Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 18/06/2014
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0011919-04.2007.4.03.6181/SP
2007.61.81.011919-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : CESAR AUGUSTO TEIXEIRA
ADVOGADO : SP142420 PATRICIA CRUZ GARCIA NUNES e outro
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00119190420074036181 5P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ARTIGO 273, §1º e §1º-B, DO CÓDIGO PENAL. INCONSTITUCIONALIDADE AFASTADA. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. DOSIMETRIA. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. SÚMULA 231 DO STJ. APELO DESPROVIDO.
1- A inconstitucionalidade quanto ao preceito secundário do art. 273 do Código Penal já foi afastada pelo Órgão Especial desta E. Corte.
2 - Materialidade e autoria comprovadas. Evidenciado o depósito irregular de medicamentos para venda. O réu foi surpreendido na posse dos medicamentos sem registros na ANVISA e outros falsificados e corrompidos, em desconformidade com a legislação sanitária vigente.
3- Reconhecimento da atenuante da confissão espontânea, de ofício. Mantida a pena no mínimo legal, nos termos da Súmula 231 do C. STJ.
4 - Pena definitivamente fixada em 10 (dez) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente À época dos fatos.
5- Regime inicial fechado.
6 - Apelo desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao apelo e, de ofício, reconhecer a incidência da atenuante da confissão espontânea, mantida a pena no mínimo legal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 10 de junho de 2014.
JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0011919-04.2007.4.03.6181/SP
2007.61.81.011919-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : CESAR AUGUSTO TEIXEIRA
ADVOGADO : SP142420 PATRICIA CRUZ GARCIA NUNES e outro
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00119190420074036181 5P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Cuida-se de Ação Penal Pública fundada em denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal contra CESAR AUGUSTO TEIXEIRA, pela prática do crime definido no art. 273, §1º e §1º-B, do Código Penal.

Consta da denúncia (fls. 221/223) que, no dia 18 de setembro de 2007, em cumprimento a um mandado de busca e apreensão expedido no bojo da Operação Placebo, o réu foi autuado em flagrante delito, em sua residência, onde mantinha diversos medicamentos sem registro na ANVISA, destinados à venda e sem autorização para a armazenagem e comercialização.

Narra, ainda, a peça acusatória que no caso do medicamento Oxandrolona, foi constatada a ausência do princípio ativo e, no caso do medicamento Lipostabil, não foi verificada a presença de diacilglicerofosfatidilcolinas.

A denúncia foi recebida em 14 de novembro de 2008 (fl. 224).

Regularmente processado o feito, sobreveio a r. sentença de fls. 379/380, por meio da qual a i. magistrada a quo julgou procedente a pretensão estatal, para condenar o réu como incurso nas penas do art. 273, §1º e §1-B, do Código Penal, imputando-lhe a pena de 10 (dez) anos de reclusão, em regime inicial fechado, e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de um trigésimo do salário mínimo vigente à época dos fatos.

Em suas razões recursais (fls. 397/415), o réu sustenta, preliminarmente, a inépcia da denúncia e a inconstitucionalidade do preceito secundário do art. 273, do Código Penal, por violação aos princípios da proporcionalidade e da ofensividade.

No mérito, sustenta a ausência de demonstração da autoria, bem como a impossibilidade de condenação com base exclusivamente nos elementos de convicção coligidos em sede inquisitorial.

Nesta Corte, a Procuradoria Regional da República apresentou contrarrazões e parecer, em peça única, pelo desprovimento do recurso da defesa e manutenção da sentença condenatória (fls. 417/422).

Às fls. 430/439, 446/455, 465/473 e 476/482 foram juntados, respectivamente, o Laudo de Exame de dispositivo de Armazenamento Computacional (PEN DRIVE) nº. 1721/2010- NUCRIM/SETEC/SR/DPF/SP, o Laudo de Exame de dispositivo de Armazenamento Computacional (Disco Rígido) nº. 1646/2010- NUCRIM/SETEC/SR/DPF/SP, o Laudo de Exame de dispositivo de Armazenamento Computacional (Disco Rígido) nº. 2026/2010- NUCRIM/SETEC/SR/DPF/SP e o Laudo de Exame de dispositivo de Armazenamento Computacional (Disco Rígido) nº. 1857/2010- NUCRIM/SETEC/SR/DPF/SP.

Regularmente intimada, a defesa quedou-se silente sobre os referidos documentos, enquanto o Parquet Federal manifestou-se às fls. 460 e 492.

É o relatório.

À revisão.

JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0011919-04.2007.4.03.6181/SP
2007.61.81.011919-1/SP
APELANTE : CESAR AUGUSTO TEIXEIRA
ADVOGADO : SP142420 PATRICIA CRUZ GARCIA NUNES e outro
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00119190420074036181 5P Vr SAO PAULO/SP

VOTO

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Consoante se depreende do Relatório, imputa-se ao réu a prática da conduta descrita no art. 273, §§ 1º e 1º-B, do Código Penal:

"Art. 273 - Falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais:
Pena - reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa.
§ 1º - Nas mesmas penas incorre quem importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado.
§ 1º-A - Incluem-se entre os produtos a que se refere este artigo os medicamentos, as matérias-primas, os insumos farmacêuticos, os cosméticos, os saneantes e os de uso em diagnóstico.
§ 1º-B - Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações previstas no § 1º em relação a produtos em qualquer das seguintes condições:
I - sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente;
II - em desacordo com a fórmula constante do registro previsto no inciso anterior;
III - sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua comercialização;
IV - com redução de seu valor terapêutico ou de sua atividade;
V - de procedência ignorada;
VI - adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente."

Cuida-se de crime formal, já que prescinde da efetiva ocorrência do dano a alguém. O objeto material do crime é o produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais. Por sua vez, o objeto jurídico é a saúde pública.

Trata-se de crime do tipo misto alternativo na medida em que a prática de uma ou mais condutas, desde que inseridas no mesmo contexto, implica sempre num delito único.


Dos Fatos

Extrai-se da exordial que:

"...no dia 18 de setembro de 2007, em decorrência de cumprimento de mandado de busca e apreensão, o denunciado foi autuado em flagrante delito, no interior de sua residência, onde mantinha grande quantidade de medicamentos diversos, discriminados no auto de apreensão de fls. 21/23, destinados à venda, sem registro junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária e sem autorização para armazenagem e comercialização. Além disso, no caso do medicamento Oxandrolona, foi constatada a ausência do princípio ativo, conforme se vislumbra do laudo pericial de fls. 110/134. Da mesma forma, o laudo encartado às fls. 160/164 atesta a não detecção de diacilglicerofosfatidilcolinas no medicamento Lipostabil.
Em seu interrogatório, o denunciado declarou comprar medicamentos de maneira irregular, a través da rede mundial de computadores, anunciando-os à venda da mesma forma. Afirmou realizar essa prática desde 2004."

Diante desse contexto, o Ministério Público Federal denunciou o réu pela prática do delito previsto no art. 273, §1º e §1-B, do Código Penal.


Da Alegação de Inconstitucionalidade

Em suas razões recursais, aduz a defesa que o art. 273 do Código Penal impõe uma sanção excessivamente severa, razão pela qual deveria declarada inconstitucional a norma e absolvido o réu.

A despeito dos argumentos expendidos, verifico que a alegação de inconstitucionalidade do preceito secundário do art. 273 do Código Penal não pode ser acolhida.

Com efeito, já houve o julgamento pelo Órgão Especial desta E. Corte, referente à Argüição de Inconstitucionalidade quanto ao preceito secundário do art. 273 do Código Penal.

Na ocasião, por maioria, foi rejeitada a Arguição de Inconstitucionalidade nº 0000793-60.2009.4.03.6124, nos seguintes termos:

"DIREITO PENAL. ARTIGO 273, § 1º-B, DO CÓDIGO PENAL. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE COMINADA EM ABSTRATO (PRECEITO SECUNDÁRIO DA NORMA). INCIDENTE DE ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. OFENSA À PROPORCIONALIDADE E À RAZOABILIDADE. INEXISTÊNCIA. ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE REJEITADA.
- Incidente de Argüição de Inconstitucionalidade criminal suscitado pela Quinta Turma deste Tribunal em sede de apelação criminal (proc. nº 0000793-60.2009.4.03.6124/SP), versando sobre a desarmonia do preceito secundário do art. 273, § 1º-B, do Código Penal com a Constituição Federal, por ausência de proporcionalidade e razoabilidade.
- Inexistente o aventado vício de inconstitucionalidade da pena fixada em abstrato pela norma secundária do art. 273, § 1º-B, do Estatuto Repressivo, pois o seu rigor decorre da própria natureza do bem jurídico tutelado, qual seja, a saúde pública, e da elevada potencialidade lesiva da conduta tipificada, devidamente sopesadas pelo legislador.
- Inadmissível a aplicação analógica de penas previstas para outros delitos, preconizada em razão das pretensas desproporcionalidade e ausência de razoabilidade, eis que atentatória aos princípios da separação dos poderes e da reserva legal, não cabendo ao julgador, no exercício da sua função jurisdicional, realizar o prévio juízo de proporcionalidade entre a pena abstratamente imposta no preceito secundário da norma com o bem jurídico valorado pelo legislador e alçado à condição de elemento do tipo penal, por se tratar de função típica do Poder Legislativo e opção política, não sujeita, portanto, ao controle judicial. Precedente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região sobre a mesma questão (ARGINC nº 47 - processo 201051014901540 -, Rel. Des. Federal Guilherme Couto de Castro, Plenário, j. 22.08.2011, E-DJF2R 08.09.2011.)
- O próprio Supremo Tribunal Federal, em mais de uma oportunidade, já reconheceu a impossibilidade de o Poder Judiciário, na ausência de lacuna da lei, se arrogar função legiferante e criar por via oblíqua, ao argumento da inadequação da sanção penal estabelecida pelo Legislativo, uma terceira norma, invadindo a esfera de atribuições do Poder competente (v.g., HC nº 109676/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, DJe 14.08.2013; RE nº 443388/SP, Relª. Minª. Ellen Gracie, 2ª Turma, DJe 11.09.2009). Precedentes, na mesma linha, do E. STJ.
- Habeas corpus a ser concedido de ofício que não se conhece, por se tratar de medida de competência da Turma julgadora da apelação criminal que deu origem ao incidente, eis que cabe àquele Órgão fracionário conhecer das questões de fato relativas ao caso concreto.
- Argüição de Inconstitucionalidade rejeitada. Habeas Corpus ex officio não conhecido."
(ARGINC 0000793-60.2009.4.03.6124, Rel. Des. Fed. MÁRCIO MORAES, e-DJF3 CJ 1: 23/08/2013) - grifei.

Dessa forma, cumpre à Primeira Turma, órgão fracionário deste Tribunal, nos termos do artigo 97 da Constituição, adotar a referida orientação.


Da Materialidade

A materialidade do delito restou sobejamente demonstrada.

O auto de apreensão de fls. 21/23 aponta que foram encontrados na residência do réu, dentre outros itens:

- 11 (onze) caixas do remédio HEMOGENIN de 50 mg. fechadas;

- 13 (treze) caixas do remédio DEPOSTERON de 200 mg. fechadas;

- 04 (quatro) caixas do remédio ESTANOZOLOL de 50 mg. abertas;

- 04 (quatro) caixas do remédio STANOZOLAND de 10 mg. abertas;

- 06 (seis) caixas do remédio DESOBESI-M de 25 mg. fechadas;

- 20 (vinte) cartelas do remédio BRONTEL, contendo 10 comprimidos cada;

- 04 (quatro) vidros do remédio EQUIPOISE de 10ml. fechados;

- 02 (duas) caixas do remédio RITALINA de 10 mg. fechadas;

- 01 (uma) caixa do remédio PRAMIL SILDENAFIL de 50 mg. aberta;

- 01 (uma) caixa do remédio LIPOSTABIL contendo 5 ampolas de 5ml. aberta;

- 01 (uma) caixa do remédio CLORIDRATO DE SIBUTRAMINA MONOIDRATADO de 15 mg. fechada;

- 01 (uma) caixa do remédio MARAX fechada;

- 02 (duas) caixas do remédio DUALID'S de 75 mg. fechada;

- 01 (uma) caixa do remédio ALPRAZOLAM de 0,5 mg. fechadas;

- 01 (uma) caixa do remédio CICLO-6 de 10 ml. aberta;

- 01 (um) frasco do remédio OXANDROLONA de 10 mg. aparentemente de manipulação fechado;

- 27 (vinte e sete) caixas do remédio DECA DURABOLIN de 50 mg. fechadas;

- 04 (quatro) caixas do remédio DURATESTON contendo uma ampola de 1ml. cada.

No Laudo de Exame de Produto Farmacêutico nº. 4383/2007 restou destacado que:

"As cápsulas contidas no frasco com rótulo indicando OXANDROLONA não apresentaram o princípio ativo." - fl. 133

O Laudo de Exame em Produto Farmacêutico nº 0446/08 - INC (fls. 161/165) atesta que:

"Não foram detectados os íons com relações massa/carga característicos para diacilglicerofosfatidilcolinas (segundo LC/MS Analysis of Bronchoalveolar Lavage Fluid Phospholipids Biomarkers for Chorinc Lung Inflamation - Application, Agilent Technologies, 2004). [...]
A não detecção de diacilglicerofosfatidilcolinas (ou fosfatidilcolinas) nos produto analisado indica a sua falsidade." - grifo no original

Consigne-se que o fiscal da ANVISA presente no momento do flagrante declarou perante a autoridade policial (depoimento confirmado em Juízo - mídia de fl. 321) que:

"observou a apreensão de, por exemplo, produtos anabolizantes tais como Deposteron, Hemogenin e Decadurabolin (necessitam de autorização para comercializar no Brasil) e Estanozolol (medicamento de uso veterinário sem registro no Brasil); QUE também apreendeu-se o medicamento Pramil, o qual é originário do Paraguai, sem registro no Brasil; QUE também apreendeu-se medicamentos a base de anfetamina usados para emagrecimento como, por exemplo, Desobesi-M (que registrado no Brasil e que necessita de prescrição médica); QUE observou o produto Ritalina, utilizado para distúrbio de atenção, vendido sob prescrição médica; o medicamento Brontel, atiasmático utilizado clandestinamente como anabolizante, sem registro no Brasil; Lipostabil, utilizado como remédio emagrecedor, sem registro no Brasil; (...)" - grifei (fl. 06)

Por conseguinte, resta evidenciada a irregularidade da manutenção em depósito dos medicamentos destinados à venda, em desconformidade com a legislação sanitária vigente.

Ressalto ainda que os medicamentos não apresentavam qualquer identificação que pudesse comprovar sua procedência.

Comprovada, portanto, a materialidade, nos termos do art. 273, §1º e §1º-B do Código Penal.


Da Autoria

A autoria delitiva é incontroversa, já que a apreensão dos medicamentos decorreu do cumprimento de mandado de busca e apreensão, no endereço onde residia o acusado.

Embora tenha confessado a prática delitiva perante a autoridade policial (fls. 09/11), o réu alterou sua versão dos fatos no interrogatório judicial. No entanto, as alegações em Juízo, além de carecerem de verossimilhança, não encontram arrimo nas demais provas produzidas.

Senão vejamos.

À fl. 320, foi ouvido Rodrigo Abrão Veloso Taveira, fiscal da ANVISA, que confirmou o depoimento prestado perante a autoridade policial (fls. 06/07) e assim respondeu às perguntas formuladas pela acusação:

"MP - O senhor Cesar Augusto Teixeira, na ocasião [do flagrante], ele confirmou, confessou aos senhores que comercializava...?
Rodrigo - Sim.
MP- ...a quem...indiscriminadamente a quem se interessasse pelo produto e se dispusesse a pagar a quantia que ele exigia?
Rodrigo - Isso. Exatamente. Ele falou que ele mantinha na internet, em alguns fóruns da internet anúncios que ele comercializava esses produtos e aí as pessoas interessadas entravam em contato com ele e aí ele passava as informações de conta, valor e a pessoa depositava na conta dele e ele encaminhava via sedex para essas pessoas, indiscriminadamente. A pessoa que se interessasse poderia entrar em contato com ele.
MP - E ele demonstrou estar ciente de que a conduta dele infringia normas administrativas?
Rodrigo - Sim. Ele tinha conhecimento.
MP - Ele tinha conhecimento que era necessário registro e aprovação da ANVISA?
Rodrigo - Exatamente."

As testemunhas arroladas pela defesa, ouvidas na audiência realizada em 06/08/2009, afirmaram, em síntese que conheceram o réu em academias, que treinaram juntos e que presenciaram o acusado oferecendo medicamentos para terceiros, nem foram pessoalmente abordados com propostas dessa natureza (mídia fl. 330).

A testemunha Sabbato de Ângelo Pagliuca trabalhou com o acusado em uma equipe de segurança em casa noturna, entre sete e cinco anos antes. Durante o período em que trabalharam juntos, nunca presenciou o réu oferecendo medicamentos a terceiros ou recebeu esse tipo de oferta.

Não se olvida que na esfera judicial o apelante negou a prática delitiva. No entanto, a versão trazida na fase judicial está em total dissonância com as demais provas produzidas nos autos, revelando ser fato isolado, sem qualquer respaldo probatório.

Em Juízo, o réu afirmou que apenas estava em posse dos medicamentos porque realizaria a tradução das bulas e que a nota de culpa foi-lhe entregue já confeccionada pelos policiais federais, sem que sequer tivesse sido colhido o seu depoimento.

Tal versão, todavia, não é convincente e restou absolutamente isolada, sendo certo que sequer a noiva do réu, com quem coabitava à época dos fatos e que foi ouvida como informante, confirmou tais alegações.

Como bem asseverou o Juízo a quo:

"Não é verossímil a justificativa do réu, no sentido de que os medicamentos que mantinha em casa pertenciam, na realidade, a terceira pessoa. Dessume-se das regras de experiência comum que ninguém aceita, inocentemente, manter, no próprio lar, grande quantidade de medicamentos em depósito. Ademais, ninguém confirmou prosa que tal, sem mesmo a companheira do réu, ouvida como informante."

Não é demais apontar que os laudos da perícia realizada no equipamento informático apreendido na residência do réu confirmam que o acusado realizava transações comerciais dos medicamentos apreendidos em sua residência, conforme se verifica dos e-mails trocados com terceiros, planilhas de pedidos, compras e preços e material publicitário.

Com efeito, os laudos nº. 1721/2010, nº. 1646/2010, nº. 2026/2010 e nº. 1857/2010, de fls. 430/439, 446/455, 465/473 e 476/482, indicam que os dispositivos de armazenamento analisados (Pen Drive e discos rígidos dos computadores apreendidos na residência do réu) continham arquivos de planilhas com a descrição dos medicamentos indicados na denúncia, uso e preços de comercialização, a exemplo da planilha reproduzida à fl. 433 (arquivo denominado "PREÇO PARA REVENDA_FITNESS.xls").

Comprovada, portanto, a autoria.


Dosimetria

O apelante foi condenado à pena privativa de liberdade fixada em 10 (dez) anos de reclusão e multa de 10 (dez) dias-multa, cada qual no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, por infração ao artigo 273, §1º e §1º-B, do Código Penal.

Conforme se depreende da leitura da decisão recorrida, o Juízo de 1º grau cumpriu o escopo constitucional inserto no artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, fundamentando, à saciedade, os motivos de fato e de direito que resultaram na condenação da ré.

Inicialmente, na primeira etapa da dosimetria da pena, inexistindo circunstância judicial desfavorável, a pena base foi mantida no mínimo legal. Assim, a pena-base restou fixada em 10 (dez) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa.

Na segunda fase, não foram consideradas quaisquer agravantes ou atenuantes.

O Juízo a quo deixou de reconhecer a atenuante da confissão espontânea.

Cabível o reconhecimento, de ofício, da incidência da referida atenuante.

Extrai-se dos autos que o Juízo de 1º grau alicerçou a sentença condenatória, dentre outros elementos, na confissão do acusado (fl. 379/v).

A confissão do réu, porque espontânea, ou seja, sem a intervenção de fatores externos, autoriza o reconhecimento da atenuante genérica, inclusive porque foi utilizada como um dos fundamentos da condenação.

Nesse sentido:

"HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DE RECURSO ESPECIAL. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. PENA-BASE. ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. NÃO OCORRÊNCIA. QUANTIDADE DA SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE APREENDIDA. CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL. OCORRÊNCIA. RETRATADA EM JUÍZO. EFETIVA UTILIZAÇÃO NA SENTENÇA CONDENATÓRIA COMO PARTE DA FUNDAMENTAÇÃO. INCIDÊNCIA DA ATENUANTE QUE SE FAZ IMPERATIVA. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA. NÃO INCIDÊNCIA. DEDICAÇÃO À ATIVIDADE CRIMINOSA. AFERIÇÃO. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA
PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. PENA SUPERIOR A 4 ANOS. IMPOSSIBILIDADE. PACIENTE BENEFICIADO COM O REGIME SEMIABERTO. WRIT PREJUDICADO QUANTO AO REGIME E, NO MAIS, NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
[...]
3. Deve ser reconhecida a atenuante da confissão espontânea, prevista no art. 65, III, d, do Código Penal, ainda que haja retratação em juízo, quando o juiz se vale dela para formar seu convencimento.
[...]
6. Habeas corpus prejudicado quanto ao regime e, no mais, não conhecido. Ordem concedida, de ofício, a fim de reconhecer a atenuante da confissão espontânea e reduzir a pena do paciente para 5 (cinco) anos de reclusão, mais 500 (quinhentos) dias-multa, mantidos os demais termos da sentença e do acórdão."
(STJ, 6ª Turma, HC 221449 / RJ, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJe 03/02/2014).

Ademais, o fato de o acusado somente ter confessado após ser preso em flagrante não tem o condão de afastar o reconhecimento da atenuante, direito subjetivo do réu que confessa os fatos, inclusive porque expressamente utilizada para a formação do convencimento do julgador.

Nesse sentido, decisão do Superior Tribunal de Justiça:


"HABEAS CORPUS. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. PRIMEIRA FASE DA DOSIMETRIA. REDIMENSIONAMENTO DA PENA-BASE. VIA INADEQUADA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE MANIFESTA. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. CIRCUNSTÂNCIAS DO DELITO. QUANTIDADE E NATUREZA DA DROGA. MINORANTE DO ART. 33, § 4.º, DA LEI N.º 11.343/06. APLICAÇÃO DO BENEFÍCIO EM PATAMAR DIVERSO DO MÍNIMO DE 1/6 JUSTIFICADA PELA LESIVIDADE DA CONDUTA (TRÁFICO DE 341,2 KG DE COCAÍNA). PRETENSÃO DE AFASTAMENTO DA TRANSNACIONALIDADE DO CRIME. INVIABILIDADE. NECESSIDADE DE INCURSÃO NA SEARA FÁTICO-PROBATÓRIA. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. UTILIZAÇÃO COMO ELEMENTO DE CONVICÇÃO DO MAGISTRADO. OBRIGATORIEDADE DE RECONHECIMENTO COMO ATENUANTE. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.
(...)
8. A confissão realizada em juízo sobre a prática do delito de tráfico de entorpecentes, desde que espontânea, é suficiente para fazer incidir a atenuante do artigo 65, III, "d", do Código Penal, quando expressamente utilizada para a formação do convencimento do julgador, sendo irrelevante que o agente tenha sido preso em flagrante. Precedentes.
9. Ordem parcialmente concedida para reconhecer a incidência da atenuante da confissão espontânea, reduzindo a pena aplicada na primeira fase da dosimetria em 1 (um) ano, fixando a reprimenda, em definitivo, no patamar de 12 (doze) anos, 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, mais 1019 (mil e dezenove) dias-multa, mantido o regime fechado para o início do cumprimento da pena."
(6ª Turma, HC 216225/MS, Rel. Des. Conv. Vasco Della Giustina, Dje 22/02/2012) - grifei

Todavia, conquanto deva ser reconhecida a atenuante da confissão espontânea, não admitida na sentença apelada, tal reconhecimento não influirá na definição da pena que não pode ficar aquém do mínimo, consoante preconizado na Súmula 231 do STJ.


Na terceira fase, inexistem quaisquer causas de aumento ou diminuição.

Assim, a pena fica definitivamente fixada em 10 (dez) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa.

Quanto ao regime inicial para cumprimento da pena, o magistrado sentenciante, determinou o regime fechado, com esteio no art. 33, §2º "a" do Código Penal.

Não há que se falar em substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, pois o recorrente foi condenado à pena superior a 04 (quatro) anos de reclusão, não preenchendo os requisitos do art. 44 do Código Penal.

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao apelo e, de ofício, reconheço a incidência da atenuante da confissão espontânea, mantida a pena no mínimo legal, na forma acima fundamentada.

É como voto.



JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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