D.E. Publicado em 05/06/2014 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, ex officio, acolher a preliminar arguida pela Procuradoria Regional da República para declarar prescrita a pretensão punitiva com relação ao crime previsto no artigo 16 da Lei 7.492/86, nos termos dos artigos 107, inciso IV, 109, inciso V, 110, caput, e 119, todos do Código Penal, julgando prejudicada a análise do mérito com relação às alegações pertinentes ao mencionado crime e, no mérito, negar provimento ao recurso de apelação para manter a condenação do acusado pela prática do crime previsto no artigo 5º da Lei 7.492/86, reduzindo, ex officio, a pena restritiva de direitos proporcionalmente à pena corporal aplicada, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO:
Trata-se de apelação interposta por Maurício Fernando Franciozza em face da sentença que o condenou à pena de 03 (três) anos e 09 (nove) meses de reclusão, acrescida do pagamento de 92 (noventa e dois) dias-multa pela prática dos crimes previstos nos artigos 5º e 16 da Lei nº 7.492/86 c.c. artigo 69 do Código Penal.
Narra a denúncia (fls. 02/05):
Às fls. 185/188 a denúncia foi aditada para imputar ao acusado a prática do crime previsto no artigo 5º, da Lei 7.492/86 em concurso material com o artigo 16 da mesma Lei.
Denúncia recebida em 16 de março de 2006, à fl. 152, e aditamento da denúncia recebido em 04 de dezembro de 2006, à fl. 189.
Após regular instrução, sobreveio a sentença de fls. 326/340, publicada em 13 de dezembro de 2010, a qual julgou a ação procedente para condenar o réu à pena de 03 (três) anos e 09 (nove) meses de reclusão, acrescida do pagamento de 92 (noventa e dois) dias-multa pela prática dos crimes previstos nos artigos 5º e 16 da Lei nº 7.492/86 c.c. artigo 69 do Código Penal, substituindo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária.
Inconformado, o acusado interpôs recurso de apelação às fls. 352/359, sustentando, em síntese: a) o não enquadramento da empresa por ele dirigida como instituição financeira; b) erro de tipo uma vez que o Banco Central não enquadra a empresa como instituição financeira e a Caixa Econômica Federal não a reconhece como captadora da poupança popular; c) inexigibilidade de conduta diversa; d) dolo não comprovado (aplicação do in dubio pro reo); e) desproporcionalidade da pena, pugnando pela aplicação no mínimo legal.
As contrarrazões do Ministério Público Federal foram encartadas às fls. 362/366.
A Procuradoria Regional da República, em parecer acostado às fls. 368/372, opinou pela extinção da punibilidade do crime previsto no artigo 16 da Lei nº 7.492/86, julgando-se, assim, prejudicado o apelo com relação a tal delito, bem como pelo não provimento do recurso quanto às impugnações relativas ao artigo 5º da Lei 7.492/86.
É o relatório.
À revisão.
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VOTO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO:
Preliminarmente, teço considerações acerca da prescrição suscitada pela Procuradoria Regional da República com relação ao delito tipificado no artigo 16, da Lei 7.492/86. Nos termos do parecer da Procuradoria Regional da República teria havido transcurso do lapso prescricional entre a data dos fatos e o recebimento da denúncia.
Pela detida análise dos autos, extrai-se que o Ministério Público Federal foi intimado, à fl. 343, da sentença de fls. 326/340 sem que interpusesse recurso.
Por tal motivo, transitada em julgado a sentença para acusação, nos termos do artigo 110, do Código Penal, a prescrição regula-se pela pena aplicada. No caso, tem-se que a pena aplicada ao acusado pelo crime previsto no artigo 16 da Lei 7.492/86 foi de 01 (ano) e 03 (três) meses de reclusão e 39 (trinta e nove) dias-multa.
Assim, nos termos do artigo 109, V, do estatuto repressivo, a prescrição se dá em 04 (quatro) anos.
Pois bem. O crime em questão é o previsto no artigo 16, da Lei 7.492/86, verbis:
O verbo nuclear que caracteriza o crime é "operar", ou seja, entrar em funcionamento, e se complementa com o funcionamento de atividade financeira sem a devida autorização. A princípio, portanto, tem-se a ideia, que não é falsa, de que o crime é instantâneo, ocorrendo a consumação em momento definido, qual seja, naquele em que, indevidamente, a atividade passa a ser operada.
Contudo, não se há de olvidar que se a instituição permanece em funcionamento irregular, o crime adquire inegável status de permanência. Isso porque, enquanto exercida a atividade sem a autorização competente, resta evidente que o crime irradia efeitos para além da sua consumação. Assim, aliás, já consignou este Tribunal Regional Federal da 3ª Região:
No caso, pelo que se extrai dos Inquéritos Policiais apensados a este autos, foram celebrados contratos, no ano de 2001, cuja execução se protraiu no tempo.
Com relação ao IP nº 2004.61.09.002917-9, fl. 19, Sérgio Luiz Marchi afirmou:
O depoimento prestado é corroborado pelos documentos acostados às fls. 20/30 do referido inquérito policial. À fl. 24 constam recibos de pagamentos realizados em 10 de fevereiro de 2003, 08 de janeiro de 2003 e 16 de dezembro de 2002. Ou seja, colhe-se que, em tais datas, a empresa Moto Sapão Leme Ltda. continuava a operar suas atividades, recebendo, normalmente, os numerários devidos por terceiros em razão dos contratos celebrados (vide contrato de fls. 26/28).
No Inquérito Policial nº 2004.61.09.002921-0, à fl. 86, Paulo Sérgio de Oliveira trouxe afirmações que indicam até que período a empresa operou suas atividades, afirmações estas harmônicas com os documentos acima elencados:
À fl. 25 do inquérito policial nº 2004.61.09.001995-2 consta recibo de pagamento, datado de 02.01.2003, emitido pela Sapão Motos pelo pagamento realizado por Leila Ap. L. Bardeja.
Assim, nota-se que a empresa continuou a operar suas atividades ao menos até 10 de fevereiro de 2003, uma vez que, conforme documentos acostados, recebeu, na ocasião, valores relativos aos contratos que celebrou.
Portanto, no que tange à prescrição, diversamente do quanto alegado pela Procuradoria Regional da República, entre a data dos fatos e a data do recebimento do aditamento da denúncia, qual seja, 04 de dezembro de 2006 (fl. 189 dos autos principais), não decorreram mais de 04 (quatro) anos.
Contudo, observo que pelo cotejo entre a data entre a data do recebimento do aditamento da denúncia, em 04 de dezembro de 2006, e da publicação da sentença, em 13 de dezembro de 2010, decorreu o lapso prescricional de 04 (quatro) anos.
Destarte, realizadas tais considerações, relativamente ao crime previsto no artigo 16 da Lei 7.492/86, reconheço a prescrição da pretensão punitiva estatal, na modalidade retroativa, uma vez que entre a data do recebimento do aditamento da denúncia e a data da publicação da sentença decorreram mais de 04 (quatro) anos.
No mérito, teço as seguintes considerações.
Em primeiro lugar, saliento que não pairam dúvidas de que as empresas "Spirit Motor Ltda" e "Moto Sapão Ltda" operavam típica atividade de consórcio. Não obstante no ofício do Banco Central acostado à fl. 58, o qual se baseou apenas em alguns documentos enviados pela Procuradoria da República, conste que a operação não seria de consórcio, os contratos acostados aos autos e os depoimentos havidos são bastante assertivos acerca desta circunstância, conforme conteúdo de fls. 11/12, 91/119 e depoimentos de fls. 229/230.
O contrato de fl. 91, cláusula quarta, consigna a previsão de sorteios para contemplar os contratantes, inegável característica atribuída aos consócios:
Maria do Carmo Val Maestrello, à fl. 229, sob contraditório judicial, afirmou:
Sérgio Luiz Marchi, à fl. 230, no mesmo sentido, asseverou:
Ruviane Francine Bernardo de Oliveira, antiga funcionária da Moto Sapão, em seu depoimento de fl. 248, trouxe que:
O Banco Central do Brasil, em ofício juntado à fl. 58, informou que as empresas em questão não possuíam autorização para atuarem como instituições financeiras.
A Lei 7.492/86, em seu artigo 1º, parágrafo único, equipara à instituição financeira a pessoa jurídica que capte ou administre consórcios:
Portanto, conclui-se que as empresas referidas nestes autos se equiparam à instituição financeira e se submetem ao rigor da Lei 7.492/86.
Pois bem.
No que tange à materialidade delitiva, não se olvide que o crime imputado ao acusado é aquele previsto no artigo 5º da Lei 7.492/86, verbis:
Resta evidenciado nos autos que houve captação de recurso de terceiros desviados em proveito próprio ou alheio. Os documentos acostados nos inquéritos policiais apensos e os comprovantes de folhas 93/119 denotam que houve pagamentos em prol das empresas Spirit Motor e Moto Sapão. No depoimento de fl. 213 consta:
Oportuno trazer à baila, uma vez mais, o depoimento de Sérgio Luiz Marchi, colhido à fl. 230:
O crime, portanto, resta configurado.
Sobre o tema, outro não é o escólio do Superior Tribunal de Justiça:
Evidenciado está, portanto, que houve captação de recursos e apropriação de valores em proveito próprio ou alheio. A prática do crime é inegável.
No que concerne à autoria delitiva, ressalta-se ser incontroversa.
O acusado, Maurício Fernando Franciozza, era o dirigente das empresas, vide cópias de contrato social acostadas às fls. 122/146.
Quando interrogado, o acusado afirmou:
Ruviane Francine, à fl. 248, testemunhou que:
Alessandro Ramos, à fl. 271, da mesma forma afirmou:
Destarte, não se demonstra duvidosa a autoria do acusado acerca das alegações que lhe são imputadas.
Quanto ao dolo, o acusado, na qualidade de administrador da empresa, agiu com inconteste intenção de apropriação ou desvio dos valores alheios. Estava ciente de que as quantias se destinavam a uma contraprestação que não honrou e, como se não bastasse, não ressarciu os danos que perpetrou.
No mais, muito embora o erro de tipo invocado refira-se ao artigo 16, da Lei 7.492/86, como o exercício da atividade financeira é pressuposto de aplicação do artigo 5º, do mesmo diploma legal, julgo necessário analisar a questão. E, no caso, entendo que com a expertise do acusado no meio negocial e a exploração da mesma atividade comercial por anos, é inviável que se reconheça erro de tipo pois, sendo a atividade exercida pela empresa atividade financeira, a apropriação dos valores de forma livre e consciente por parte do acusado se amolda ao tipo legal do artigo 5,º da Lei 7.492/86.
Outrossim, a inexigibilidade de conduta diversa também não se sustenta.
Em primeiro, ressalte-se que o depoimento do acusado indica uma possível dificuldade financeira da sociedade empresária, mas a ausência de maiores detalhes exclui a contundência da prova.
Assim, não é possível que esta alegação, isolada e despida de outras provas que a corroborem, enseje o reconhecimento da excludente de culpabilidade almejada.
Se o acusado pretende o reconhecimento da inexigibilidade de conduta diversa, lhe incumbe provar o que aduz. Este é dos mais elementares e comezinhos ônus processuais, a teor do que dispõe o artigo 156, do Código de Processo Penal. E a prova irrefutável não consta nos autos.
Com efeito, a defesa não trouxe aos autos os registros contábeis da sociedade empresária. Não demonstrou situação periclitante tal que referendasse a conduta narrada na inicial acusatória, qual seja, a apropriação indevida dos valores dos quais o acusado tinha a posse.
Ora, apenas em situações excepcionais, de extrema gravidade comprovada, é que pode ser reconhecida a excludente em questão. E este não é o caso dos autos.
Entende-se, em tese, ser possível excluir a culpabilidade do agente por inexigibilidade de conduta diversa desde que certos requisitos sejam provados, dentre eles, por exemplo: a) a comprovação, por parte do acusado, nos termos do artigo 156, do Código de Processo Penal, da efetiva existência das dificuldades financeiras, o que deve ser feito por meio de prova documental; b) que estas dificuldades foram causadas por motivos não relacionados a eventual má administração; c) que tais dificuldades colocavam em risco a própria sobrevivência da entidade, não bastando meras dificuldades circunstanciais; d) que era caótica a situação da pessoa jurídica e que não existia outra opção aos seus sócios e administradores; e) que os valores dos quais se apropriou foram efetivamente utilizados na tentativa de preservação da empresa e não no enriquecimento de sócios e administradores e, f) no caso das pessoas jurídicas com fins lucrativos, como o dos autos, o sacrifício dos bens pessoais dos sócios em comprovado benefício da empresa.
A prova da excludente da culpabilidade deve ser documental e robusta, inclusive com a realização de perícia nos livros contábeis, notas fiscais, registros de movimentação bancária e financeira, dentre outros documentos pertencentes à pessoa jurídica.
No caso, não houve documentos juntados pela defesa hábeis a comprovar que as dificuldades financeiras porventura vivenciadas pela empresa fossem diversas daquelas comuns a qualquer atividade de risco, situação que, diversamente, se configurada, seria apta a caracterizar a inexigibilidade de conduta diversa como excludente de culpabilidade.
Assim, inviável dar guarida a tese aventada, motivo pelo qual a afasto.
Quanto à aplicação do princípio do in dubio pro reo, observo que as provas carreadas aos autos são bastante assertivas no sentido de que o acusado, na qualidade de administrador da empresa, foi o responsável pelos fatos, bem como que, nas circunstâncias em que se encontrava, agiu dolosamente, conforme já exposto linhas atrás. A aplicação do princípio, destarte, é inviável na situação em apreço.
Por todo o exposto, a condenação pelo crime previsto no artigo 5º da Lei 7.492/86 deve ser mantida, motivo pelo qual passo a analisar a dosimetria da pena.
Na primeira fase de dosimetria da pena, observo que o acusado não registra antecedentes criminais com condenação transitada em julgado. Não se vislumbra grau de culpabilidade elevado, tampouco personalidade voltada para o crime. Os motivos e circunstâncias do crime não exorbitam o que naturalmente se esperaria em situações correlatas. Contudo, as consequências do crime, irradiadas para diversas pessoas, bem como a condição de fragilidade das vítimas, impõem a fixação da pena acima do mínimo legal.
Deste modo, mantenho a pena mínima fixada em 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão e a pena de multa em 53 (cinquenta e três) dias-multa, patamar de multa fixado proporcionalmente à pena corporal e aos limites mínimo e máximo previstos no Código Penal para a pena pecuniária.
À míngua de circunstâncias agravantes e atenuantes, bem como de causas de aumento ou diminuição, torno definitiva a pena em 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão e a pena de multa em 53 (cinquenta e três) dias-multa. O valor do dia multa será o de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo e o regime inicial de cumprimento de pena será o aberto.
Presentes os requisitos autorizadores, substituo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, a saber: a) prestação de serviços à comunidade - tendo em vista o montante de substituição fixado na sentença e a extinção da punibilidade pela prescrição com relação a um dos crimes, substituo a pena privativa de liberdade imposta por prestação de serviços à comunidade pelo período de 01 (um) ano e 03 (três) meses, nos termos do artigo 46, § 4º do Código Penal; b) igualmente, reduzo, proporcionalmente, a prestação pecuniária para 07 (sete) cestas básicas a serem entregues a entidade designada pelo Juiz das Execuções Penais.
Diante do exposto, ex officio, acolho a preliminar arguida pela Procuradoria Regional da República para declarar prescrita a pretensão punitiva, na modalidade retroativa, com relação ao crime previsto no artigo 16 da Lei 7.492/86, nos termos dos artigos 107, inciso IV, 109, inciso V, 110, caput, e 119, todos do Código Penal, julgando prejudicada a análise do mérito com relação às alegações pertinentes ao mencionado crime, e, no mérito, nego provimento ao recurso de apelação para manter a condenação do acusado pela prática do crime previsto no artigo 5º da Lei 7.492/86, reduzindo, ex officio, a pena restritiva de direitos proporcionalmente à pena corporal aplicada.
É o voto.
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