Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 24/06/2014
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0007938-32.2006.4.03.6106/SP
2006.61.06.007938-4/SP
RELATOR : Juiz Convocado MÁRCIO MESQUITA
APELANTE : CELSO LUIS VICARI
: OLIVERIO BORGES JUNIOR
ADVOGADO : RS031549 AURY LOPES JR e outro
APELANTE : WALTER RAU DA SILVA VIEIRA JUNIOR reu preso
ADVOGADO : SP174181 EDER FASANELLI RODRIGUES e outro
APELANTE : ENDRIGO JORGE POSSENTI reu preso
: SANDRINE DE OLIVEIRA TAVARES reu preso
ADVOGADO : SP204309 JOSE ROBERTO CURTOLO BARBEIRO e outro
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : OS MESMOS

EMENTA

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. INÉPCIA DA DENÚNCIA: INOCORRÊNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA POR INDEFERIMENTO DE PROVA PERICIAL: NÃO VERIFICADA. IRREGULARIDADE NO MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO: NÃO CONFIGURADA. ILEGALIDADE DA PROVA DECORRENTE DAQUELAS COLHIDAS EM BUSCA E APREENSÃO: INOCORRÊNCIA. NULIDADE DO FEITO POR AUSÊNCIA DE DECISÃO DA AUTORIDADE SANITÁRIA: INOCORRÊNCIA. PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL REJEITADA. PRELIMINAR DE ILICITUDE DA PERÍCIA REJEITADA. PRELIMINAR DE ILICITUDE DA PROVA PRODUZIDA ATRAVÉS DA QUEBRA DE SIGILO FISCAL NÃO CONHECIDA. MATERIALIDADE E AUTORIAS DEMONSTRADAS PARA OS RÉUS ENDRIGO, SANDRINE, WALTER E OLIVÉRIO. AUTORIA IMPUTADA AO RÉU CELSO NÃO DEMONSTRADA. REJEITADO O PEDIDO DE "DESCLASSIFICAÇÃO" DO CRIME DO ARTIGO 14 PARA O ARTIGO 18, III, DA LEI 6.368/1976. NÃO CONFIGURAÇÃO DOS CRIME DO ARTIGO 280 DO CP E ARTIGO 37 DA LEI 11.343/2006. INOCORRÊNCIA DE DELAÇÃO PREMIADA.
1. Apelações interpostas pelas Defesas dos réus Endrigo, Sandrine, Walter, Olivério e Celso e pela Acusação contra a sentença que condenou os réus Celso e Olivério como incursos no artigo 12, c.c. artigo 18, III, da Lei 6.368/1976 e com o artigo 71 do CP; e os réu Walter, Endrigo e Sandrine como incursos no artigo 12 Lei 6.368/1976, c.c. o artigo 71 do CP, em concurso material com o artigo 14 da Lei 6.368/1976; e absolveu os réus Celso e Olivério da imputação do crime do artigo 14 da Lei 6.368/1976, com fundamento no artigo 386, inciso VI, do CPP.
2. Rejeitada a preliminar de inépcia da denúncia, argüida ao argumento de que fundada a peça em depoimentos de delator, não corroborados pelas provas. A denúncia descreve de maneira satisfatória as condutas imputadas. A questão refere-se propriamente ao mérito da pretensão acusatória deduzida em Juízo, não implicando em qualquer nulidade.
3. Houve autorização por escrito, pela ré Sandrine, para a entrada dos policiais federais em sua residência e de Endrigo. Tendo sido expedido mandado de busca e apreensão na residência do casal Sandrine e Endrigo, em determinado endereço, e uma vez constatado pela Autoridade policial que a residência situa-se em outro local que não o indicado no mandado, há que se entender que a diligência já se encontra autorizada pelo Juízo. Não há nulidade na busca e apreensão se existe consentimento do morador. Precedentes.
4. A despeito do §1º do artigo 243 do CPP dispor que "se houver ordem de prisão, constará do próprio texto do mandado de busca", o Juiz a quo determinou a expedição em separado da ordem de busca - no mandado de busca e apreensão - e da ordem de prisão - no mandado de prisão, inclusive para facilitar as diligências de finalidades diversas, o que não acarreta qualquer nulidade.
5. Inocorre nulidade em virtude do cumprimento do mandado de busca e apreensão sem o acompanhamento de agentes da Anvisa, considerando que a providência não constitui formalidade essencial do ato, nos termos do artigo 243 do CPP. A Defesa sequer alega qual o prejuízo, e nenhum ato será declarado nulo se não houver prejuízo às partes.
6. Rejeitada a preliminar de nulidade do feito por ausência de decisão da autoridade sanitária reconhecendo a infração imputada, pois não se discute a existência de autorização da empresa Licimed para a comercialização de medicamentos. As autoridades policial e judiciária não ficam vinculadas a qualquer manifestação da autoridade sanitária, dada a independência entre as instâncias administrativa e penal. Precedentes.
7. Aos réus Celso e Olivério foi imputada a conduta de fornecer medicamentos à quadrilha liderada por Alessandro o qual revendia os medicamentos a terceiros, enviando-os pelo Correio a destinatários no exterior. A competência da Justiça Federal está bem delineada, tendo a questão sido decidida no julgamento da Apelação Criminal interposta por Alessandro nos autos nº 2006.61.06.005846-0.
8. Rejeitada a preliminar de ilicitude da perícia. O Laudo de Exame de Dispositivo de Armazenamento Computacional foi devidamente confeccionado por dois peritos criminais federais. A simples transcrição do conteúdo já desvendado pelos peritos no laudo não constituiu nova perícia, mas apenas referência à prova já produzida.
9. Não conhecida a preliminar de ilicitude da prova produzida através da quebra de sigilo fiscal, consistente na requisição pelo Ministério Público Federal à Delegacia da Receita Federal de cópias das Declarações de Imposto de Renda da pessoa jurídica Licimed, por falta de interesse, porque a questão já foi acolhida em preliminar de sentença.
10. A materialidade do crime de tráfico de drogas (artigo 12 da Lei 6.368/1976) encontra-se demonstrada pelas apreensões de medicamentos que se enquadram no conceito de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, listadas na Portaria 344/98 do Ministério da Saúde.
11. A imputação da denúncia é de que os réus Endrigo e Sandrine forneciam medicamentos à quadrilha liderada por Alessandro. A autoria pela prática de tráfico de drogas e associação para o tráfico de drogas, encontra-se demonstrada pelo conjunto probatório.
12. Do cotejo da prova, extrai-se que Endrigo e Sandrine aceitaram a proposta de Walter e Nelson (Alessandro) para a remessa de medicamentos aos endereços indicados por estes, mediante o recebimento de vultosas quantias em dinheiro, inclusive com o pagamento de espécie de "comissão" a Walter (dez por cento sobre o valor de cada remessa) por remessa.
13. Havia uma organização das tarefas de cada integrante do grupo: Endrigo e Sandrine adquiriam os medicamentos e os enviavam, Walter era o responsável pelo contato com Alessandro e recebia as comissões pela intermediação das remessas e Alessandro era o comprador dos remédios, fazendo os pagamentos em conta bancária de Endrigo e Sandrine. A estrutura do grupo criminoso não era formada de maneira esporádica e eventual, simples coautoria, mas de maneira fixa e duradoura.
14. Improcede a pretensão de "desclassificação" das condutas para o crime do artigo 280 do Código Penal. O tipo pressupõe a existência de receituário médico válido, documento inexistente à prova coligida aos autos.
15. Não procede a pretensão da Defesa de Walter de desclassificação das condutas de tráfico e a associação para o tráfico de drogas para os crimes do artigo 280 do CP (medicamento em desacordo com receita médica) e do artigo 37 da Lei 11.343/2006 (colaboração, como informante, com grupo, organização ou associação destinados à prática de tráfico de drogas).
16. As provas demonstram o forte envolvimento de Walter no tráfico de medicamentos, sendo descabida a tese de que ele era apenas um "informante" da quadrilha, considerada as altas quantias monetárias que lhe eram direcionadas. Walter fazia da traficância seu meio de vida, não sendo crível que um montante de mais de trezentos e trinta mil reais pudesse lhe ser destinado apenas como recompensa por "informações" à quadrilha do tráfico, sem integrar o esquema criminoso.
17. Não restou caracterizada a alegada delação premiada ou colaboração, visto que a quadrilha liderada por Alessandro já havia sido desbaratada antes da prisão de Walter.
18. Trata-se de caso deveras inusitado - apelação da Acusação contra a sentença que condenou os réus por dolo eventual, pedindo o reconhecimento do dolo direto. Embora duvidoso o interesse recursal do MPF em apelar contra sentença condenatória, pedindo a condenação por outro fundamento, na particularidade do caso dos autos, o recurso comporta conhecimento, porque a sentença condenatória foi explícita em fundar a condenação dos réus Celso e Olivério pelo crime de tráfico no dolo eventual. Assim, é de se entender possível que o MPF apele, pedindo o reconhecimento do dolo direto, a fim de se evitar que, na hipótese da análise da apelação da Defesa concluir pela ausência de dolo eventual, sejam os réus absolvidos.
19. A autoria delitiva imputada ao réu Olivério pela prática de tráfico de drogas é comprovada pela prova. Do exame probatório é possível concluir que o réu Olivério tinha pleno conhecimento de que não estava efetuando as vendas para um médico chamado Marco Aurélio, mas sim para outras pessoas físicas, que se passavam por ele, e compravam numerosa quantidade de medicamentos. De rigor a condenação do réu Olivério pela prática de tráfico de drogas, cometido com dolo direto, consistente na vontade livre e consciente de efetuar as vendas de entorpecentes a pessoas físicas, sabedor de que a emissão de notas fiscais em nome da Universidade Federal Fluminense era ideologicamente falsa, destinada a dar aparência de legalidade às vendas.
20. Olivério tinha pleno conhecimento que as compras não eram efetuadas pela Universidade Federal Fluminense, mas sim por Juliana e Alessandro, e aderiu à empreitada criminosa por tempo juridicamente relevante - dois anos - a demonstrar a estabilidade e a durabilidade das relações criminosas mantidas com Alessandro, Juliana e Walter. Caracterizada a associação criminosa para a prática de tráfico de drogas.
21. Com relação ao réu Celso, não há prova segura e suficiente da autoria delitiva em relação pela prática de tráfico de drogas. É certo que a realização de vendas de medicamentos, abrangidos os de uso controlado, por telefone e e-mail, sem a exigência de documentação do comprador pode ser considerada uma grande displicência, um generalizado desprezo pelas boas práticas na comercialização de produtos considerados nocivos à saúde, mas, para a condenação judicial por crime doloso é necessária a cabal demonstração de que a venda estaria sendo destinada a pessoa diversa da pessoa jurídica compradora e, nesse aspecto, a adesão a esta conduta.
22. O que se entrevê da prova em relação ao réu Celso é que a atuação dele como diretor da empresa Licimed, a despeito da falta de cuidado na comercialização dos medicamentos, não lhe fornecia o conhecimento de que a remessa dos remédios era feita a pessoas físicas desvinculadas da finalidade institucional da Universidade Federal Fluminense.
23. Também não é possível a condenação do réu Celso mediante o reconhecimento de que agiu com dolo eventual. Para a configuração do dolo eventual, exige-se que o agente, embora não queira o resultado, tenha pleno conhecimento da possibilidade de sua ocorrência, e assuma esse risco.
24. No caso dos autos, para a configuração de dolo eventual quanto ao tráfico de drogas, não basta concluir-se que o réu Celso deveria saber que havia alguma irregularidade nas vendas efetuadas por Olivério à Universidade Federal Fluminense. Seria necessário que o réu Celso considerasse a possibilidade de que as notas fiscais de vendas feitas por Olivério à Universidade Federal Fluminense fossem ideologicamente falsas, porque destinadas na verdade a traficantes, e persistisse na conduta de efetuar as vendas, mesmo considerada tal possibilidade, o que não restou delineado nos autos.
25. Preliminares rejeitadas. Apelações dos réus Endrigo, Sandrine, Walter e Olivério providas parcialmente. Apelação do réu Celso provida. Apelação do Ministério Público Federal provida parcialmente.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os integrantes da Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar todas as preliminares; dar parcial provimento às apelações dos réus ENDRIGO, SANDRINE e WALTER para reduzir a pena-base do crime de tráfico de drogas, fixando as penas definitivas em 04 anos e 08 meses de reclusão e 70 dias-multa para o réu ENDRIGO, em 04 anos e 01 mês de reclusão e 64 dias-multa para a ré SANDRINE e em 04 anos e 08 meses de reclusão e 70 (setenta) dias-multa para o réu WALTER; sendo as penas definitivas totais, considerando o concurso material entre o crime de tráfico de drogas e o associação para o tráfico, para o réu ENDRIGO de 07 anos e 08 meses de reclusão e 120 dias-multa, para a ré SANDRINE de 07 anos e 01mês de reclusão e 114 dias-multa, e para o réu WALTER de 07 anos e 08 meses de reclusão e 120 dias-multa; dar provimento à apelação do réu CELSO para absolvê-lo da imputação do crime de tráfico de drogas com fundamento no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal; dar parcial provimento à apelação do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL para reconhecer o dolo direto do réu OLIVÉRIO quanto ao crime de tráfico de drogas, bem como para condená-lo também pelo crime de associação para o tráfico (artigo 14 da Lei 6.368/1976) à pena de 03 anos de reclusão e 50 dias-multa, no valor unitário mínimo; e, por maioria, dar parcial provimento à apelação do réu OLIVÉRIO para reduzir a pena-base do crime de tráfico de drogas e excluir a causa de aumento do artigo 18, inciso III, da Lei 6.368/1976, fixando a pena-definitiva para este crime em 05 anos de reclusão e 75 (setenta e cinco) dias-multa; e a pena total definitiva, considerando o concurso material com o crime de associação para o tráfico, em 08 anos de reclusão e 125 dias-multa, nos termos do relatório e voto do Relator, acompanhado pelo voto do Desembargador Federal José Lunardelli, vencido neste ponto o Juiz Federal Convocado Hélio Nogueira, que negava provimento ao recurso do réu Olivério.



São Paulo, 10 de junho de 2014.
MARCIO MESQUITA
Juiz Federal Convocado


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): MARCIO SATALINO MESQUITA:10125
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Data e Hora: 11/06/2014 21:02:19



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0007938-32.2006.4.03.6106/SP
2006.61.06.007938-4/SP
RELATOR : Juiz Convocado MÁRCIO MESQUITA
APELANTE : CELSO LUIS VICARI
: OLIVERIO BORGES JUNIOR
ADVOGADO : RS031549 AURY LOPES JR e outro
APELANTE : WALTER RAU DA SILVA VIEIRA JUNIOR reu preso
ADVOGADO : SP174181 EDER FASANELLI RODRIGUES e outro
APELANTE : ENDRIGO JORGE POSSENTI reu preso
: SANDRINE DE OLIVEIRA TAVARES reu preso
ADVOGADO : SP204309 JOSE ROBERTO CURTOLO BARBEIRO e outro
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : OS MESMOS

RELATÓRIO

O Juiz Federal Convocado MÁRCIO MESQUITA (Relator):


O Ministério Público Federal, em 06.11.2006, denunciou CELSO LUIS VICARI, OLIVERIO BORGES JUNIOR, WALTER RAU DA SILVA VIEIRA JUNIOR, ENDRIGO JORGE POSSENTI, e SANDRINE DE OLIVEIRA TAVARES, qualificados nos autos, nascidos aos 02.10.1958, 01.04.1977, 26.11.1981, 25.02.1979 e 21.01.1982, respectivamente, como incursos no artigo 12 e 14, I, da Lei 6.368/1976. Consta da denúncia:


... 1- DOS FATOS JÁ APURADOS E DEMONSTRADOS NO PROCESSO Nº 2006.61.06.005846-0
Depreende-se dos autos 2006.61.06.005846-0, cuja cópia parcial encontra-se nos apensos 02, 03 e 04, que os denunciados ALESSANDRO PERES FÁVARO, JULIANA SAUD MAIA FÁVARO, NELSON ANTÔNIO SINIBALDI BASÍLIO, JONAS SILVEIRA FRANCO JÚNIOR, MAURO CESAR FILETO, ANDERSON PERES FAVARO, CARLOS ROBERTO MARTINS, PAULO SÉRGIO MARTINS, DEVERSON LOURENÇO EAMANAKA e ENEDINA MÁRCIA PERES FAVARO constituíram organização criminosa voltada ao tráfico internacional ilícito de medicamentos com propriedades entorpecentes; de medicamentos capazes de causar dependência física ou psíquica; ao comércio nacional e internacional ilícito de medicamentos: sem registro no órgão de vigilância sanitária competente, sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua comercialização, de procedência ignorada, bem como também à venda de ouras substâncias nocivas à saúde.
(...)
2 - DOS FATOS APURADOS E DEMONSTRADOS NOS PRESENTES AUTOS
2.1. Conforme restou apurado até o momento nos presentes autos, os ora denunciados CELSO LUIS VICARI e OLIVERIO BORGES JUNIOR, com a intermediação de WALTER RAU DA SILVA VIEIRA JUNIOR, de forma reiterada e sem a observância das formalidades legais, venderam a ALESSANDRO PERES FAVARO (denunciado nos autos 2006.61.06.005846-0) grande quantidade de medicamentos com efeitos entorpecentes e ou capazes de causar dependência física e psíquica, tendo para tal propósito, inclusive, emitido notas fiscais falsas de vendas à Universidade Federal Fluminense e encaminhado as substâncias citadas para endereço diverso do de tal instituição.
2.2. Depreende-se, ainda, que ENDRIGO JORGE POSSENTI e SANDRINE DE OLIVEIRA TAVARES, também com a colaboração de WALTER RAU DA SILVA VIEIRA JUNIOR, forneceram a ALESSANDRO PERES FAVARO grande quantidade de medicamentos de uso controlado, pois de efeitos entorpecentes e capazes de causar dependência física e ou psíquica.
3- DA INDIVIDUALIZAÇÃO DAS CONDUTAS DE CADA UM DOS DENUNCIADOS
CELSO LUIS VICARI - sócio e administrador da empresa 'LICIMED DISTRIBUIDORA DE MEDICAMENTOS, CORRELATOSE PRODUTOS MÉDICOS E HOSPITALARES LTDA' (contrato social às fls. 133/147), foi, pelo menos durante o período de fevereiro de 2003 a agosto de 2005, responsável pelo fornecimento ilícito de grande quantidade de medicamentos de uso controlado para a quadrilha liderada por ALESSANDRO.
Restou apurado que não obstante a LICIMED mantivesse em seus cadastros como cliente a Universidade Federal Fluminense - UFF, e sendo esta, durante o período de fevereiro de 2003 a agosto de 2005 (fls. 318/342), a principal compradora de medicamentos de uso controlado, principalmente oxycontin, os pedidos faturados em nome da referida instituição não foram precedidos de qualquer contato formal com pessoa com poderes para representa-la, tampouco, e por óbvio, das exigências prescritas na lei de licitações (...)
(...)
Não por acaso, portanto, a Universidade Federal Fluminense - UFF informou, às fls. 818/820, que não há registro de compra de medicamentos de uso controlado da empresa LICIMED.
(...)
OLIVERIO BORGES JUNIOR - funcionário da empresa LICIMED, foi o responsável pela efetivação do falso cadastro da 'UFF' na empresa, bem como pelas providências de remeter os lotes de medicamento de comércio e uso controlado em nome da universidade para endereço diverso da mesma, e, ainda, por determinar a transferência de recursos depositados a maior na conta da LICIMED, pela quadrilha de ALESSANDRO PERES FAVARO, para a conta de terceiros totalmente estranhos aos quadros da LICIMED.
(...)
WALTER RAU DA SILVA VIEIRA JUNIOR - responsável por fornecer os dados da empresa LICIMED e da Universidade Federal Fluminense à LICIMED e intermediar as vendas desta para a organização criminosa de ALESSANDRO PERES FAVARO, da qual recebia pagamentos, bem como por apresentar os novos fornecedores de tal organização, os acusados ENDRIGO JORGE POSSENTI e SANDRINE DE OLIVEIRA TAVARES.
(...)
ENDRIGO JORGE POSSENTI - passou a ser, pelo menos a partir de março do ano de 2006, junto com sua esposa, a denunciada SANDRINI, um dos responsáveis pelo fornecimento de medicamentos de uso controlado para a quadrilha de ALESSANDRO PERES FAVARO.
Foi apresentado a ALESSANDRO pelo denunciado WALTER e passou a fornecer àquele medicamentos de uso controlado, muitos inclusive desviados da Prefeitura Municipal de Capão do Leão/RS, onde trabalhava como farmacêutico.
(...)
SANDRINE DE OLIVEIRA TAVARES - esposa de ENDRIGO JORGE POSSENTI, responsável pelo fornecimento de medicamentos de uso controlado para a quadrilha de ALESSANDRO PERES FAVARO.
O denunciado WALTER RAU afirmou, em seu depoimento prestado às fls. 582/591, que SANDRINI não só tinha conhecimento de que ENDRIGO fornecia medicamentos à ALESSANDRO, como levava-lhe o dinheiro do acordo.
(...)
Em face do exposto, conclui-se que os denunciados CELSO, OLIVERIO e WALTER RAU, conforme detalhado no item 3 desta denuncia, associaram-se entre si e a ALESSANDRO PERES FAVARO.
Conclui-se, ainda, que os acusados WALTER, ENDRIGO e SANDRINI associaram-se entre si, e com ALESSANDRO PERES FAVARO, e, de forma reiterada e estável, venderam e remeteram a este drogas sem autorização e em desacordo com as determinações legais e regulamentares, tendo praticado, portanto, os crimes previstos no art. 12 e 14, todos da Lei nº 6.368/76, atualmente descritos nos arts. 33 e 35 da Lei 11.343/2006.

A denúncia foi recebida em 15.12.2006 (fls. 1722/1727).

Após instrução, sobreveio sentença, da lavra do MM. Juiz Federal Roberto Cristiano Tamantini e publicada em 19.12.2007 (fls. 5312/5410 e 5411), que:

a) condenou o réu CELSO à pena de 09 (nove) anos e 02 (dois) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e 150 (cento e cinquenta) dias-multa, no valor unitário de 02 (dois) salários-mínimos, como incurso no artigo 12, c.c. artigo 18, III, da Lei 6.368/1976 e com o artigo 71 do CP - Código Penal, sendo 01 ano e 10 meses relativos ao acréscimo decorrente da continuidade delitiva;

b) condenou o réu OLIVÉRIO à pena de 09 (nove) anos e 02 (dois) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e 150 (cento e cinquenta) dias-multa, no valor unitário mínimo, como incurso no artigo 12, c.c. artigo 18, III, da Lei 6.368/1976 e com o artigo 71 do CP, sendo 01 ano e 10 meses relativos ao acréscimo decorrente da continuidade delitiva;

c) condenou o réu WALTER à pena de 10 (dez) anos e 07 (sete) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e 190 (cento e noventa) dias-multa, no valor unitário de 1/10 (um décimo) do salário-mínimo vigente ao tempo do crime, como incurso no artigo 12 Lei 6.368/1976, c.c. o artigo 71 do CP, em concurso material com o artigo 14 da Lei 6.368/1976; sendo 07 anos e 07 meses de reclusão e 140 dias-multa pelo crime de tráfico (dos quais 01 ano e 01 mês relativos ao acréscimo decorrente da continuidade delitiva) e 03 anos de reclusão e 50 dias-multa pelo crime de associação para o tráfico;

d) condenou o réu ENDRIGO à pena de 08 (oito) anos e 03 (três) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e 120 (cento e vinte) dias-multa, no valor unitário de 1/10 (um décimo) do salário-mínimo, como incurso no artigo 12 da Lei 6.368/1976 c.c. o artigo 71 do CP, em concurso material com o artigo 14 da Lei 6.368/1976; sendo 05 anos e 03 meses de reclusão e 70 dias-multa pelo crime de tráfico (dos quais 09 meses relativos ao acréscimo decorrente da continuidade delitiva) e 03 anos de reclusão e 50 dias-multa pelo crime de associação para o tráfico;

e) condenou a ré SANDRINE à pena de 08 (oito) anos e 03 (três) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e 120 (cento e vinte) dias-multa, no valor unitário de 1/6 (um sexto) do salário-mínimo, como incursa no artigo 12 da Lei 6.368/1976 c.c. o artigo 71 do CP, em concurso material com o artigo 14 da Lei 6.368/1976; sendo 05 anos e 03 meses de reclusão e 70 dias-multa pelo crime de tráfico (dos quais 09 meses relativos ao acréscimo decorrente da continuidade delitiva) e 03 anos de reclusão e 50 dias-multa pelo crime deassociação para o tráfico;

f) absolveu os réus CELSO, OLIVÉRIO e WALTER da imputação do crime do artigo 14 da Lei 6.368/1976, com fundamento no artigo 386, inciso VI, do CPP - Código de Processo Penal;

g) decretou o perdimento do numerário de R$ 5.222,00 (cinco mil, duzentos e vinte e dois reais), apreendido em poder do réu Walter Rau e da motocicleta Suzuki, GSX 1300R, vermelha, placas IND8896, apreendida em poder dos réus Endrigo e Sandrine.

f) negou aos réus ENDRIGO, SANDRINE e WALTER o direito de apelar em liberdade.

O réu WALTER opôs embargos de declaração alegando omissão na sentença, por ausência de manifestação "sobre os benefícios da colaboração e da delação premiada" (fls. 5484/5487), julgados improcedentes pela decisão de fls. 5488/5489.

Apela o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (fls. 5432 e 5449/5468) postulando o reconhecimento de que os réus CELSO e OLIVÉRIO agiram com dolo direto na prática do tráfico de drogas e a condenação de ambos pela prática do crime tipificado no artigo 14 da Lei 6.368/1976.

Apela o réu ENDRIGO (fls. 5479/5480 e 5629/5722). Pleiteia, preliminarmente, a declaração de nulidade processual: a) por inépcia da denúncia, ao argumento de que fundada em depoimentos do delator, não corroborados pelas provas; b) por cerceamento de defesa em virtude da negativa de perícia, a fim de demonstrar que a esposa do apelante foi induzida a dar autorização para a busca, realizada por policiais sem mandado judicial; c) por irregularidades no mandado de busca e apreensão, qual seja, a ausência de menção sobre a ordem de prisão e a ausência de acompanhamento por agentes da vigilância sanitária; d) pela aplicação do princípio da árvore dos frutos envenenados, pois as provas colhidas na busca e apreensão estão eivadas de nulidade e contaminam as demais produzidas. Alega exclusão do dolo pela ocorrência de grave ameaça, praticada pelo corréu WALTER RAU, tendo sido "obrigado a mandar sua mulher (a corré SANDRINE) levar e entregar dinheiro para Rau na pessoa de sua Mãe Debora". Postula édito absolutório por ausência de provas da materialidade e autoria delitiva em relação a si, bem como absolvição com fundamento nos artigos 18, 22, 23 e 24 do CP por ter havido coação iminente e irresistível. Subsidiariamente, a redução da pena: a) para que seja aplicada a pena mínima, b) para que sejam eliminadas as agravantes, c) seja aplicada a atenuante do artigo 65, III, 'd', do CP; d) seja aplicada a causa de diminuição do artigo 33, §4º, e do artigo 41, ambos da Lei 11.343/2006, concedendo-se em seguida a liberdade condicional. Requer a desclassificação do crime do artigo 14 da Lei 6.368/1976 para o artigo 18 da Lei 6.368/1976, reconhecendo-se a associação esporádica e eventual. Requer "a desclassificação das imputações para o artigo 280 do CP". Pretende a reforma da sentença quanto à pena de perdimento da moto Suzuki.

Apela a ré SANDRINE (fls. 5481/5482 e 5536/5626). Requer a declaração de nulidade processual: a) por inépcia da denúncia, ao argumento de que fundada em depoimentos do delator, não corroborados pelas provas; b) irregularidades no cumprimento de mandado de busca e apreensão em sua residência, qual seja, a ausência de menção sobre a ordem de prisão temporária contra a apelante e a informação de que a apelante poderia utilizar-se do direito constitucional ao silêncio; c) por cerceamento de defesa em virtude da negativa de perícia, a fim de demonstrar que a apelante foi induzida a dar autorização para a busca realizada por policiais sem mandado judicial; d) pela aplicação do princípio da árvore dos frutos envenenados, pois as provas colhidas na busca e apreensão estão eivadas de nulidade e contaminam as demais produzidas. Alega exclusão do dolo pela ocorrência de grave ameaça praticada pelo corréu Walter Rau, que teria obrigado seu marido (corréu Endrigo) a fazê-la levar e entregar dinheiro para Rau na pessoa de sua mãe Debora. Postula édito absolutório por ausência de provas da materialidade e autoria delitiva em relação a si, bem como absolvição com fundamento nos artigos 18, 22, 23 e 24 do CP por ter havido coação iminente e irresistível. Subsidiariamente, a redução da pena: a) para que seja aplicada a pena mínima, b) para que sejam eliminadas as agravantes, c) seja aplicada a atenuante do artigo 65, III, 'd', do CP; d) seja aplicada a causa de diminuição do artigo 33, §4º, e do artigo 41, ambos da Lei 11.343/2006, concedendo-se em seguida a liberdade condicional. Requer a desclassificação do crime do artigo 14 da Lei 6.368/76 para o artigo 18 da Lei 6.368/76, reconhecendo-se a associação esporádica e eventual. Requer "a desclassificação das imputações para o artigo 280 do CP". Pretende a reforma da sentença quanto à pena de perdimento da moto Suzuki.

Apelam os réus CELSO e OLIVÉRIO (fls. 5493 e 5916/5990). Requerem, preliminarmente: a) a declaração de nulidade do feito por ausência de decisão da autoridade sanitária reconhecendo a infração imputada; b) o reconhecimento da incompetência da Justiça Federal, por ausência de demonstração da internacionalidade do delito de tráfico de entorpecentes; c) a declaração de ilicitude da perícia contida às fls. 3912/3917; d) a declaração de ilicitude da prova produzida através da quebra de sigilo fiscal. No mérito, pretendem édito absolutório, por atipicidade de condutas ou inexistência de prova suficiente para a condenação. Subsidiariamente, a diminuição da pena e o reconhecimento de abolitio criminis relativo ao artigo 18, III, da Lei 6.368/1976. Sustentam que "detinham as licenças requeridas para proceder a venda de medicamentos de uso controlado" e, "por este motivo, a caracterização do tráfico fica sujeita a uma infração administrativa/sanitária, decorrente da necessidade de a ação (vender) estar em desacordo com determinação legal ou regulamentar", infração inocorrente, tanto que a empresa LICIMED renovou a autorização especial. Afirmam que não incidem no elemento normativo do tipo (venda) "em desacordo a determinação legal ou regulamentar", refutando o argumento da acusação de dever de cuidado por parte da empresa nas vendas, "dando a entender que o cadastro da Universidade Federal Fluminense (Hospital Universitário Antônio Pedro) desrespeitaria as normas sanitárias", porém o "Hospital Universitário Antônio Pedro encontra-se devidamente regularizado para fazer compras de medicamentos de uso controlado" e, ainda "que o Hospital Universitário Antônio Pedro necessite de licença, autorização ou qualquer outro tipo de formalidade para adquirir medicamentos de uso controlado, tal terminação implicaria em irregularidade por parte de quem compra, não da empresa que vende o medicamento". Argumentam que a conduta de CELSO, ao tomar conhecimento das vendas de medicamentos de uso controlado para o Hospital Universitário Antônio Pedro, não se enquadra no tipo do artigo 12 da Lei 6.368/76, na modalidade vender, "que é uma ação, mas sim em deixar que a venda fosse realizada" e, mesmo sendo diretor da empresa não detinha dever de impedir a realização da conduta. Argumentam exclusão da culpabilidade em relação a OLIVÉRIO por inexigibilidade de conduta diversa, eis que como vendedor da empresa agiu como tal, de modo licito e costumeiro. Alegam a incompetência da Justiça Federal para o processamento e julgamento do feito porque as condutas que lhes foram imputadas são de comercialização irregular de medicamentos de uso controlado no território nacional, desconhecendo ambos o caráter transnacional do tráfico praticado por Alessandro Peres Fávaro. Aduzem ilegal o "Relatório de Análise" realizado pelos policiais federais Marques e Willian, porque consistiria em "nova perícia" nos computadores apreendidos, não requerida pelas partes e realizada por pessoas que não são peritos, capaz de influenciar o julgamento do caso. Asseveram ilícita a prova obtida com a quebra de sigilo bancário sem autorização judicial, quando o Ministério Público Federal trouxe aos autos documentos fornecidos pela Receita Federal, relativos à movimentação financeira da empresa LICIMED, cujo sócio é o réu CELSO. Argumentam haver "absoluto contraste entre o perfil dos réus CELSO e OLIVÉRIO quando comparado com os demais co-réus", pois "todos os acusados daquele processo são jovens, sem profissão definida, que detinham patrimônio completamente incompatível com suas supostas atividades", ao passo que CELSO é empresário de longa carreira no sul do país e sócio das empresas Medex e Licimed, com faturamento anual em torno de dezessete milhões de reais e OLIVÉRIO, vendedor da empresa Licimed, detém em seu patrimônio apenas um automóvel Corsa ano 2001. Refutam a fixação da pena-base acima do mínimo baseado na quantidade elevada de medicamentos, pois tal consideração somente pode ser feita em virtude da continuidade delitiva. Pretendem a aplicação da causa de diminuição do artigo 33, §4º, da Lei 11.343/2006 e a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

Apela o réu WALTER (fls. 5499 e 5756/5782). Pretende a desclassificação das condutas pelas quais foi condenado para os crimes do artigo 280 do CP e do artigo 37 da Lei 11.343/2006. Subsidiariamente, sejam concedidos os benefícios da colaboração e da delação premiada; seja diminuída a pena-base do crime do artigo 12 da Lei 6.368/1976 e dos "dias-multa da condenação". Sustenta que "toda a prova coligida é no sentido de que Walter Rau era um informante do grupo" e "(...) a própria peça acusatória descreve Walter como um mero prestador de informações para aqueles que efetivamente trabalhavam em prol da organização", daí porque cabível a desclassificação das condutas dos artigos 12 e 14 da Lei 6.368/76 para o crime do artigo 37 da Lei 11.343/2006. Alega que "a única maneira de 'encaixar' Walter como um membro ativo do grupo seria demonstrando de maneira cabal que se tratava ele do tal Dr. Marco Aurélio", o que não tem demonstração pelas provas, sendo que "Walter prestou algumas informações ao grupo e por isso recebeu algum dinheiro", quais sejam, "forneceu os dados da Universidade Federal Fluminense, repassou aos chefes do esquema os dados da LICIMED e providenciou na apresentação de Endrigo e Sandrine a Alessandro (ou Nelson)". Afirma que "uma única situação que poderia dar a Walter Rau uma importância maior do que a que realmente tinha, seria o alardeado depósito de R$ 137.200,00 (cento e trinta e sete mil e duzentos reais)", esclarecido por "CDs arrecadados na casa de Alessandro", pois "o conteúdo destes CDs é mais uma demonstração cabal de que Walter se tratava de mero informante, já que menciona apenas que este tinha um valor para receber sobre o contato da LICIMED".

Contrarrazões dos réus CELSO e OLIVÉRIO à apelação ministerial, pugnando por seu desprovimento (fls. 5730/5753 e 5784/5807).

Contrarrazões do Parquet Federal às apelações dos réus SANDRINE, ENDRIGO e WALTER, pugnando pelo desprovimento dos recursos (fls. 5814/5836).

Expedidas as guias de execução provisória para os réus SANDRINE, ENDRIGO e WALTER (fls. 5839/5844).

Parecer Procuradoria Regional da República, da lavra da Dra. Ana Lúcia Amaral, pelo desprovimento dos recursos da Defesa e pelo provimento do recurso da Acusação; contudo, se não acolhida a tese da Acusação de que houve associação criminosa (artigo 14 da Lei 6.368/76) entre Celso, Olivério e Walter, opina pela não aplicação da causa de aumento da associação eventual (artigo 18 da Lei 6.368/76), reconhecendo-se a abolitio criminis (fls. 6020/6031).

Comunicação do E. Superior Tribunal de Justiça da concessão parcial da ordem no Habeas Corpus 90.701, a fim de que o réu ENDRIGO aguarde em liberdade o trânsito em julgado da sentença condenatória, com extensão dos efeitos à corré SANDRINE (fls. 6037).

Comunicação do E. Superior Tribunal de Justiça da concessão da ordem no Habeas Corpus 120.505, a fim de que o réu WALTER aguarde em liberdade o trânsito em julgado da sentença condenatória (fls. 6115).


É o relatório.

Ao MM. Revisor.








MARCIO MESQUITA
Juiz Federal Convocado


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Data e Hora: 19/02/2014 22:58:48



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0007938-32.2006.4.03.6106/SP
2006.61.06.007938-4/SP
APELANTE : CELSO LUIS VICARI
: OLIVERIO BORGES JUNIOR
ADVOGADO : RS031549 AURY LOPES JR e outro
APELANTE : WALTER RAU DA SILVA VIEIRA JUNIOR reu preso
ADVOGADO : SP174181 EDER FASANELLI RODRIGUES e outro
APELANTE : ENDRIGO JORGE POSSENTI reu preso
: SANDRINE DE OLIVEIRA TAVARES reu preso
ADVOGADO : SP204309 JOSE ROBERTO CURTOLO BARBEIRO e outro
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : OS MESMOS

VOTO

O Juiz Federal Convocado MÁRCIO MESQUITA (Relator):


DAS APELAÇÕES DOS RÉUS ENDRIGO e SANDRINE: analiso conjuntamente os recursos, diante da identidade de alegações expostas nas duas apelações.


Rejeito a preliminar de inépcia da denúncia, argüida ao argumento de que fundada a peça em depoimentos de delator, não corroborados pelas provas.

A denúncia descreve de maneira satisfatória as condutas imputadas, contendo exposição objetiva dos fatos ditos delituosos, com narração dos elementos essenciais e circunstanciais que lhes são inerentes, atendendo aos requisitos descritos no artigo 41 do Código de Processo Penal, como se verifica dos excertos transcritos no relatório (fls. 02/17).

Por outro lado, a questão refere-se propriamente ao mérito da pretensão acusatória deduzida em Juízo, não implicando em qualquer nulidade.


Rejeito a preliminar de cerceamento de defesa em virtude de indeferimento de prova pericial, argüida ao argumento de que a prova foi requerida com o intuito de demonstrar ter havido induzimento da ré SANDRINE a conceder a autorização para busca e apreensão em sua residência e do corréu ENDRIGO.

O Juízo a quo determinou a expedição de mandados de busca e apreensão nos endereços residenciais e profissionais de ENDRIGO e SANDRINE, conforme se observa da Carta Precatória expedida ao Juízo Federal de Pelotas/RS (fls. 665).

Consta dos autos a expedição do Mandado de Busca e Apreensão nº 105/2006, "visando a apreensão de bens, documentos e arquivos de computador, inclusive com a retirada de HDs e outros meios de armazenamento de dados, caso necessário", na "Avenida Bento Gonçalves, nº 4283, Centro, Pelotas/RS, residência do casal ENDRIGO JORGE POSSENTI e SANDRINI POSSENTI, e dos pais de ENDRIGO" (fls. 647).

Consta dos autos a expedição do Mandado de Busca e Apreensão nº 106/2006, "visando a apreensão de bens, documentos e arquivos de computador, inclusive com a retirada de HDs e outros meios de armazenamento de dados, caso necessário", na "Avenida Narciso Silva, nº 1170, Centro - Pronto Atendimento Municipal da Prefeitura de Capão do Leão/RS, especificamente na sala ocupada pelo farmacêutico ENDRIGO JORGE POSSENTI" (fls. 653).

Consta dos autos a expedição do Mandado de Busca e Apreensão nº 107/2006, "visando a apreensão de bens, documentos e arquivos de computador, inclusive com a retirada de HDs e outros meios de armazenamento de dados, caso necessário", na "Avenida Narciso Silva, nº 1195, Setor de Compras/Finanças da Prefeitura de Capão do Leão/RS" (fls. 658).

Consta dos autos a expedição do Mandado de Busca e Apreensão nº 108/2006, "visando a apreensão de bens, documentos e arquivos de computador, inclusive com a retirada de HDs e outros meios de armazenamento de dados, caso necessário" na "Loja de Suplementos Alimentares Extreme, Pelotas/RS, cujo endereço será declinado pelo seu proprietário ENDRIGO JORGE POSSENTI" (fls. 664).

Por outro lado, houve autorização por escrito, pela ré SANDRINE, para a entrada dos policiais federais em sua residência e de ENDRIGO, no endereço da Rua Professor Araújo, 2202, Pelotas/RS (fls. 670), o que foi confirmado por SANDRINE em interrogatório ("Autorizou as buscas em sua casa porque disseram que não estava presa") (fls. 2012).

Dessa forma, tendo sido expedido mandado de busca e apreensão na residência do casal SANDRINE e ENDRIGO, em determinado endereço, e uma vez constatado pela Autoridade policial que a residência situa-se em outro local que não o indicado no mandado, há que se entender que a diligência já se encontra autorizada pelo Juízo.

Ainda que assim não se entenda, não há como se concluir, como pretende a Defesa, que houve vício de vontade no consentimento pelo simples fato de não ter sido a ré SANDRINE informada previamente da existência de mandado de prisão contra si. É irrelevante a motivação do assentimento.

No sentido de que não há nulidade na busca e apreensão se existe consentimento do morador, destaco precedente do Superior Tribunal de Justiça:


HABEAS CORPUS - PROCESSUAL PENAL - FURTO - AUSÊNCIA DE ADVERTÊNCIA AO ACUSADO ACERCA DO DIREITO DE PERMANECER EM SILÊNCIO - NULIDADE RELATIVA QUE DEVE SER ARGÜIDA EM MOMENTO OPORTUNO E DEMONSTRADO O EFETIVO PREJUÍZO - BUSCA E APREENSÃO - AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL - INGRESSO NA RESIDÊNCIA NÃO OBSTADO PELO PACIENTE - ABSOLVIÇÃO POR FALTA DE PROVAS VÁLIDAS - PEDIDO PREJUDICADO - ORDEM DENEGADA.
- A nulidade pela ausência de advertência ao acusado acerca do direito de permanecer em silêncio, por ser de caráter relativo, deve ser argüida nos termos do artigo 571 do CPP, sob pena de preclusão, demonstrando-se o efetivo prejuízo.
- Não constitui nulidade a busca e apreensão que, conquanto desprovida de autorização judicial, teve o ingresso permitido pelo próprio morador.
- Não restando configurada a alegada nulidade das provas, resta prejudicado o pedido de absolvição por ausência de provas válidas.
- Ordem denegada.
(STJ, HC 27339/MS, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUINTA TURMA, julgado em 02/03/2004, DJ 24/05/2004, p. 300)

Rejeito a preliminar de irregularidade no mandado de busca e apreensão, por ausência de menção sobre a ordem de prisão e ausência de acompanhamento por agentes da vigilância sanitária.

Descabida a alegação da existência de vício no mandado de busca e apreensão por ausência de menção à ordem de prisão, pois as finalidades dos mandados de busca e apreensão e de prisão são distintas e cada diligência supõe a expedição do respectivo documento.

A despeito do §1º do artigo 243 do CPP dispor que "se houver ordem de prisão, constará do próprio texto do mandado de busca", o Juiz a quo determinou a expedição em separado da ordem de busca - no mandado de busca e apreensão - e da ordem de prisão - no mandado de prisão, inclusive para facilitar as diligências de finalidades diversas, o que não acarreta qualquer nulidade.

Quanto ao tema, colaciono o magistério de Guilherme de Souza Nucci, in Código de Processo Penal Comentado, 2ª ed., Editora Revista dos Tribunais, p. 437:

38. Separação dos mandados: apesar do preceituado neste parágrafo, urge separar os mandados de busca dos de prisão, pois estes, segundo o disposto nas Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, devem ser expedidos em três vias, além do que necessitam obedecer o modelo padronizado, aprovado pelo Conselho Superior da Magistratura. Não existe prejuízo algum na separação, embora a autoridade que for cumpri-los faça a exibição conjunta à pessoa, que será presa e cujo domicílio será violado. Em outros Estados da Federação, é possível que inexista idêntica disposição, mas, ainda nome da assim, o melhor é a separação, visto que eles seguirão destinos diferenciados.

Com efeito, a prisão dos réus foi cumprida em obediência ao Mandado de Prisão Temporária nº 109/2006, expedido com a finalidade de efetuar a prisão temporária de ENDRIGO e SANDRINE (fls. 685).

Por outro lado, inocorre nulidade em virtude do cumprimento do mandado de busca e apreensão sem o acompanhamento de agentes da Anvisa, considerando que a providência não constitui formalidade essencial do ato, nos termos do artigo 243 do CPP.

Infere-se que os mandados foram expedidos para coletar objetos relacionados com a prática de crime (bens, documentos e arquivos de computador), ficando sob a apreciação da autoridade policial a pertinência do material a ser colhido e, em última análise, da autoridade judiciária, de modo que o acompanhamento de agentes da Anvisa seria dispensável e teria caráter apenas de auxílio e não essencial, possivelmente para ajuda coadjuvante na verificação de material farmacêutico de interesse para as investigações.

Ademais, a Defesa sequer alega qual o prejuízo advindo da ausência de agentes da Anvisa no cumprimento do mandado de busca e apreensão e, com fundamento no artigo 563 do CPP, nenhum ato será declarado nulo se não houver prejuízo às partes.


Rejeito a preliminar de nulidade das provas decorrentes das colhidas em busca e apreensão, pela aplicação do princípio da árvore dos frutos envenenados, pois como dito acima, a diligência de busca e apreensão foi regular.


Superada a matéria preliminar, passo ao exame do mérito.


A materialidade do crime de tráfico de drogas (artigo 12 da Lei 6.368/1976) encontra-se demonstrada pelas apreensões de medicamentos que se enquadram no conceito de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, listadas na Portaria 344/98 do Ministério da Saúde.

A imputação da denúncia é de que os réus ENDRIGO e SANDRINE forneciam medicamentos à quadrilha liderada por Alessandro Peres Fávaro (corréu nos autos da ação penal 0005846-81.2006.403.6106, cuja apelação foi julgada pela Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região na sessão de 15/10/2013, oportunidade em que houve o parcial provimento do recurso para a diminuição da pena, confirmada, no entanto, a condenação de primeiro grau).

Dessa forma, peço vênia para transcrever trecho do voto proferido na Apelação Criminal 0005846-81.2006.403.6106, relativamente às apreensões de medicamentos em poder da quadrilha liderada por Alessandro Peres Fávaro:


"...As apreensões de medicamentos que se enquadram no conceito de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, previstas na Portaria 344/98 do Ministério da Saúde são demonstrados pelos Autos de Apreensão e Laudos, conforme segue:
a) apreensão realizada em 15/07/2006 no Centro de Tratamento de Cargas e Encomendas dos Correios de São José do Rio Preto/SP (fls 24/26). O Laudo de Exame em Produtos Farmacêuticos nº 1348/06 (fls. 266/275 - 2º volume) concluiu que os medicamentos encontrados nos envelopes constituem-se de substâncias denominadas "alprazolam, diazepam, metadona, codeína e morfina". Prosseguem os peritos atestando que o alprazolam e o diazepam (substâncias psicotrópicas), a metadona e a morfina (substâncias entorpecentes) e a codeína (substância entorpecente de uso permitido somente em concentrações especiais) são capazes de causar dependência física e/ou psíquica, nos termos da Portaria 344/98 do Ministério da Saúde.
b) apreensão realizada em 17/07/2006 no Centro de Tratamento de Cargas e Encomendas dos Correios de São José do Rio Preto/SP (fls. 42/46 e 85/89). O Laudo de Exame em Produtos Farmacêuticos nº 1372/2006 (fls. 277/293 - 2º volume) concluiu que os medicamentos encontrados nos envelopes constituem-se de substâncias denominadas "flunitrazepam/sildenafil, morfina, metadona, codeína, oxicodona, alprazolam, diazepam e ciclobenzaprina". Prosseguem os peritos atestando que o alprazolam, o flunitrazepan e o diazepam (substâncias psicotrópicas), a metadona, a oxicodona e a morfina (substâncias entorpecentes) e a codeína (substância entorpecente de uso permitido somente em concentrações especiais) são capazes de causar dependência física e/ou psíquica, nos termos da Portaria 344/98 do Ministério da Saúde.
c) apreensão realizada em 22/07/2006 no Centro de Tratamento de Cargas e Encomendas dos Correios de São José do Rio Preto/SP (fls 152/153). O Laudo de Exame em Produtos Farmacêutico nº 1421/06 (fls. 1274/1281 - 5º volume) concluiu que os medicamentos encontrados nos envelopes constituem-se de substâncias denominadas "morfina, oxicodona, diazepam e zolpidem". Prosseguem os peritos atestando que a oxicodona e a morfina (substâncias entorpecentes) e o diazepam e zolpidem (substâncias psicotrópicas) são capazes de causar dependência física e/ou psíquica, nos termos da Portaria 344/98 do Ministério da Saúde.
d) apreensão realizada em 13/08/2006 na residência dos réus ALESSANDRO e JULIANA, onde foram encontrados diversos comprimidos e envelopes com endereços de destinatários no exterior, conforme Auto de Apreensão de fls. 1224/1262 (5º volume) e fotografias anexadas às fls. 701/709, 711/721, 728/776, 778/809 (4º volume). O exame dos medicamentos vem consignado em dois laudos: O Laudo de Exame em Produtos Farmacêuticos nº 2122/06 (fls. 3188/3204 - 11º volume) concluiu que os medicamentos encontrados constituem-se de substâncias denominadas "oxicodona, metilfenidato (ritalina), alprazolam, morfina, femproporex, diazepam, flunitrazepam, metadona, lorazepam, codeína midazolam, zolpidem, sildenafil, ciclobenzaprina e clonazepan". Prosseguem os peritos atestando que o alprazolam, o flunitrazepam, o lorazepam, o midazolam, o zolpidem, o clonazepam e o diazepam (substâncias psicotrópicas) e o femproporex (substância psicotrópica anorexígena) são capazes de causar dependência física e/ou psíquica, em conformidade com a Portaria 344/98 do Ministério da Saúde. A metadona, a oxicodona e a morfina (substâncias entorpecentes), a codeína (substância entorpecente de uso permitido somente em concentrações especiais) e o metilfenidato (substâncias psicotrópica) são capazes de causar dependência física e/ou psíquica, nos termos da Portaria 344/98 do Ministério da Saúde. O Laudo nº 2733/06 (fls. 4950/4965 - 16º volume) concluiu que os medicamentos encontrados constituem-se de substâncias denominadas "oxicodona, metilfenidato (ritalina), alprazolam, morfina, femproporex, diazepam, flunitrazepam, metadona, codeína, sildenafil, tadalafila (2 isômeros), ciclobenzaprina, clonazepan e fenobarbital". Prosseguem os peritos atestando que o alprazolam, o flunitrazepam, o clonazepam, o fenobarbital e o diazepam (substâncias psicotrópicas) e o femproporex (substância psicotrópica anorexígena) são capazes de causar dependência física e/ou psíquica, em conformidade com a Portaria 344/98 do Ministério da Saúde. A metadona, a oxicodona e a morfina (substâncias entorpecentes), a codeína (substância entorpecente de uso permitido somente em concentrações especiais) e o metilfenidato (substâncias psicotrópica) são capazes de causar dependência física e/ou psíquica, nos termos da Portaria 344/98 do Ministério da Saúde.
e) apreensão realizada em 13/08/2006 na residência do réu ANDERSON (fls. 1267/1270 - 5º volume): o Auto de Apreensão descreve inúmeros medicamentos apreendidos."

Quanto ao crime de tráfico de drogas, as autorias delitivas imputadas a ENDRIGO e SANDRINE restam demonstradas pelo conjunto probatório, colhido sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.

Inicialmente, é preciso esclarecer que o réu ENDRIGO possuía graduação em Farmácia e trabalhava como farmacêutico na Prefeitura Municipal de Capão do Leão/RS, sendo o responsável pela farmácia municipal.

A ré SANDRINE (esposa do réu ENDRIGO), por sua vez, possuía loja de suplementos alimentares para praticantes de musculação e exercia a atividade de personal trainer.

Os réus ENDRIGO e SANDRINE foram denunciados por fornecerem medicamentos, de forma ilícita, à quadrilha liderada por Alessandro Peres Fávaro, preso em flagrante anteriormente, na cidade de São José do Rio Preto/SP.

Ouvido em juízo, ENDRIGO negou a acusação de tráfico, mas admitiu que emprestou sua conta bancária ao corréu WALTER para depósito de vultosos valores alegadamente "lícitos", embora tenha declarado ser de seu conhecimento que WALTER vendia anabolizantes e tranquilizantes pela internet e os pagamentos eram realizados em conta bancária em nome dele.

Afirmou ENDRIGO também que aceitou proposta de WALTER e "Nelson" (Alessandro Peres Fávaro), consistente na compra de medicamentos e remessa aos endereços indicados, inclusive para São José do Rio Preto/SP.

Declarou ENDRIGO ainda que certa vez pagou do próprio bolso a quantia de R$ 7.000,00 (sete mil reais) em medicamentos adquiridos em farmácia de Pelotas/RS, para remessa a São José do Rio Preto, o que seria o terceiro pedido de WALTER, prontamente atendido porque "queria se livrar das cobranças e ameaças destas pessoas". Declarou ENDRIGO que pagava a WALTER dez por cento sobre o valor de cada remessa de medicamentos. Confira-se os excertos (fls. 2003/2008):

"... Em março de 2006, foi procurado em seu apartamento por Walter Rau da Silva Vieira Júnior, que lhe pediu emprestado a conta corrente para depositar um dinheiro. Walter já era seu conhecido há oito anos, tendo iniciado contatos através da Internet. Travaram uma relação de amizade ao longo do tempo e costumavam se visitar. Pelo que sabe, nestes anos todos, Walter mantinha um site de venda de anabolizantes chamado www.medimaromba.com.br. Ele vendia anabolizantes e tranqüilizantes em tal site, como lorax, valium e frontal. Ele se apresentava como Sr.Maromba e se revelava publicamente como responsável pelo site. Havia uma lista de produtos à venda e os pagamentos eram feitos em conta bancária em nome dele. Sabe que depois ele trocou para uma conta da mãe dele e depois para contas de amigos. Pelo que sabe, Walter comprava todos os medicamentos e anabolizantes que vendia, em farmácia de Pelotas, utilizando-se de receitas médicas de que dispunha, não sabendo o interrogando quem seria o médico que teria passado tais receitas.
(...)
Quando Walter pediu sua conta emprestada ele disse que era só para receber um dinheiro e não era nada ilegal. Disse que as contas da mãe e de um amigo estavam com problemas. A princípio não forneceu o número da conta, mas depois de alguns dias, após cobrança de Walter, acabou aceitando sua proposta, fornecendo-lhe os dados da agência e conta. Ele disse que seriam depositados R$ 70.000,00, não especificando a origem do dinheiro. Não sabe o dia em que foi feito o depósito. O depósito foi feito através de vários cheques, sendo que alguns foram devolvidos, razão pela qual não repassou o valor integral para Walter, não obstante, este cobrasse os R$ 70.000,00. Fez um primeiro saque de R$ 7.000,00 e entregou a Walter. Disse que iria sacar o restante conforme o montante estivesse disponível na conta. Como ele queria o valor total, houve um desentendimento entre ambos. Em seguida, como o declarante não iria entregar todo o dinheiro, Walter disse que não queria mais aqueles valores e que, em troca, o interrogando iria trabalhar para ele.
(...)
Walter disse que o declarante teria que "pegar uns remédios para ele" e, dias depois, passou-lhe uma lista com nome de medicamentos, quantidades, bem como as respectivas receitas. Eram remédios de tarja amarela, lembrando de Ritalina e oxycontin Havia também outros médicos de receita comum, como Levitra, Cialis, Tandrilax e Amoxil. Era uma lista impressa no computador, mas não continha a indicação de sua origem.
(...)
Walter mandou o interrogando comprar os medicamentos na farmácia do Paulo, na rede Tchê Farmácias. Foi até a Farmácia Santa Lúcia, na Rua Mário Peiruque, em Pelotas e entregou ao Paulo, pessoalmente, a lista e as receitas, para que ele encomendasse os medicamentos. Paulo concordou em receber o dinheiro na hora em que retirasse os remédios. O declarante iria pagar os medicamentos com o dinheiro que estava sendo depositado em sua conta, originário das vendas de Walter. O pedido que apresentou a Paulo girava em torno de R$ 20.000,00. Foi sacando o dinheiro aos poucos e quando tinha todo o valor necessário foi até a farmácia do Paulo e retirou os medicamentos, entregando-os a Walter. Acredita que não houvesse ilegalidade na compra dos remédios nos moldes já citados. Não sabe dizer porque Walter não foi pessoalmente comprar os remédios na farmácia já que dispunha de receita.
(...)
Em certo dia, quando conversava com Walter pelo MSN, ele apresentou um sujeito chamado Nelson que disse ao declarante "que não tinha essa de querer sair, pois devia R$ 70.000,00 e teria que pagar". Sugeriu a devolução do dinheiro todo, mas eles não aceitaram, insistindo para que trabalhasse para eles. Foi no final de março que efetuou a compra relativa ao primeiro pedido. No final de abril de 2006, recebeu um segundo pedido de Walter, contendo uma lista de remédios, também acompanhados de receitas, que encaminhou até a farmácia de Paulo. Os remédios em questão também foram comprados com saques que fazia na sua conta. Esse segundo pedido alcançava cerca de R$ 25.000,00.
(...)
Teve um terceiro pedido nos mesmos moldes, encaminhado para a farmácia de Paulo em meados de junho e recebido em meados de julho. O terceiro pedido era de aproximadamente R$ 25.000,00. Em todos os pedidos os medicamentos eram praticamente os mesmos. Tinha plena consciência da natureza dos medicamentos em questão. Walter demonstrava ter ciência da natureza entorpecentes e psicotrópicas dos medicamentos, alegando que seria para uma clínica de tratamento de viciados. Os dois primeiros pedidos entregou nas mãos de Walter que disse que enviaria para Nelson. O terceiro pedido encaminhou pelos Correios para um endereço em São José do Rio Preto que foi fornecido por Walter. O destinatário era Thiago Silva, cujo endereço era Rua Voluntários de São Paulo, n° 3372.
(...)
Ao longo do período em que efetuou tais pedidos, manteve contatos esporádicos com Nelson através da Internet, ocasião em que este cobrou agilidade nas entregas. Não sabe quem indicava o destinatário final dos medicamentos. A soma dos três pedidos extrapolava os R$ 70.000,00 que devia para Walter, mas resolveu efetuar o pagamento com seus próprios recursos, cerca de R$ 7.000,00, esclarecendo que Walter prometeu pagar tal valor no final do mês. Como queria se livrar destas pessoas, das cobranças e ameaças feitas por elas, resolveu pagar do próprio bolso para acabar logo com o assunto.
(...)
Recebeu de Walter, pela Internet, via MSN, o endereço que seria mandada tal encomenda. Fez três pagamentos de R$ 2.000,00 para a mãe de Walter. Só teve prejuízo no último pedido. Os R$ 2.000,00 equivaleriam a 10% dos valores de cada uma das remessas. Já havia combinado com Walter o pagamento dos 10% sobre estes pedidos, sendo exigência dele.
(...)
Walter exigiu que lhe fossem pagos R$ 70.000,00, a serem pagos com a compra dos remédios e com o pagamento de 10% de cada entrega, como disse anteriormente." (grifos acrescidos)

Por sua vez, SANDRINE negou as acusações da denúncia, mas declarou que seu marido ENDRIGO aceitou emprestar a própria conta bancária para depósitos em favor do corréu WALTER RAU e, num segundo momento, ENDRIGO começou a comprar medicamentos a pedido de WALTER e remetê-los aos destinatários indicados, pagando uma percentagem sobre as remessas dos remédios a WALTER. SANDRINE afirmou ainda que acredita que o marido ENDRIGO "estava tendo lucro com o negócio, já que pagava um percentual para RAU" (fls. 2009/2012):

"... Conheceu Walter Rau faz pouco mais de seis anos, quando começou a namorar com Endrigo, pois os dois já eram amigos. Pelo que sabe Walter Rau não estuda. Sabe que ele vende esteróides anabolizantes, para conhecidos e através da Internet, pelo site www.medmaromba. Não sabe dizer se ele é o dono ou responsável pelo site, mas ele vendia anabolizantes nos fóruns deste site. Eram divulgadas fotos dos produtos que ele vendia no referido site. Acredita que os pagamentos eram feitos por depósitos bancários, mas não tem certeza disto, pois nunca se informou a fundo sobre tal questão. A declarante e seu marido eram usuários de anabolizantes e compravam .tais produtos de Walter Rau.
(...)
Depois que voltaram da lua de mel, em março de 2006, Walter procurou Endrigo e pediu para que este lhe emprestasse sua conta corrente, para depósito em dinheiro. Walter não disse a origem do dinheiro a ser depositado. A declarante estava presente quando Walter fez tal pedido para Endrigo. Endrigo resistiu, inicialmente, mas acabou concordando em ajudar Walter. Tempos depois, Endrigo comentou com a declarante que o depósito havia sido efetivado em valor próximo a R$ 70.000,00. Não tomou mais conhecimento sobre o que se passou em relação ao depósito, até mesmo porque não mais questionou seu marido a respeito.
(...)
Endrigo disse que o depósito havia sido efetuado, mas alguns cheques haviam voltado, não podendo devolver todo o dinheiro a Walter Rau, razão pela qual eles teriam se desentendido. Segundo Endrigo, passado um tempo, Walter teria dito que não queria mais o dinheiro e que era para Endrigo comprar medicamentos para ele. Pelo que soube, Walter passava uma lista de medicamentos e receitas para Endrigo e a este competia a aquisição dos remédios. Seu marido sempre disse que comprava os remédios com o Paulo, em uma farmácia chamada Santa Rita, salvo engano. Não sabe dizer se o procedimento para a compra dos medicamentos seria ilegal. Segundo Endrigo, estaria ele sofrendo ameaças por parte de Walter, que dizia que não poderia sair do esquema. Não sabe dizer quem eram os integrantes deste suposto esquema.
(...)
Nunca ajudou Endrigo na tarefa de adquirir medicamentos na farmácia de Paulo. Não dizer quantas aquisições foram feitas em tal estabelecimento.
(...)
Lembra que Endrigo comentou que Rau mencionou que o chefe dele seria um tal de Nelson. Não conheceu nenhum Nelson, apresentado por Walter. Endrigo disse à declarante que teria devolvido os R$ 70.000,00 para Walter, mediante a compra de medicamentos. Disse ele, também, que pagava um percentual para Walter pela compra destes medicamentos, mas não sabe de detalhes a respeito. Endrigo não comentou se estava tendo lucro com o negócio, mas acredita que sim, já que pagava um percentual para Rau." (grifos acrescidos)

A testemunha Maria Helena Motta Madruga (fls. 3035/3038 - 10º volume), assessora municipal da Prefeitura de Capão do Leão/RS, cujo local de trabalho era a farmácia municipal, afirmou conhecer ENDRIGO e SANDRINE, o primeiro em virtude de contato profissional, pois ambos trabalhavam na farmácia municipal. Declarou que ENDRIGO era o farmacêutico e responsável, juntamente com ela, pelo controle de estoque dos medicamentos da farmácia, inclusive dos medicamentos controlados, e pela aquisição dos medicamentos dos fornecedores e conferência das compras realizadas pela prefeitura, ambos possuindo a chave da Farmácia Municipal. Veja-se dos excertos:

"... O responsável pelo controle de estoque era o Réu Endrigo Jorge Possenti, na qualidade de farmacêutico. Entende que o réu era o responsável por todos os medicamentos existentes no estoque da farmácia, embora na prática entenda que o controle maior se dá, de fato, em relação aos medicamentos de uso controlado. Que o programa de controle de estoque era alimentado não só pelo réu Endrigo, como também pela depoente e por um estagiário, de nome Taison, que trabalhava na farmácia. (...) Que era Endrigo quem normalmente matinha contato com as empresas fornecedoras de medicamentos sempre que a farmácia efetuava alguma compra. Que na maioria das compras, excetuadas aquelas de pequeno valor, aquém do limite legal, era efetuada licitação. Que quando havia uma licitação, Endrigo passava a listagem de medicamentos a serem adquiridos ao setor de licitações da Prefeitura do Capão do Leão. (...) Que as listagens de preços remetidas pelas empresas que participavam da licitação eram então remetidas a Endrigo, o qual ficava responsável por efetuar a compra de acordo com os preços mais baixos. (...) Que na compra de medicamentos, quando estes eram recebidos na farmácia, quem efetuava sua conferência e localização eram mais a depoente e Endrigo, sendo auxiliados nesta tarefa pelos dois estagiários. Que além da depoente e de Endrigo, também possuía a chave da Farmácia Municipal o servidor da Prefeitura de nome Cláudio Carrasco, que trabalhava na Secretaria Municipal de Saúde.

As demais testemunhas nada souberam esclarecer sobre os fatos criminosos imputados aos réus ENDRIGO e SANDRINE.

Digno de nota o teor das mensagens trocadas entre os corréus WALTER e SANDRINE e entre WALTER e ENDRIGO (fls. 2641/2652 e 2654/2660), revelador de que havia entre eles e terceira pessoa de nome Nelson (Alessandro Peres Fávaro) acordo para a compra e fornecimento de medicamentos, negócio que movimentava vultosas quantias monetárias.

Do cotejo da prova, extrai-se que ENDRIGO e SANDRINE aceitaram a proposta de WALTER e Nelson (Alessandro) para a remessa de medicamentos aos endereços indicados por estes, mediante o recebimento de vultosas quantias em dinheiro, inclusive com o pagamento de espécie de "comissão" a WALTER (dez por cento sobre o valor de cada remessa) por remessa.

A alegação de que ENDRIGO "pagou do próprio bolso" a quantia de sete mil reais para a aquisição de medicamentos, visando atender ao pedido de WALTER para o envio dos remédios a São José do Rio Preto, porque queria "livrar-se das ameaças" não indica isenção de ENDRIGO no esquema criminoso. Ao contrário, a situação fático-probatória demonstra o forte comprometimento de ENDRIGO na prática delitiva, considerando que a renda mensal por ele declarada por ocasião do interrogatório era de três mil e duzentos reais, ou seja, menos da metade do valor despendido para a compra dos medicamentos.

Aliás, denota-se do conjunto probatório que a maior parte da renda auferida por ENDRIGO e SANDRINE era proveniente do esquema de fornecimento de medicamentos, pois ENDRIGO fala ao corréu WALTER ao saber da prisão de Nelson (Alessandro) que "um dia pode ser que ele saia e queira continuar trabalhando nisso", "ai vai precisar nos pagar antes", "ate lá fico pobre, mas me recupero" (fls. 2655), e "com certeza, sou um cara pobre agora" (fls. 2657).

De fato, a prova é robusta e harmoniosa a corroborar as imputações da denúncia de que ENDRIGO e SANDRINE eram os fornecedores dos medicamentos à quadrilha liderada por Alessandro, vindo a integrar uma "célula" do grupo criminoso, juntamente com Walter.


Quanto ao crime de associação para o tráfico de a autoria é demonstrada pelo vínculo estável e duradouro dos réus ENDRIGO, SANDRINE, WALTER e Nelson (Alessandro) para o fornecimento e remessa de medicamentos capazes de causar dependência física ou psíquica, listados na Portaria 344/98 do Ministério da Saúde.

ENDRIGO admite, ao menos, três remessas de medicamentos, sob as ordens de Alessandro e WALTER, inclusive com pagamento de espécie de "comissão" a este por envio. As quantias depositadas na conta bancária de ENDRIGO eram vultosas, sendo uma delas da ordem de setenta mil reais.

A remessa dos medicamentos durou meses, só vindo a ser interrompida em virtude da prisão em flagrante de Alessandro (receptor/comprador) e o desbaratamento do grupo criminoso.

Havia uma organização das tarefas de cada integrante do grupo: ENDRIGO e SANDRINE adquiriam os medicamentos e os enviavam, WALTER era o responsável pelo contato com Alessandro e recebia as comissões pela intermediação das remessas e Alessandro era o comprador dos remédios, fazendo os pagamentos em conta bancária de ENDRIGO e SANDRINE.

A estrutura do grupo criminoso, de acordo com a prova colhida, não era formada de maneira esporádica e eventual, simples coautoria, mas de maneira fixa e duradoura, a configurar a quadrilha para a prática de tráfico de drogas.


Por outro lado, não prospera a alegação de coação moral irresistível exercida por WALTER para a prática delitiva, pois o fornecimento dos medicamentos por ENDRIGO e SANDRINE ocorreu de forma contínua, durante meses, à quadrilha liderada por Alessandro Peres Fávaro, evidenciando a vontade livre e consciente direcionada ao cometimento desta conduta criminosa.

E somente com a prisão de Alessandro e os demais integrantes do grupo criminoso é que houve desentendimento entre os corréus WALTER, ENDRIGO e SANDRINE, em virtude de "acertos financeiros" derivados do fornecimento de medicamentos, como se observa dos diálogos transcritos às fls. 2641/2652 e 2654/2660 do 9º volume (Anexos do Laudo de Exame de Dispositivo de Armazenamento Computacional nº 2204/2006 - fls. 2634/2639), relativos a mensagens trocadas entre Walter e Endrigo e Walter e Sandrine, acerca da cobrança da quantia de setenta mil reais.

Confira-se que há identificação dos interlocutores "Rau" (corréu WALTER RAU), "dininha" (corré SANDRINE) - fls. 2644, e ENDRIGO. Veja-se que SANDRINE, ao prestar declarações perante a autoridade policial devidamente acompanhada por advogados constituídos, consignou que sua alcunha é "Dininha" (fls. 731/738 do 3º volume).

Observa-se dos diálogos que ENDRIGO, SANDRINE e WALTER descobrem que Alessandro Peres Fávaro é a pessoa que se identificava por "Nelson" nas tratativas sobre a remessa dos remédios (fls. 2655).

Observa-se dos diálogos que ENDRIGO "mandava pra rio preto apartamento" (fls. 2656) os remédios requeridos por Alessandro.

Os diálogos também revelam que ENDRIGO, SANDRINE e WALTER ficaram sabendo da prisão de Alessandro pelo noticiário (fls. 2655) e tentam recompor o "esquema", visando o acerto de valores, oportunidade em que WALTER diz a SANDRINE que ela não receberá mais nada de Alessandro, em razão da prisão deste e diz pretender levar o caso à polícia e dizer que ela e ENDRIGO "desviam GH" e "vendem entorpecente a anos" (fls. 2651).

Em outras palavras, o "esquema" de tráfico de medicamentos funcionou bem até que a quadrilha de Alessandro (comprador/receptor dos medicamentos fornecidos por ENDRIGO e SANDRINE) fosse desbaratada, tendo havido pleno assentimento de ENDRIGO e SANDRINE para a remessa de remédios a Alessandro, em troca de ganho monetário, compartilhado com o corréu WALTER.

Portanto, a condenação dos réus ENDRIGO e SANDRINE pela prática de tráfico ilícito de drogas e associação para o tráfico de drogas (artigos 12 e 14 da Lei 6.368/7196) é de rigor e resta mantida.

Logo, é de ser rechaçada a pretensão de "desclassificação" da conduta do artigo 14 da Lei 6.368/1976 (associação para o tráfico de drogas) para o reconhecimento da causa de aumento da associação eventual do artigo 18, III, da Lei 6.368/1976.

Pelas mesmas razões, improcede a pretensão de "desclassificação" das condutas para o crime do artigo 280 do Código Penal, tendo em vista que a prova coligida aos autos bem delineia a ocorrência de tráfico de drogas e associação para o tráfico. Prevê o artigo 280 do CP:


Medicamento em desacordo com receita médica
Art. 280. Fornecer substância medicinal em desacordo com receita médica.
Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, ou multa.

O tipo pressupõe a existência de receituário médico válido, documento inexistente à prova coligida aos autos, até porque a atuação da quadrilha consistia exatamente no fornecimento de medicamentos de forma ilícita, sem receituário, visando o abastecimento de remédios ao "mercado negro", de modo que a conduta dos réus não se enquadra, absolutamente, no tipo penal do artigo 280 do CP.


O pedido de restituição da motocicleta Suzuki é de ser indeferido, pois as provas dos autos demonstram que a aquisição ocorreu com o dinheiro do tráfico.

Perante a autoridade policial, SANDRINE, devidamente assistida por advogados constituídos, afirmou que a aquisição da motocicleta Suzuki 1300 cc, nome Hayabusa, pelo valor de R$ 58.000,00 (cinquenta e oito mil reais), ocorreu em parte com o dinheiro auferido "das transações com WALTER RAU" e que o registro do veículo se deu "em nome da mãe da interrogada, senhora LEDI DE OLIVEIRA TAVARE, haja vista que a interrogada e seu marido não possuem renda suficiente para aquisição de tal bem" (fls. 736).

Por outro lado, as mensagens trocadas, via SMS, entre ENDRIGO e WALTER revelam que a maior parte da renda do casal ENDRIGO e SANDRINE era ilícita (dinheiro do tráfico), pois ao descobrir que Alessandro (comprador/receptor dos remédios) foi preso, ENDRIGO diz a WALTER:


"limpano tudinho sim, mas até qto a isso num tenho medo"
"eh só o dinheiro mesmo, se eles caíram tamo fudido"
"vo torra a ninja pra vender rapidão" (fls. 2654)
"bah, paciência, um dia pode ser que ele saia e queira continuar trabalhando nisso",
"ai vai precisar nos pagar antes",
"ate lá fico pobre, mas me recupero" (fls. 2655),
"com certeza, sou um cara pobre agora" (fls. 2657).

Portanto, descabida a devolução da motocicleta, sendo corretamente aplicada a pena de perdimento do bem, adquirido com proveito do crime.


Passo à análise da dosimetria da pena.


A sentença fixou a pena dos réus Endrigo e Sandrine da seguinte forma:

III. 3 ENDRIGO JORGE POSSENTI
- art. 12 da Lei n° 6.368/76, combinado com o art. 71, do Código Penal
1ª Fase - Circunstâncias Judiciais do art. 59 do Código Penal
Culpabilidade. O acusado praticou o crime acima descrito, animado pelo dolo direto, notando-se profunda violação ao bem jurídico protegido pela norma penal, tendo em vista o fornecimento dos medicamentos de uso controlado a criminosos que os revendiam através da internet, para viciados ao redor do mundo, propiciando sérios prejuízos à saúde de um número considerável de pessoas.
E tal conduta assume gravidade superior ao normal, na hipótese vertente, por se tratar o Acusado de um profissional farmacêutico, de quem se esperava um comportamento totalmente diverso, jamais voltado ao tráfico de medicamentos entorpecentes ou psicotrópicos, justamente por ter plena ciência das conseqüências do uso indiscriminado de tais substâncias na saúde das pessoas, podendo levá-las à dependência e até à morte.
Esperava-se que honrasse sua nobre profissão, fazendo dela um meio idôneo para ajudar na recuperação dos enfermos, dispensando medicamentos somente quando necessário e na medida certa para ajudar a salvar vidas. Repugna, a toda a sociedade, em especial à sua honrosa classe, que tenha escolhido um caminho tão perverso, na busca de objetivos mesquinhos, enlameando seu jaleco e sua carreira de maneira absolutamente indelével.
Indubitavelmente, deixou de pautar o exercício de sua atividade profissional pelos princípios éticos estampados no juramento prestado ao concluir sua graduação acadêmica, vazado em belas palavras, lamentavelmente esquecidas: "Prometo, em minhas funções de farmacêutico, orientar sempre, sem nunca me impor, auxiliar no que for possível, não pensando em gratificações e agradecimentos.
Juro não oferecer drogas que, conscientemente, saiba eu serem nocivas à saúde.
Evitarei qualquer ato de maldade ou que favoreça o crime e a corrupção. Prometo ainda ser um amigo leal, que mereça a confiança das pessoas em seus momentos mais difíceis.
E espero a graça divina do amparo para que eu saiba cumprir com dignidade a minha profissão."
Em face do exposto, considero grave o grau de culpabilidade de ENDRIGO em relação ao tráfico de entorpecentes, o que, por si só, justifica a fixação de sua pena-base em patamar superior ao mínimo legal.
Antecedentes - de acordo com as certidões colhidas no Anexo IV, trata-se de réu tecnicamente primário.
Conduta Social - não há nos autos prova de fato desabonador à conduta do nominado réu nas relações com as pessoas de seu convívio social.
Personalidade - também não há indicativos de que seja pessoa perigosa ou com sérias inclinações para a delinqüência.
Motivos do Crime - seu crime foi motivado pela ganância em obter lucro fácil, sem qualquer preocupação com as conseqüências - provavelmente por acreditar na impunidade - escopo abjeto e que deve receber severa reprovação, para não servir como estímulo a práticas semelhantes, por profissionais que também não tenham qualquer escrúpulo no cumprimento de seu dever, ensejando, assim, a elevação da respectiva pena-base.
Circunstâncias do Crime - pesa como circunstância desfavorável, a ser levada em conta para a exasperação de sua pena-base, a comercialização de razoável quantidade de medicamentos entorpecentes e psicotrópicos, lembrando sempre que, "em se tratando de crime de tráfico, a elevada quantidade e a qualidade da droga apreendida devem ser consideradas na fixação da resposta penal (Precedentes do STF e STJ)."(HC 24126/RS, 5a Turma, Relator: Min. Félix Fischer, DOU 29.09.2003).
Conseqüências do Crime - não vislumbro conseqüências específicas que transcendam àquelas já previstas nos próprios tipos penais.
Comportamento da vítima - não aplicável à hipótese dos autos, não tendo influência no cometimento dos delitos.
Diante do exposto, não sendo favoráveis ao Réu as circunstâncias do art. 59 do Código Penal, fixo sua pena-base em:
- 04 (quatro) anos e 06 (seis) meses de reclusão, acrescida de pena pecuniária no valor de 60 (sessenta) dias-multa.
2ª Fase - Circunstâncias Agravantes e Atenuantes
Não há agravantes ou atenuantes aplicáveis à espécie. Após o recebimento da denúncia, Endrigo apresentou nova versão para os fatos, alterando as declarações prestadas no interrogatório preliminar, razão pela qual não incide, na espécie, a circunstância atenuante prevista no art. 65, inciso III, "d", do Código Penal. Passo, então, à fase seguinte.
Como também foi afastada, no bojo da sentença, a alegação de que teria sofrido coação, não incidirá, na espécie, a atenuante do art. 65, III, letra "c".
3a Fase - Causas de Aumento ou de Diminuição
A sanção relativa ao crime de tráfico de entorpecentes deverá ser aumentada em 1/6 (um sexto), em razão da continuidade delitiva (art. 71 CP), resultando numa sanção de 05 (cinco) anos e 03 (três) meses de reclusão, acrescida de pena pecuniária no valor correspondente a 70 (setenta) dias-multa, pena esta que torno DEFINITIVA, em razão da ausência de qualquer outra causa de aumento ou de diminuição a ser sopesada.
- art. 14 da Lei n°6.365/76
1ª Fase - Circunstâncias Judiciais do art. 59 do Código Penal
Culpabilidade. Não há referências, nos autos, a qualquer conduta violenta praticada pela sociedade criminosa, de caráter estável, dolosamente constituída entre Endrigo, Sandrine e Walter Rau, para a prática reiterada do crime de tráfico de entorpecentes. O reduzido número de integrantes também não indica maior periculosidade. Não há notícia de que usassem armas ou que tivessem, ao seu dispor, equipamentos sofisticados para a prática de seus escopos criminosos. Portanto, situa-se a culpabilidade em grau normal à própria espécie delitiva, não justificando maior severidade na fixação da correspondente pena-base.
Antecedentes - de acordo com as certidões colhidas no Anexo IV, trata-se de réu tecnicamente primário.
Conduta Social - não há nos autos prova de fato desabonador à conduta do nominado réu nas relações com as pessoa de seu convívio social.
Personalidade - também não há indicativos de que seja pessoa perigosa ou com sérias inclinações para a delinqüência.
Motivos - os objetivos são comuns à espécie, sendo formada a sociedade apenas visando à união de forças para o cometimento do crime de tráfico de entorpecentes. Nada de excepcional que justifique a elevação da sanção-básica.
Circunstâncias do Crime - não vislumbro um sofisticado engenho criminoso, nem planejamento detalhado ou outros requintes para a consecução dos objetivos do grupo.
Conseqüências do Crime - também não vislumbro conseqüências específicas que transcendam àquelas já previstas no próprio tipo penal.
Comportamento da vítima - não aplicável à hipótese dos autos, não tendo influência no cometimento dos delitos.
Diante do exposto, sendo favoráveis ao Réu as circunstâncias do art. 59 do Código Penal, fixo sua pena-base no mínimo legal, ou seja, em 03 (três) anos de reclusão, acrescida de sanção pecuniária equivalente a 50 (cinquenta) dias-multa.
2ª Fase - Circunstâncias Agravantes e Atenuantes
Não há agravantes aplicáveis à espécie, assim como atenuantes, inclusive aquela prevista nos arts. 65, III,"c" ou "d", do Código Penal, pelos mesmos motivos expostos em relação ao outro crime; passo, então, à fase seguinte.
3ª Fase - Causas de Aumento ou de Diminuição
Como também não há qualquer causa de aumento ou de diminuição a ser sopesada, torno DEFINITIVA a pena fixada acima, no patamar de 03 (três) anos de reclusão, acrescida de sanção pecuniária equivalente a 50 (cinquenta) dias-multa.
SOMATÓRIA DAS PENAS - CONCURSO MATERIAL
Em razão do concurso material (art. 69 do Código Penal), as penas aplicadas a Endrigo, devidamente somadas, totalizam 08 (oito) anos e 03 (três) meses de reclusão, acrescida de pena pecuniária no valor correspondente a 120 (cento e vinte) dias-multa.
Como a situação financeira do Acusado não pode ser considerada das piores (cf. fl. 2003), fixo o valor de cada dia-multa em 1/10 (um décimo) do salário-mínimo vigente ao tempo das infrações, valor este que deverá ser monetariamente corrigido por ocasião da execução.
III.4 SANDRINE DE OLIVEIRA TAVARES
- art. 12 da Lei n° 6.368/76, combinado com o art. 71, do Código Penal
1ª Fase - Circunstâncias Judiciais do art. 59 do Código Penal
Culpabilidade. A Acusada praticou o crime acima descrito, animada pelo dolo direto, notando-se profunda violação ao bem jurídico protegido pela norma penal, tendo em vista o fornecimento dos medicamentos de uso controlado a criminosos que os revendiam através da internet para viciados ao redor do mundo, propiciando sérios prejuízos à saúde de um número considerável de pessoas.
Assim como seu marido, teve atuação destacada nas negociações com a quadrilha de Alessandro e, também, nos acertos com Walter Rau, como já examinado nesta sentença. Por tudo isso, sua pena-base deverá ser fixada em patamar pouco superior ao mínimo legal.
Antecedentes - de acordo com as certidões colhidas no Anexo IV, trata-se de ré primária.
Conduta Social - não há nos autos prova de fato desabonador à conduta da indigitada ré nas relações com as pessoas de seu convívio social.
Personalidade - também não há indicativos de que seja pessoa perigosa ou com sérias inclinações para a delinqüência.
Motivos - seu crime foi motivado pela ganância em obter lucro fácil, sem qualquer preocupação com as conseqüências - provavelmente por acreditar na impunidade - escopo abjeto e que deve receber severa reprovação, para não servir como estimulo a práticas semelhantes, ensejando, assim, a elevação da respectiva pena-base.
Circunstâncias do Crime - pesa como circunstância desfavorável, a ser levada em conta para a exasperação de sua pena-base, a comercialização de razoável quantidade de medicamentos entorpecentes e psicotrópicos, lembrando sempre que, "em se tratando de crime de tráfico, a elevada quantidade e a qualidade da droga apreendida devem ser consideradas na fixação da resposta penal (Precedentes do STF e STJ)." (HC 241261RS, 5° Turma, Relator: Min. Félix Fischer, DOU 29.09.2003).
Conseqüências do Crime - não vislumbro conseqüências específicas que transcendam àquelas já previstas nos próprios tipos penais.
Comportamento da vítima - não aplicável à hipótese dos autos, não tendo influência no cometimento dos delitos.
Diante do exposto, não sendo favoráveis à Ré as circunstâncias do art. 59 do Código Penal, fixo sua pena-base em:
- 04 (quatro) anos e 06 (seis) meses de reclusão, acrescida de pena pecuniária no valor de 60 (sessenta) dias-multa.
2ª Fase - Circunstâncias Agravantes e Atenuantes
Não há agravantes ou atenuantes aplicáveis à espécie.
Após o recebimento da denúncia, Sandrine apresentou nova versão para os fatos, alterando as declarações prestadas no interrogatório preliminar, razão pela qual não incide, na espécie, a circunstância atenuante prevista no art. 65, inciso III, "d", do Código Penal. Passo, então, à fase seguinte.
Como também foi afastada, no bojo da sentença, a alegação de que teria sofrido coação, não incidirá, na espécie, a atenuante do art. 65, III, letra "c".
3ª Fase - Causas de Aumento ou de Diminuição
A sanção relativa ao crime de tráfico de entorpecentes deverá ser aumentada em 1/6 (um sexto), em razão da continuidade delitiva (art. 71 CP), resultando numa sanção de 05 (cinco) anos e 03 (três) meses de reclusão, acrescida de pena pecuniária no valor correspondente a 70 (setenta) dias-multa, pena esta que torno DEFINITIVA, em razão da ausência de qualquer outra causa de aumento ou de diminuição a ser sopesada.
- art. 14 da Lei n° 6.368/76
1ª Fase - Circunstâncias Judiciais do art. 59 do Código Penal
Culpabilidade. Não há referências, nos autos, a qualquer conduta violenta praticada pela sociedade criminosa, de caráter estável, dolosamente constituída entre Sandrine, Endrigo e Walter Rau, para a prática reiterada do crime de tráfico de entorpecentes. O reduzido número de integrantes também não indica maior periculosidade. Não há notícia de que usassem armas ou que tivessem, ao seu dispor, equipamentos sofisticados para a prática de seus escopos criminosos. Portanto, situa-se a culpabilidade em grau normal à própria espécie delitiva, não justificando maior severidade na fixação da correspondente pena-base.
Antecedentes - de acordo com as certidões colhidas no Anexo IV, trata-se de ré primária.
Conduta Social - não há nos autos prova de fato desabonador à conduta da ré Sandrine nas relações com as pessoas de seu convívio social.
Personalidade - também não há indicativos de que seja pessoa perigosa ou com sérias inclinações para a delinqüência.
Motivos - os objetivos são comuns à espécie, sendo formada a sociedade apenas visando à união de forças para o cometimento do crime de tráfico de entorpecentes. Nada de excepcional que justifique a elevação da sanção-básica.
Circunstâncias do Crime - não vislumbro um sofisticado engenho criminoso, nem planejamento detalhado ou outros requintes para a consecução dos objetivos do grupo.
Conseqüências do Crime - também não vislumbro conseqüências específicas que transcendam àquelas já previstas no próprio tipo penal.
Comportamento da vítima - não aplicável à hipótese dos autos, não tendo influência no cometimento dos delitos.
Diante do exposto, sendo favoráveis a Sandrine as circunstâncias do art. 59 do Código Penal, fixo sua pena-base no mínimo legal, ou seja, em 03 (três) anos de reclusão, acrescida de sanção pecuniária equivalente a 50 (cinquenta) dias-multa.
2ª Fase - Circunstâncias Agravantes e Atenuantes
Não há agravantes aplicáveis à espécie, assim como atenuantes, inclusive aquelas previstas no art. 65, III, "c" e "d", do Código Penal, pelos mesmos motivos expostos em relação ao outro crime; passo, então, à fase seguinte.
3ª Fase - Causas de Aumento ou de Diminuição
Como também não há qualquer causa de aumento ou de diminuição a ser sopesada, torno DEFINITIVA a pena fixada acima, no patamar de 03 (três) anos de reclusão, acrescida de sanção pecuniária equivalente a 50 (cinquenta) dias-multa.
SOMATÓRIA DAS PENAS - CONCURSO MATERIAL
Em razão do concurso material (art. 69 do Código Penal), as penas aplicadas a SANDRINE, devidamente somadas, totalizam 08 (oito) anos e 03 (três) meses de reclusão, acrescida de pena pecuniária no valor correspondente a 120 (cento e vinte) dias-multa.
Como a situação financeira da Acusada não pode ser considerada das piores (cf. fl. 2009), fixo o valor de cada dia-multa em 1/6 (um sexto) do salário-mínimo vigente ao tempo das infrações, valor este que deverá ser monetariamente corrigido por ocasião da execução.


Na primeira fase da dosimetria da pena, pretendem os apelantes ENDRIGO e SANDRINE a fixação da pena no mínimo legal.

A sentença fundamenta a exasperação da pena-base do crime de tráfico de drogas imputado a ENDRIGO e a SANDRINE na desfavorabilidade das circunstâncias judiciais da culpabilidade, motivos do crime e circunstâncias do crime. Quanto ao crime de associação para o tráfico de drogas, a pena foi fixada no mínimo legal e tornada definitiva, inexistindo interesse para sua modificação.

O motivo de lucro fácil integra-se ao tipo, porque a intenção de lucro é ínsita ao comportamento delituoso no crime de tráfico.

Com efeito, embora o tráfico se configure se o agente fornece a droga, ainda que gratuidade, as condutas de "vender" e "expor à venda" também constam do artigo 12 da Lei 6.368/1976 (e atualmente no artigo 33 da Lei nº 11.343/2006), e trazem em si, de forma ínsita, a intenção de lucro na atividade da traficância.

Dessa forma, a intenção de lucro não justifica a exacerbação da pena base, nem tampouco a incidência da circunstância agravante do artigo 62, inciso IV do CP. Nesse sentido aponto precedentes do Superior Tribunal de Justiça e desta Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região.


HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. EMENDATIO LIBELLI. MUDANÇA DA DEFINIÇÃO JURÍDICA DOS FATOS. POSSIBILIDADE. FIXAÇÃO DA PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO. ART. 59 DO CÓDIGO PENAL. MOTIVAÇÃO VÁLIDA. AGRAVANTES. ART. 62, INCISO IV DO CÓDIGO PENAL. INAPLICABILIDADE...
4. Embora a vantagem financeira não seja circunstância elementar do crime de tráfico, visto que o tipo penal ressalta a ilegalidade da conduta "ainda que gratuitamente" da própria redação do art. 12 da Lei n.º 6.368/76 se extrai que o crime pode também ocorrer mediante paga ou recompensa, portanto, tal circunstância não justifica o agravamento da pena nos termos do inciso IV, do art. 62, do Código Penal. Afinal, o tráfico de drogas é realizado mediante o comércio de substâncias ilícitas, que pressupõe o recebimento de vantagem financeira...
(STJ, HC 115.902/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 18/11/2010, DJe 28/04/2011)
HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. INVIABILIDADE DA REDUÇÃO DA PENA COM BASE NO ARTIGO 33, PARÁGRAFO 4º, DA LEI 11.343/2006. TRANSPORTE DE MAIS DE CINCO QUILOS DE COCAÍNA. ALTO POTENCIAL LESIVO. EXCLUSÃO DA AGRAVANTE PREVISTA NO ARTIGO 62, IV, DO CÓDIGO PENAL (CRIME PRATICADO MEDIANTE RECOMPENSA). ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA, PARA EXCLUIR A AGRAVANTE...
2. O Tribunal "a quo" proveu recurso ministerial para reconhecer presente a agravante prevista no ar. 62, IV, do Código Penal. Todavia, embora o delito de tráfico ilícito de entorpecente se configure mesmo com o transporte gratuito da droga, isso não significa que a recompensa em dinheiro deva agravar a pena, porque, em princípio, a referência a comércio ou mercancia nos remete à ideia de lucro.
3. Concessão em parte da ordem, tão-só para excluir a agravante de paga ou recompensa.
(STJ, HC 168.992/CE, Rel. Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), SEXTA TURMA, julgado em 30/06/2010, DJe 02/08/2010)
APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. NÃO CONFIGURADA. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE. MANTIDA NO MÍNIMO LEGAL. AGRAVANTE DO ART. 62, INCISO IV DO CÓDIGO PENAL. NÃO INCIDÊNCIA...
IV - Não deve ser aplicada a majorante prevista no art. 62, inciso IV, do Código Penal (mediante paga ou promessa de recompensa), pois o intuito de lucro (dinheiro) encontra-se presente em múltiplas das diversas modalidades de condutas definidas no tipo penal do delito de tráfico e não pode ser utilizado para majorar a pena. Precedente do STJ...
(TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, ACR 0003242-98.2012.4.03.6119, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI, julgado em 25/06/2013, e-DJF3 Judicial 1 DATA:07/08/2013)

Verifico ainda que para a ré SANDRINE entendeu o Juiz a quo desfavorável sua culpabilidade em virtude da presença de "dolo direto, notando-se profunda violação ao bem jurídico protegido pela norma penal, tendo em vista o fornecimento dos medicamentos de uso controlado a criminosos que os revendiam através da internet para viciados ao redor do mundo, propiciando sérios prejuízos à saúde de um número considerável de pessoas".

Contudo, a fundamentação apresentada não se presta à majoração da pena-base porque o dolo contido na conduta de fornecer os medicamentos capazes de causar dependência física e psíquica em número indeterminado de pessoas é próprio e ordinário ao tipo penal sob comento, que possui como objetividade jurídica a proteção à saúde pública.

Diante destas considerações, entendo que o réu ENDRIGO ostenta como desfavoráveis a culpabilidade e as circunstâncias do crime, merecendo a fixação da pena-base acima do mínimo legal, em 4 (quatro) anos de reclusão e 60 (sessenta) dias-multa, e a ré SANDRINE ostenta como desfavoráveis as circunstâncias do crime, merecendo a fixação da pena-base acima do mínimo legal, em 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 55 (cinquenta e cinco) dias-multa.


Na segunda fase da dosimetria da pena, requerem os réus a "eliminação das agravantes" e a aplicação da atenuante da confissão espontânea.

Não houve cômputo de agravantes na sentença, pelo que descabido o pedido de exclusão das agravantes.

O Juiz a quo rejeitou o pedido de aplicação da atenuante da confissão espontânea, diante da ausência de admissão dos réus dos fatos criminosos. Com efeito, os réus Sandrine e Endrigo não confessam, negando a acusação tanto em sede policial quanto em juízo. Logo, não fazem jus à atenuante da confissão.


Na terceira fase da dosimetria da pena, pleiteiam os réu a aplicação da causa de diminuição do artigo 33, §4º (traficante ocasional) e do artigo 41 (delação premiada), ambos da Lei 11.343/2006.


Quanto à causa de diminuição de pena do traficante ocasional, prevista no artigo 33, §4º, da Lei nº 11.343/2006, registro que no julgamento no RE 596.152, julgado em 13.10.2011, em face do empate na votação, o Supremo Tribunal Federal proclamou a decisão mais favorável ao paciente, com base no artigo 146, parágrafo único, do Regimento Interno, e, como tal, negou provimento ao recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público Federal. Tendo em vista que o julgamento não se deu por maioria, mas sim empate de votação, não foi confirmada a repercussão geral da matéria questionada. Contudo, foi consagrada a tese da possibilidade de aplicação da causa de diminuição de pena do §4º do artigo 33 da Lei nº 11.343/2006, sobre a pena-base fixada nos termos da Lei nº 6.368/1976 (RE 596152, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 13/10/2011, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-030 DIVULG 10-02-2012 PUBLIC 13-02-2012).

Assim, com a ressalva do meu entendimento pessoal, adoto o precedente do Supremo Tribunal Federal, cabendo verificar se, no caso concreto, é cabível a aplicação da mencionada causa de diminuição.

Observo que dispõe o artigo §4° do artigo 33 da Lei 11.343/2006 sobre a possibilidade de redução da pena no crime de tráfico de drogas, de um sexto a dois terços, "desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa".

Tais requisitos são exigíveis cumulativamente, e portanto a ausência de qualquer deles implica na inexistência de direito ao benefício da diminuição da pena.

No caso dos autos, os réus foram condenados também pelo crime de associação para o tráfico internacional de drogas, o que implica em reconhecer que ele integra organização criminosa e portanto não faz jus à causa de diminuição de pena do artigo 33, §4º da Lei 11.343/2006. Nesse sentido:


HABEAS CORPUS... PRETENDIDA APLICAÇÃO DA MINORANTE PREVISTA NO ARTIGO 33, § 4º, DA LEI 11.343/2006. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS PREVISTOS EM LEI. BENEFÍCIO JÁ NEGADO EM OUTRO HABEAS CORPUS IMPETRADO PELO PACIENTE.
1. A condenação pelo crime de associação para o tráfico de entorpecentes demonstra a dedicação do paciente a atividades ilícitas e a participação em associação criminosa, autorizando a conclusão pelo não preenchimento dos requisitos legalmente exigidos para a concessão da benesse, consoante já reconhecido por esta colenda Quinta Turma no julgamento do HC n. 230.140/SP.
2. Habeas corpus não conhecido.
(STJ, HC 254177/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 25/06/2013, DJe 06/08/2013)
HABEAS CORPUS... CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTA NO § 4º DO ART. 33 DA LEI N.º 11.343/06. CONDENAÇÃO POR ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. IMPOSSIBILIDADE. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS...
3. Não se aplica a causa especial de diminuição de pena do parágrafo 4º do artigo 33 da Lei n.º 11.343/2006 ao réu também condenado pelo crime de associação pra o tráfico de drogas, tipificado no artigo 35 da mesma lei. Precedentes...
(STJ, HC 257.368/ES, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 25/03/2014, DJe 11/04/2014)

Quanto à causa de diminuição prevista no artigo 41 da Lei nº 11.343/2006, os réus não fazem jus à minoração, porquanto em nada colaboraram para a identificação dos demais coautores ou partícipes ou para a recuperação do produto do crime.

Ao revés, os réus negaram a acusação, dizendo não participarem do esquema de remessa de medicamentos, afirmando acharem ser lícita a compra dos remédios e o posterior envio, a pedido de WALTER, o qual fornecia as receitas médicas para a compra dos remédios. É dizer, o corréu WALTER não foi delatado pelos réus ENDRIGO e SANDRINE quanto ao tráfico apurado neste feito.

De outro vértice, permanece a incidência da causa de aumento da continuidade delitiva, em 1/6 (um sexto), como lançado na sentença, a resultar definitiva a pena do tráfico de drogas em 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de reclusão e 70 (setenta) dias-multa para Endrigo e de 4 (quatro) anos e 1 (um) mês de reclusão e 64 (sessenta e quatro) dias-multa para Sandrine.


Em virtude do concurso material de delitos, a pena definitiva total do réu ENDRIGO é de 07 (sete) anos e 08 (oito) meses de reclusão e 120 (cento e vinte) dias-multa e da ré SANDRINE é de 07 (sete) anos e 01 (um) mês de reclusão e 114 (cento e quatorze) dias-multa.


DA APELAÇÃO DO RÉU WALTER


Não procede a pretensão da Defesa de desclassificação das condutas de tráfico e a associação para o tráfico de drogas para os crimes do artigo 280 do CP (medicamento em desacordo com receita médica) e do artigo 37 da Lei 11.343/2006 (colaboração, como informante, com grupo, organização ou associação destinados à prática de tráfico de drogas).

O réu WALTER foi denunciado por "fornecer os dados da empresa LICIMED e da Universidade Federal Fluminense à LICIMED e intermediar as vendas (de medicamentos) desta para a organização criminosa de ALESSANDRO PERES FÁVARO, da qual recebia pagamentos, bem como por apresentar os novos fornecedores (de medicamentos) de tal organização, os acusados ENDRIGO JORGE POSSENTI e SANDRINE DE OLIVEIRA TAVARES."

O réu WALTER atuava na traficância de medicamentos capazes de causar dependência física e/ou psíquica, em conjunto com Nelson (Alessandro) e os réus ENDRIGO e SANDRINE.

O réu WALTER reconheceu como sendo Nelson a pessoa retratada às fls. 471 (foto de Alessandro Peres Fávaro). WALTER também disse conhecer os réus ENDRIGO e SANDRINE. Disse que conhecia ENDRIGO desde 1999 e conversavam sobre musculação.

Em interrogatório (fls. 1993/2002), WALTER declarou que conheceu Nelson (Alessandro) por intermédio de um amigo de nome Ramon, iniciando conversas pela internet sobre musculação.

Afirmou WALTER que em certo dia Nelson (Alessandro) teria perguntado se ele não poderia obter medicamentos para praticantes de musculação, tendo-lhe passado uma listagem com os nomes dos remédios desejados, oportunidade em que efetuou pesquisas de preços e passou o orçamento no valor de vinte mil reais a Alessandro, juntamente com dados bancários pessoais para Nelson (Alessandro) efetuar o depósito do dinheiro para a futura compra dos remédios, o que foi feito no dia seguinte.

Disse WALTER que se apropriou dos vinte mil reais depositados por Nelson (Alessandro), e desculpou-se com este inventando que todo o dinheiro havia sido retido por policiais que o abordaram na saída do banco. Disse que Nelson (Alessandro) lhe propôs o perdão da dívida se conseguisse uma distribuidora ou farmácia para fornecer os medicamentos, o que foi aceito.

Declarou WALTER que efetuou as pesquisas dos possíveis fornecedores e atentou-se que ao entrar em contato com a empresa Licimed não foram pedidas maiores informações, apenas se o comprador seria pessoa física ou jurídica. Disse então que transmitiu a Nelson (Alessandro) uma lista de potenciais fornecedores de medicamentos e também dados do Hospital Antônio Pedro ligado à Universidade Federal Fluminense, situado em Niterói, e, tempos depois, Nelson (Alessandro) disse já estar adquirindo os medicamentos de acordo com a lista e dados repassados, recompensando-o com a comissão de "um real por comprimido que conseguisse", pagamento feito através da remessa de dinheiro pelos Correios, de mil a dois mil reais, totalizando a quantia de trinta mil reais, considerada também quitada a dívida de vinte mil reais, no período entre o início de 2003 e meados de 2005.

Disse o réu WALTER que depois de certo período Nelson (Alessandro) não conseguiu mais comprar os remédios, requerendo novo nome de fornecedor e pagando antecipadamente oitenta mil reais, dinheiro gasto "em farras". Em posterior contato, Nelson (Alessandro) propôs a quitação da dívida de oitenta mil reais, acrescida de uma remuneração de quinze mil reais em troca do "empréstimo" de conta bancária para ser depositado "o dinheiro que antes havia sido depositado na conta da Licimed", o que foi prontamente atendido por WALTER que indicou a conta bancária de sua mãe, Sra. Débora Maria Ferrua Vieira, onde foram depositados cento e quarenta mil reais, gastos em seu "proveito pessoal".

Afirmou ainda o réu WALTER que em abril de 2006, o corréu ENDRIGO perguntou-lhe se sabia de alguém que pudesse comprar medicamentos que estaria vendendo, ocasião em que Walter fez o contato entre o corréu ENDRIGO (vendedor) e Nelson (Alessandro) (comprador), cobrando setenta mil reais por tal intermediação. Afirmou que as tratativas entre o corréu ENDRIGO e Nelson (Alessandro) foram bem sucedidas, tendo sido realizadas as vendas, situação que era de total conhecimento da corré SANDRINE.

Declarou ainda o réu WALTER que emprestava a conta do amigo Robson Gomes Branco, entre 2004 e 2005, para fazer movimentações financeiras de seu interesse e receber "comissão pelos medicamentos". Confira-se os excertos (fls. 1993/2002):


Por volta de 2002, através da Internet, por intermédio de um amigo seu chamado Ramon, conheceu uma pessoa que se apresentou como Nelson. Já era amigo de Ramon há alguns meses e sempre conversavam na Internet sobre questões relativas a musculação, em diversos fóruns relativos a tal atividade.
(...)
Nelson sempre se comunicava com o declarante identificando-se apenas pelo primeiro nome, sendo que as conversas aconteciam nas salas de bate-papo do próprio fórum e nem sempre ocorriam em tempo real. Nelson forneceu ao declarante o endereço "o porcão" como sendo sem endereço eletrônico, não lembrando o declarante qual o provedor. Sempre que conversava com Nelson era utilizado o endereço "o porcão".
(...)
Não cobrava muitas informações sobre a pessoa de Nelson, esclarecendo que o declarante já era conhecido na Internet e divulgava seus dados e informações com transparência. Utilizava o nick name de "Sr. Maromba" para se comunicar nos sites da Internet.
(...)
Antes de conhecer Nelson ganhava a vida com a área de informática, vendendo peças e sistemas operacionais. Voltando ao relacionamento com Nelson, afirma que, com o passar do tempo, Nelson demonstrou mais confiança no declarante e passou a questioná-lo sobre a possibilidade de adquirir medicamentos diversos que seriam utilizados para praticantes de musculação para alívio da dor. Lembra que ele citou bastante o nome do medicamento Oxycontim, tendo passado uma listagem de outros medicamentos através da Internet. Afirma que Nelson fez tal pedido ao declarante porque conhecia o meio dos praticantes de musculação e sabia quais as farmácias que vendiam anabolizantes sem receita médica.
(...)
Assim que recebeu a listagem de Nelson, viu que indicava a quantidade de cada medicamento, entrou em sites para verificação dos preços destes medicamentos e verificou que atingiam o total de cerca de R$ 20.000,00. Lembra de ter consultado o site da farmácia Vita e da Farmácia Em Casa (FEC). Afirma que fingiu para Nelson que poderia conseguir os medicamentos solicitados, mas, na verdade, tinha intenção de se apropriar do valor que fosse entregue por ele para pagamento dos remédios. Foi por isso que consultou os preços na Internet. Repassou o valor acima para Nelson e disse que teria que ser pago antecipadamente. Naquela época já tinha relação mais próxima com Nelson e este tinha o telefone da casa do declarante e costumavam se falar com freqüência. Nelson também sabia o endereço da residência do declarante. Forneceu os dados de sua conta corrente no Banco do Brasil para que Nelson efetuasse o depósito em questão, o que foi feito no dia seguinte.
(...)
Não detalhou a Nelson em qual local iria adquirir os medicamentos e Nelson também não exigiu nota fiscal ou comprovante, confiando no declarante. Logo que sacou o dinheiro, na própria agência em que mantém conta, foi abordado por dois policiais civis que o indagaram a respeito de uma declaração de um cliente que não teria recebido uma peça de informática que o declarante teria vendido e pela qual já teria recebido o preço. Na Delegacia, esclareceu que iria devolver o dinheiro do cliente, mas um policial "alemãozinho", de olhos claros, abordou o declarante e lhe tomou R$ 5.000,00, quando estavam em uma sala sozinhos, naquela delegacia.
(...)
Passado algum tempo, ficou com remorso e voltou a se comunicar com Nelson através da Internet, dizendo a ele que os policiais teriam pego todo o dinheiro que ele havia remetido. Ele ficou muito bravo, mas propôs ao declarante que perdoaria a dívida se conseguisse um contato em uma distribuidora ou farmácia que pudesse atendê-lo no fornecimento de medicamentos. Gastou o dinheiro para se sustentar em Niterói. Diante da proposta de Nelson, pesquisou com profundidade na Internet e obteve uma lista com possíveis fornecedores de medicamentos (oxycontim e outros). Antes de passar a lista para Nelson, entrou em contato com tais possíveis fornecedores para saber se dispunham dos medicamentos. Sabia que Nelson não iria comprar os medicamentos através de um procedimento legal. Alega que em momento algum questionou tais empresas se venderiam os medicamentos sem autorização ou sem observar os procedimentos legais. Acredita que a lista que passou continha cerca de cinco empresas, entre distribuidoras e farmácias.
(...)
Ligou para as empresas e perguntou como poderia adquirir os medicamentos controlados, recebendo a explicação de que deveria encaminhar cópia de alvará e de autorização da vigilância sanitária para a comercialização de tais produtos, demonstrando-se rigor no cumprimento de tais exigências. No entanto, quando entrou em contato com a empresa Licimed, percebeu algo diferente, pois não lhe explicaram quais as exigências para a venda dos medicamentos controlados, apenas indagando se seria pessoa física ou jurídica e, ao responder que seria pessoa física, tendo sido transferido para a empresa Medex. Quando falou na empresa Medex só pegou a relação de preços. Não sabe dizer se foi algum descuido ou falha nas informações passadas pelo funcionário da Licimed/Medex, mas tal fato aguçou sua intenção de indicar tal empresa para Nelson e assim conseguir quitar sua dívida.
(...)
Quando passou estas informações para Nelson ainda estava morando em Niterói e, naquele momento, resolveu passar também dados de um hospital situado em Niterói, para que fosse utilizado por Nelson junto às empresas fornecedoras. Obteve estes dados em uma receita de medicamento em seu favor, referente ao Hospital Antonio Pedro, em Niterói, dela fornecendo endereço, telefone, CNPJ e outros dados do hospital em questão. Tais dados não foram solicitados por Nelson, mas fornecidos por vontade própria do declarante. Trata-se de um hospital ligado a Universidade Federal Fluminense. Não sabe dizer o nome do médico que lhe passou a receita em questão.
(...)
Coube a Nelson efetuar contato com as empresas citadas na sua listagem. Depois de certo tempo, Nelson entrou em contato com o declarante e disse que estava comprando medicamentos, mas não citou qual a empresa fornecedora. Disse ele, em tal ocasião, que iria pagar R$ 1,00 por comprimido que conseguisse. Acredita que ele propôs o pagamento de tal valor por comprimido, por receio, já que o declarante sabia de tudo. A dívida de R$ 20.000,00 também foi quitada. Nelson não disse o nome de possível intermediário no fornecimento dos medicamentos. Recebeu valores em diversas ocasiões, pelos Correios, geralmente em torno de R$ 1000,00 a R$ 2.000,00. O contato com as empresas já citadas ocorreu no final de 2002. Recebeu valores de Nelson do início de 2003 até meados de 2005. Calcula que o total deve ter sido de R$ 30.000,00.
(...)
Lembra que no início de 2005, Nelson disse ao declarante que estava com dificuldades para comprar medicamentos controlados e pediu ajuda ao declarante para que conseguisse outro fornecedor. Os medicamentos eram os citados na denúncia, mas marcou mais o nome de oxycontim. Nelson não disse quais empresas estavam fornecendo medicamentos para ele. Nelson ofereceu pagamento único de R$ 3.000,00 ou R$ 5.000,00, não lembra exatamente, pela nova informação. Não ligou para este valor, pois pretendia continuar recebendo valores mensalmente como estava sendo feito. Mentiu diversas vezes e "enrolou" Nelson, fazendo com que ele acreditasse que tivesse comprado os medicamentos que ele pretendia, recebendo dele, antecipadamente, R$ 80.000,00 pela compra dos remédios. Tal dinheiro foi encaminhado pelo declarante pelo Correio. Alega que nem procurou os medicamentos e gastou o dinheiro em farras.
(...)
Dois dias depois, Nelson ligou e propôs ao declarante que fornecesse um número de conta para que nesta fosse depositado o dinheiro que antes havia sido depositado na conta da Licimed. Em troca, Nelson ofereceu um valor em dinheiro (aproximadamente R$ 15.000,00), mais a quitação da dívida de R$ 80.000,00. Não tinha mais conta bancária em seu nome e pediu a sua mãe, Débora Maria Ferrua Vieira, que emprestasse a conta dela, tendo ela aceito tal pedido, sem saber, no entanto, qual seria a origem do dinheiro a ser depositado.
(...)
Foi para Nelson que forneceu os dados da conta bancária de sua mãe, sabendo depois que teria sido depositado um valor de R$ 140.000,00. Em vez de devolver o dinheiro para Nelson, gastou ele todo em proveito pessoal.
(...)
Reconhece Nelson como sendo a pessoa retratada na fotografia de fl. 471, que lhe foi apresentada sem o nome da pessoa.
(...)
Em abril de 2006, aproximadamente, em conversas pela Internet, com um amigo chamado Endrigo, este perguntou ao declarante se tinha conhecimento de alguém que pudesse comprar medicamentos que ele estava vendendo, verificando o declarante que eram os mesmos comercializados por Nelson. Já conhecia Endrigo desde 1999, e inclusive conversavam sobre musculação. Sabia que Endrigo era farmacêutico e que vendia anabolizantes.
(...)
Diante da proposta de Endrigo, forneceu a ele o endereço de Nelson ("o porcão") e entrou em contato com Nelson, dizendo que havia conseguido novo fornecedor e que o indicaria mediante quitação da dívida. Nelson disse que se tudo fosse feito corretamente iria esquecer do declarante. Cobrou R$ 70.000,00 de Endrigo pela indicação a Nelson, que seriam pagos em parcelas.
(...)
Tem certeza absoluta que Endrigo vendeu remédios para Nelson, pois inclusive o identificou para o declarante, coincidindo as características de Nelson, retratado por ele, com aquelas do Nelson que foi ameaçar o declarante em sua residência. Endrigo pagou R$ 5.000,00, no total, como comissão para o declarante. Não recebeu nenhum valor por parte de Nelson. Conversou pessoalmente com Endrigo a respeito da negociação dele com Nelson, na presença de Sandrine, esposa do primeiro. Sandrine demonstrava ter conhecimento de tudo e inclusive domínio sobre as atividades do marido. Soube através de Endrigo, pela Internet, que Nelson teria ido pessoalmente a Pelotas para receber os medicamentos que lhe foram vendidos por Endrigo. Endrigo e Sandrine comentavam que atuavam juntos nas negociações com Nelson.
(...)
Esclarece que tinha medo e vergonha de usar a conta do Banco do Brasil (em decorrência do episódio com a polícia civil), razão pela qual passou a usar a conta de um amigo seu chamado Robson Gomes Branco, com o qual morou durante algum tempo, em São José/SC. Robson já é seu conhecido há muitos anos. Ele trabalhava na área de informática e depois foi trabalhar em um frigorífico chamado Extremo Sul, sabendo que atualmente trabalhava na empresa Avipal, não sabendo especificar em que função. Morou com Robson durante alguns meses entre 2004 e 2005. Pagava R$ 150,00 por mês para Robson para utilização de seu cartão de crédito, que utilizava em compras na Internet. Também se utilizava da conta corrente do amigo. Utilizou a conta e o cartão de Robson até ser preso. Afirma que passou o número da conta de Robson para Nelson quando adquiriu peças de informática em favor do primeiro. Depois, percebeu que estava sendo feito depósitos em decorrência da comissão pelos medicamentos. Só após sua prisão veio a saber que o dinheiro era previamente depositado na conta da Licimed e uma parte transferida para a conta em nome de Robson."

As testemunhas Taís Helena Pinheiro Torres, gerente financeira da empresa Licimed desde agosto/2003, (fls. 3086) e Marli Kuhn Werlang, contadora da empresa Licimed desde sua criação, (fls. 3101), confirmam que a empresa fez estornos de valores na conta de Robson Gomes Branco (amigo de WALTER, de quem utilizava a conta bancária para fazer sua própria movimentação financeira) e na conta de Débora (mãe do réu WALTER). Confira-se os trechos das declarações de Taís e Marli, respectivamente:


JUÍZA: A senhora efetuou devolução de valores depositando dinheiro na conta da Universidade Federal?
DEPOENTE: Não na conta da Universidade Federal.
JUÍZA: Depositou dinheiro em qual conta?
DEPOENTE: Na conta do Robson...
JUÍZA: Quem é Robson?
DEPOENTE: Um dos réus.
JUÍZA: Quem é essa pessoa?
DEPOENTE: Era quem a Universidade informava para quem deveria ser depositado.
JUÍZA: A devolução era feita na conta da pessoa física?
DEPOENTE: Isso.
JUÍZA: E o que era pago a mais era devolvido para esse Robson também?
DEPOENTE: Para quem eles solicitavam. Foi feito para o Robson, uma vez foi feito para a Débora.
(...)
JUÍZA: Qual foi o valor total das operações envolvendo essa Universidade?
DEPOENTE: Uns setecentos e cinquenta mil reais
JUÍZA: Desse montante, quanto foi pago a mais e devolvido?
DEPOENTE: Cento e trinta mil, cento e trinta e sete.
JUÍZA: Esses cento e trinta e sete mil foram depositados na conta da Sra Débora?
DEPOENTE: Não sei
JUÍZA: Por que foi depositado na conta dessa senhora?
DEPOENTE: Foi orientação que eu tive do vendedor, e orientação, provavelmente, do cliente.
JUÍZA: Então esse valor a mais não foi depositado na conta do Robson?
DEPOENTE: Como eu tinha dito, parte foi, em alguns casos. Eu tinha e-mail para pagar o Robson, devolver para o Robson, e parte para devolver para a Débora.
JUÍZA: No caso da Débora, houve determinação de devolver tudo o que havia sido depositado?
DEPOENTE: Os cento e trinta e sete mil
JUÍZA: Por quê? Qual a justificativa apresentada?
DEPOENTE: Não tinha mercadoria, não foi efetuada a compra, tanto que não foi efetuada essa compra.
JUÍZA: E no caso dos depósitos na conta do Robson, qual era a justificativa?
DEPOENTE: Tenho parte também como comissão.
JUÍZA: Comissão para quem?
DEPOENTE: Para o Robson, orientada pelo cliente.
(...)
JUÍZA: É praxe a Licimed receber valores, depositar valores na conta de pessoa física entre transações efetuadas com órgão público?
DEPOENTE: Existem comissões para autônomos, que nós pagamos.
JUÍZA: Mas devolução de valor de fatura é praxe ser depositada em conta de pessoa física?
DEPOENTE: Não
JUÍZA: A senhora sabe de depósitos efetuados pela Universidade Federal na conta de Robson Gomes Branco?
DEPOENTE: Da Universidade, ela depositando, houve uma orientação dela para ser depositado no nome dele, isso sim. Do cliente para ser depositado para essa pessoa. Esse é o registro contábil que eu tenho.
(...)
JUÍZA: E esse valor que era depositado na conta do Robson era um valor extrafatura?
DEPOENTE: Não, isso vinha uma orientação do cliente para depositar talvez algum tipo de comissão, alguma coisa. Eu não sei. Daí é o que está registrado como comissão.
(...)
JUÍZA: E o depósito da devolução foi efetuado em qual conta?
DEPOENTE: Eu vi que tinha nomes depositados na contabilidade, um dos razão que eu vi tinha uma devolução no nome de Débora. Foi uma das devoluções que a gente viu na contabilidade.
JUÍZA: Então o dinheiro voltou para o nome de uma pessoa física?
DEPOENTE: É, por orientação da Universidade, que foi orientação da área de vendas.
JUÍZA: Quanto voltou para Débora?
DEPOENTE: O valor exato? Mais de cem mil.
JUÍZA: Foi cento e trinta e sete mil e duzentos reais?
DEPOENTE: Acho que foi mais ou menos esse valor aí.
(...)
JUÍZA: Mas com relação à Universidade Federal havia circulação em três contas, no mínimo: uma que correspondia à conta da pessoa jurídica da Licimed, onde era depositado o valor da fatura. A outra, que era conta de pessoa física de Robson, onde era depositado o valor da comissão. E quando havia necessidade de devolução, era depositado pela Licimed na conta de uma pessoa física. Numa ocasião foi de Débora. É isso?
DEPOENTE: São os fatos que estão registrados na contabilidade. Dessa forma.

Tais registros contábeis encontram-se acostados aos autos (fls.385/405, notadamente fls. 404/405.

As demais testemunhas ouvidas nada esclarecem acerca dos fatos criminosos.

Às fls. 399 consta cópia do e-mail datado de 20.07.2004 enviado pelo corréu OLIVÉRIO, vendedor da empresa Licimed, à funcionária Taís, indicando o número de conta bancária da titularidade de Robson Gomes Branco, para depósito do valor de R$ 3.650,00, a corroborar as declarações do réu WALTER de que se utilizava da conta bancária de Robson Gomes Branco para receber as comissões pela venda de medicamentos.

Digno de nota o teor das mensagens trocadas entre os corréus WALTER e SANDRINE e entre WALTER e ENDRIGO (fls. 2641/2652 e 2654/2660), revelador de que havia entre eles e terceira pessoa de nome Nelson (Alessandro Peres Fávaro) acordo para a compra e fornecimento de medicamentos, negócio que movimentava vultosas quantias monetárias.

Com a prisão de Alessandro e os demais integrantes do grupo criminoso houve desentendimento entre os corréus WALTER, ENDRIGO e SANDRINE, em virtude de "acertos financeiros" derivados do fornecimento de medicamentos, como se observa dos diálogos transcritos às fls. 2641/2652 e 2654/2660 do 9º volume (Anexos do Laudo de Exame de Dispositivo de Armazenamento Computacional nº 2204/2006 - fls. 2634/2639), relativos a mensagens trocadas entre WALTER e ENDRIGO e WALTER e SANDRINE, acerca da cobrança da quantia de setenta mil reais.

Confira-se que há identificação dos interlocutores "Rau" (corréu WALTER RAU), "dininha" (corré SANDRINE) - fls. 2644, e ENDRIGO. Veja-se que SANDRINE, ao prestar declarações perante a autoridade policial devidamente acompanhada por advogados constituídos, consignou que sua alcunha é "Dininha" (fls. 731/738 do 3º volume).

Observa-se dos diálogos que ENDRIGO, SANDRINE e WALTER descobrem que Alessandro Peres Fávaro é a pessoa que se identificava por "Nelson" nas tratativas sobre a remessa dos remédios (fls. 2655).

Observa-se dos diálogos que ENDRIGO "mandava pra rio preto apartamento" (fls. 2656) os remédios requeridos por Alessandro.

Os diálogos também revelam que ENDRIGO, SANDRINE e WALTER ficaram sabendo da prisão de Alessandro pelo noticiário (fls. 2655) e tentam recompor o "esquema", visando o acerto de valores, oportunidade em que WALTER diz a SANDRINE que ela não receberá mais nada de Alessandro, em razão da prisão deste e diz pretender levar o caso à polícia e dizer que ela e ENDRIGO "desviam GH" e "vendem entorpecente a anos" (fls. 2651).

Em outras palavras, o "esquema" de tráfico de medicamentos funcionou bem até que a quadrilha de Alessandro (comprador/receptor dos medicamentos fornecidos por ENDRIGO e SANDRINE) fosse desbaratada, tendo havido pleno assentimento de ENDRIGO e SANDRINE para a remessa de remédios a Alessandro, em troca de ganho monetário, compartilhado com o corréu WALTER.

As provas colhidas sob o crivo do contraditório e da ampla defesa demonstram que:

a) WALTER inicialmente foi o contato entre Alessandro (comprador dos medicamentos) e a empresa Licimed Distribuidora de Medicamentos, tendo efetuado pesquisas para encontrar um fornecedor de medicamentos a Alessandro, vindo a indicar a Licimed Distribuidora de Medicamentos como provável fornecedora. Em interrogatório WALTER afirma que recebeu R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) de Alessandro para encontrar o fornecedor;

b) posteriormente, WALTER indicou ENDRIGO e SANDRINE como fornecedores de medicamentos a Alessandro, recebendo percentagem sobre as remessas de medicamentos realizadas por estes a Alessandro;

c) consta dos interrogatórios de ENDRIGO e SANDRINE que WALTER emprestou a conta bancária de ENDRIGO para receber a quantia de setenta mil reais, divididos em vários depósitos;

d) quando as relações comerciais entre Alessandro e a empresa Licimed estavam solidamente estabelecidas, como se vê de fls. 140/147 (listagem de remessas de medicamentos pelos correios, tendo como remetente a empresa Licimed e alguns dos destinatários "Juliana Maia", "Jonas Júnior" e Márcia - a primeira esposa de Alessandro, o segundo corréu condenado no processo de Alessandro e a terceira a mãe de Alessandro), WALTER indicou a conta bancária de sua mãe, Sra. Débora, para receber "estorno" de uma compra não realizada pela Universidade Federal Fluminense (Alessandro) no vultoso valor de R$ 137.200,00 (cento e trinta e sete mil e duzentos reais);

e) os documentos de fls. 148/149, datados de janeiro a dezembro/2004 e de janeiro a dezembro/2005, intitulados "Razão Analítico Individual" e emitidos pela empresa Licimed, revelam um histórico de diversos pagamentos da Licimed a Robson Gomes Branco, alguns destes pagamentos registrados como "comissões", lembrando que o réu WALTER declarou usar a conta bancária do amigo Robson Gomes Branco, nos anos de 2004 e 2005, para realizar sua própria movimentação financeira e recebimento dos pagamentos de comissões sobre a remessa dos medicamentos;

As provas demonstram o forte envolvimento de WALTER no tráfico de medicamentos, sendo descabida a tese de que ele era apenas um "informante" da quadrilha, considerada as altas quantias monetárias que lhe eram direcionadas, podendo-se destacar os pagamentos da ordem de vinte mil reais, trinta mil reais, oitenta mil reais, setenta mil reais e cento e trinta e sete mil e duzentos reais.

Em outras palavras, WALTER fazia da traficância seu meio de vida, não sendo crível que um montante de mais de trezentos e trinta mil reais pudesse lhe ser destinado apenas como recompensa por "informações" à quadrilha do tráfico, sem integrar o esquema criminoso.

Ao revés, a situação fática-probatória revela que WALTER estava embrenhado no esquema de remessa de medicamentos e era peça fundamental, tanto que lucrava consideravelmente com a atividade criminosa e inclusive "delega" parte das tarefas a ENDRIGO e SANDRINE, dos quais recebe comissão por remessa de medicamentos.

Portanto, a condenação de WALTER pela prática de tráfico de drogas e associação para o tráfico é de rigor e resta mantida.

E, nesse passo, improcede a pretensão de "desclassificação" das condutas para o crime do artigo 280 do Código Penal, pelas mesmas razões já aduzidas na análise do recurso dos réus ENDRIGO e SANDRINE, às quais me reporto.

Por derradeiro, não restou caracterizada a alegada delação premiada ou colaboração, visto que a quadrilha liderada por Alessandro Peres Fávaro - "célula" de São José do Rio Preto/SP - já havia sido desbaratada antes da prisão de WALTER.

Por sua vez, ENDRIGO, SANDRINE e o próprio réu WALTER foram presos em decorrência da descoberta de provas colhidas em residência do réu Alessandro, ensejando a continuidade das investigações iniciadas em São José do Rio Preto e as prisões.

Isto é, a troca de acusações entre WALTER e ENDRIGO e WALTER e SANDRINE em nada contribuiu para a identificação de demais coautores ou partícipes ou para a recuperação do produto do crime.


Passo à analise da dosimetria da pena.


A r.sentença apelada dosou a pena do réu WALTER da seguinte forma:


III.5 WALTER RAU DA SILVA VIEIRA JÚNIOR
- art. 12 da Lei n° 6.368/76, combinado com o art. 71, do Código Penal
1ª Fase - Circunstâncias Judiciais do art. 59 do Código Penal
Culpabilidade. Walter praticou o crime acima descrito, animado pelo dolo direto, violando sensivelmente o bem jurídico protegido pela norma penal, tendo em vista o fornecimento de um número significativo de medicamentos de uso controlado a criminosos que os revendiam através da internet, para viciados ao redor do mundo, propiciando sérios prejuízos à saúde de um número considerável de pessoas.
Teve atuação destacada tanto na aquisição de medicamentos junto à Licimed, fazendo-se passar por um médico do hospital da Universidade Federal Fluminense, bem como na apresentação de Endrigo e Sandrine a Alessandro, como novos fornecedores, logrando êxito no fornecimento de enorme quantidade de medicamentos de uso controlado em favor deste último. Certamente, obteve lucros consideráveis com tal tipo de atividade. Em razão disso tudo, sua pena-pena deverá ser fixada em patamar superior ao mínimo.
Antecedentes - de acordo com as certidões colhidas no Anexo IV, trata-se de réu tecnicamente primário.
Conduta Social - não há nos autos prova de fato desabonador à conduta do indigitado réu nas relações com as pessoas de seu convívio social.
Personalidade - também não há indicativos de que seja pessoa perigosa ou com sérias inclinações para a delinqüência.
Motivos - seu crime foi motivado pela busca do lucro fácil, sem qualquer preocupação com as conseqüências - provavelmente por acreditar na impunidade - escopo abjeto e que deve receber severa reprovação, para não servir como estímulo a práticas semelhantes, ensejando, assim, a elevação da respectiva pena-base.
Circunstâncias do Crime - pesa como circunstância desfavorável, a ser levada em conta para a exasperação de sua pena-base, a comercialização de enorme quantidade de medicamentos entorpecentes e psicotrópicos, lembrando sempre que, "em se tratando de crime de tráfico, a elevada quantidade e a qualidade da droga apreendida devem ser consideradas na fixação da resposta penal (Precedentes do STF e STJ)." (HC 241261RS, 5a Turma, Relator: Min. Félix Fischer, DOU 29.09.2003).
Conseqüências do Crime - não vislumbro conseqüências específicas que transcendam àquelas já previstas nos próprios tipos penais.
Comportamento da vítima - não aplicável à hipótese dos autos, não tendo influência no cometimento dos delitos.
Diante do exposto, não sendo favoráveis ao Réu as circunstâncias do art. 59 do Código Penal, fixo sua pena-base em:
- 06 (seis) anos e 06 (seis) meses de reclusão, acrescida de pena pecuniária no valor de 120 (cento e vinte) dias-multa.
2ª Fase - Circunstâncias Agravantes e Atenuantes
Não há agravantes ou atenuantes aplicáveis à espécie. Não se aplica ao caso a atenuante prevista no art. 65, inciso 111, letra "d", do Código Penal, porque o réu não confessou o delito em questão; passo, então, à fase seguinte.
3ª Fase - Causas de Aumento ou de Diminuição
A sanção relativa ao crime de tráfico de entorpecentes deverá ser aumentada em 1/6 (um sexto), em razão da continuidade delitiva (art. 71 CP), resultando numa sanção de 07 (sete) anos e 07 (sete) meses de reclusão, acrescida de pena pecuniária no valor correspondente a 140 (cento e quarenta) dias-multa, pena esta que torno DEFINITIVA, em razão da ausência de qualquer outra causa de aumento ou de diminuição a ser sopesada.
- art. 14 da Lei n° 6.368/76
1ª Fase - Circunstâncias Judiciais do art. 59 do Código Penal
Culpabilidade. Não há referências, nos autos, a qualquer conduta violenta praticada pela sociedade criminosa, de caráter estável, dolosamente constituída entre Sandrine, Endrigo e Walter Rau, para a prática reiterada do crime de tráfico de entorpecentes. O reduzido número de integrantes também não indica maior periculosidade. Não há notícia de que usassem armas ou que tivessem, ao seu dispor, equipamentos sofisticados para a prática de seus escopos criminosos. Portanto, situa-se a culpabilidade em grau normal à própria espécie delitiva, não justificando maior severidade na fixação da correspondente pena-base.
Antecedentes - de acordo com as certidões colhidas no Anexo IV, trata-se de réu tecnicamente primário.
Conduta Social - não há nos autos prova de fato desabonador à conduta de Walter Rau nas relações com as pessoas de seu convívio social.
Personalidade - também não há indicativos de que seja pessoa perigosa ou com sérias inclinações para a delinqüência.
Motivos - os objetivos são comuns à espécie, sendo formada a sociedade apenas visando à união de forças para o cometimento do crime de tráfico de entorpecentes. Nada de excepcional que justifique a elevação da sanção-básica.
Circunstâncias do Crime -, não vislumbro um sofisticado engenho criminoso, nem planejamento detalhado ou outros requintes para a consecução dos objetivos do grupo. Conseqüências do Crime - também não vislumbro conseqüências específicas que transcendam àquelas já previstas no próprio tipo penal.
Comportamento da vítima - não aplicável à hipótese dos autos, não tendo influência no cometimento dos delitos.
Diante do exposto, sendo favoráveis a Walter Rau as circunstâncias do art. 59 do Código Penal, fixo sua pena-base no mínimo legal, ou seja, em 03 (três) anos de reclusão, acrescida de sanção pecuniária equivalente a 50 (cinqüenta) dias-multa.
2ª Fase - Circunstâncias Agravantes e Atenuantes
Não há agravantes ou atenuantes aplicáveis à espécie. Não se aplica ao caso a atenuante prevista no art. 65, inciso III, letra "d", do Código Penal, porque o réu também não confessou o delito em questão; passo, então, à fase seguinte.
3ª Fase - Causas de Aumento ou de Diminuição
Como também não há qualquer causa de aumento ou de diminuição a ser sopesada, torno DEFINITIVA a pena fixada acima, no patamar de 03 (três) anos de reclusão, acrescida de sanção pecuniária equivalente a 50 (cinquenta) dias-multa.
SOMATÓRIA DAS PENAS - CONCURSO MATERIAL
Em razão do concurso material (art. 69 do Código Penal), as penas aplicadas a Walter Rau, devidamente somadas, totalizam 10 (dez) anos e 07 (sete) meses de reclusão, acrescida de pena pecuniária no valor correspondente a 190 (cento e noventa) dias-multa.
Como a situação financeira do Acusado não é das piores (cf. fl. 1993), fixo o valor de cada dia-multa em 1/10 (um décimo) do salário-mínimo vigente ao tempo das infrações, valor este que deverá ser monetariamente corrigido por ocasião da execução.

Na primeira fase da dosimetria da pena, a sentença fundamenta a exasperação da pena-base do crime de tráfico de drogas na desfavorabilidade das circunstâncias judiciais da culpabilidade, motivos do crime e circunstâncias do crime. Quanto ao crime de associação para o tráfico de drogas, a pena foi fixada no mínimo legal e tornada definitiva, inexistindo interesse para sua modificação.

Entendeu o Juiz a quo desfavorável a culpabilidade do réu WALTER em virtude da presença de "dolo direto, violando sensivelmente o bem jurídico protegido pela norma penal, tendo em vista o fornecimento de um número significativo de medicamentos de uso controlado a criminosos que os revendiam através da internet, para viciados ao redor do mundo, propiciando sérios prejuízos à saúde de um número considerável de pessoas".

Contudo, a fundamentação apresentada não se presta à majoração da pena-base porque o dolo contido na conduta de fornecer os medicamentos capazes de causar dependência física e psíquica em número indeterminado de pessoas é próprio e ordinário ao tipo penal sob comento, que possui como objetividade jurídica a proteção à saúde pública.

Por outro lado, a "busca do lucro fácil" não justifica o aumento da pena, pelas razões já deduzidas na análise do recurso dos réus ENDRIGO e SANDRINE, às quais me reporto.

Diante destas considerações, entendo que o réu WALTER ostenta como desfavoráveis as circunstâncias do crime, sendo de se acatar o pedido de diminuição da pena-base do crime de tráfico de drogas.

Assim, a pena comporta diminuição, mas fixação acima do mínimo legal em virtude da existência de circunstância judicial desfavorável, em 04 (quatro) anos de reclusão e 60 (sessenta) dias-multa.

Na segunda fase da dosimetria, nada a computar, como lançado na sentença.

Na terceira fase da dosimetria da pena, incide a causa de aumento da continuidade delitiva, em 1/6 (um sexto), como lançado na sentença, a resultar definitiva a pena do tráfico de drogas em 04 (quatro) anos e 08 (oito) meses de reclusão e 70 (setenta) dias-multa.

A pena total definitiva é de 07 (sete) anos e 08 (oito) meses de reclusão e 120 (cento e vinte) dias-multa, em virtude do concurso material entre o delito de tráfico de drogas e o delito de quadrilha voltada ao tráfico de drogas.


DA APELAÇÃO DOS RÉUS CELSO e OLIVÉRIO e do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (quanto ao crime de tráfico).


Considerando que a apelação do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL limita-se a pedir a condenação dos réus CELSO e OLIVÉRIO com o reconhecimento do dolo direto quanto ao crime de tráfico e a condenação de ambos no crime de associação para o tráfico, e considerando ainda que as apelações dos réus pleiteiam, entre outros itens, a absolvição, ambos os recursos serão analisados conjuntamente, quanto ao crime de tráfico, vez que em ambos deve ser feita a mesma análise do conjunto probatório relativos aos réus.

Inicialmente, registro ainda trata-se de caso deveras inusitado - apelação da Acusação contra a sentença que condenou os réus por dolo eventual, pedindo o reconhecimento do dolo direto. Embora duvidoso o interesse recursal do MPF em apelar contra sentença condenatória, pedindo a condenação por outro fundamento, na particularidade do caso dos autos, entendo que o recurso comporta conhecimento.

Isso porque a sentença condenatória foi explícita em fundar a condenação dos réus CELSO e OLIVÉRIO pelo crime de tráfico no dolo eventual. Assim, é de se entender possível que o MPF apele, pedindo o reconhecimento do dolo direto, a fim de se evitar que, na hipótese da análise da apelação da Defesa concluir pela ausência de dolo eventual, sejam os réus absolvidos.


Feitas essas considerações, passo à análise dos recursos.


Rejeito a preliminar de nulidade do feito por ausência de decisão da autoridade sanitária reconhecendo a infração imputada, pois não se discute a existência de autorização da empresa Licimed para a comercialização de medicamentos, abrangidos os de uso controlado.

Depreende-se do teor da inicial acusatória, que a questão posta nos autos diz respeito à venda de medicamentos de maneira ilegal, para pessoa física, em verdadeira simulação de uma venda comercial regular para pessoa jurídica - Hospital Antonio Pedro, vinculado à Universidade Federal Fluminense -, com remessa dos remédios para endereços desvinculados a qualquer filial ou "campus" da Universidade Federal Fluminense, em nome de pessoas físicas, bem assim com estornos dos valores das vendas em nome de terceiros/pessoas físicas também desvinculadas da pessoa jurídica supostamente adquirente, a qual constava da nota fiscal emitida pela Licimed, condutas enquadradas pelo Ministério Público Federal no tipo do artigo 12 da Lei 6.368/1976, na modalidade de venda de entorpecentes.

Nesse panorama, revela-se prescindível a manifestação da autoridade sanitária a respeito das transações efetuadas e tidas na denúncia como criminosas, exatamente porque a questão transborda, segundo a inicial acusatória, do aspecto de irregularidade administrativa na tramitação das vendas, vindo a constituir crime, equiparado a hediondo.

Nesse prisma, as autoridades policial e judiciária não ficam vinculadas a qualquer manifestação da autoridade sanitária, sendo dever de ofício prosseguir nas investigações, a fim de se apurar a ocorrência ou não de delito, dada a independência entre as instâncias administrativa e penal. Nesse sentido colaciono os precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça:


EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO DEMITIDO POR ILÍCITO ADMINISTRATIVO. SIMULTANEIDADE DE PROCESSOS ADMINISTRATIVO E PENAL. INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS. PRECEDENTES. Esta Corte tem reconhecido a autonomia das instâncias penal e administrativa, ressalvando as hipóteses de inexistência material do fato, de negativa de sua autoria e de fundamento lançado na instância administrativa referente a crime contra a administração pública. Precedentes: MS nº 21.029, CELSO DE MELLO, DJ de 23.09.94; MS nº 21.332, NÉRI DA SILVEIRA, DJ de 07.05.93; e 21.294, SEPÚLVEDA PERTENCE, julgado em 23.10.91; e MS nº 22.076, Relator para o acórdão Min. MAURÍCIO CORRÊA. Segurança denegada.
(STF, MS 21708, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 09/11/2000, DJ 18-05-2001 PP-00434 EMENT VOL-02031-04 PP-00696)
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL INTERPOSTO DE DECISÃO MONOCRÁTICA PROFERIDA PELO RELATOR ORIGINÁRIO (MIN. JOAQUIM BARBOSA) QUE INDEFERIU REQUERIMENTO DE TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL INICIADA EM INSTÃNCIA INFERIOR (EM FACE DO DEP. FEDERAL NEWTON LIMA NETO) E REMETIDA AO STF. CRIME DE DISPENSA IRREGULAR DE LICITAÇÃO (ART. 89, DA LEI N° 8.666/93). ALEGAÇÃO DE QUE A ABSOLVIÇÃO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR IMPROBIDADE REPERCUTE NA AÇÃO PENAL E RETRA A JUSTA CAUSA DA ACUSAÇÃO. INDEPENDÊNCIA ENTRE INSTÂNCIAS PENAL E CÍVEL. ABSOLVIÇÃO CÍVEL BASEADA EM FALTA DE PROVAS. RECURSO REJEITADO. 1. Alegação de falta de justa causa para prosseguimento de ação penal iniciada em instância inferior e que foi remetida ao STF após diplomação do Deputado Federal Newton Lima Neto em virtude de julgamento pela improcedência do pedido em ação civil pública. 2. Impossibilidade de vincular ao juízo criminal a avaliação feita por juízo cível, ainda mais tratando-se de julgamento em instância inferior sob pena de eventual usurpação da competência criminal do STF. 3. No presente caso, verifica-se que a improcedência do pedido condenatório na ação civil pública por improbidade decorreu de falta de prova. 4. Na presente ação penal é possível a produção de prova suficiente para formação de convencimento condenatório, diante do caráter mais profundo da instrução criminal. 5. Recurso a que se nega provimento.
(STF, AP 568 AgR, Relator(a):  Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 17/10/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-224 DIVULG 12-11-2013 PUBLIC 13-11-2013)
CRIMINAL. HC. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. PRODUTOS DESTINADOS A FINS TERAPÊUTICOS OU MEDICINAIS. REGISTRO NO ÓRGÃO COMPETENTE. TIPICIDADE CONFIGURADA. INEXISTÊNCIA DE ÓBICE À PUNIÇÃO ADMINISTRATIVA E PENAL.
INÉPCIA DA DENÚNCIA AO NÃO ESPECIFICAR OS PRODUTOS. PREJUÍZO À DEFESA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
Não se pode trancar ação penal por atipicidade, quando a conduta imputada constitui crime em tese.
O art. 273, § 1º-B, I, do Código Penal, tipifica a ação de vender, expor à venda ou ter em depósito para fins de comércio, distribuir ou entregar a consumo produto sem registro, quando este é exigível, no órgão de vigilância sanitária.
Não há óbice legal à punição de uma conduta na esfera administrativa e na esfera penal, se houver sua previsão como infração à legislação sanitária federal, assim como sua tipificação no Código Penal ou na legislação penal especial.
Ressalva de que a denúncia não especificou os produtos que produtos sujeitos a registro estariam sendo comercializados, expostos à venda ou mantidos em depósito, sendo certo que a Lei n.º 6.360/76 isenta alguns produtos de tal formalidade.
Evidenciando-se o apontado prejuízo à defesa, que se sujeitava a vagas acusações, deve ser reconhecida a inépcia da denúncia no que concerne ao paciente.
Recurso parcialmente provido para trancar a ação penal, em relação ao paciente, por inépcia da denúncia.
(STJ, RHC 12.264/RS, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 10/12/2002, DJ 10/03/2003, p. 243)

Rejeito a preliminar de incompetência da Justiça Federal, argüida ao argumento de ausência de demonstração da internacionalidade da conduta.

Aos réus CELSO e OLIVÉRIO foi imputada a conduta de fornecer medicamentos à quadrilha liderada por Alessandro Peres Fávaro, réu na ação penal nº 2006.61.06.005846-0, o qual revendia os medicamentos a terceiros, enviando-os pelo Correio a destinatários no exterior. Assim, segundo a denúncia, tratava-se de uma cadeia de ações delitivas, tendo como finalidade última o abastecimento do "mercado negro" estrangeiro com os remédios fornecidos pela empresa Licimed a Alessandro Peres Fávaro.

Portanto, a competência da Justiça Federal está bem delineada, tendo a questão sido decidida no julgamento da Apelação Criminal interposta por Alessandro Peres Fávaro, nos autos nº 2006.61.06.005846-0, na sessão de 15.10.2013, perante esta Primeira Turma, ao qual peço vênia para transcrever:


2.2. Rejeito a preliminar de incompetência da Justiça Federal, argüida ao argumento de ausência de demonstração da internacionalidade da conduta.
As apreensões realizadas no Centro de Tratamento de Cargas e Encomendas dos Correios de São José do Rio Preto/SP, de inúmeros comprimidos de medicamentos postados a destinatários nos Estados Unidos da América, consoante Autos de Apreensão de fls. 24/26, 42/46 e 152/153, evidenciam a transnacionalidade dos delitos do artigo 12 da Lei nº 6.368/1976 e do artigo 273 do Código Penal.
Igualmente os envelopes contendo medicamentos, apreendidos na residência dos réus ALESSANDRO e JULIANA, em que há inscrição de endereços de destinatários no exterior, consoante Auto de Apreensão de fls. 1224/1261, cujas fotografias correspondentes encontram-se às fls. 701/809, evidenciam a transnacionalidade dos aludidos delitos. Da mesma forma, os documentos de fls. 456/695 arrecadados na residência dos mencionados réus, consistentes em cópias de pedidos de envio de medicamentos, revelam endereços de destinatários no exterior.
Por fim, a existência de um sítio na internet utilizado para a venda da droga e da troca de mensagens eletrônicas com pessoas no exterior, revelam inequivocamente a transnacionalidade das condutas delituosas.
Assim, patente a intenção de remeter os medicamentos para território estrangeiro, justificando a competência da Justiça Federal nos termos do artigo 109, V, da Constiuição Federal. Nesse sentido situa-se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça e desta Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3a Região:
(...)
As apreensões realizadas no Centro de Tratamento de Cargas e Encomendas dos Correios de São José do Rio Preto/SP, de inúmeros comprimidos de medicamentos postados a destinatários nos Estados Unidos da América, consoante Autos de Apreensão de fls. 24/26, 42/46 e 152/153, evidenciam a transnacionalidade dos delitos do artigo 12 da Lei nº 6.368/1976 e do artigo 273 do Código Penal.
Igualmente os envelopes contendo medicamentos, apreendidos na residência dos réus ALESSANDRO e JULIANA, em que há inscrição de endereços de destinatários no exterior, consoante Auto de Apreensão de fls. 1224/1261, cujas fotografias correspondentes encontram-se às fls. 701/809, evidenciam a transnacionalidade dos aludidos delitos. Da mesma forma, os documentos de fls. 456/695 arrecadados na residência dos mencionados réus, consistentes em cópias de pedidos de envio de medicamentos, revelam endereços de destinatários no exterior.
Por fim, a existência de um sítio na internet utilizado para a venda da droga e da troca de mensagens eletrônicas com pessoas no exterior, revelam inequivocamente a transnacionalidade das condutas delituosas.
Assim, patente a intenção de remeter os medicamentos para território estrangeiro, justificando a competência da Justiça Federal nos termos do artigo 109, V, da Constiuição Federal. Nesse sentido situa-se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça e desta Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3a Região: (...)

Rejeito a preliminar de ilicitude da perícia encartada às fls. 3912/3917, ao argumento de a elaboração de "Relatório de Análise" pelos policiais federais Marques e Willian consistiu em "nova perícia" realizada por pessoas que não são peritos.

O Laudo de Exame de Dispositivo de Armazenamento Computacional nº 167/2007 de fls. 3912/3917 foi devidamente confeccionado por dois peritos criminais federais.

Observa-se do item IV-EXAMES (fls. 3915/3916) a indicação de que no dispositivo de armazenamento computacional examinado continha mensagens de correio eletrônico trocadas entre "Marco Aurélio" e a empresa Licimed, entre "Marco Aurélio" e funcionários da Licimed, arquivos referentes a Robson e caixa de e-mail do réu OLIVÉRIO.

Logo, a simples transcrição do conteúdo já desvendado pelos peritos no laudo 167/2007 não constituiu nova perícia, mas apenas referência à prova já produzida.


Não conheço da preliminar de ilicitude da prova produzida através da quebra de sigilo fiscal, consistente na requisição pelo Ministério Público Federal à Delegacia da Receita Federal em Porto Alegre/RS de cópias das Declarações de Imposto de Renda da pessoa jurídica Licimed (fls. 4705/4714), por falta de interesse, porque a questão já foi acolhida em preliminar de sentença (fls. 5325):


II.1.5. Quebra de sigilo fiscal sem determinação judicial - prova ilícita
Alega a defesa dos réus Celso e Olivério ser ilícita a juntada aos autos dos documentos de fls. 4704/4714 (vol. 16), que dizem respeito a dados fiscais da empresa Licimed, na medida em que tais informações foram requisitadas diretamente pelo Ministério Público à Autoridade fiscal.
Embora de forma não unânime, prevalece no Supremo Tribunal Federal o entendimento de que somente é legítima a quebra de sigild de dados diretamente requisitada pelo Ministério Público quando a questão a ser dirimida envolver dinheiro ou verbas públicas (MS 21.729-4/DF, Relator Ministro Sepúlveda Pertence).
Esta ponderação em virtude de uma colisão entre um direito individual e o interesse público não ocorre no presente caso. Assim, adotando o posicionamento prevalente da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, até o presente momento, acolho a preliminar argüida para considerar ilícita a prova em questão.
No entanto, cumpre salientar que tais documentos não têm relevância para o deslinde desta ação penal e já adianto que não serão considerados em meu processo de convencimento sobre os fatos narrados na denúncia, razão pela qual entendo desnecessário o seu desentranhamento dos autos.

Por outro lado, embora haja entendimento jurisprudencial no sentido de que o Ministério Público Federal não pode requerer à Receita Federal declarações de imposto de renda, sem autorização judicial, a declaração da ilicitude da prova traz como consequência sua inutilização para o processo.

E, no caso dos autos, as declarações de imposto de renda não serviram de base à condenação, não exercendo qualquer influência no convencimento do julgador.


Rejeitadas as preliminares, passo ao exame do mérito.


O réu CELSO figurava como diretor da empresa Licimed Distribuidora de Medicamentos, Correlatos e Produtos Médicos e Hospitalares Ltda. à época dos fatos, ao passo que o réu OLIVÉRIO era o vendedor de medicamentos na empresa Licimed Distribuidora de Medicamentos, Correlatos e Produtos Médicos e Hospitalares Ltda. à época dos fatos.

Segundo a denúncia, "CELSO LUIS VICARI - sócio e administrador da empresa LICIMED DISTRIBUIDORA DE MEDICAMENTOS, CORRELATOS E PRODUTOS MÉDICOS E HOSPITALARES LTDA (...) foi, pelo menos durante o período de fevereiro de 2003 a agosto de 2005, responsável pelo fornecimento ilícito de grande quantidade de medicamentos de uso controlado para a quadrilha liderada por ALESSANDRO".

Segundo a denúncia, "OLIVÉRIO BORGES JUNIOR - funcionário da empresa LICIMED, foi o responsável pela efetivação do falso cadastro da 'UFF' na empresa, bem como pelas providências de remeter os lotes de medicamento de comércio e uso controlado em nome da universidade para endereço diverso da mesma, e, ainda, por determinar a transferência de recursos depositados a maior na conta da LICIMED, pela quadrilha de ALESSANDRO PERES FAVARO, para a conta de terceiros totalmente estranhos aos quadros da LICIMED."


Não há que se falar em atipicidade da conduta, pois a denúncia descreve comportamentos que se amoldam ao tipo do artigo 12 da Lei 6.368/1976, modalidade vender e remeter, como se verifica dos excertos já transcritos no relatório.


A materialidade delitiva do delito de tráfico de drogas (artigo 12 da Lei 6.368/1976) encontra-se demonstrada pelas provas coligidas aos autos, como já explanado acima ao analisar os recursos de apelação dos réus ENDRIGO e SANDRINE, tópico ao qual me reporto.


A autoria delitiva imputada ao réu OLIVÉRIO pela prática de tráfico de drogas é comprovada pela prova produzida sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.

Não socorre a alegação da Defesa de que o réu OLIVÉRIO, na qualidade de vendedor da empresa Licimed, atuava licitamente fazendo a venda dos remédios a pessoa que se identificou como "Dr. Marco Aurélio", suposto médico do Hospital Antonio Pedro, vinculado à Universidade Federal Fluminense.

Do exame probatório é possível concluir que o réu OLIVÉRIO tinha pleno conhecimento de que não estava efetuando as vendas para um médico chamado Marco Aurélio, mas sim para outras pessoas físicas, que se passavam por ele, e compravam numerosa quantidade de medicamentos.

A alegação da Defesa de que houve "mero descuido", "ingenuidade" ou falta de controle mais rigoroso na realização da checagem dos compradores é desmentida pela prova dos autos.

Em primeiro lugar, é preciso anotar que OLIVÉRIO não se mostrava vendedor inexperiente, pois é dos autos que atuava nesta profissão na Licimed desde a sua criação, em 28.08.2000 (contrato social às fls. 150/153). Confira-se os excertos dos depoimentos do réu Celso e do próprio réu Olivério (fls. 2133/2134 e 2161/2162):


JUIZ: Olivério Borges Junior, o senhor conhece?
RÉU: Sim
JUIZ: O que que ele faz e de onde o senhor o conhece?
RÉU: Ele é vendedor da empresa
JUIZ: Ah. Ele trabalha lá desde quando?
RÉU: O Olivério trabalha, eu acho, 'desda' fundação da Licimed
JUIZ: Bom, o que que o senhor faz hoje seu Olivério?
RÉU: Eu sou vendedor.
JUIZ: Trabalha na Licimed?
RÉU: Na Licimed.
JUIZ: Ingressou lá quando?
RÉU: Faz uns cinco anos. [audiência realizada em 15.01.2007]
JUIZ: O que que o senhor faz precisamente lá? O vendedor, na prática, qual é o dia a dia dele?
RÉU: Eu trabalho com vendas pra órgãos públicos, trabalho com licitações, vendas diretas, indiretas, com os clientes através de licitações e também compra direta.
JUIZ: A empresa trata tão somente com órgãos públicos, ou com quem faz licitação, ou com particulares?
RÉU: É mais direcionada para órgãos públicos, mas a gente também, eventualmente, vende pra particular.

Além disso, OLIVÉRIO nunca chegou a receber a documentação prometida pela pessoa que se passava por "Dr. Marco Aurélio" da Universidade Federal Fluminense, documentação esta apta a demonstrar que a compra era feita em nome da pessoa jurídica, mas mesmo assim continuou a praticar as vendas por dois anos ininterruptos, por telefone e e-mail. Confira-se do depoimento do réu OLIVÉRIO (fls. 2163/2166):


JUIZ: Um tal de Marco Aurélio o senhor conhece?
RÉU: Doutor Marco Aurélio né, foi quem entrou em contato conosco pra compra de medicamentos né, através da Universidade Federal Fluminense.
JUIZ: Ele queria medicamentos só, que tipo de medicamentos? Medicamentos só de uso restrito ou de uso controlado, ou outros medicamentos do tipo Aspirina e outros que não tem uso controlado? São só "tarja preta"?
RÉU: Não, ele solicitava, passava por telefone, por e-mail né, listagens de medicamentos diversificados. Não saberia lhe precisar se são só de uso controlado né, mas posso afirmar que na grande maioria sim.
JUIZ: Esse Marco Aurélio, ele apresentou alguma credencial pra dizer que ele era da Universidade Federal Fluminense?
RÉU: Ele entrou em contato conosco né, ligou para a empresa, casualmente acho que fui eu que atendi, e se identificando como comprador né, doutor comprador da Universidade Federal né, passando os dados para um cadastro simples dentro da empresa. Mas credencial, documento, a gente solicitou no momento da compra né.
JUIZ: E ele apresentou alguma coisa?
RÉU: Na época, eu me lembro de a gente ter solicitado né, ele disse que enviou, mas não, não temos nada guardado lá.
JUIZ: O senhor pessoalmente nunca viu qualquer credencial dele dizendo que ele podia agir em nome da Universidade Federal?
RÉU: Não, não.
JUIZ: E essas compras eram de bastante volume?
RÉU: Volume considerado normal dentro das operações da empresa né.
JUIZ: Quando foi o primeiro contato dele com a Licimed?
RÉU: Não saberia lhe precisar exatamente né, mas eu acredito que foi uns três anos, três anos e pouco. [audiência realizada em 15.01.2007]
JUIZ: Foram vários contatos posteriores? Ele continua mantendo contato com a Licimed?
RÉU: Não.
JUIZ: Quando é que ele cessou?
RÉU: Final de 2005 (dois mil e cinco), acredito, não tenho bem a precisão, mas final de 2005.
JUIZ: O senhor sabe porque ele parou de entrar em contato com a Licimed?
RÉU: Não saberia afirmar o motivo para o qual parou de entrar em contato, mas ele procurava medicação de uso controlado, né, principalmente "Oxcond" (sic), e nós tínhamos a representação desse produto no estado. E também por uma reestruturação na empresa de compra e venda com clientes novos e antigos, a gente começou a ser mais exigentes com os clientes, e também por ter perdido, acredito eu, por ter perdido um pouco do desconto comercial que a gente tinha com o fabricante do produto ele acabou não entrando mais em contato, não comprando mais com a gente, também por causa da solicitação de mais documentos, a documentação. Isto visto, não é, depois de todo o ocorrido, depois do fato que veio a tona pra nós né.
(...)
JUIZ: Quem é que preenchia o destinatário da entrega?
RÉU: O destinatário é, praxe, como o senhor me perguntou ali né, é uma das funções do vendedor o contato com o cliente, a partir dali vem o vendedor é quem...
JUIZ: O senhor?
RÉU: Sim, eu. Recebo o local de entrega né e coloco no talão do pedido para o faturista. E ele é que...

Ao que se depreende do interrogatório, a única providência tomada pelo vendedor OLIVÉRIO, para efetuar as vendas dos remédios, era avaliar a situação financeira do comprador e receber antecipadamente os valores, de modo que as transações eram fechadas sem qualquer análise da documentação exigida sobre o comprador de remédios de uso controlado, sem exigência do envio desta documentação, inúmeras vendas realizadas indiscriminadamente, por telefone ou e-mail (fls. 2169):

JUIZ: Então, se eu entendi bem, a Licimed manda para a Universidade Federal, por causa de um telefonema de um tal de Marco Aurélio, que não se sabe ao certo se é da Universidade Federal, e as vezes a entrega não era no endereço da Universidade Federal, é isto?
RÉU: Não. Doutor Marco Aurélio se dizia comprador da universidade...
JUIZ: Sim, mas não tinha prova de que ele agia em nome da universidade?
RÉU: É, até porque a gente nunca, a venda de órgão públicos, a gente sabe que o Estado tem problemas financeiros, então a gente sempre se detêm num maior, vamos dizer assim, se detinha mais na questão do crédito do comprador né, do cliente. Então por isso que a gente fazia a verificação, o setor da empresa né, (INCOMPREENSÍVEL) financeiro e a verificação mais do crédito, até porque a gente nunca teve uma, um fato desses né, de, não é manipulação, de enganar, dados falso, vamos dizer assim.
JUIZ: E mesmo assim a empresa envia o medicamento?
RÉU: Não, a gente se fez, pegou todos os dados da empresa, foi conferido, o setor conferiu, batia os dados da universidade. A gente tirou, a gente que eu digo a empresa tirou um SCI, um SERASA, sei lá, e tinha essa universidade com vários débitos, tinham protestos em si, certo. Então para esse cliente foi determinado que a venda seria à vista, por eles ter vários protestos, e a gente já teve alguns problemas com clientes do Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, então a gente estava fazendo uma venda pra Universidade Federal. Pro comprador Marco Aurélio, pra fins de pesquisas de medicamentos como o próprio dizia.
JUIZ: Se eu sou da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, me intitulo médico ao telefone, telefono para a Licimed, peço que me enviem determinados medicamentos, a Licimed, depois de verificar se a universidade é boa pagadora ou não, ela manda os medicamentos pra mim? Pro endereço que eu indico?
RÉU: Sim.

Poder-se-ia dizer que seria praxe a venda por telefone e que a ausência da documentação necessária, vinda da pessoa jurídica, seria "mero descuido".

Contudo, a prova vai além, é segura a corroborar a imputação da denúncia de que OLIVÉRIO sabia que as vendas eram feitas a pessoa física, sem qualquer relação com a Universidade Federal Fluminense.

Com efeito, a agenda pessoal de OLIVÉRIO do ano 2004 (fls. 382/384) apreendida na empresa Licimed por policiais federais demonstra que, em verdade, o "Dr. Marco Aurélio" era pessoa de nome "Juliana" (esposa do réu Alessandro Peres Fávaro e também ré condenada nos autos da ação penal nº 2006.61.06.005846-0 por tráfico internacional de drogas e quadrilha voltada ao tráfico de drogas), pois ao lado da inscrição feita a mão "Marco Aurélio" estava anotado entre parênteses "Juliana S. Maia", com o endereço "Av. Alberto Andalo, 3975/92, CEP 15015-000, São José do Rio Preto-SP". Frise-se que o endereço indicado de "Marco Aurélio" ("Juliana") era o endereço residencial do casal de réus Alessandro e Juliana, em São José do Rio Preto/SP.

Em interrogatório, OLIVÉRIO declarou que era sua atribuição como vendedor indicar o local da entrega dos medicamentos. E que se lembra de ter remetido medicamentos para pessoa de nome "Juliana", em São José do Rio Preto/SP, a pedido do "Dr. Marco Aurélio" (fls. 2166/2167):


JUIZ: Mas que postava as entregas? A Licimed postava pra quem as entregas? Como é que as entregas eram feitas, pelo correio?
RÉU: Pelo correio. Algumas pelo correio, algumas por transportadora.
JUIZ: Quem é que levava no correio, ou na transportadora?
RÉU: O pessoal responsável na empresa né, setor de expedição, faturamento.
JUIZ: Quem é que preenchia o destinatário da entrega?
RÉU: O destinatário é, praxe, como o senhor me perguntou ali né, é uma das funções do vendedor o contato com o cliente, a partir dali vem o vendedor é quem...
JUIZ: O senhor?
RÉU: Sim, eu. Recebo o local de entrega né e coloco no talão do pedido para o faturista. E ele é que...
JUIZ: O endereço de entrega era realmente UFF ou era endereço diverso?
RÉU: Endereço diverso.
JUIZ: Onde? Qual cidade do Brasil?
RÉU: Teve algumas pra São José do Rio Preto.
JUIZ: Endereço de um casal de nome Alessandro e Juliana?
RÉU: Juliana eu não me lembro.
JUIZ: Juliana Saudt? E Alessandro, deixa eu ver das quantas, Juliana Saudt Maia Savaro, ou Favaro, e Alessandro Peres Favaro? Alguma vez foi pra eles?
RÉU: Sim pra Juliana eu me lembro. Foi o doutor Marco Aurélio que solicitou a entrega né, pra eles, até inclusive foi constatado uma agenda minha que tinha o endereço, o nome, tanto do doutor Marco Aurélio quanto o da Juliana, e o endereço ali escrito. Porque? Porque como era contato via telefone e o pagamento a vista, e aquele negócio depois, já ocorreu de a mercadoria, pra outros clientes, não chegar num tempo, vamos dizer assim, estimado ou esperado, e eu não tinha, como era um endereço diverso do da, depois eu anotei na agenda esse endereço né.

As afirmações em interrogatório quanto à remessa dos medicamentos ao endereço da "Av. Alberto Andalo, 3975/92, CEP 15015-000, São José do Rio Preto-SP" são corroboradas pelos documentos de fls. 361/362 e 369/370, consistentes em "Demonstrativo de Serviços Prestados no período de 01/01/2004 a 30/05/2004 e no período de 01/01/2005 e 30/05/2005" pelos Correios à empresa Licimed, onde constam remessas de medicamentos para o CEP 15015-000 em nome de Juliana S. Maia, nos dias 20/04/2004 (peso da embalagem 5941 gramas) e 20/04/2005 (peso das embalagens 3743 gramas, 2628 gramas e 9530 gramas), cujo peso das embalagens somente no dia 20/05/2005 soma quase dezesseis quilos.

É realmente expressiva a quantidade de quase dezesseis quilos de medicamentos, enviados num único dia, para pessoa física, se em comparação com as demais encomendas remetidas no mesmo período, para compradores pessoas jurídicas, o peso das embalagens não chega nem perto de um quilo - o maior é da ordem de 650 gramas - sendo a média em torno de 150 gramas (fls. 361/362 e 369/370).

Digno de nota as mensagens eletrônicas trocadas entre "marcoaureliopedro" e o funcionário da Licimed Rafael Loss, no dia 31.01.2005, sobre pedido de medicamentos (fls. 3921/3922). Observa-se que, embora o requerente dos remédios seja "marcoaureliopedro", a pessoa que irá receber os remédios é JONAS SILVEIRA JR, no mesmo endereço (CEP 01305-000) constante da listagem dos correios acerca de entregas remetidas pela Licimed (fls. 363, 364, 365, 370 e 379).

Acrescente-se que as declarações do réu OLIVÉRIO e os depoimentos de testemunhas (fls. 3876/3877 3877verso/3879, 3879verso/3881, 3884verso/3886) de que era praxe o envio dos medicamentos para endereço distinto da pessoa jurídica compradora também não é capaz de isentá-lo da responsabilidade penal por tráfico de drogas.

De fato, as declarações são no sentido de que o envio dos medicamentos poderia ser para local distinto da pessoa jurídica compradora, porém, o local de destino guardava relação com a finalidade institucional da pessoa jurídica compradora. Isto é, uma universidade poderia comprar, mas o pedido era para ser remetido para um ou alguns de seus campus; a secretaria de saúde do Estado do Rio Grande do Sul seria a compradora constante da nota fiscal e o endereço de entrega dos medicamentos seria, por exemplo, postos de saúde relativos àquela secretaria, dentro do Estado do Rio Grande do Sul ou ainda, um determinado hospital seria o comprador constante da nota fiscal e o endereço de entrega dos medicamentos seria um outro hospital conveniado ou local de pesquisas do hospital.

Mas o que aconteceu no caso dos autos, por inúmeras vezes, no período de dois anos consecutivos, é que a Universidade Federal Fluminense, localizada em Niterói-Estado do Rio de Janeiro, era a compradora constante da nota fiscal e a entrega dos remédios era feita em nome de pessoas físicas "Juliana" e "Jonas" (réus na ação penal 2006.61.06.005846-0 e condenados também neste Tribunal por tráfico internacional de drogas e quadrilha voltada ao tráfico de drogas, liderada pelo corréu Alessandro, marido da ré Juliana), na cidade de São José do Rio Preto/SP, na cidade de São Paulo-Capital, na cidade de Praia Grande/SP e na cidade de São Caetano do Sul/SP.

As pesquisas feitas em relação aos CEPs indicados nas relações de remessas efetuadas pelos Correios, a pedido do cliente Licimed, para as pessoas físicas "Juliana" e "Jonas" (fls. 361/376), no período de janeiro/2004 a dezembro/2005, identificaram que os endereços dos destinatários localizam-se na cidade de São José do Rio Preto/SP (residência do casal Alessandro Peres Fávaro e Juliana Saud Maia Favaro), na cidade de São Paulo-Capital, na cidade de Praia Grande/SP (casa de veraneio do casal Alessandro Peres Fávaro e Juliana Saud Maia Favaro) e na cidade de São Caetano do Sul/SP (fls. 378/381).

Em outras palavras, a entrega dos medicamentos era feita a pessoas absolutamente desvinculadas a qualquer atividade institucional da suposta Universidade Federal Fluminense, em locais igualmente desvinculados com qualquer atividade de referida universidade, para endereços residenciais, em Estado da Federação distinto.

Veja-se da lista de encomendas dos Correios, contrato mantido entre a Licimed e os correios para o envio de medicamentos, que as remessas de remédios para São José do Rio Preto/SP, São Paulo/SP, Praia Grande/SP e São Caetano do Sul/SP tinham a especificação dos destinatários as pessoas físicas "Juliana S. Maia" e "Jonas Silveira Jr." (réus na ação penal 2006.61.06.005846-0 e também condenados neste Tribunal Regional Federal por tráfico internacional de drogas e quadrilha voltada ao tráfico de drogas).

Ou seja, não havia qualquer engano quanto aos destinatários serem pessoas físicas, domiciliadas em São José do Rio Preto/SP, São Paulo-Capital, Praia Grande/SP e São Caetano do Sul/SP, pois infere-se dos documentos de fls. 361/376 que a própria empresa vendedora Licimed, através do réu OLIVÉRIO, especificou aos Correios que os destinatários eram pessoas físicas.

Digno de nota que as remessas dos medicamentos via correios pela Licimed a "Juliana" e a "Jonas" (réus na ação penal 2006.61.06.005846-0 e também condenados neste Tribunal Regional Federal por tráfico internacional de drogas e quadrilha voltada ao tráfico de drogas) eram constantes e bem acima da quantidade remetida a pessoas jurídicas compradoras.

Comparando-se a especificação do peso das embalagens contendo os medicamentos constata-se que as remessas para pessoas jurídicas (como prefeituras, hospitais, universidades, secretarias de saúde, laboratório) eram no patamar entre de 80 g (oitenta gramas) e 300 g (trezentos gramas) - exceto algumas remessas maiores para a empresa Medex, empresa distribuidora de medicamentos integrante do próprio grupo da Licimed -, ao passo que o peso das embalagens contendo medicamentos remetidos às pessoas físicas "Juliana" e "Jonas" era da ordem de quilos, conforme ordem cronológica que segue:


a) 5.941 gramas, em 20.04.2004 (fls. 361);

b) 4.760 gramas, em 16.07.2004 (fls. 365);

c) 10.410 gramas, em 10.08.2004 (fls. 365);

d) 3.480 gramas, 7.340 gramas, 7.310 gramas, 4.080 gramas, 12.400 gramas, 6.070 gramas e 6.080 gramas, em 29.10.2004 (fls. 363/364);

e) 13.950 gramas, em 12.11.2004 (fls. 364);

f) 7.630 gramas e 6.500 gramas, em 02.12.2004 (fls. 364);

g) 3.990 gramas, em 17.12.2004 (fls. 364);

h) 11.780 gramas, em 20.12.2004 (fls. 364);

i) 7.400 gramas, em 22.12.2004 (fls. 364);

j) 1.545 gramas e 8.400 gramas, em 17.02.2005 (fls. 370);

l) 6.240 gramas e 3.890 gramas, em 22.02.2005 (fls. 368);

m) 3.005 gramas, 24.500 gramas, 9.240 gramas e 8.000 gramas, em 22.03.2005 (fls. 370);

n) 3.743 gramas, 2.628 gramas e 9.530 gramas, em 20.04.2005 (fls. 369);

o) 4.326 gramas, em 02.05.2005 (fls. 369);

p) 10.275 gramas e 11.020 gramas, em 03.08.2005 (fls. 374);

q) 1.352 gramas, 1.217 gramas e 1.345 gramas, em 04.08.2005 (fls. 371).

Isto é, as vendas a pessoas físicas eram "fora do padrão", em volume altamente maior que as vendas às pessoas jurídicas. Veja-se que somente no dia 29.10.2004 foi remetida a quantidade impressionante de 46,760 Kg (quarenta e seis quilos e setecentos e sessenta gramas) de medicamentos para a pessoa física "Jonas".

Acrescente-se que o Laudo de Exame Contábil nº 2001/06 (fls. 03/12 do Apenso denominado "Anexo I - LAUDOS"), realizado com base em notas fiscais apreendidas na empresa Licimed, relativas a vendas efetuadas à Universidade Federal Fluminense, conclui que:

a) no ano de 2003 foram efetuadas vendas de 4.668 caixas de medicamentos, perfazendo o volume de venda no valor de R$ 419.380,34;

b) no ano de 2004 foram efetuadas vendas de 3.739 caixas de medicamentos, perfazendo o volume de venda no valor de R$ 462.350,81;

c) no ano de 2005 foram efetuadas vendas de 4.329 caixas de medicamentos, perfazendo o volume de venda no valor de R$ 312.719,70;

O volume total de vendas nos anos de 2003, 2004 e 2005 perfez a quantia de R$ 1.194.450,85 (um milhão, cento e noventa e quatro mil, quatrocentos e cinquenta reais e oitenta e cinco centavos).


Desta feita, a alegação da Defesa de que o montante vendido pela Licimed supostamente à Universidade Federal Fluminense (quadrilha liderada por Alessandro Peres Fávaro, que contava com os integrantes Juliana Saud Maia Fávaro-esposa de Alessandro, Anderson Peres Fávaro-irmão de Alessandro e Jonas Silveira Franco Júnior, entre outros) era irrisória revela-se inverídica.

Cumpre atentar também que em relação ao medicamento de uso controlado "Oxycontin", de variadas dosagens, a Licimed teve apenas dois compradores nos anos de 2004 e 2005, a Universidade Federal Fluminense e a empresa Med Express Com. Medicamentos Mat. Hosp. Ltda., empresa do próprio grupo da Licimed e cuja atividade comercial era a distribuição de medicamentos. E o volume de vendas à Universidade Federal Fluminense é enormemente maior em relação à empresa Med Express (fls. 187/200), a evidenciar, mais uma vez, que as vendas realizadas em nome da Universidade Federal Fluminense não representavam valor irrisório ou insignificante no histórico da Licimed.

Frise-se também que houve estorno do dinheiro de venda não realizada em nome de pessoa física "Débora M. Ferrua Vieira", mãe do corréu WALTER, no valor de R$ 137.200,00 (cento e trinta e sete mil e duzentos reais) a evidenciar que a transação não era realizada entre a pessoa jurídica Universidade Federal Fluminense e a Licimed, mas para pessoa física (fls. 404).

Indagada a respeito do estorno do valor de fatura em conta de pessoa física, a testemunha Taís Helena Pinheiro Torres, gerente financeira do grupo de empresas Licimed, Medex e BIV desde agosto/2003, afirmou que não era comum tal procedimento, considerando que a compra era realizada por pessoa jurídica (fls. 3090/3093):


JUÍZA: A senhora efetuou devolução de valores depositando dinheiro na conta da Universidade Federal?
DEPOENTE: Não na conta da Universidade Federal.
JUÍZA: Depositou dinheiro em qual conta?
DEPOENTE: Na conta do Robson...
JUÍZA: Quem é Robson?
DEPOENTE: Um dos réus.
JUÍZA: Quem é essa pessoa?
DEPOENTE: Era quem a Universidade informava para quem deveria ser depositado.
JUÍZA: A devolução era feita na conta da pessoa física?
DEPOENTE: Isso.
JUÍZA: E o que era pago a mais era devolvido para esse Robson também?
DEPOENTE: Para quem eles solicitavam. Foi feito para o Robson, uma vez foi feito para a Débora.
(...)
JUÍZA: Qual foi o valor total das operações envolvendo essa Universidade?
DEPOENTE: Uns setecentos e cinquenta mil reais
JUÍZA: Desse montante, quanto foi pago a mais e devolvido?
DEPOENTE: Cento e trinta mil, cento e trinta e sete.
JUÍZA: Esses cento e trinta e sete mil foram depositados na conta da Sra Débora?
DEPOENTE: Não sei
JUÍZA: Por que foi depositado na conta dessa senhora?
DEPOENTE: Foi orientação que eu tive do vendedor, e orientação, provavelmente, do cliente.
JUÍZA: Então esse valor a mais não foi depositado na conta do Robson?
DEPOENTE: Como eu tinha dito, parte foi, em alguns casos. Eu tinha e-mail para pagar o Robson, devolver para o Robson, e parte para devolver para a Débora.
JUÍZA: No caso da Débora, houve determinação de devolver tudo o que havia sido depositado?
DEPOENTE: Os cento e trinta e sete mil
JUÍZA: Por quê? Qual a justificativa apresentada?
DEPOENTE: Não tinha mercadoria, não foi efetuada a compra, tanto que não foi efetuada essa compra.
JUÍZA: E no caso dos depósitos na conta do Robson, qual era a justificativa?
DEPOENTE: Tenho parte também como comissão.
JUÍZA: Comissão para quem?
DEPOENTE: Para o Robson, orientada pelo cliente.
(...)
JUÍZA: É praxe a Licimed receber valores, depositar valores na conta de pessoa física entre transações efetuadas com órgão público?
DEPOENTE: Existem comissões para autônomos, que nós pagamos.
JUÍZA: Mas devolução de valor de fatura é praxe ser depositada em conta de pessoa física?
DEPOENTE: Não

Os documentos de fls. 148/149, denominados "Razão Analítico Individual", emitidos pela empresa Licimed, demonstram que nos anos de 2004 e 2005 foram feitos inúmeros pagamentos à pessoa física de Robson Gomes Branco (amigo do corréu WALTER e de quem WALTER emprestava a conta bancária para fazer sua própria movimentação financeira). Alguns destes pagamentos eram intitulados "comissões" e "dif comissões", a comprovar que a empresa Licimed remunerava "terceiro", em razão das vultosas vendas de medicamentos à quadrilha liderada por Alessandro Peres Fávaro.

As cópias de e-mails enviados pelo réu OLIVÉRIO a funcionárias da empresa, determinando o depósito de valores em nome de Robson Gomes Branco corroboram a realização de tal prática (fls. 399).

A realização de depósitos em nome de Robson Gomes Branco, a pedido do "Dr. Marco Aurélio" é confirmada pelo réu OLIVÉRIO, em interrogatório (fls. 2172/2173 e 2181):

DEFESA: Recorda alguma vez de ter ocorrido pagamento a maio por parte desse Doutor Marco Aurélio com instrução para estorno desse valor na conta de um tal Robson?
RÉU: Sim, nesses casos, que nem eu falei, de quantidades solicitadas a eles de, uma quantidade "x" de medicamentos, né, de caixas, e, posteriormente, depois, dizendo que não queria 200 caixas, queria 180, né? Aí, ele indicava a devolução do dinheiro: "ó, Doutor", né, falando no telefone, "ó, o senhor vai pedir 180, depositou referente a 200, né, como é que a gente faz, procede a devolução do, do, do restante do dinheiro". Ele indicava a conta corrente, referente a quem isso tudo... Eu recebia, repassava pra gerência, pra diretoria, e eles encaminhavam pro financeiro, ou eu informava, também, junto, o e-mail com cópia ou, geralmente, era e-mail com cópia e enviava, né? Só que, claro, eu não tenho autorização pra determinar pra depositar o dinheiro na conta de "a", "b", "c" ou "d", muito menos...
JUIZ: Quem tem é o diretor ou o gerente?
RÉU: O diretor.
JUIZ: O diretor.
RÉU: O diretor. O gerente, ele, ele gerencia e informa o diretor.
JUIZ: Sim, sim. Alguma vez o senhor recebeu orientação do Marco Aurélio para que essa sobra, esse a mais fosse depositada na conta de Robson Gomes Franco? Branco?
RÉU: Sim.
JUIZ: Claro, o senhor não tinha o poder de depositar, quem o fazia era o diretor, como acaba de dizer.
RÉU: Sim, é o...
JUIZ: De fazer o retorno.
RÉU: É, que nem eu falei, assim como eu, também, tinha os dados do local de entrega que era passado para mim, né, sempre informando ao superior, né, passava pro faturista, que ele que... Eu faço a venda, né, o faturista que entrega, o financeiro checa o depósito, se entrou o dinheiro na conta corrente, se não entrou, isso e aquilo. Por exemplo, se emite uma nota, o cliente não paga, o financeiro... Que que houve, tem algum problema na entrega, atrasou a entrega? Muitas vezes, tem prazo de entrega, né, pra órgão público, dez dias, quinze dias, a mercadoria não chega naquele prazo, corre multa, ou o cliente demora a pagar, mesmo tempo que a empresa demorou pra entregar, então, o financeiro retorna ao vendedor, o vendedor: "que que tem? Sabe o porque que o cliente tá atrasando, ou não?", dessa forma assim. E eu, assim como eu falei antes, né, vem pra mim, no caso, devolução ou fica com... Tem, também, clientes que ficam com o crédito, né? a gente tem contratos grandes, fica com o crédito, tem o valor lá, "não, não, na próxima nota eu não vou te pagar o valor "x" lá, vou te pagar menos esse valor que já está na..."
(...)
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: Ele dava alguma justificativa porque que o dinheiro era depositado naquela conta, específica daquela pessoa e não da Universidade?
RÉU: Não.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: Se a Universidade tava comprando, a diferença, a princípio, pertenceria à Universidade. Então, o fato de devolver a diferença pra uma pessoa física, sem nenhuma relação aparente com a Universidade, ele deu alguma justificativa pra isso?
RÉU: Uma vez, ele me contou que seria uma comissão.

Logo, o fato de a empresa Licimed possuir autorização do órgão sanitário competente para a venda de medicamentos, abrangidos os de uso controlado, não é capaz de provar a inocência do réu OLIVÉRIO, porque as provas coligidas aos autos demonstram que ele tinha plena ciência que a venda não estava sendo feita para pessoa jurídica Universidade Federal Fluminense, mas para pessoas físicas absolutamente desvinculadas da universidade, em montante bastante acima do praticado por pessoas jurídicas compradoras, como universidades, hospitais e secretarias de saúde.

Considerada a fundamentação supra e todas as provas produzidas sob o crivo do contraditório e da ampla defesa é de rigor a manutenção da condenação do réu OLIVÉRIO Borges Júnior pela prática de tráfico de drogas, cometido com dolo direto, consistente na vontade livre e consciente de efetuar as vendas de entorpecentes a pessoas físicas, sabedor de que a emissão de notas fiscais em nome da Universidade Federal Fluminense era ideologicamente falsa, destinada a dar aparência de legalidade às vendas.


Por outro lado, com relação ao réu CELSO, não há prova segura e suficiente da autoria delitiva em relação pela prática de tráfico de drogas.

A prova dos autos revela que as vendas dos medicamentos eram realizadas sem checagem da documentação do comprador, no sentido da verificação da autenticidade de quem comprava via telefone e e-mail, priorizando-se a verificação da aptidão financeira do comprador, se era um bom pagador, e que tal prática seria comum no meio farmacêutico. Confira-se dos depoimentos das testemunhas Claudionei dos Santos Melo, Edson Bittencourt e Eugênio da Silva de Castro (fls. 3874/3875, 3876/3877, 3877verso/3879):


DEFESA: À época dos fatos, ou seja, 2003, 4 e 5, qual era o cargo que o senhor ocupava?
TESTEMUNHA: Eu era vendedor.
DEFESA: Como vendedor, como é que se opera a venda, ou seja, como é o modus operandi, a operacionalização da venda. O cliente liga, cai para o vendedor, como é que é isso, é de forma aleatória para um vendedor ou para outro, como é que é?
TESTEMUNHA: Sim, na época, como a empresa estava recém iniciando, no caso, era eu e o Olivério os vendedores, daí, como não tinha formado uma carteira de clientes, então quando o cliente ligasse se eu atendesse seria meu ou seria do Olivério se ele atendesse.
DEFESA: De forma aleatória, então?
TESTEMUNHA: De forma aleatória.
DEFESA: Que dados cadastrais são solicitados para aquele órgão público que está fazendo a compra?
TESTEMUNHA: Os dados cadastrais são, CNPJ, razão social, inscrição estadual, telefone de contato, endereço.
DEFESA: E o que é checado para fazer a venda?
TESTEMUNHA: Para fazer a venda?
DEFESA: Sim, que órgãos são consultados? Como é que se faz?
TESTEMUNHA: Aí no caso, a gente liga, a gente passava para o nosso setor de crédito e cobrança, né? Para checar se tinha crédito ou não. E aí, em cima disso era feito a liberação.
DEFESA: O senhor trabalha na indústria farmacêutica há quanto tempo?
TESTEMUNHA: Eu trabalhei durante 20 (vinte) anos, hoje eu não trabalho mais na indústria.
(...)
DEFESA: Como é que é feito o primeiro contato por parte de um órgão público quando faz um contato com um distribuidor de medicamentos, como é que é feito esse cadastro? Que dados são pedidos, o que é checado?
TESTEMUNHA: Esse contato pode ser tanto pessoalmente como por telefone. É suscitado: razão social, CNPJ, dados do comprador, local de entrega, são basicamente os dados padrão, né?
DEFESA: E o distribuidor checa o quê antes de fazer a venda? Que órgãos?
TESTEMUNHA: Basicamente, no CNPJ da empresa, a constituição da empresa que está solicitando a compra e a análise de crédito, fundamental para que seja efetivada a venda.
DEFESA: Serasa, SPC, seria isso?
TESTEMUNHA: sim, senhor.
JUIZ: Qual é a sua empresa, o objeto específico?
TESTEMUNHA: Eu trabalho com a Hospfar, é um distribuidor com sede em Goiânia.
(...)
DEFESA: Como é que se faz a venda, atualmente? Ou seja, telefone, internet, a venda, é claro, para órgãos públicos por parte do distribuidor?
TESTEMUNHA: A venda pode ser feita na forma de pregões, tomadas de preço, concorrências, dispensas e compras emergenciais.
(...)
DEFESA: Atualmente, então, isso pode ser feito pela internet, enfim. Antigamente, como é que se cadastrava um órgão público?
TESTEMUNHA: Antigamente há quanto tempo, doutor?
DEFESA: Si, antes do advento da internet, em termos de operação.
TESTEMUNHA: Ah, sim. Nós, se levava junto ao cliente a ficha cadastral, a ficha era preenchida era analisada pela empresa e a partir dali, se não houvesse restrição nenhuma, quanto a área de pagamentos, enfim, se seria um bom cliente a gente fornecia.
DEFESA: Existem casos em que, de hospitais, em que não se teve nunca qualquer contato pessoal, ou seja, feita a ficha, ou pela internet, ou enfim, por contato, e as vendas foram feitas sem qualquer contato pessoal?
TESTEMUNHA: Vários, eu tenho vários casos.

Em interrogatório (fls. 2131/2159), o réu CELSO declarou que foi solicitada a compra de medicamentos por pessoa que se autodenominou médico "Dr. Marco Aurélio", em nome da Universidade Federal Fluminense, tendo a empresa Licimed realizado a verificação financeira do comprador Universidade Federal Fluminense, pedido a documentação do comprador que não chegou, e exigido o recebimento antecipado, porque a maior preocupação da Licimed era com inadimplência, vindo então a efetuar a venda.

Afirmou ainda em interrogatório que desconhecia que os medicamentos eram enviados para pessoas físicas e sequer suspeitava que o Dr. Marco Aurélio não pertencia à Universidade Federal Fluminense, afirmando ainda que, na condição de diretor da empresa Licimed atuava no "macro", não cuidando dos detalhes operacionais.

Disse o réu CELSO que quando era necessário o estorno dos valores, o vendedor passava os dados que recebia do cliente para fazer a devolução e que só tomava conhecimento da necessidade de estorno, mas não o autorizava.


JUIZ: O senhor é sócio administrador dela?
RÉU: Sou sócio-diretor.
JUIZ: Desde quando?
RÉU: Desde a fundação da empresa.
JUIZ: Ela foi fundada quando?
RÉU: É, em torno de 2002. Final de 2002.
JUIZ: O nome completo, nome comercial dela?
RÉU: Licimed Distribuidora de Medicamentos e Material Médico-Hospitalar.
(...)
DEFESA: Tá caindo, aqui. Dá pra ouvir bem? Doutor, gostaria que o réu explicasse como é o funcionamento da empresa, e de que forma a empresa foi envolvida nesses fatos narrados na denúncia.
RÉU: A Licimed é uma empresa que foi fundada em mil e, em 2002, no final de 2002, pra atender, exclusivamente, a órgãos públicos. Nós trabalhamos só com órgãos públicos. Então, o que que acontece? É, nós vendemos medicamentos, com a autorização da Anvisa, medicamentos especiais ou não, excepcionais ou não, com autorização da Anvisa. Esses medicamentos são vendidos mediante a, o órgão nos ligando... Tem duas formas: ou eles nos ligam pra pedir cotação do produto ou nós ligamos oferecendo nossos produtos. Como é um órgão público e tinha nos ligado... Eu explico tudo, Aury, como é que é o funcionamento todo?
DEFESA: Sim, que órgão ligou.
RÉU: Então, que que aconteceu conosco? Uma universidade do Rio de Janeiro nos ligou querendo comprar medicamentos. Como nós...
JUIZ: Com ou sem licitação?
RÉU: Sem licitação, uma dispensa de licitação. Que que aconteceu, Doutor? Esse, essa, esse órgão nos ligou e nós tivemos vários problemas em outros locais, e até no próprio Rio de Janeiro, com dificuldade de pagamento. Nós sempre tivemos alguma dificuldade. Então, o que que a gente fez? A gente colocou pra vender pro Rio de Janeiro, ou pra qualquer órgão, primeiro, tinha que consultar no Serasa. O, primeiro, o cliente tinha que ser bom ou mau pagador pra que a gente vendesse. Então, a Licimed; ela só vende em órgãos públicos.
(...)
DEFESA: O senhor pode continuar narrando sobre os fatos. Onde é que entra o fato, enfim. Pode narrar.
RÉU: Aí, o que que aconteceu? Aí, uma pessoa, chamada Doutor Marco Aurélio, ligou pra Licimed, ligou para um vendedor da Licimed querendo comprar medicamentos. Este, essa pessoa se intitulava médico, Doutor Marco Aurélio, e queria comprar através da universidade, é, Universidade Fluminense. Que que a Licimed fez? E, primeiro, fomos checar, através do nosso cadastro; aí, no cadastro, constou que essa universidade, ela não possuía crédito. E, pra que a gente vendesse para a universidade, a gente só poderia vender de uma forma, que eles nos pagassem à vista, uma vez que a universidade, é, ela não tinha crédito conosco. Aí, o Doutor Marco Aurélio, se dizendo médico, ligou e pediu um determinado medicamento, que foi atendido pelo vendedor da época, me parece que era o Jéferson, e depois passou pro Olivério.
(...)
RÉU: Então, o que que aconteceu? Essa pessoa nos ligou, fazendo essa cotação, me ligou, ligou para o vendedor, e, um tempo depois, ele ligou querendo, querendo medicamento. Aí, a gente foi entregar o medicamento, solicitou alguns documentos de praxe, e, eu não sei, nessa ocasião, se ele ficou de mandar ou não mandou e a gente acabou vendendo pra eles. Pra eles não, pra esse Doutor Marco Aurélio.
DEFESA: E aí? Continua.
RÉU: Tá, ai, o que que aconteceu? A gente pegou, vendeu o medicamento, ele nos pagou à vista, ficou de mandar alguns documentos, normal, que era de, de concorrência pública, eu não tenho, a Licimed, ela, só depois que a gente viu que isto ocasionou um dano, aí, que a gente tava sendo vítima de um golpe, mas não percebemos isso na hora, pela nossa inocência. Gostaria de dizer assim, ó, pela nossa falta de experiência e pela nossa falta, aliás, falta de malícia, nós vimos, depois de um determinado tempo, que a gente tava sendo vítima de um, de um, de uma situação de uma quadrilha.
DEFESA: Continua.
RÉU: Bom, aí, o que que aconteceu? É, como eu faço parte da direção da empresa, isso, pra nós, era uma venda normal, ano era uma venda... A gente não, nem imaginava que se tratava de uma quadrilha especializada em comercializar medicamentos e de, de, pra fazer esse tipo de situação. Então, como, dentro da Licimed não, a gente não tinha controles adequados que nem nós temos hoje, que a gente tem hoje, isso ai acabou passando por nós, mas, como essa venda não era uma venda que significava bastante pra empresa, não era uma venda significativa, era uma venda normal, era uma venda comum, nós tínhamos sido vítimas de falcatruas de, de, de estelionato e, sim, nós tínhamos sido vítimas de não pagamento, órgãos públicos não paga, por isso, a nossa preocupação em vender, em vender à vista, não nos preocupamos com o aspecto de que, realmente, a gente estava, tava sendo enganado.
DEFESA: Doutor, gostaria de saber se, anteriormente a esse fato, tiveram algum problema com dados falsos, é, pessoas fazendo se passar por órgãos públicos ou se apenas tinham tido problemas de inadimplência?
RÉU: Pois é, nós, isso que eu acabei de dizer, nós só tivemos problemas de inadimplências, nós nunca tivemos problemas com falcatruas, com estelionato, com alguma coisa nesse sentido. Só, o que nos preocupava naquele, naquele momento, na abertura da empresa, já que a gente tinha tido, em alguns lugares, problemas de, de pagamento e de inadimplência, nos preocupou esse aspecto, e aí a gente acabou deixando isso por, prum segundo momento.
(...)
JUIZ: Um tal de Marco Aurélio telefona e, pro outro lado da linha, pede medicamentos, se entrega sem qualquer, sem qualquer dado mais, mais, mais consistente.
RÉU: Doutor, ele, ele...
JUIZ: Forma de pagamento antecipado, e depositado na conta da empresa, sendo que, às vezes, eram depositados valores a maior e que, por orientação do próprio Marco Aurélio, a sobra era depositada na conta de Robson Gomes Branco. Que que é isto, seu, seu Celso Luis Vicari?
RÉU: Doutor, é assim, ó, quando ele fazia uma cotação, ele se intitulava médico. Por momento algum, ele disse, é, Doutor Marco Aurélio, da Universidade Fluminense. E eu, por ser diretor da empresa, ter o vendedor e ter o gerente, eu participo no macro, eu não cuido de todos os detalhes. Eu vou lhe responder essa pergunta e colocando assim, eu cuido do macro, do geral, das empresas. Que que aconteceu aí? Essa pessoa, esse Doutor Marco Aurélio, ele ligou, isso ,(INCOMPREENSÍVEL), dizendo que era pra estudos clínicos. E, com respeito ao dinheiro, era assim, o dinheiro não nos pertencia. Ele ligava e queria uma cotação de... Ele queria uma cotação de um determinado produto. A Licimed tem, por finalidade, primeiro, ela faz a concorrência; ganha o item e depois vai comprar. Então, ele nos ligou, ele nos ligava, ligou pro vendedor, né, na ocasião, e disse assim: "quero comprar 'x', 80 caixas". Essas 80 caixas, não tinham. Tinham 60 caixas. Que que acontecia? Esse dinheiro sobrava. Esse dinheiro não pertencia à empresa. Esse dinheiro era devolvido. E era devolvido esse dinheiro no final, porque nós não temos, esse dinheiro não pertence á empresa. E, às vezes, um órgão público, ele compra com valor a mais, e, às vezes, ele compra com valor menor.
JUIZ: Na denúncia, na folha 7, diz: "Jonas Silveiro Franco Júnior, integrante dessa quadrilha do Alessandro", diz que "recebia caixas contendo medicamentos em seu apartamento, em São Paulo, através dos Correios, com notas fiscais emitidas pela Licimed e endereçadas a um hospital do Rio de Janeiro, com nome Fluminense, o que confirma todo o esquema ilícito acima descrito". Ou seja, se vende pra um hospital no Rio de Janeiro, se emite nota fiscal da Licimed, e aí, o endereço do destinatário desses medicamentos é um tal de Jonas, componente de uma quadrilha do Alessandro e da Juliana. Como é que vai parar lá/
RÉU: Doutor, nós não sabíamos, nós não sabíamos que o endereço era esse. O que que, o que que tava claro pra nós? Que era a Universidade Federal, que era o Doutor Marco Aurélio comprando medicamentos e participando disso tudo (INCOMPREENSÍVEL).
JUIZ: E o Marco Aurélio, era daonde? Vinculado a que órgão e que entidade, daonde surgiu o tal do Marco Aurélio?
RÉU: Da Universidade Federal Fluminense.
JUIZ: Mas, aqui, a denúncia diz lá pelas tantas que "a referida instituição, Universidade Federal Fluminense, não..." "Os pedidos faturados em nome da referida instituição", a Universidade, "não foram precedidos de qualquer contato formal com pessoa com poderes para representar a Universidade", é a folha 5 da denúncia, "tampouco, por óbvio, das exigências prescritas na Lei da Licitações". Como é que se vende prum tal de Marco Aurélio, que se intitula o responsável, que está falando em nome da Universidade e não se exige nada de documentos de que ele está atuando em nome da Universidade?
RÉU: Doutor...
JUIZ: Só por telefone?
RÉU: Doutor, a... Quando um órgão público nos compra, o empenho é uma garantia de recebimento, quando é, quando esse recebimento for faturado, quando é recebimento à vista, eu só preciso receber, receber no sentido, a parte financeira. Que que acontece? Quando não tem, quando eu não tenho isto, quando eu não tenho, quando o cliente já depositou, eu não preciso, eu não preciso do empenho. Um detalhe, Doutor, ele, a Universidade Federal estava nos comprando através do Doutor Marco Aurélio, era assim, era assim que chegava até a minha pessoa isso. E um outro detalhe, Doutor, eu não tenho, eu não tenho que saber os detalhes porque eu faço parte da direção. Eu tenho gerência, eu tenho supervisores, a gente, nós temos os vendedores. O que que acontece? Isso, pra nós, pela nossa falta de experiência, pelo que eles nos manipularam, nós não conhecemos essas pessoas, a gente não sabe dessas pessoas, isso aqui, pra nós, era o, era, simplesmente, uma, era uma venda como tantas outras vendas.
(...)
DEFESA: Quando há necessidade de estorno de valores, quem é que passa os dados e para quem são passados os dados?
RÉU: O vendedor passa os dados. O gerente, o gerente passa os dados, pra mim, também, e pro gerente financeiro.
DEFESA: De que forma o senhor autoriza, o senhor toma conhecimento, qual é o seu papel nesta cadeia de venda?
RÉU: Não, eu só tomo conhecimento.
DEFESA: E quem é o responsável pela logística da venda, informação de endereço, de venda, (INCOMPREENSÍVEL)?
RÉU: (INCOMPREENSÍVEL).
DEFESA: Como?
RÉU: O vendedor.

É certo que a realização de vendas de medicamentos, abrangidos os de uso controlado, por telefone e e-mail, sem a exigência de documentação do comprador pode ser considerada uma grande displicência, um generalizado desprezo pelas boas práticas na comercialização de produtos considerados nocivos à saúde, mas, para a condenação judicial por crime doloso é necessária a cabal demonstração de que a venda estaria sendo destinada a pessoa diversa da pessoa jurídica compradora e, nesse aspecto, a adesão a esta conduta.

Contudo, o que se entrevê da prova em relação ao réu CELSO é que a atuação dele como diretor da empresa Licimed, a despeito da falta de cuidado na comercialização dos medicamentos, não lhe fornecia o conhecimento de que a remessa dos remédios era feita a pessoas físicas desvinculadas da finalidade institucional da Universidade Federal Fluminense.

Com efeito, a pessoa que se passava pelo médico "Dr. Marco Aurélio", supostamente da Universidade Federal Fluminense, tratava diretamente com os vendedores da empresa Licimed, especificadamente com o réu OLIVÉRIO.

De outro lado, o réu OLIVÉRIO fornecia os dados do comprador para serem efetuados os envios, a endereços de pessoas físicas, em locais desvinculados da finalidade institucional da Universidade Federal Fluminense.

A prova coligida aos autos demonstra claramente que o réu OLIVÉRIO sabia que o Dr. Marco Aurélio não era quem fazia os pedidos dos remédios, pois sua agenda pessoal tinha anotação do nome de "Juliana S. Maia" entre parênteses na frente da anotação "Marco Aurélio", e endereço de São José do Rio Preto/SP.

Entretanto, o conjunto probatório colhido sob o crivo do contraditório e da ampla defesa não evidencia que o réu CELSO, na qualidade de Diretor da empresa Licimed, sabia que as tratativas de venda dos remédios ocorriam, em verdade com terceiros distintos do Dr. Marco Aurélio, terceiros que usavam o nome da Universidade Federal Fluminense.

A afirmação em interrogatório de que o réu CELSO "cuidava do macro", não tratando dos "detalhes operacionais" condiz com sua condição de diretor e tem amparo nas declarações do réu OLIVÉRIO, que afirmou ser o responsável pelas tratativas com os compradores, anotação dos nomes e endereços dos destinatários dos remédios e a efetivação da devolução dos valores, em caso de não realização das vendas, tomando conhecimento das contas em que eram depositadas as quantias de devolução.

Por outro lado, a declaração do réu OLIVÉRIO de que a gerência e a diretoria da Licimed autorizavam o estorno não é suficiente para a condenação do réu Celso, considerando que a devolução era decorrência da não realização das vendas.

Em outras palavras, o contato do réu WALTER e da quadrilha de Alessandro na Licimed era o réu OLIVÉRIO. Cabe lembrar que tal situação foi relatada, nos autos da ação penal em que condenado o réu Alessandro, por Jonas, que afirmou que havia um contato que seria "funcionário da Licimed".

Dessa forma, era apenas OLIVÉRIO que tinha conhecimento de que a emissão de notas fiscais para a Universidade Federal Fluminense era ideologicamente falsa. Para conseguir seu intento, fazia as operações terem, dentro da Licimed, aparência de regularidade, com depósitos na conta da própria empresa. Quando as vendas não eram fechadas, determinava os estornos em contas de pessoas físicas, justificando em alguns casos com o pagamento de comissões.

Não é crível que CELSO, na condição de diretor e único administrador da Licimed, com poderes amplos de gestão, se estivesse envolvido no esquema de tráfico da quadrilha chefiada por Alessandro, registrasse na própria contabilidade de sua empresa todas as operações, inclusive os estornos feitos com depósitos em conta da mãe do réu WALTER e do amigo deste, Robson, como consta de fls. 404/405.

E, embora CELSO tivesse ciência da remessa para destinos distintos da sede da Universidade, não tinha conhecimento direto de quais eram os endereços e destinatários, dado que quem determinava os dados para o setor de faturamento da empresa - de médio porte, com faturamento anual na época d cerca de R$ 18 milhões - era o réu OLIVÉRIO.

Também não é possível a condenação do réu CELSO, tal como feita na r. sentença apelada, mediante o reconhecimento de que agiu com dolo eventual.

Para a configuração do dolo eventual, exige-se que o agente, embora não queira o resultado, tenha pleno conhecimento da possibilidade de sua ocorrência, e assuma esse risco. Nesse sentido situa-se a lição de Sérgio Salomão Shecaira, in "Dolo eventual e culpa consciente", Revista Brasileira de Ciências Criminais 38/142:


A terceira modalidade de dolo é a indireta ou eventual. Para nossa lei ocorre o dolo eventual quando o "agente assume o risco de produzir o resultado" (art. 18, I, do CP (LGL\1940\2)). Podemos citar, basicamente, três teorias tradicionais sobre o tema. Pela teoria da probabilidade, devida a Sauer, existe dolo eventual quando ao agente se representa o resultado como provável. Para Mayer, mentor da teoria do sentimento, diz-se que há dolo eventual quando o sujeito tem um sentimento de indiferença com o resultado que se apresenta ao autor. Para Frank, defensor da teoria do consentimento, haverá dolo eventual quando ao agente se representa o resultado e ele o aceita.
Enrique Bacigalupo esclarece que a teoria com menos objeções é aquela que estima o dolo eventual quando o autor "toma seriamente em conta a possibilidade de lesão do bem jurídico, isto é, conta com ela e se conforma com a mesma". Na esteira dessa idéia, que busca uma combinação de distintos princípios, podemos ver o pensamento de Claus Roxin, citando Schroeder: "o dolo eventual se dá quando o sujeito considera possível e aprova a realização do tipo, o considera provável e o afronta com indiferença". Com igual projeção disserta Quintero Olivares ao dizer que o dolo eventual "constata uma consciência da possibilidade de um resultado como provável, em que pese tenha o autor atuado consentido-o ou sendo indiferente à produção de tal resultado".
Como se vê das idéias acima expendidas, fazendo convergir diferentes teorias explicativas acerca do dolo eventual, os dois elementos intrínsecos ao dolo são também encontráveis no dolo eventual. Assim, ainda que se tenha uma intenção e uma vontade indiretas não se pode prescindir dos elementos cognitivo e volitivo. O dolo eventual, antes de ser eventual, é dolo! E como tal deve ser entendido. "O dolo eventual se integra assim pela vontade de realização concernente à ação típica (elemento volitivo do injusto da ação), pela consideração séria do risco de produção do resultado (fator intelectual do injusto da ação), e, em terceiro lugar, pelo conformar-se com a produção do resultado típico como fator da culpabilidade".

Ou seja, no caso dos autos, para a configuração de dolo eventual quanto ao tráfico de drogas, não basta concluir-se que o réu CELSO deveria saber que havia alguma irregularidade nas vendas efetuadas por OLIVÉRIO à Universidade Federal Fluminense - situação que restou efetivamente demonstrada nos autos.

Para a configuração do dolo eventual quanto ao tráfico, seria necessário que o réu CELSO considerasse a possibilidade de que as notas fiscais de vendas feitas por OLIVÉRIO à Universidade Federal Fluminense fossem ideologicamente falsas, porque destinadas na verdade a traficantes, e persistisse na conduta de efetuar as vendas, mesmo considerada tal possibilidade.

Como visto, não é o que restou delineado nos autos.

Assim, entendo que a sentença comporta reforma para absolver o réu CELSO da imputação de tráfico de drogas (artigo 12 da Lei 6.368/1976), com fundamento no artigo 386, VII, do CPP - Código de Processo Penal.



Passo à análise da dosimetria da pena do réu OLIVÉRIO.


A sentença dosou a pena da seguinte forma (fls. 5384/5386):


III. 2 OLIVÉRIO BORGES JÚNIOR
art. 12, combinado com o art. 18, inciso III, da Lei n° 6.368/76 e com o art. 71 do Código Penal
1ª Fase - Circunstâncias Judiciais do art. 59 do Código Penal
Culpabilidade. Muito embora o acusado tenha praticado o crime acima descrito animado pelo dolo eventual, nota-se uma profunda violação ao bem jurídico protegido pela norma penal em apreço, em razão da distribuição de medicamentos a criminosos, propiciando sérios prejuízos à saúde da população.
Teve atuação de relevante importância em prol da consumação delitiva. Exigia-se de Olivério Borges Júnior uma atitude mais firme e responsável, por ser vendedor experiente no importante ramo de distribuição de medicamentos, considerado de relevante interesse público, razão pela qual, diante das circunstâncias que cercaram os fatos, não poderia jamais assumir os riscos de um resultado ilícito tão previsível quanto o descrito nos autos, adotando uma postura passiva e condescendente, apenas com o objetivo de auferir maiores lucros, desviando-se das finalidades e princípios que deveriam nortear sua conduta profissional.
Dessarte, sua pena merece ser fixada em patamar superior ao mínimo.
Antecedentes - de acordo com as certidões juntadas no Anexo IV, trata-se de réu primário.
Conduta Social - não há nos autos prova de fato desabonador à conduta do nominado réu nas relações com as pessoas de seu convívio social.
Personalidade - também não há indicativos de que seja pessoa perigosa ou com sérias inclinações para a delinqüência.
Motivos do Crime - assim como em relação a Celso Luis Vicari, o crime foi motivado pela ganância em obter lucros cada vez maiores para a empresa, sem qualquer preocupação com as conseqüências - provavelmente por acreditar na impunidade - escopo abjeto e que deve sofrer maior reprovação, para não servir como estímulo a práticas semelhantes, ensejando, também, a elevação da respectiva pena-base.
Circunstâncias do Crime - pesa como circunstância desfavorável, a ser levada em conta para a exasperação de sua pena-base, a comercialização de grande quantidade de medicamentos entorpecentes e psicotrópicos (12.736 caixas, mais de 350.000 comprimidos), indicando um comércio ilícito diferenciado, de elevada monta. Destaco que, "em se tratando de crime de tráfico, a elevada quantidade e a qualidade da droga apreendida devem ser consideradas na fixação da resposta penal (Precedentes do STF e STJ)." (HC 24126/RS, 5a Turma, Relator: Min. Félix Fischer, DOU 29.09.2003).
Conseqüências do Crime - não vislumbro conseqüências específicas que transcendam àquelas já previstas nos próprios tipos penais.
Comportamento da vítima - não aplicável à hipótese dos autos, não tendo influência no cometimento dos delitos.
Diante do exposto, não sendo favoráveis ao Réu as circunstâncias do art. 59 do Código Penal, fixo sua pena-base em:
- 05 (cinco) anos e 06 (seis) meses de reclusão, acrescida de pena pecuniária no valor de 90 (noventa) dias-multa.
2ª Fase - Circunstâncias Agravantes e Atenuantes
Incide, na espécie, a circunstância agravante estampada no art. 18, inciso III, da Lei n° 6.368/76, como decidido no bojo desta sentença, elevando-se a sanção-base em 1/3 (um terço), resultando na seguinte pena:
- 07 (sete) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, acrescida de multa correspondente a 120 (cento e vinte) dias-multa.
Não havendo outras agravantes ou atenuantes aplicáveis à espécie, passo à fase seguinte.
3ª Fase - Causas de Aumento ou de Diminuição
A sanção relativa ao crime de tráfico de entorpecentes deverá, ser aumentada em mais 1/4 (um quatro), razão da continuidade delitiva (art. 71 CP), resultando numa sanção de 09 (nove) anos e 02 (dois) meses de reclusão, acrescida de pena pecuniária no valor correspondente a 150 (cento e cinquenta) dias-multa, pena esta que torno DEFINITIVA, em razão da ausência de qualquer outra causa de aumento ou de diminuição a ser sopesada.
De acordo com as informações contidas nos autos, sua situação financeira não é das piores (cf. fl. 220), razão pela qual fixo o valor de cada dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do valor do salário-mínimo vigente ao tempo da infração, valor este que deverá ser monetariamente corrigido por ocasião da execução.

Na primeira fase da dosimetria da pena, impugna a Defesa a majoração da pena-base pautada na quantidade elevada de medicamentos comercializada. Sem razão o apelante Olivério.

A quantidade de medicamentos traficados é circunstância desfavorável, pois o objeto jurídico tutelado no crime de tráfico de entorpecente é a saúde pública e, portanto, quanto maior a quantidade da droga traficada maior o potencial lesivo e o perigo de dano à saúde pública, a justificar uma maior reprovabilidade da conduta empreendida e, conseqüentemente, a elevação da pena-base. Nesse sentido situa-se a orientação do Superior Tribunal de Justiça e desta Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região:


HABEAS CORPUS. PACIENTE CONDENADO A 4 ANOS, 2 MESES E 10 DIAS DE RECLUSÃO, EM REGIME INICIAL FECHADO, E MULTA, POR TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES (ART. 33, CAPUT, C/C ART. 40, I, AMBOS DA LEI 11.343/06)... PENA-BASE CORRETAMENTE FIXADA EM 6 ANOS. REDUÇÃO POR FORÇA DO ART. 40, I DA LEI 11.343/06 APLICADA NO MÍNIMO LEGAL. GRANDE QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA, DE ELEVADO PODER PSICOTRÓPICO (780 GRAMAS DE COCAÍNA)... 2. A natureza da droga e a grande quantidade apreendida (cerca de 780 gramas de cocaína) têm função de extrema relevância quando do cotejo da individualização da pena, contribuindo fortemente na dosimetria da reprimenda, para uma adequada resposta social e no repúdio ainda maior da justiça criminal. Assim, devidamente justificadas a pena-base, fixada em 6 anos de reclusão, e a incidência no patamar mínimo do benefício previsto no art. 40, I da Lei 11.343/06...
STJ, 5ª Turma, HC 145242, Rel.Min. Napolão Nunes Maia Filho, j. 19/08/2010, DJe 27/09/2010
APELAÇÃO CRIMINAL - TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES - MAJORAÇÃO DA PENA-BASE, À VISTA DA QUANTIDADE E NATUREZA DA DROGA...1. Réu condenado pela prática de tráfico internacional de entorpecentes porque trazia consigo, dentro de 2 (dois) pacotes plásticos acondicionados em sua mala, para fins de comércio ou entrega de qualquer forma a consumo de terceiros, no exterior, 3.020g (três mil e vinte gramas), de cocaína, substância entorpecente que determina dependência física e/ou psíquica, sem autorização legal ou regulamentar. 2. Majoração da pena-base atentando-se à significativa quantidade (mais de três quilos) e à natureza nefasta da droga apreendida (cocaína)...
TRF 3ª Região, 1ª Turma, ACR 00042638520074036119, Rel. Des.Fed. Johonsom di Salvo, j. 29/11/2011, DJe 07/12/2011

Por outro lado, a motivação acerca da desfavorabilidade da culpabilidade e dos motivos do crime não é suficiente para a majoração da pena.

Entendeu o Juiz a quo desfavorável a culpabilidade do réu Olivério em virtude da presença de "profunda violação ao bem jurídico protegido pela norma penal em apreço, em razão da distribuição de medicamentos a criminosos, propiciando sérios prejuízos à saúde da população".

Contudo, a fundamentação apresentada não se presta à majoração da pena-base porque a possibilidade de causar prejuízos à saúde da população com a prática do crime é o ordinário ao tipo penal sob comento, que possui como objetividade jurídica a proteção à saúde pública.

Por outro lado, os motivos do crime pautados na "ganância em obter lucros cada vez maiores para a empresa" é ínsita ao crime de tráfico de drogas, com já assinalado na análise dos recursos dos réus ENDRIGO e SANDRINE, aos quais me reporto.

Assim, a pena-base comporta fixação acima do mínimo legal, mas em patamar menor que o fixado na sentença, diante da desfavorabilidade da circunstância judicial circunstâncias do crime, em 04 (quatro) anos de reclusão e 60 (sessenta) dias-multa.

Na segunda fase da dosimetria, nada a computar, pois embora consignado na sentença ser a majorante do artigo 18, III, da Lei 6.368/1976 uma agravante, trata-se, na verdade, de causa de aumento e será analisada na terceira fase.

Na terceira fase da dosimetria, requer a Defesa o reconhecimento da abolitio criminis em relação à causa de aumento da associação eventual (artigo 18, III, da Lei 6.368/1976) e a aplicação da causa de diminuição do artigo 33, §4º, da Lei 11.343/2006.


Quanto à causa de aumento relativa à associação eventual, prevista no artigo 18, inciso III, da Lei nº 6.368/1976, ressalvo meu entendimento pessoal para acompanhar a orientação desta Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da Terceira Região no sentido da ocorrência de abolitio criminis (ACR 2004.61.19.005595-4, j. 15.05.2008, Rel. Des.Fed. Vesna Kolmar; ACR 2006.60.04.000694-4, j.06.05.2008, Rel. Des.Fed. Vesna Kolmar; ACR 2002.61.10.003804-7, j.08.04.2008, DJ 18.04.2008, Rel. Des.Fed. Johonsom di Salvo). Desta feita, excluo do cômputo da pena o acréscimo de 1/3 (um terço).


Quanto à causa de diminuição de pena do traficante ocasional, reporto-me aos fundamentos já expendidos na análise dos recursos dos réus ENDRIGO e SANDRINE, no sentido da possibilidade de exame da aplicação em tese do artigo §4° do artigo 33 da Lei 11.343/2006, mas de sua não incidência no caso concreto, ante a condenação do réu OLIVÉRIO por crime de associação para o tráfico, como exposto a seguir na análise do recurso do MPF.


Incide, tal como lançado na sentença, a continuidade delitiva em 1/4 (um quarto), a resultar definitiva a pena de 5 (cinco) anos de reclusão e 75 (setenta e cinco) dias-multa.

Incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito, por não preenchimento dos requisitos do artigo 44, incisos I e III, do Código Penal.


DO APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (quanto ao crime de associação para o tráfico).


A acusação pretende a condenação dos réus CELSO e OLIVÉRIO no crime de tráfico de drogas, reconhecendo-se que ambos agiram com dolo direto na conduta.

A pretensão encontra-se parcialmente prejudicada diante da absolvição do réu CELSO em relação à imputação de tráfico de drogas.

Por outro lado, quanto ao crime de tráfico, a pretensão restou acolhida em relação ao réu OLIVÉRIO, cuja condenação por tráfico restou mantida neste voto, reconhecendo-se ter ele agido com vontade livre e consciente de vender ilicitamente os medicamentos à quadrilha de Alessandro Peres Fávaro.

Resta portanto a análise da pretensão de condenação dos réus OLIVÉRIO e CELSO por crime de associação para o tráfico.


Quanto ao réu CELSO, à vista da fundamentação exposta quando da análise do recurso da Defesa, no sentido de inexistir prova segura e suficiente para sua condenação pela prática de tráfico de drogas, também não verifico a existência de provas suficiente para sua condenação pela prática de associação para o tráfico de drogas.

Não há prova da ciência do réu CELSO sobre os destinatários dos medicamentos, tarefa que ficava a cargo do réu OLIVÉRIO, o qual indicava ao faturista da empresa Licimed o endereço para remessa dos remédios. Havia divisão de tarefas na empresa Licimed e as notas fiscais eram emitidas em nome da Universidade Federal Fluminense, porém os endereços dos destinatários dos medicamentos contemplavam pessoas físicas e esta tarefa de indicar os endereços era atribuição do réu OLIVÉRIO, bem assim ele é quem detinha a agenda com as anotações de que o suposto "Dr. Marco Aurélio" era pessoa distinta, de nome "Juliana S. Maia", domiciliada em São José do Rio Preto.

Assim, as provas produzidas sob o crivo do contraditório e da ampla defesa revelam-se insuficientes para a condenação do réu CELSO por quadrilha voltada à prática de tráfico de drogas.


Quanto ao réu OLIVÉRIO, a prova é farta e robusta de que ele, consciente e voluntariamente, por período extenso de dois anos, vendeu medicamentos à quadrilha de Alessandro Peres Fávaro, pagando "comissão" a WALTER pelas vendas.

a) houve a apreensão de agenda pessoal de OLIVÉRIO onde constava anotação de que o "Dr. Marco Aurélio" era a pessoa de "Juliana S. Maia" (ré condenada nos autos 2006.61.06.005846-0 pela prática de tráfico internacional de drogas e esposa do líder da quadrilha Alessandro Peres Fávaro, também réu condenado naqueles autos), domiciliada em São José do Rio Preto/SP;

b) massivas remessas de medicamentos em nome de pessoas físicas - Juliana Maia (esposa de Alessandro e também condenada nos autos 2006.61.06.005846-0) e Jonas (corréu condenado na ação penal 2006.61.06.005846-0 juntamente com Alessandro)- a endereços em São José do Rio Preto/SP, São Paulo/SP, Praia Grande/SP e São Caetano do Sul/SP, locais residenciais sem qualquer vinculação ao Hospital Antonio Pedro - Universidade Federal Fluminense;

c) depósitos de estornos de vendas não realizadas - do valor da fatura - em nome de pessoa física (Sra. Débora - mãe do corréu WALTER), sem qualquer vinculação ao Hospital Antonio Pedro - Universidade Federal Fluminense;

d) pagamentos de comissão a pessoa física (Robson Gomes Branco, amigo do corréu WALTER e de quem emprestava a conta bancária para fazer movimentação financeira de seu interesse), sem qualquer vinculação ao Hospital Antonio Pedro - Universidade Federal Fluminense;

Desta feita, como já dito antes, OLIVÉRIO tinha pleno conhecimento que as compras não eram efetuadas pela Universidade Federal Fluminense, mas sim por Juliana e Alessandro, e aderiu à empreitada criminosa por tempo juridicamente relevante - dois anos - a demonstrar a estabilidade e a durabilidade das relações criminosas mantidas com os réus da ação penal 2006.61.06.005846-0 Alessandro, Juliana e WALTER.

Logo, caracterizada a associação criminosa para a prática de tráfico de drogas.

Passo à dosimetria da pena.

Na primeira fase da dosimetria, não entrevejo circunstância judiciais desfavoráveis e fixo a pena-base em 3 (três) anos de reclusão, e 50 dias-multa, a qual torno definitiva à míngua de agravantes, atenuantes, causas de aumento e de diminuição de pena. O valor do dia-multa resta estabelecido no mínimo legal.

Diante do concurso material entre o tráfico de drogas (pena de 5 anos de reclusão e 75 dias-multa) e o de quadrilha voltada para o tráfico de drogas (pena de 3 anos de reclusão), resulta a pena total final em 8 (oito) anos de reclusão e 125 (cento e vinte e cinco) dias-multa.

O regime inicial é o semiaberto, diante da quantidade da pena - não superior a oito anos de reclusão - e a majoritária favorabilidade das circunstâncias judiciais do artigo 59 do CP, nos termos do artigo 33, §2º, 'b' e §3º do CP.


DA CONCLUSÃO: por estas razões, rejeito todas as preliminares; dou parcial provimento às apelações dos réus ENDRIGO, SANDRINE e WALTER para reduzir a pena-base do crime de tráfico de drogas, fixando as penas definitivas em 04 anos e 08 meses de reclusão e 70 dias-multa para o réu ENDRIGO, em 04 anos e 01 mês de reclusão e 64 dias-multa para a ré SANDRINE e em 04 anos e 0 meses de reclusão e 70 (setenta) dias-multa para o réu WALTER; sendo as penas definitivas totais, considerando o concurso material entre o crime de tráfico de drogas e o associação para o tráfico, para o réu ENDRIGO de 07 anos e 08 meses de reclusão e 120 dias-multa, para a ré SANDRINE de 07 anos e 01mês de reclusão e 114 dias-multa, e para o réu WALTER de 07 anos e 08 meses de reclusão e 120 dias-multa; dou provimento à apelação do réu CELSO para absolvê-lo da imputação do crime de tráfico de drogas com fundamento no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal; dou parcial provimento à apelação do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL para reconhecer o dolo direto do réu OLIVÉRIO quanto ao crime de tráfico de drogas, bem como para condená-lo também pelo crime de associação para o tráfico (artigo 14 da Lei 6.368/1976) à pena de 03 anos de reclusão e 50 dias-multa, no valor unitário mínimo; e dou parcial provimento à apelação do réu OLIVÉRIO para reduzir a pena-base do crime de tráfico de drogas e excluir a causa de aumento do artigo 18, inciso III, da Lei 6.368/1976, fixando a pena-definitiva para este crime em 05 anos de reclusão e 75 (setenta e cinco) dias-multa; e a pena total definitiva, considerando o concurso material com o crime de associação para o tráfico, em 08 anos de reclusão e 125 dias-multa.

É como voto.



MARCIO MESQUITA
Juiz Federal Convocado


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