denúncia.

Por seu turno, a testemunha Ana Maria da Costa Pereira Lima, compareceu em juízo e declarou que era funcionária da UFSCAR na época dos fatos. Esclareceu que o processo de reconhecimento de validação de diplomas expedidos por faculdades particulares era feito na Universidade Federal de São Carlos. Afirmou que o diploma de Walkiria foi encaminhado à UFSCAR para averbação da complementação de estudos realizada nas Faculdades Claretianas. A testemunha verificou que as assinaturas constantes do diploma, referente ao registro na UFSCAR, não correspondiam com as assinaturas verdadeiras. Declarou que foi enviada uma cópia para instituição de Monte Aprazível, que reconheceu a falsidade do diploma universitário (mídia digital à fl.269).

Conforme as declarações prestadas, tanto na fase policial (fl.72), quanto em juízo (fl.362), a apelada assume que fez uso do diploma universitário perante a Universidade Federal de São Carlos, na tentativa de averbar a habilitação em inspeção escolar das Faculdades Claretianas.

Do dolo. A alegação de que desconhecia a falsidade do diploma universitário não convence. A apelante aduz que foi ludibriada, uma vez que acreditava na idoneidade do curso de graduação oferecido à distância, embora não tivesse assistido a nenhuma aula teórica durante os quatro anos em que o suposto curso foi ministrado.

Para a configuração do delito em questão, exige-se o dolo genérico, ou seja, a vontade de usar o documento, com a consciência da sua falsidade.

O dolo exsurge das circunstâncias em que praticado o delito.

As declarações, não comprovadas, de que a apelante realizou o curso à distância, não se prestam a comprovar o desconhecimento da falsidade do diploma.

A versão apresentada é inverossímil. Com efeito, a defesa não trouxe aos autos nenhum elemento probatório apto a embasar a tese defensiva. A ré afirma que desconhecia a irregularidade do curso à distância. Entretanto, sequer existem provas de que Walkiria, de fato, tenha sido aluna da Faculdade Monte Aprazível. Na verdade, ficou demonstrado nos autos que a ré jamais concluiu o curso de Pedagogia na Faculdade de Educação, Ciências e Artes Dom Bosco de Monte Aprazível (fls.25/26).

Destaco, por oportuno, trecho da r. sentença (fl.418v):

"A alegação da ré de desconhecimento da irregularidade do curso não merece credibilidade. Em primeiro lugar, em sendo professora, não parece crível que tenha ela acreditado que um curso de graduação, realizado sem qualquer encontro presencial, sem que qualquer aula teórica seja ministrada e que exigia apenas a elaboração de trabalhos, fosse dotado de idoneidade. Além disso, não apresentou ela qualquer prova documental hábil a configurar sua alegada boa-fé, como comprovantes de matrícula e de pagamento de mensalidade, histórico escolar ou cópias dos trabalhos feitos. Também não soube, ou não quis, apontar qualquer pessoa que tenha freqüentado o mesmo curso juntamente com ela, embora tenha dito que as pessoas se reuniam para elaborar os trabalhos".

Outrossim, o uso do diploma universitário falso possui relevância jurídica, já que poderia ser utilizado para o exercício de profissão que exigisse a graduação por ele conferida.

Os elementos objetivos e subjetivos dos tipos penais previstos nos artigos 304 e 297 do Código Penal restaram, portanto, configurados na espécie.

Do crime impossível. A douta Procuradoria Regional da República em seu parecer, às fls. 476/480, opinou pela aplicação do disposto no artigo 17 do Código Penal, sustentando que a documentação apresentada estava sujeita à verificação pela Seção de Registro de Diplomas da UFSCAR, o que impedia a ocorrência de prejuízo ulterior.

O delito tipificado no artigo 304 do Código Penal é formal, não se exigindo, para a sua consumação, qualquer tipo de resultado ou prejuízo, bastando, para tanto, o seu efetivo uso.

Por tais razões, não configurado o crime impossível.

Nesse sentido:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. DELITO DE USO DE DOCUMENTO FALSO (ART. 304 c/c ART. 297, AMBOS DO CP). DOCUMENTO PÚBLICO. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. CRIME IMPOSSÍVEL. NÃO CONFIGURADO. Não merece provimento a irresignação ministerial, 1."A conduta incriminada é fazer uso, isto é, servir-se, usar, utilizar o documento material ou ideologicamente falso, como se fosse autêntico ou verídico, apto a atingir sua finalidade como meio de prova." 2. Sendo certo que os documentos utilizados pelo ora Apelante são públicos (Diploma e Histórico Escolar), inexiste qualquer dúvida de que a sanção a ele imposta é aquela cominada no artigo 297 ("falsificação de documento público") do mesmo diploma legal, por expressa remissão do artigo 304 ("uso de documento falso"). 3. Tratando-se, no caso, o delito de uso de documento falso de crime formal, não se exigindo para a sua consumação a existência de resultado concreto, de efetivo prejuízo, sendo suficiente para tanto, o simples uso do documento, não se aplica ao presente caso o disposto no artigo 17 do código Penal. 4. "A confissão, para gerar a atenuação da pena, nos moldes do art. 65, III, "d", do Código Penal, deve, antes de tudo, ser espontânea, por tal qualidade, entendendo-se aquela que advém d'alma, externando um arrependimento, e merecedora do abrandamento da reprimenda", o que não caso dos autos. 5. Apelo improvido. (ACR 200043000020931. TRF1. Quarta Turma. 04/06/2010 página 130. Rel. Desemb. Fed. Mário César Ribeiro) grifei

Desse modo, mantenho a r. sentença por seus próprios fundamentos.

Da dosimetria. Na primeira etapa, a pena-base foi fixada acima do mínimo legal, sob o seguinte fundamento (fl.420):

"quanto à culpabilidade, considerada como juízo de reprovação que recai sobre a autora do fato típico e ilícito, verifico que esta transbordou os lindes normais ao tipo em questão, em função da ré ser profissional da área de educação, atuando na formação de crianças e jovens".

À míngua de circunstâncias agravantes e atenuantes, bem como de causas de aumento e de diminuição, a pena privativa de liberdade definitiva foi definitivamente fixada em 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão no regime aberto e em 11 (onze) dias-multa, cada qual fixado em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente na data dos fatos.

Atendidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, a pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes na prestação de serviços à comunidade e na prestação pecuniária.

A prestação pecuniária foi fixada no valor equivalente a 05 (cinco) salários mínimos. Nos termos do § 1º do artigo 45 do Código Penal, a finalidade da prestação pecuniária é reparar o dano causado pela infração penal, motivo pelo qual não precisa guardar correspondência ou ser proporcional à pena privativa de liberdade aplicada à acusada.

Ausentes nos autos elementos indicativos da situação econômica da ré, capazes de justificar a fixação da prestação pecuniária acima do patamar mínimo, acolho a pretensão da defesa e reduzo a pena substitutiva de prestação pecuniária para o equivalente a 01 (um) salário mínimo, e, de ofício, destino-a à União Federal, conforme entendimento adotado por esta Turma.

Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação interposta por Walkiria Ubiracema Walter da Silva, para conceder os benefícios da assistência judiciária gratuita, nos termos do artigo 2º da Lei 1.060/50, e para reformar a sentença condenatória no tocante ao valor da pena substitutiva de prestação pecuniária, que passa a ser de 01 (um) salário mínimo. De ofício, destino a pena substitutiva de prestação pecuniária de 01 (um salário mínimo) à União Federal.
É o voto.






JOSÉ LUNARDELLI
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Data e Hora: 11/06/2014 19:13:58