D.E. Publicado em 24/06/2014 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os integrantes da Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar todas as preliminares; dar parcial provimento às apelações dos réus ENDRIGO, SANDRINE e WALTER para reduzir a pena-base do crime de tráfico de drogas, fixando as penas definitivas em 04 anos e 08 meses de reclusão e 70 dias-multa para o réu ENDRIGO, em 04 anos e 01 mês de reclusão e 64 dias-multa para a ré SANDRINE e em 04 anos e 08 meses de reclusão e 70 (setenta) dias-multa para o réu WALTER; sendo as penas definitivas totais, considerando o concurso material entre o crime de tráfico de drogas e o associação para o tráfico, para o réu ENDRIGO de 07 anos e 08 meses de reclusão e 120 dias-multa, para a ré SANDRINE de 07 anos e 01mês de reclusão e 114 dias-multa, e para o réu WALTER de 07 anos e 08 meses de reclusão e 120 dias-multa; dar provimento à apelação do réu CELSO para absolvê-lo da imputação do crime de tráfico de drogas com fundamento no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal; dar parcial provimento à apelação do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL para reconhecer o dolo direto do réu OLIVÉRIO quanto ao crime de tráfico de drogas, bem como para condená-lo também pelo crime de associação para o tráfico (artigo 14 da Lei 6.368/1976) à pena de 03 anos de reclusão e 50 dias-multa, no valor unitário mínimo; e, por maioria, dar parcial provimento à apelação do réu OLIVÉRIO para reduzir a pena-base do crime de tráfico de drogas e excluir a causa de aumento do artigo 18, inciso III, da Lei 6.368/1976, fixando a pena-definitiva para este crime em 05 anos de reclusão e 75 (setenta e cinco) dias-multa; e a pena total definitiva, considerando o concurso material com o crime de associação para o tráfico, em 08 anos de reclusão e 125 dias-multa, nos termos do relatório e voto do Relator, acompanhado pelo voto do Desembargador Federal José Lunardelli, vencido neste ponto o Juiz Federal Convocado Hélio Nogueira, que negava provimento ao recurso do réu Olivério.
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RELATÓRIO
O Juiz Federal Convocado MÁRCIO MESQUITA (Relator):
O Ministério Público Federal, em 06.11.2006, denunciou CELSO LUIS VICARI, OLIVERIO BORGES JUNIOR, WALTER RAU DA SILVA VIEIRA JUNIOR, ENDRIGO JORGE POSSENTI, e SANDRINE DE OLIVEIRA TAVARES, qualificados nos autos, nascidos aos 02.10.1958, 01.04.1977, 26.11.1981, 25.02.1979 e 21.01.1982, respectivamente, como incursos no artigo 12 e 14, I, da Lei 6.368/1976. Consta da denúncia:
A denúncia foi recebida em 15.12.2006 (fls. 1722/1727).
Após instrução, sobreveio sentença, da lavra do MM. Juiz Federal Roberto Cristiano Tamantini e publicada em 19.12.2007 (fls. 5312/5410 e 5411), que:
a) condenou o réu CELSO à pena de 09 (nove) anos e 02 (dois) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e 150 (cento e cinquenta) dias-multa, no valor unitário de 02 (dois) salários-mínimos, como incurso no artigo 12, c.c. artigo 18, III, da Lei 6.368/1976 e com o artigo 71 do CP - Código Penal, sendo 01 ano e 10 meses relativos ao acréscimo decorrente da continuidade delitiva;
b) condenou o réu OLIVÉRIO à pena de 09 (nove) anos e 02 (dois) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e 150 (cento e cinquenta) dias-multa, no valor unitário mínimo, como incurso no artigo 12, c.c. artigo 18, III, da Lei 6.368/1976 e com o artigo 71 do CP, sendo 01 ano e 10 meses relativos ao acréscimo decorrente da continuidade delitiva;
c) condenou o réu WALTER à pena de 10 (dez) anos e 07 (sete) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e 190 (cento e noventa) dias-multa, no valor unitário de 1/10 (um décimo) do salário-mínimo vigente ao tempo do crime, como incurso no artigo 12 Lei 6.368/1976, c.c. o artigo 71 do CP, em concurso material com o artigo 14 da Lei 6.368/1976; sendo 07 anos e 07 meses de reclusão e 140 dias-multa pelo crime de tráfico (dos quais 01 ano e 01 mês relativos ao acréscimo decorrente da continuidade delitiva) e 03 anos de reclusão e 50 dias-multa pelo crime de associação para o tráfico;
d) condenou o réu ENDRIGO à pena de 08 (oito) anos e 03 (três) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e 120 (cento e vinte) dias-multa, no valor unitário de 1/10 (um décimo) do salário-mínimo, como incurso no artigo 12 da Lei 6.368/1976 c.c. o artigo 71 do CP, em concurso material com o artigo 14 da Lei 6.368/1976; sendo 05 anos e 03 meses de reclusão e 70 dias-multa pelo crime de tráfico (dos quais 09 meses relativos ao acréscimo decorrente da continuidade delitiva) e 03 anos de reclusão e 50 dias-multa pelo crime de associação para o tráfico;
e) condenou a ré SANDRINE à pena de 08 (oito) anos e 03 (três) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e 120 (cento e vinte) dias-multa, no valor unitário de 1/6 (um sexto) do salário-mínimo, como incursa no artigo 12 da Lei 6.368/1976 c.c. o artigo 71 do CP, em concurso material com o artigo 14 da Lei 6.368/1976; sendo 05 anos e 03 meses de reclusão e 70 dias-multa pelo crime de tráfico (dos quais 09 meses relativos ao acréscimo decorrente da continuidade delitiva) e 03 anos de reclusão e 50 dias-multa pelo crime deassociação para o tráfico;
f) absolveu os réus CELSO, OLIVÉRIO e WALTER da imputação do crime do artigo 14 da Lei 6.368/1976, com fundamento no artigo 386, inciso VI, do CPP - Código de Processo Penal;
g) decretou o perdimento do numerário de R$ 5.222,00 (cinco mil, duzentos e vinte e dois reais), apreendido em poder do réu Walter Rau e da motocicleta Suzuki, GSX 1300R, vermelha, placas IND8896, apreendida em poder dos réus Endrigo e Sandrine.
f) negou aos réus ENDRIGO, SANDRINE e WALTER o direito de apelar em liberdade.
O réu WALTER opôs embargos de declaração alegando omissão na sentença, por ausência de manifestação "sobre os benefícios da colaboração e da delação premiada" (fls. 5484/5487), julgados improcedentes pela decisão de fls. 5488/5489.
Apela o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (fls. 5432 e 5449/5468) postulando o reconhecimento de que os réus CELSO e OLIVÉRIO agiram com dolo direto na prática do tráfico de drogas e a condenação de ambos pela prática do crime tipificado no artigo 14 da Lei 6.368/1976.
Apela o réu ENDRIGO (fls. 5479/5480 e 5629/5722). Pleiteia, preliminarmente, a declaração de nulidade processual: a) por inépcia da denúncia, ao argumento de que fundada em depoimentos do delator, não corroborados pelas provas; b) por cerceamento de defesa em virtude da negativa de perícia, a fim de demonstrar que a esposa do apelante foi induzida a dar autorização para a busca, realizada por policiais sem mandado judicial; c) por irregularidades no mandado de busca e apreensão, qual seja, a ausência de menção sobre a ordem de prisão e a ausência de acompanhamento por agentes da vigilância sanitária; d) pela aplicação do princípio da árvore dos frutos envenenados, pois as provas colhidas na busca e apreensão estão eivadas de nulidade e contaminam as demais produzidas. Alega exclusão do dolo pela ocorrência de grave ameaça, praticada pelo corréu WALTER RAU, tendo sido "obrigado a mandar sua mulher (a corré SANDRINE) levar e entregar dinheiro para Rau na pessoa de sua Mãe Debora". Postula édito absolutório por ausência de provas da materialidade e autoria delitiva em relação a si, bem como absolvição com fundamento nos artigos 18, 22, 23 e 24 do CP por ter havido coação iminente e irresistível. Subsidiariamente, a redução da pena: a) para que seja aplicada a pena mínima, b) para que sejam eliminadas as agravantes, c) seja aplicada a atenuante do artigo 65, III, 'd', do CP; d) seja aplicada a causa de diminuição do artigo 33, §4º, e do artigo 41, ambos da Lei 11.343/2006, concedendo-se em seguida a liberdade condicional. Requer a desclassificação do crime do artigo 14 da Lei 6.368/1976 para o artigo 18 da Lei 6.368/1976, reconhecendo-se a associação esporádica e eventual. Requer "a desclassificação das imputações para o artigo 280 do CP". Pretende a reforma da sentença quanto à pena de perdimento da moto Suzuki.
Apela a ré SANDRINE (fls. 5481/5482 e 5536/5626). Requer a declaração de nulidade processual: a) por inépcia da denúncia, ao argumento de que fundada em depoimentos do delator, não corroborados pelas provas; b) irregularidades no cumprimento de mandado de busca e apreensão em sua residência, qual seja, a ausência de menção sobre a ordem de prisão temporária contra a apelante e a informação de que a apelante poderia utilizar-se do direito constitucional ao silêncio; c) por cerceamento de defesa em virtude da negativa de perícia, a fim de demonstrar que a apelante foi induzida a dar autorização para a busca realizada por policiais sem mandado judicial; d) pela aplicação do princípio da árvore dos frutos envenenados, pois as provas colhidas na busca e apreensão estão eivadas de nulidade e contaminam as demais produzidas. Alega exclusão do dolo pela ocorrência de grave ameaça praticada pelo corréu Walter Rau, que teria obrigado seu marido (corréu Endrigo) a fazê-la levar e entregar dinheiro para Rau na pessoa de sua mãe Debora. Postula édito absolutório por ausência de provas da materialidade e autoria delitiva em relação a si, bem como absolvição com fundamento nos artigos 18, 22, 23 e 24 do CP por ter havido coação iminente e irresistível. Subsidiariamente, a redução da pena: a) para que seja aplicada a pena mínima, b) para que sejam eliminadas as agravantes, c) seja aplicada a atenuante do artigo 65, III, 'd', do CP; d) seja aplicada a causa de diminuição do artigo 33, §4º, e do artigo 41, ambos da Lei 11.343/2006, concedendo-se em seguida a liberdade condicional. Requer a desclassificação do crime do artigo 14 da Lei 6.368/76 para o artigo 18 da Lei 6.368/76, reconhecendo-se a associação esporádica e eventual. Requer "a desclassificação das imputações para o artigo 280 do CP". Pretende a reforma da sentença quanto à pena de perdimento da moto Suzuki.
Apelam os réus CELSO e OLIVÉRIO (fls. 5493 e 5916/5990). Requerem, preliminarmente: a) a declaração de nulidade do feito por ausência de decisão da autoridade sanitária reconhecendo a infração imputada; b) o reconhecimento da incompetência da Justiça Federal, por ausência de demonstração da internacionalidade do delito de tráfico de entorpecentes; c) a declaração de ilicitude da perícia contida às fls. 3912/3917; d) a declaração de ilicitude da prova produzida através da quebra de sigilo fiscal. No mérito, pretendem édito absolutório, por atipicidade de condutas ou inexistência de prova suficiente para a condenação. Subsidiariamente, a diminuição da pena e o reconhecimento de abolitio criminis relativo ao artigo 18, III, da Lei 6.368/1976. Sustentam que "detinham as licenças requeridas para proceder a venda de medicamentos de uso controlado" e, "por este motivo, a caracterização do tráfico fica sujeita a uma infração administrativa/sanitária, decorrente da necessidade de a ação (vender) estar em desacordo com determinação legal ou regulamentar", infração inocorrente, tanto que a empresa LICIMED renovou a autorização especial. Afirmam que não incidem no elemento normativo do tipo (venda) "em desacordo a determinação legal ou regulamentar", refutando o argumento da acusação de dever de cuidado por parte da empresa nas vendas, "dando a entender que o cadastro da Universidade Federal Fluminense (Hospital Universitário Antônio Pedro) desrespeitaria as normas sanitárias", porém o "Hospital Universitário Antônio Pedro encontra-se devidamente regularizado para fazer compras de medicamentos de uso controlado" e, ainda "que o Hospital Universitário Antônio Pedro necessite de licença, autorização ou qualquer outro tipo de formalidade para adquirir medicamentos de uso controlado, tal terminação implicaria em irregularidade por parte de quem compra, não da empresa que vende o medicamento". Argumentam que a conduta de CELSO, ao tomar conhecimento das vendas de medicamentos de uso controlado para o Hospital Universitário Antônio Pedro, não se enquadra no tipo do artigo 12 da Lei 6.368/76, na modalidade vender, "que é uma ação, mas sim em deixar que a venda fosse realizada" e, mesmo sendo diretor da empresa não detinha dever de impedir a realização da conduta. Argumentam exclusão da culpabilidade em relação a OLIVÉRIO por inexigibilidade de conduta diversa, eis que como vendedor da empresa agiu como tal, de modo licito e costumeiro. Alegam a incompetência da Justiça Federal para o processamento e julgamento do feito porque as condutas que lhes foram imputadas são de comercialização irregular de medicamentos de uso controlado no território nacional, desconhecendo ambos o caráter transnacional do tráfico praticado por Alessandro Peres Fávaro. Aduzem ilegal o "Relatório de Análise" realizado pelos policiais federais Marques e Willian, porque consistiria em "nova perícia" nos computadores apreendidos, não requerida pelas partes e realizada por pessoas que não são peritos, capaz de influenciar o julgamento do caso. Asseveram ilícita a prova obtida com a quebra de sigilo bancário sem autorização judicial, quando o Ministério Público Federal trouxe aos autos documentos fornecidos pela Receita Federal, relativos à movimentação financeira da empresa LICIMED, cujo sócio é o réu CELSO. Argumentam haver "absoluto contraste entre o perfil dos réus CELSO e OLIVÉRIO quando comparado com os demais co-réus", pois "todos os acusados daquele processo são jovens, sem profissão definida, que detinham patrimônio completamente incompatível com suas supostas atividades", ao passo que CELSO é empresário de longa carreira no sul do país e sócio das empresas Medex e Licimed, com faturamento anual em torno de dezessete milhões de reais e OLIVÉRIO, vendedor da empresa Licimed, detém em seu patrimônio apenas um automóvel Corsa ano 2001. Refutam a fixação da pena-base acima do mínimo baseado na quantidade elevada de medicamentos, pois tal consideração somente pode ser feita em virtude da continuidade delitiva. Pretendem a aplicação da causa de diminuição do artigo 33, §4º, da Lei 11.343/2006 e a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.
Apela o réu WALTER (fls. 5499 e 5756/5782). Pretende a desclassificação das condutas pelas quais foi condenado para os crimes do artigo 280 do CP e do artigo 37 da Lei 11.343/2006. Subsidiariamente, sejam concedidos os benefícios da colaboração e da delação premiada; seja diminuída a pena-base do crime do artigo 12 da Lei 6.368/1976 e dos "dias-multa da condenação". Sustenta que "toda a prova coligida é no sentido de que Walter Rau era um informante do grupo" e "(...) a própria peça acusatória descreve Walter como um mero prestador de informações para aqueles que efetivamente trabalhavam em prol da organização", daí porque cabível a desclassificação das condutas dos artigos 12 e 14 da Lei 6.368/76 para o crime do artigo 37 da Lei 11.343/2006. Alega que "a única maneira de 'encaixar' Walter como um membro ativo do grupo seria demonstrando de maneira cabal que se tratava ele do tal Dr. Marco Aurélio", o que não tem demonstração pelas provas, sendo que "Walter prestou algumas informações ao grupo e por isso recebeu algum dinheiro", quais sejam, "forneceu os dados da Universidade Federal Fluminense, repassou aos chefes do esquema os dados da LICIMED e providenciou na apresentação de Endrigo e Sandrine a Alessandro (ou Nelson)". Afirma que "uma única situação que poderia dar a Walter Rau uma importância maior do que a que realmente tinha, seria o alardeado depósito de R$ 137.200,00 (cento e trinta e sete mil e duzentos reais)", esclarecido por "CDs arrecadados na casa de Alessandro", pois "o conteúdo destes CDs é mais uma demonstração cabal de que Walter se tratava de mero informante, já que menciona apenas que este tinha um valor para receber sobre o contato da LICIMED".
Contrarrazões dos réus CELSO e OLIVÉRIO à apelação ministerial, pugnando por seu desprovimento (fls. 5730/5753 e 5784/5807).
Contrarrazões do Parquet Federal às apelações dos réus SANDRINE, ENDRIGO e WALTER, pugnando pelo desprovimento dos recursos (fls. 5814/5836).
Expedidas as guias de execução provisória para os réus SANDRINE, ENDRIGO e WALTER (fls. 5839/5844).
Parecer Procuradoria Regional da República, da lavra da Dra. Ana Lúcia Amaral, pelo desprovimento dos recursos da Defesa e pelo provimento do recurso da Acusação; contudo, se não acolhida a tese da Acusação de que houve associação criminosa (artigo 14 da Lei 6.368/76) entre Celso, Olivério e Walter, opina pela não aplicação da causa de aumento da associação eventual (artigo 18 da Lei 6.368/76), reconhecendo-se a abolitio criminis (fls. 6020/6031).
Comunicação do E. Superior Tribunal de Justiça da concessão parcial da ordem no Habeas Corpus 90.701, a fim de que o réu ENDRIGO aguarde em liberdade o trânsito em julgado da sentença condenatória, com extensão dos efeitos à corré SANDRINE (fls. 6037).
Comunicação do E. Superior Tribunal de Justiça da concessão da ordem no Habeas Corpus 120.505, a fim de que o réu WALTER aguarde em liberdade o trânsito em julgado da sentença condenatória (fls. 6115).
É o relatório.
Ao MM. Revisor.
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VOTO
O Juiz Federal Convocado MÁRCIO MESQUITA (Relator):
DAS APELAÇÕES DOS RÉUS ENDRIGO e SANDRINE: analiso conjuntamente os recursos, diante da identidade de alegações expostas nas duas apelações.
Rejeito a preliminar de inépcia da denúncia, argüida ao argumento de que fundada a peça em depoimentos de delator, não corroborados pelas provas.
A denúncia descreve de maneira satisfatória as condutas imputadas, contendo exposição objetiva dos fatos ditos delituosos, com narração dos elementos essenciais e circunstanciais que lhes são inerentes, atendendo aos requisitos descritos no artigo 41 do Código de Processo Penal, como se verifica dos excertos transcritos no relatório (fls. 02/17).
Por outro lado, a questão refere-se propriamente ao mérito da pretensão acusatória deduzida em Juízo, não implicando em qualquer nulidade.
Rejeito a preliminar de cerceamento de defesa em virtude de indeferimento de prova pericial, argüida ao argumento de que a prova foi requerida com o intuito de demonstrar ter havido induzimento da ré SANDRINE a conceder a autorização para busca e apreensão em sua residência e do corréu ENDRIGO.
O Juízo a quo determinou a expedição de mandados de busca e apreensão nos endereços residenciais e profissionais de ENDRIGO e SANDRINE, conforme se observa da Carta Precatória expedida ao Juízo Federal de Pelotas/RS (fls. 665).
Consta dos autos a expedição do Mandado de Busca e Apreensão nº 105/2006, "visando a apreensão de bens, documentos e arquivos de computador, inclusive com a retirada de HDs e outros meios de armazenamento de dados, caso necessário", na "Avenida Bento Gonçalves, nº 4283, Centro, Pelotas/RS, residência do casal ENDRIGO JORGE POSSENTI e SANDRINI POSSENTI, e dos pais de ENDRIGO" (fls. 647).
Consta dos autos a expedição do Mandado de Busca e Apreensão nº 106/2006, "visando a apreensão de bens, documentos e arquivos de computador, inclusive com a retirada de HDs e outros meios de armazenamento de dados, caso necessário", na "Avenida Narciso Silva, nº 1170, Centro - Pronto Atendimento Municipal da Prefeitura de Capão do Leão/RS, especificamente na sala ocupada pelo farmacêutico ENDRIGO JORGE POSSENTI" (fls. 653).
Consta dos autos a expedição do Mandado de Busca e Apreensão nº 107/2006, "visando a apreensão de bens, documentos e arquivos de computador, inclusive com a retirada de HDs e outros meios de armazenamento de dados, caso necessário", na "Avenida Narciso Silva, nº 1195, Setor de Compras/Finanças da Prefeitura de Capão do Leão/RS" (fls. 658).
Consta dos autos a expedição do Mandado de Busca e Apreensão nº 108/2006, "visando a apreensão de bens, documentos e arquivos de computador, inclusive com a retirada de HDs e outros meios de armazenamento de dados, caso necessário" na "Loja de Suplementos Alimentares Extreme, Pelotas/RS, cujo endereço será declinado pelo seu proprietário ENDRIGO JORGE POSSENTI" (fls. 664).
Por outro lado, houve autorização por escrito, pela ré SANDRINE, para a entrada dos policiais federais em sua residência e de ENDRIGO, no endereço da Rua Professor Araújo, 2202, Pelotas/RS (fls. 670), o que foi confirmado por SANDRINE em interrogatório ("Autorizou as buscas em sua casa porque disseram que não estava presa") (fls. 2012).
Dessa forma, tendo sido expedido mandado de busca e apreensão na residência do casal SANDRINE e ENDRIGO, em determinado endereço, e uma vez constatado pela Autoridade policial que a residência situa-se em outro local que não o indicado no mandado, há que se entender que a diligência já se encontra autorizada pelo Juízo.
Ainda que assim não se entenda, não há como se concluir, como pretende a Defesa, que houve vício de vontade no consentimento pelo simples fato de não ter sido a ré SANDRINE informada previamente da existência de mandado de prisão contra si. É irrelevante a motivação do assentimento.
No sentido de que não há nulidade na busca e apreensão se existe consentimento do morador, destaco precedente do Superior Tribunal de Justiça:
Rejeito a preliminar de irregularidade no mandado de busca e apreensão, por ausência de menção sobre a ordem de prisão e ausência de acompanhamento por agentes da vigilância sanitária.
Descabida a alegação da existência de vício no mandado de busca e apreensão por ausência de menção à ordem de prisão, pois as finalidades dos mandados de busca e apreensão e de prisão são distintas e cada diligência supõe a expedição do respectivo documento.
A despeito do §1º do artigo 243 do CPP dispor que "se houver ordem de prisão, constará do próprio texto do mandado de busca", o Juiz a quo determinou a expedição em separado da ordem de busca - no mandado de busca e apreensão - e da ordem de prisão - no mandado de prisão, inclusive para facilitar as diligências de finalidades diversas, o que não acarreta qualquer nulidade.
Quanto ao tema, colaciono o magistério de Guilherme de Souza Nucci, in Código de Processo Penal Comentado, 2ª ed., Editora Revista dos Tribunais, p. 437:
Com efeito, a prisão dos réus foi cumprida em obediência ao Mandado de Prisão Temporária nº 109/2006, expedido com a finalidade de efetuar a prisão temporária de ENDRIGO e SANDRINE (fls. 685).
Por outro lado, inocorre nulidade em virtude do cumprimento do mandado de busca e apreensão sem o acompanhamento de agentes da Anvisa, considerando que a providência não constitui formalidade essencial do ato, nos termos do artigo 243 do CPP.
Infere-se que os mandados foram expedidos para coletar objetos relacionados com a prática de crime (bens, documentos e arquivos de computador), ficando sob a apreciação da autoridade policial a pertinência do material a ser colhido e, em última análise, da autoridade judiciária, de modo que o acompanhamento de agentes da Anvisa seria dispensável e teria caráter apenas de auxílio e não essencial, possivelmente para ajuda coadjuvante na verificação de material farmacêutico de interesse para as investigações.
Ademais, a Defesa sequer alega qual o prejuízo advindo da ausência de agentes da Anvisa no cumprimento do mandado de busca e apreensão e, com fundamento no artigo 563 do CPP, nenhum ato será declarado nulo se não houver prejuízo às partes.
Rejeito a preliminar de nulidade das provas decorrentes das colhidas em busca e apreensão, pela aplicação do princípio da árvore dos frutos envenenados, pois como dito acima, a diligência de busca e apreensão foi regular.
Superada a matéria preliminar, passo ao exame do mérito.
A materialidade do crime de tráfico de drogas (artigo 12 da Lei 6.368/1976) encontra-se demonstrada pelas apreensões de medicamentos que se enquadram no conceito de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, listadas na Portaria 344/98 do Ministério da Saúde.
A imputação da denúncia é de que os réus ENDRIGO e SANDRINE forneciam medicamentos à quadrilha liderada por Alessandro Peres Fávaro (corréu nos autos da ação penal 0005846-81.2006.403.6106, cuja apelação foi julgada pela Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região na sessão de 15/10/2013, oportunidade em que houve o parcial provimento do recurso para a diminuição da pena, confirmada, no entanto, a condenação de primeiro grau).
Dessa forma, peço vênia para transcrever trecho do voto proferido na Apelação Criminal 0005846-81.2006.403.6106, relativamente às apreensões de medicamentos em poder da quadrilha liderada por Alessandro Peres Fávaro:
Quanto ao crime de tráfico de drogas, as autorias delitivas imputadas a ENDRIGO e SANDRINE restam demonstradas pelo conjunto probatório, colhido sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.
Inicialmente, é preciso esclarecer que o réu ENDRIGO possuía graduação em Farmácia e trabalhava como farmacêutico na Prefeitura Municipal de Capão do Leão/RS, sendo o responsável pela farmácia municipal.
A ré SANDRINE (esposa do réu ENDRIGO), por sua vez, possuía loja de suplementos alimentares para praticantes de musculação e exercia a atividade de personal trainer.
Os réus ENDRIGO e SANDRINE foram denunciados por fornecerem medicamentos, de forma ilícita, à quadrilha liderada por Alessandro Peres Fávaro, preso em flagrante anteriormente, na cidade de São José do Rio Preto/SP.
Ouvido em juízo, ENDRIGO negou a acusação de tráfico, mas admitiu que emprestou sua conta bancária ao corréu WALTER para depósito de vultosos valores alegadamente "lícitos", embora tenha declarado ser de seu conhecimento que WALTER vendia anabolizantes e tranquilizantes pela internet e os pagamentos eram realizados em conta bancária em nome dele.
Afirmou ENDRIGO também que aceitou proposta de WALTER e "Nelson" (Alessandro Peres Fávaro), consistente na compra de medicamentos e remessa aos endereços indicados, inclusive para São José do Rio Preto/SP.
Declarou ENDRIGO ainda que certa vez pagou do próprio bolso a quantia de R$ 7.000,00 (sete mil reais) em medicamentos adquiridos em farmácia de Pelotas/RS, para remessa a São José do Rio Preto, o que seria o terceiro pedido de WALTER, prontamente atendido porque "queria se livrar das cobranças e ameaças destas pessoas". Declarou ENDRIGO que pagava a WALTER dez por cento sobre o valor de cada remessa de medicamentos. Confira-se os excertos (fls. 2003/2008):
Por sua vez, SANDRINE negou as acusações da denúncia, mas declarou que seu marido ENDRIGO aceitou emprestar a própria conta bancária para depósitos em favor do corréu WALTER RAU e, num segundo momento, ENDRIGO começou a comprar medicamentos a pedido de WALTER e remetê-los aos destinatários indicados, pagando uma percentagem sobre as remessas dos remédios a WALTER. SANDRINE afirmou ainda que acredita que o marido ENDRIGO "estava tendo lucro com o negócio, já que pagava um percentual para RAU" (fls. 2009/2012):
A testemunha Maria Helena Motta Madruga (fls. 3035/3038 - 10º volume), assessora municipal da Prefeitura de Capão do Leão/RS, cujo local de trabalho era a farmácia municipal, afirmou conhecer ENDRIGO e SANDRINE, o primeiro em virtude de contato profissional, pois ambos trabalhavam na farmácia municipal. Declarou que ENDRIGO era o farmacêutico e responsável, juntamente com ela, pelo controle de estoque dos medicamentos da farmácia, inclusive dos medicamentos controlados, e pela aquisição dos medicamentos dos fornecedores e conferência das compras realizadas pela prefeitura, ambos possuindo a chave da Farmácia Municipal. Veja-se dos excertos:
As demais testemunhas nada souberam esclarecer sobre os fatos criminosos imputados aos réus ENDRIGO e SANDRINE.
Digno de nota o teor das mensagens trocadas entre os corréus WALTER e SANDRINE e entre WALTER e ENDRIGO (fls. 2641/2652 e 2654/2660), revelador de que havia entre eles e terceira pessoa de nome Nelson (Alessandro Peres Fávaro) acordo para a compra e fornecimento de medicamentos, negócio que movimentava vultosas quantias monetárias.
Do cotejo da prova, extrai-se que ENDRIGO e SANDRINE aceitaram a proposta de WALTER e Nelson (Alessandro) para a remessa de medicamentos aos endereços indicados por estes, mediante o recebimento de vultosas quantias em dinheiro, inclusive com o pagamento de espécie de "comissão" a WALTER (dez por cento sobre o valor de cada remessa) por remessa.
A alegação de que ENDRIGO "pagou do próprio bolso" a quantia de sete mil reais para a aquisição de medicamentos, visando atender ao pedido de WALTER para o envio dos remédios a São José do Rio Preto, porque queria "livrar-se das ameaças" não indica isenção de ENDRIGO no esquema criminoso. Ao contrário, a situação fático-probatória demonstra o forte comprometimento de ENDRIGO na prática delitiva, considerando que a renda mensal por ele declarada por ocasião do interrogatório era de três mil e duzentos reais, ou seja, menos da metade do valor despendido para a compra dos medicamentos.
Aliás, denota-se do conjunto probatório que a maior parte da renda auferida por ENDRIGO e SANDRINE era proveniente do esquema de fornecimento de medicamentos, pois ENDRIGO fala ao corréu WALTER ao saber da prisão de Nelson (Alessandro) que "um dia pode ser que ele saia e queira continuar trabalhando nisso", "ai vai precisar nos pagar antes", "ate lá fico pobre, mas me recupero" (fls. 2655), e "com certeza, sou um cara pobre agora" (fls. 2657).
De fato, a prova é robusta e harmoniosa a corroborar as imputações da denúncia de que ENDRIGO e SANDRINE eram os fornecedores dos medicamentos à quadrilha liderada por Alessandro, vindo a integrar uma "célula" do grupo criminoso, juntamente com Walter.
Quanto ao crime de associação para o tráfico de a autoria é demonstrada pelo vínculo estável e duradouro dos réus ENDRIGO, SANDRINE, WALTER e Nelson (Alessandro) para o fornecimento e remessa de medicamentos capazes de causar dependência física ou psíquica, listados na Portaria 344/98 do Ministério da Saúde.
ENDRIGO admite, ao menos, três remessas de medicamentos, sob as ordens de Alessandro e WALTER, inclusive com pagamento de espécie de "comissão" a este por envio. As quantias depositadas na conta bancária de ENDRIGO eram vultosas, sendo uma delas da ordem de setenta mil reais.
A remessa dos medicamentos durou meses, só vindo a ser interrompida em virtude da prisão em flagrante de Alessandro (receptor/comprador) e o desbaratamento do grupo criminoso.
Havia uma organização das tarefas de cada integrante do grupo: ENDRIGO e SANDRINE adquiriam os medicamentos e os enviavam, WALTER era o responsável pelo contato com Alessandro e recebia as comissões pela intermediação das remessas e Alessandro era o comprador dos remédios, fazendo os pagamentos em conta bancária de ENDRIGO e SANDRINE.
A estrutura do grupo criminoso, de acordo com a prova colhida, não era formada de maneira esporádica e eventual, simples coautoria, mas de maneira fixa e duradoura, a configurar a quadrilha para a prática de tráfico de drogas.
Por outro lado, não prospera a alegação de coação moral irresistível exercida por WALTER para a prática delitiva, pois o fornecimento dos medicamentos por ENDRIGO e SANDRINE ocorreu de forma contínua, durante meses, à quadrilha liderada por Alessandro Peres Fávaro, evidenciando a vontade livre e consciente direcionada ao cometimento desta conduta criminosa.
E somente com a prisão de Alessandro e os demais integrantes do grupo criminoso é que houve desentendimento entre os corréus WALTER, ENDRIGO e SANDRINE, em virtude de "acertos financeiros" derivados do fornecimento de medicamentos, como se observa dos diálogos transcritos às fls. 2641/2652 e 2654/2660 do 9º volume (Anexos do Laudo de Exame de Dispositivo de Armazenamento Computacional nº 2204/2006 - fls. 2634/2639), relativos a mensagens trocadas entre Walter e Endrigo e Walter e Sandrine, acerca da cobrança da quantia de setenta mil reais.
Confira-se que há identificação dos interlocutores "Rau" (corréu WALTER RAU), "dininha" (corré SANDRINE) - fls. 2644, e ENDRIGO. Veja-se que SANDRINE, ao prestar declarações perante a autoridade policial devidamente acompanhada por advogados constituídos, consignou que sua alcunha é "Dininha" (fls. 731/738 do 3º volume).
Observa-se dos diálogos que ENDRIGO, SANDRINE e WALTER descobrem que Alessandro Peres Fávaro é a pessoa que se identificava por "Nelson" nas tratativas sobre a remessa dos remédios (fls. 2655).
Observa-se dos diálogos que ENDRIGO "mandava pra rio preto apartamento" (fls. 2656) os remédios requeridos por Alessandro.
Os diálogos também revelam que ENDRIGO, SANDRINE e WALTER ficaram sabendo da prisão de Alessandro pelo noticiário (fls. 2655) e tentam recompor o "esquema", visando o acerto de valores, oportunidade em que WALTER diz a SANDRINE que ela não receberá mais nada de Alessandro, em razão da prisão deste e diz pretender levar o caso à polícia e dizer que ela e ENDRIGO "desviam GH" e "vendem entorpecente a anos" (fls. 2651).
Em outras palavras, o "esquema" de tráfico de medicamentos funcionou bem até que a quadrilha de Alessandro (comprador/receptor dos medicamentos fornecidos por ENDRIGO e SANDRINE) fosse desbaratada, tendo havido pleno assentimento de ENDRIGO e SANDRINE para a remessa de remédios a Alessandro, em troca de ganho monetário, compartilhado com o corréu WALTER.
Portanto, a condenação dos réus ENDRIGO e SANDRINE pela prática de tráfico ilícito de drogas e associação para o tráfico de drogas (artigos 12 e 14 da Lei 6.368/7196) é de rigor e resta mantida.
Logo, é de ser rechaçada a pretensão de "desclassificação" da conduta do artigo 14 da Lei 6.368/1976 (associação para o tráfico de drogas) para o reconhecimento da causa de aumento da associação eventual do artigo 18, III, da Lei 6.368/1976.
Pelas mesmas razões, improcede a pretensão de "desclassificação" das condutas para o crime do artigo 280 do Código Penal, tendo em vista que a prova coligida aos autos bem delineia a ocorrência de tráfico de drogas e associação para o tráfico. Prevê o artigo 280 do CP:
O tipo pressupõe a existência de receituário médico válido, documento inexistente à prova coligida aos autos, até porque a atuação da quadrilha consistia exatamente no fornecimento de medicamentos de forma ilícita, sem receituário, visando o abastecimento de remédios ao "mercado negro", de modo que a conduta dos réus não se enquadra, absolutamente, no tipo penal do artigo 280 do CP.
O pedido de restituição da motocicleta Suzuki é de ser indeferido, pois as provas dos autos demonstram que a aquisição ocorreu com o dinheiro do tráfico.
Perante a autoridade policial, SANDRINE, devidamente assistida por advogados constituídos, afirmou que a aquisição da motocicleta Suzuki 1300 cc, nome Hayabusa, pelo valor de R$ 58.000,00 (cinquenta e oito mil reais), ocorreu em parte com o dinheiro auferido "das transações com WALTER RAU" e que o registro do veículo se deu "em nome da mãe da interrogada, senhora LEDI DE OLIVEIRA TAVARE, haja vista que a interrogada e seu marido não possuem renda suficiente para aquisição de tal bem" (fls. 736).
Por outro lado, as mensagens trocadas, via SMS, entre ENDRIGO e WALTER revelam que a maior parte da renda do casal ENDRIGO e SANDRINE era ilícita (dinheiro do tráfico), pois ao descobrir que Alessandro (comprador/receptor dos remédios) foi preso, ENDRIGO diz a WALTER:
Portanto, descabida a devolução da motocicleta, sendo corretamente aplicada a pena de perdimento do bem, adquirido com proveito do crime.
Passo à análise da dosimetria da pena.
A sentença fixou a pena dos réus Endrigo e Sandrine da seguinte forma:
Na primeira fase da dosimetria da pena, pretendem os apelantes ENDRIGO e SANDRINE a fixação da pena no mínimo legal.
A sentença fundamenta a exasperação da pena-base do crime de tráfico de drogas imputado a ENDRIGO e a SANDRINE na desfavorabilidade das circunstâncias judiciais da culpabilidade, motivos do crime e circunstâncias do crime. Quanto ao crime de associação para o tráfico de drogas, a pena foi fixada no mínimo legal e tornada definitiva, inexistindo interesse para sua modificação.
O motivo de lucro fácil integra-se ao tipo, porque a intenção de lucro é ínsita ao comportamento delituoso no crime de tráfico.
Com efeito, embora o tráfico se configure se o agente fornece a droga, ainda que gratuidade, as condutas de "vender" e "expor à venda" também constam do artigo 12 da Lei 6.368/1976 (e atualmente no artigo 33 da Lei nº 11.343/2006), e trazem em si, de forma ínsita, a intenção de lucro na atividade da traficância.
Dessa forma, a intenção de lucro não justifica a exacerbação da pena base, nem tampouco a incidência da circunstância agravante do artigo 62, inciso IV do CP. Nesse sentido aponto precedentes do Superior Tribunal de Justiça e desta Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região.
Verifico ainda que para a ré SANDRINE entendeu o Juiz a quo desfavorável sua culpabilidade em virtude da presença de "dolo direto, notando-se profunda violação ao bem jurídico protegido pela norma penal, tendo em vista o fornecimento dos medicamentos de uso controlado a criminosos que os revendiam através da internet para viciados ao redor do mundo, propiciando sérios prejuízos à saúde de um número considerável de pessoas".
Contudo, a fundamentação apresentada não se presta à majoração da pena-base porque o dolo contido na conduta de fornecer os medicamentos capazes de causar dependência física e psíquica em número indeterminado de pessoas é próprio e ordinário ao tipo penal sob comento, que possui como objetividade jurídica a proteção à saúde pública.
Diante destas considerações, entendo que o réu ENDRIGO ostenta como desfavoráveis a culpabilidade e as circunstâncias do crime, merecendo a fixação da pena-base acima do mínimo legal, em 4 (quatro) anos de reclusão e 60 (sessenta) dias-multa, e a ré SANDRINE ostenta como desfavoráveis as circunstâncias do crime, merecendo a fixação da pena-base acima do mínimo legal, em 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 55 (cinquenta e cinco) dias-multa.
Na segunda fase da dosimetria da pena, requerem os réus a "eliminação das agravantes" e a aplicação da atenuante da confissão espontânea.
Não houve cômputo de agravantes na sentença, pelo que descabido o pedido de exclusão das agravantes.
O Juiz a quo rejeitou o pedido de aplicação da atenuante da confissão espontânea, diante da ausência de admissão dos réus dos fatos criminosos. Com efeito, os réus Sandrine e Endrigo não confessam, negando a acusação tanto em sede policial quanto em juízo. Logo, não fazem jus à atenuante da confissão.
Na terceira fase da dosimetria da pena, pleiteiam os réu a aplicação da causa de diminuição do artigo 33, §4º (traficante ocasional) e do artigo 41 (delação premiada), ambos da Lei 11.343/2006.
Quanto à causa de diminuição de pena do traficante ocasional, prevista no artigo 33, §4º, da Lei nº 11.343/2006, registro que no julgamento no RE 596.152, julgado em 13.10.2011, em face do empate na votação, o Supremo Tribunal Federal proclamou a decisão mais favorável ao paciente, com base no artigo 146, parágrafo único, do Regimento Interno, e, como tal, negou provimento ao recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público Federal. Tendo em vista que o julgamento não se deu por maioria, mas sim empate de votação, não foi confirmada a repercussão geral da matéria questionada. Contudo, foi consagrada a tese da possibilidade de aplicação da causa de diminuição de pena do §4º do artigo 33 da Lei nº 11.343/2006, sobre a pena-base fixada nos termos da Lei nº 6.368/1976 (RE 596152, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Relator(a) p/ Acórdão: Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 13/10/2011, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-030 DIVULG 10-02-2012 PUBLIC 13-02-2012).
Assim, com a ressalva do meu entendimento pessoal, adoto o precedente do Supremo Tribunal Federal, cabendo verificar se, no caso concreto, é cabível a aplicação da mencionada causa de diminuição.
Observo que dispõe o artigo §4° do artigo 33 da Lei 11.343/2006 sobre a possibilidade de redução da pena no crime de tráfico de drogas, de um sexto a dois terços, "desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa".
Tais requisitos são exigíveis cumulativamente, e portanto a ausência de qualquer deles implica na inexistência de direito ao benefício da diminuição da pena.
No caso dos autos, os réus foram condenados também pelo crime de associação para o tráfico internacional de drogas, o que implica em reconhecer que ele integra organização criminosa e portanto não faz jus à causa de diminuição de pena do artigo 33, §4º da Lei 11.343/2006. Nesse sentido:
Quanto à causa de diminuição prevista no artigo 41 da Lei nº 11.343/2006, os réus não fazem jus à minoração, porquanto em nada colaboraram para a identificação dos demais coautores ou partícipes ou para a recuperação do produto do crime.
Ao revés, os réus negaram a acusação, dizendo não participarem do esquema de remessa de medicamentos, afirmando acharem ser lícita a compra dos remédios e o posterior envio, a pedido de WALTER, o qual fornecia as receitas médicas para a compra dos remédios. É dizer, o corréu WALTER não foi delatado pelos réus ENDRIGO e SANDRINE quanto ao tráfico apurado neste feito.
De outro vértice, permanece a incidência da causa de aumento da continuidade delitiva, em 1/6 (um sexto), como lançado na sentença, a resultar definitiva a pena do tráfico de drogas em 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de reclusão e 70 (setenta) dias-multa para Endrigo e de 4 (quatro) anos e 1 (um) mês de reclusão e 64 (sessenta e quatro) dias-multa para Sandrine.
Em virtude do concurso material de delitos, a pena definitiva total do réu ENDRIGO é de 07 (sete) anos e 08 (oito) meses de reclusão e 120 (cento e vinte) dias-multa e da ré SANDRINE é de 07 (sete) anos e 01 (um) mês de reclusão e 114 (cento e quatorze) dias-multa.
DA APELAÇÃO DO RÉU WALTER
Não procede a pretensão da Defesa de desclassificação das condutas de tráfico e a associação para o tráfico de drogas para os crimes do artigo 280 do CP (medicamento em desacordo com receita médica) e do artigo 37 da Lei 11.343/2006 (colaboração, como informante, com grupo, organização ou associação destinados à prática de tráfico de drogas).
O réu WALTER foi denunciado por "fornecer os dados da empresa LICIMED e da Universidade Federal Fluminense à LICIMED e intermediar as vendas (de medicamentos) desta para a organização criminosa de ALESSANDRO PERES FÁVARO, da qual recebia pagamentos, bem como por apresentar os novos fornecedores (de medicamentos) de tal organização, os acusados ENDRIGO JORGE POSSENTI e SANDRINE DE OLIVEIRA TAVARES."
O réu WALTER atuava na traficância de medicamentos capazes de causar dependência física e/ou psíquica, em conjunto com Nelson (Alessandro) e os réus ENDRIGO e SANDRINE.
O réu WALTER reconheceu como sendo Nelson a pessoa retratada às fls. 471 (foto de Alessandro Peres Fávaro). WALTER também disse conhecer os réus ENDRIGO e SANDRINE. Disse que conhecia ENDRIGO desde 1999 e conversavam sobre musculação.
Em interrogatório (fls. 1993/2002), WALTER declarou que conheceu Nelson (Alessandro) por intermédio de um amigo de nome Ramon, iniciando conversas pela internet sobre musculação.
Afirmou WALTER que em certo dia Nelson (Alessandro) teria perguntado se ele não poderia obter medicamentos para praticantes de musculação, tendo-lhe passado uma listagem com os nomes dos remédios desejados, oportunidade em que efetuou pesquisas de preços e passou o orçamento no valor de vinte mil reais a Alessandro, juntamente com dados bancários pessoais para Nelson (Alessandro) efetuar o depósito do dinheiro para a futura compra dos remédios, o que foi feito no dia seguinte.
Disse WALTER que se apropriou dos vinte mil reais depositados por Nelson (Alessandro), e desculpou-se com este inventando que todo o dinheiro havia sido retido por policiais que o abordaram na saída do banco. Disse que Nelson (Alessandro) lhe propôs o perdão da dívida se conseguisse uma distribuidora ou farmácia para fornecer os medicamentos, o que foi aceito.
Declarou WALTER que efetuou as pesquisas dos possíveis fornecedores e atentou-se que ao entrar em contato com a empresa Licimed não foram pedidas maiores informações, apenas se o comprador seria pessoa física ou jurídica. Disse então que transmitiu a Nelson (Alessandro) uma lista de potenciais fornecedores de medicamentos e também dados do Hospital Antônio Pedro ligado à Universidade Federal Fluminense, situado em Niterói, e, tempos depois, Nelson (Alessandro) disse já estar adquirindo os medicamentos de acordo com a lista e dados repassados, recompensando-o com a comissão de "um real por comprimido que conseguisse", pagamento feito através da remessa de dinheiro pelos Correios, de mil a dois mil reais, totalizando a quantia de trinta mil reais, considerada também quitada a dívida de vinte mil reais, no período entre o início de 2003 e meados de 2005.
Disse o réu WALTER que depois de certo período Nelson (Alessandro) não conseguiu mais comprar os remédios, requerendo novo nome de fornecedor e pagando antecipadamente oitenta mil reais, dinheiro gasto "em farras". Em posterior contato, Nelson (Alessandro) propôs a quitação da dívida de oitenta mil reais, acrescida de uma remuneração de quinze mil reais em troca do "empréstimo" de conta bancária para ser depositado "o dinheiro que antes havia sido depositado na conta da Licimed", o que foi prontamente atendido por WALTER que indicou a conta bancária de sua mãe, Sra. Débora Maria Ferrua Vieira, onde foram depositados cento e quarenta mil reais, gastos em seu "proveito pessoal".
Afirmou ainda o réu WALTER que em abril de 2006, o corréu ENDRIGO perguntou-lhe se sabia de alguém que pudesse comprar medicamentos que estaria vendendo, ocasião em que Walter fez o contato entre o corréu ENDRIGO (vendedor) e Nelson (Alessandro) (comprador), cobrando setenta mil reais por tal intermediação. Afirmou que as tratativas entre o corréu ENDRIGO e Nelson (Alessandro) foram bem sucedidas, tendo sido realizadas as vendas, situação que era de total conhecimento da corré SANDRINE.
Declarou ainda o réu WALTER que emprestava a conta do amigo Robson Gomes Branco, entre 2004 e 2005, para fazer movimentações financeiras de seu interesse e receber "comissão pelos medicamentos". Confira-se os excertos (fls. 1993/2002):
As testemunhas Taís Helena Pinheiro Torres, gerente financeira da empresa Licimed desde agosto/2003, (fls. 3086) e Marli Kuhn Werlang, contadora da empresa Licimed desde sua criação, (fls. 3101), confirmam que a empresa fez estornos de valores na conta de Robson Gomes Branco (amigo de WALTER, de quem utilizava a conta bancária para fazer sua própria movimentação financeira) e na conta de Débora (mãe do réu WALTER). Confira-se os trechos das declarações de Taís e Marli, respectivamente:
Tais registros contábeis encontram-se acostados aos autos (fls.385/405, notadamente fls. 404/405.
As demais testemunhas ouvidas nada esclarecem acerca dos fatos criminosos.
Às fls. 399 consta cópia do e-mail datado de 20.07.2004 enviado pelo corréu OLIVÉRIO, vendedor da empresa Licimed, à funcionária Taís, indicando o número de conta bancária da titularidade de Robson Gomes Branco, para depósito do valor de R$ 3.650,00, a corroborar as declarações do réu WALTER de que se utilizava da conta bancária de Robson Gomes Branco para receber as comissões pela venda de medicamentos.
Digno de nota o teor das mensagens trocadas entre os corréus WALTER e SANDRINE e entre WALTER e ENDRIGO (fls. 2641/2652 e 2654/2660), revelador de que havia entre eles e terceira pessoa de nome Nelson (Alessandro Peres Fávaro) acordo para a compra e fornecimento de medicamentos, negócio que movimentava vultosas quantias monetárias.
Com a prisão de Alessandro e os demais integrantes do grupo criminoso houve desentendimento entre os corréus WALTER, ENDRIGO e SANDRINE, em virtude de "acertos financeiros" derivados do fornecimento de medicamentos, como se observa dos diálogos transcritos às fls. 2641/2652 e 2654/2660 do 9º volume (Anexos do Laudo de Exame de Dispositivo de Armazenamento Computacional nº 2204/2006 - fls. 2634/2639), relativos a mensagens trocadas entre WALTER e ENDRIGO e WALTER e SANDRINE, acerca da cobrança da quantia de setenta mil reais.
Confira-se que há identificação dos interlocutores "Rau" (corréu WALTER RAU), "dininha" (corré SANDRINE) - fls. 2644, e ENDRIGO. Veja-se que SANDRINE, ao prestar declarações perante a autoridade policial devidamente acompanhada por advogados constituídos, consignou que sua alcunha é "Dininha" (fls. 731/738 do 3º volume).
Observa-se dos diálogos que ENDRIGO, SANDRINE e WALTER descobrem que Alessandro Peres Fávaro é a pessoa que se identificava por "Nelson" nas tratativas sobre a remessa dos remédios (fls. 2655).
Observa-se dos diálogos que ENDRIGO "mandava pra rio preto apartamento" (fls. 2656) os remédios requeridos por Alessandro.
Os diálogos também revelam que ENDRIGO, SANDRINE e WALTER ficaram sabendo da prisão de Alessandro pelo noticiário (fls. 2655) e tentam recompor o "esquema", visando o acerto de valores, oportunidade em que WALTER diz a SANDRINE que ela não receberá mais nada de Alessandro, em razão da prisão deste e diz pretender levar o caso à polícia e dizer que ela e ENDRIGO "desviam GH" e "vendem entorpecente a anos" (fls. 2651).
Em outras palavras, o "esquema" de tráfico de medicamentos funcionou bem até que a quadrilha de Alessandro (comprador/receptor dos medicamentos fornecidos por ENDRIGO e SANDRINE) fosse desbaratada, tendo havido pleno assentimento de ENDRIGO e SANDRINE para a remessa de remédios a Alessandro, em troca de ganho monetário, compartilhado com o corréu WALTER.
As provas colhidas sob o crivo do contraditório e da ampla defesa demonstram que:
a) WALTER inicialmente foi o contato entre Alessandro (comprador dos medicamentos) e a empresa Licimed Distribuidora de Medicamentos, tendo efetuado pesquisas para encontrar um fornecedor de medicamentos a Alessandro, vindo a indicar a Licimed Distribuidora de Medicamentos como provável fornecedora. Em interrogatório WALTER afirma que recebeu R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) de Alessandro para encontrar o fornecedor;
b) posteriormente, WALTER indicou ENDRIGO e SANDRINE como fornecedores de medicamentos a Alessandro, recebendo percentagem sobre as remessas de medicamentos realizadas por estes a Alessandro;
c) consta dos interrogatórios de ENDRIGO e SANDRINE que WALTER emprestou a conta bancária de ENDRIGO para receber a quantia de setenta mil reais, divididos em vários depósitos;
d) quando as relações comerciais entre Alessandro e a empresa Licimed estavam solidamente estabelecidas, como se vê de fls. 140/147 (listagem de remessas de medicamentos pelos correios, tendo como remetente a empresa Licimed e alguns dos destinatários "Juliana Maia", "Jonas Júnior" e Márcia - a primeira esposa de Alessandro, o segundo corréu condenado no processo de Alessandro e a terceira a mãe de Alessandro), WALTER indicou a conta bancária de sua mãe, Sra. Débora, para receber "estorno" de uma compra não realizada pela Universidade Federal Fluminense (Alessandro) no vultoso valor de R$ 137.200,00 (cento e trinta e sete mil e duzentos reais);
e) os documentos de fls. 148/149, datados de janeiro a dezembro/2004 e de janeiro a dezembro/2005, intitulados "Razão Analítico Individual" e emitidos pela empresa Licimed, revelam um histórico de diversos pagamentos da Licimed a Robson Gomes Branco, alguns destes pagamentos registrados como "comissões", lembrando que o réu WALTER declarou usar a conta bancária do amigo Robson Gomes Branco, nos anos de 2004 e 2005, para realizar sua própria movimentação financeira e recebimento dos pagamentos de comissões sobre a remessa dos medicamentos;
As provas demonstram o forte envolvimento de WALTER no tráfico de medicamentos, sendo descabida a tese de que ele era apenas um "informante" da quadrilha, considerada as altas quantias monetárias que lhe eram direcionadas, podendo-se destacar os pagamentos da ordem de vinte mil reais, trinta mil reais, oitenta mil reais, setenta mil reais e cento e trinta e sete mil e duzentos reais.
Em outras palavras, WALTER fazia da traficância seu meio de vida, não sendo crível que um montante de mais de trezentos e trinta mil reais pudesse lhe ser destinado apenas como recompensa por "informações" à quadrilha do tráfico, sem integrar o esquema criminoso.
Ao revés, a situação fática-probatória revela que WALTER estava embrenhado no esquema de remessa de medicamentos e era peça fundamental, tanto que lucrava consideravelmente com a atividade criminosa e inclusive "delega" parte das tarefas a ENDRIGO e SANDRINE, dos quais recebe comissão por remessa de medicamentos.
Portanto, a condenação de WALTER pela prática de tráfico de drogas e associação para o tráfico é de rigor e resta mantida.
E, nesse passo, improcede a pretensão de "desclassificação" das condutas para o crime do artigo 280 do Código Penal, pelas mesmas razões já aduzidas na análise do recurso dos réus ENDRIGO e SANDRINE, às quais me reporto.
Por derradeiro, não restou caracterizada a alegada delação premiada ou colaboração, visto que a quadrilha liderada por Alessandro Peres Fávaro - "célula" de São José do Rio Preto/SP - já havia sido desbaratada antes da prisão de WALTER.
Por sua vez, ENDRIGO, SANDRINE e o próprio réu WALTER foram presos em decorrência da descoberta de provas colhidas em residência do réu Alessandro, ensejando a continuidade das investigações iniciadas em São José do Rio Preto e as prisões.
Isto é, a troca de acusações entre WALTER e ENDRIGO e WALTER e SANDRINE em nada contribuiu para a identificação de demais coautores ou partícipes ou para a recuperação do produto do crime.
Passo à analise da dosimetria da pena.
A r.sentença apelada dosou a pena do réu WALTER da seguinte forma:
Na primeira fase da dosimetria da pena, a sentença fundamenta a exasperação da pena-base do crime de tráfico de drogas na desfavorabilidade das circunstâncias judiciais da culpabilidade, motivos do crime e circunstâncias do crime. Quanto ao crime de associação para o tráfico de drogas, a pena foi fixada no mínimo legal e tornada definitiva, inexistindo interesse para sua modificação.
Entendeu o Juiz a quo desfavorável a culpabilidade do réu WALTER em virtude da presença de "dolo direto, violando sensivelmente o bem jurídico protegido pela norma penal, tendo em vista o fornecimento de um número significativo de medicamentos de uso controlado a criminosos que os revendiam através da internet, para viciados ao redor do mundo, propiciando sérios prejuízos à saúde de um número considerável de pessoas".
Contudo, a fundamentação apresentada não se presta à majoração da pena-base porque o dolo contido na conduta de fornecer os medicamentos capazes de causar dependência física e psíquica em número indeterminado de pessoas é próprio e ordinário ao tipo penal sob comento, que possui como objetividade jurídica a proteção à saúde pública.
Por outro lado, a "busca do lucro fácil" não justifica o aumento da pena, pelas razões já deduzidas na análise do recurso dos réus ENDRIGO e SANDRINE, às quais me reporto.
Diante destas considerações, entendo que o réu WALTER ostenta como desfavoráveis as circunstâncias do crime, sendo de se acatar o pedido de diminuição da pena-base do crime de tráfico de drogas.
Assim, a pena comporta diminuição, mas fixação acima do mínimo legal em virtude da existência de circunstância judicial desfavorável, em 04 (quatro) anos de reclusão e 60 (sessenta) dias-multa.
Na segunda fase da dosimetria, nada a computar, como lançado na sentença.
Na terceira fase da dosimetria da pena, incide a causa de aumento da continuidade delitiva, em 1/6 (um sexto), como lançado na sentença, a resultar definitiva a pena do tráfico de drogas em 04 (quatro) anos e 08 (oito) meses de reclusão e 70 (setenta) dias-multa.
A pena total definitiva é de 07 (sete) anos e 08 (oito) meses de reclusão e 120 (cento e vinte) dias-multa, em virtude do concurso material entre o delito de tráfico de drogas e o delito de quadrilha voltada ao tráfico de drogas.
DA APELAÇÃO DOS RÉUS CELSO e OLIVÉRIO e do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (quanto ao crime de tráfico).
Considerando que a apelação do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL limita-se a pedir a condenação dos réus CELSO e OLIVÉRIO com o reconhecimento do dolo direto quanto ao crime de tráfico e a condenação de ambos no crime de associação para o tráfico, e considerando ainda que as apelações dos réus pleiteiam, entre outros itens, a absolvição, ambos os recursos serão analisados conjuntamente, quanto ao crime de tráfico, vez que em ambos deve ser feita a mesma análise do conjunto probatório relativos aos réus.
Inicialmente, registro ainda trata-se de caso deveras inusitado - apelação da Acusação contra a sentença que condenou os réus por dolo eventual, pedindo o reconhecimento do dolo direto. Embora duvidoso o interesse recursal do MPF em apelar contra sentença condenatória, pedindo a condenação por outro fundamento, na particularidade do caso dos autos, entendo que o recurso comporta conhecimento.
Isso porque a sentença condenatória foi explícita em fundar a condenação dos réus CELSO e OLIVÉRIO pelo crime de tráfico no dolo eventual. Assim, é de se entender possível que o MPF apele, pedindo o reconhecimento do dolo direto, a fim de se evitar que, na hipótese da análise da apelação da Defesa concluir pela ausência de dolo eventual, sejam os réus absolvidos.
Feitas essas considerações, passo à análise dos recursos.
Rejeito a preliminar de nulidade do feito por ausência de decisão da autoridade sanitária reconhecendo a infração imputada, pois não se discute a existência de autorização da empresa Licimed para a comercialização de medicamentos, abrangidos os de uso controlado.
Depreende-se do teor da inicial acusatória, que a questão posta nos autos diz respeito à venda de medicamentos de maneira ilegal, para pessoa física, em verdadeira simulação de uma venda comercial regular para pessoa jurídica - Hospital Antonio Pedro, vinculado à Universidade Federal Fluminense -, com remessa dos remédios para endereços desvinculados a qualquer filial ou "campus" da Universidade Federal Fluminense, em nome de pessoas físicas, bem assim com estornos dos valores das vendas em nome de terceiros/pessoas físicas também desvinculadas da pessoa jurídica supostamente adquirente, a qual constava da nota fiscal emitida pela Licimed, condutas enquadradas pelo Ministério Público Federal no tipo do artigo 12 da Lei 6.368/1976, na modalidade de venda de entorpecentes.
Nesse panorama, revela-se prescindível a manifestação da autoridade sanitária a respeito das transações efetuadas e tidas na denúncia como criminosas, exatamente porque a questão transborda, segundo a inicial acusatória, do aspecto de irregularidade administrativa na tramitação das vendas, vindo a constituir crime, equiparado a hediondo.
Nesse prisma, as autoridades policial e judiciária não ficam vinculadas a qualquer manifestação da autoridade sanitária, sendo dever de ofício prosseguir nas investigações, a fim de se apurar a ocorrência ou não de delito, dada a independência entre as instâncias administrativa e penal. Nesse sentido colaciono os precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça:
Rejeito a preliminar de incompetência da Justiça Federal, argüida ao argumento de ausência de demonstração da internacionalidade da conduta.
Aos réus CELSO e OLIVÉRIO foi imputada a conduta de fornecer medicamentos à quadrilha liderada por Alessandro Peres Fávaro, réu na ação penal nº 2006.61.06.005846-0, o qual revendia os medicamentos a terceiros, enviando-os pelo Correio a destinatários no exterior. Assim, segundo a denúncia, tratava-se de uma cadeia de ações delitivas, tendo como finalidade última o abastecimento do "mercado negro" estrangeiro com os remédios fornecidos pela empresa Licimed a Alessandro Peres Fávaro.
Portanto, a competência da Justiça Federal está bem delineada, tendo a questão sido decidida no julgamento da Apelação Criminal interposta por Alessandro Peres Fávaro, nos autos nº 2006.61.06.005846-0, na sessão de 15.10.2013, perante esta Primeira Turma, ao qual peço vênia para transcrever:
Rejeito a preliminar de ilicitude da perícia encartada às fls. 3912/3917, ao argumento de a elaboração de "Relatório de Análise" pelos policiais federais Marques e Willian consistiu em "nova perícia" realizada por pessoas que não são peritos.
O Laudo de Exame de Dispositivo de Armazenamento Computacional nº 167/2007 de fls. 3912/3917 foi devidamente confeccionado por dois peritos criminais federais.
Observa-se do item IV-EXAMES (fls. 3915/3916) a indicação de que no dispositivo de armazenamento computacional examinado continha mensagens de correio eletrônico trocadas entre "Marco Aurélio" e a empresa Licimed, entre "Marco Aurélio" e funcionários da Licimed, arquivos referentes a Robson e caixa de e-mail do réu OLIVÉRIO.
Logo, a simples transcrição do conteúdo já desvendado pelos peritos no laudo 167/2007 não constituiu nova perícia, mas apenas referência à prova já produzida.
Não conheço da preliminar de ilicitude da prova produzida através da quebra de sigilo fiscal, consistente na requisição pelo Ministério Público Federal à Delegacia da Receita Federal em Porto Alegre/RS de cópias das Declarações de Imposto de Renda da pessoa jurídica Licimed (fls. 4705/4714), por falta de interesse, porque a questão já foi acolhida em preliminar de sentença (fls. 5325):
Por outro lado, embora haja entendimento jurisprudencial no sentido de que o Ministério Público Federal não pode requerer à Receita Federal declarações de imposto de renda, sem autorização judicial, a declaração da ilicitude da prova traz como consequência sua inutilização para o processo.
E, no caso dos autos, as declarações de imposto de renda não serviram de base à condenação, não exercendo qualquer influência no convencimento do julgador.
Rejeitadas as preliminares, passo ao exame do mérito.
O réu CELSO figurava como diretor da empresa Licimed Distribuidora de Medicamentos, Correlatos e Produtos Médicos e Hospitalares Ltda. à época dos fatos, ao passo que o réu OLIVÉRIO era o vendedor de medicamentos na empresa Licimed Distribuidora de Medicamentos, Correlatos e Produtos Médicos e Hospitalares Ltda. à época dos fatos.
Segundo a denúncia, "CELSO LUIS VICARI - sócio e administrador da empresa LICIMED DISTRIBUIDORA DE MEDICAMENTOS, CORRELATOS E PRODUTOS MÉDICOS E HOSPITALARES LTDA (...) foi, pelo menos durante o período de fevereiro de 2003 a agosto de 2005, responsável pelo fornecimento ilícito de grande quantidade de medicamentos de uso controlado para a quadrilha liderada por ALESSANDRO".
Segundo a denúncia, "OLIVÉRIO BORGES JUNIOR - funcionário da empresa LICIMED, foi o responsável pela efetivação do falso cadastro da 'UFF' na empresa, bem como pelas providências de remeter os lotes de medicamento de comércio e uso controlado em nome da universidade para endereço diverso da mesma, e, ainda, por determinar a transferência de recursos depositados a maior na conta da LICIMED, pela quadrilha de ALESSANDRO PERES FAVARO, para a conta de terceiros totalmente estranhos aos quadros da LICIMED."
Não há que se falar em atipicidade da conduta, pois a denúncia descreve comportamentos que se amoldam ao tipo do artigo 12 da Lei 6.368/1976, modalidade vender e remeter, como se verifica dos excertos já transcritos no relatório.
A materialidade delitiva do delito de tráfico de drogas (artigo 12 da Lei 6.368/1976) encontra-se demonstrada pelas provas coligidas aos autos, como já explanado acima ao analisar os recursos de apelação dos réus ENDRIGO e SANDRINE, tópico ao qual me reporto.
A autoria delitiva imputada ao réu OLIVÉRIO pela prática de tráfico de drogas é comprovada pela prova produzida sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.
Não socorre a alegação da Defesa de que o réu OLIVÉRIO, na qualidade de vendedor da empresa Licimed, atuava licitamente fazendo a venda dos remédios a pessoa que se identificou como "Dr. Marco Aurélio", suposto médico do Hospital Antonio Pedro, vinculado à Universidade Federal Fluminense.
Do exame probatório é possível concluir que o réu OLIVÉRIO tinha pleno conhecimento de que não estava efetuando as vendas para um médico chamado Marco Aurélio, mas sim para outras pessoas físicas, que se passavam por ele, e compravam numerosa quantidade de medicamentos.
A alegação da Defesa de que houve "mero descuido", "ingenuidade" ou falta de controle mais rigoroso na realização da checagem dos compradores é desmentida pela prova dos autos.
Em primeiro lugar, é preciso anotar que OLIVÉRIO não se mostrava vendedor inexperiente, pois é dos autos que atuava nesta profissão na Licimed desde a sua criação, em 28.08.2000 (contrato social às fls. 150/153). Confira-se os excertos dos depoimentos do réu Celso e do próprio réu Olivério (fls. 2133/2134 e 2161/2162):
Além disso, OLIVÉRIO nunca chegou a receber a documentação prometida pela pessoa que se passava por "Dr. Marco Aurélio" da Universidade Federal Fluminense, documentação esta apta a demonstrar que a compra era feita em nome da pessoa jurídica, mas mesmo assim continuou a praticar as vendas por dois anos ininterruptos, por telefone e e-mail. Confira-se do depoimento do réu OLIVÉRIO (fls. 2163/2166):
Ao que se depreende do interrogatório, a única providência tomada pelo vendedor OLIVÉRIO, para efetuar as vendas dos remédios, era avaliar a situação financeira do comprador e receber antecipadamente os valores, de modo que as transações eram fechadas sem qualquer análise da documentação exigida sobre o comprador de remédios de uso controlado, sem exigência do envio desta documentação, inúmeras vendas realizadas indiscriminadamente, por telefone ou e-mail (fls. 2169):
Poder-se-ia dizer que seria praxe a venda por telefone e que a ausência da documentação necessária, vinda da pessoa jurídica, seria "mero descuido".
Contudo, a prova vai além, é segura a corroborar a imputação da denúncia de que OLIVÉRIO sabia que as vendas eram feitas a pessoa física, sem qualquer relação com a Universidade Federal Fluminense.
Com efeito, a agenda pessoal de OLIVÉRIO do ano 2004 (fls. 382/384) apreendida na empresa Licimed por policiais federais demonstra que, em verdade, o "Dr. Marco Aurélio" era pessoa de nome "Juliana" (esposa do réu Alessandro Peres Fávaro e também ré condenada nos autos da ação penal nº 2006.61.06.005846-0 por tráfico internacional de drogas e quadrilha voltada ao tráfico de drogas), pois ao lado da inscrição feita a mão "Marco Aurélio" estava anotado entre parênteses "Juliana S. Maia", com o endereço "Av. Alberto Andalo, 3975/92, CEP 15015-000, São José do Rio Preto-SP". Frise-se que o endereço indicado de "Marco Aurélio" ("Juliana") era o endereço residencial do casal de réus Alessandro e Juliana, em São José do Rio Preto/SP.
Em interrogatório, OLIVÉRIO declarou que era sua atribuição como vendedor indicar o local da entrega dos medicamentos. E que se lembra de ter remetido medicamentos para pessoa de nome "Juliana", em São José do Rio Preto/SP, a pedido do "Dr. Marco Aurélio" (fls. 2166/2167):
As afirmações em interrogatório quanto à remessa dos medicamentos ao endereço da "Av. Alberto Andalo, 3975/92, CEP 15015-000, São José do Rio Preto-SP" são corroboradas pelos documentos de fls. 361/362 e 369/370, consistentes em "Demonstrativo de Serviços Prestados no período de 01/01/2004 a 30/05/2004 e no período de 01/01/2005 e 30/05/2005" pelos Correios à empresa Licimed, onde constam remessas de medicamentos para o CEP 15015-000 em nome de Juliana S. Maia, nos dias 20/04/2004 (peso da embalagem 5941 gramas) e 20/04/2005 (peso das embalagens 3743 gramas, 2628 gramas e 9530 gramas), cujo peso das embalagens somente no dia 20/05/2005 soma quase dezesseis quilos.
É realmente expressiva a quantidade de quase dezesseis quilos de medicamentos, enviados num único dia, para pessoa física, se em comparação com as demais encomendas remetidas no mesmo período, para compradores pessoas jurídicas, o peso das embalagens não chega nem perto de um quilo - o maior é da ordem de 650 gramas - sendo a média em torno de 150 gramas (fls. 361/362 e 369/370).
Digno de nota as mensagens eletrônicas trocadas entre "marcoaureliopedro" e o funcionário da Licimed Rafael Loss, no dia 31.01.2005, sobre pedido de medicamentos (fls. 3921/3922). Observa-se que, embora o requerente dos remédios seja "marcoaureliopedro", a pessoa que irá receber os remédios é JONAS SILVEIRA JR, no mesmo endereço (CEP 01305-000) constante da listagem dos correios acerca de entregas remetidas pela Licimed (fls. 363, 364, 365, 370 e 379).
Acrescente-se que as declarações do réu OLIVÉRIO e os depoimentos de testemunhas (fls. 3876/3877 3877verso/3879, 3879verso/3881, 3884verso/3886) de que era praxe o envio dos medicamentos para endereço distinto da pessoa jurídica compradora também não é capaz de isentá-lo da responsabilidade penal por tráfico de drogas.
De fato, as declarações são no sentido de que o envio dos medicamentos poderia ser para local distinto da pessoa jurídica compradora, porém, o local de destino guardava relação com a finalidade institucional da pessoa jurídica compradora. Isto é, uma universidade poderia comprar, mas o pedido era para ser remetido para um ou alguns de seus campus; a secretaria de saúde do Estado do Rio Grande do Sul seria a compradora constante da nota fiscal e o endereço de entrega dos medicamentos seria, por exemplo, postos de saúde relativos àquela secretaria, dentro do Estado do Rio Grande do Sul ou ainda, um determinado hospital seria o comprador constante da nota fiscal e o endereço de entrega dos medicamentos seria um outro hospital conveniado ou local de pesquisas do hospital.
Mas o que aconteceu no caso dos autos, por inúmeras vezes, no período de dois anos consecutivos, é que a Universidade Federal Fluminense, localizada em Niterói-Estado do Rio de Janeiro, era a compradora constante da nota fiscal e a entrega dos remédios era feita em nome de pessoas físicas "Juliana" e "Jonas" (réus na ação penal 2006.61.06.005846-0 e condenados também neste Tribunal por tráfico internacional de drogas e quadrilha voltada ao tráfico de drogas, liderada pelo corréu Alessandro, marido da ré Juliana), na cidade de São José do Rio Preto/SP, na cidade de São Paulo-Capital, na cidade de Praia Grande/SP e na cidade de São Caetano do Sul/SP.
As pesquisas feitas em relação aos CEPs indicados nas relações de remessas efetuadas pelos Correios, a pedido do cliente Licimed, para as pessoas físicas "Juliana" e "Jonas" (fls. 361/376), no período de janeiro/2004 a dezembro/2005, identificaram que os endereços dos destinatários localizam-se na cidade de São José do Rio Preto/SP (residência do casal Alessandro Peres Fávaro e Juliana Saud Maia Favaro), na cidade de São Paulo-Capital, na cidade de Praia Grande/SP (casa de veraneio do casal Alessandro Peres Fávaro e Juliana Saud Maia Favaro) e na cidade de São Caetano do Sul/SP (fls. 378/381).
Em outras palavras, a entrega dos medicamentos era feita a pessoas absolutamente desvinculadas a qualquer atividade institucional da suposta Universidade Federal Fluminense, em locais igualmente desvinculados com qualquer atividade de referida universidade, para endereços residenciais, em Estado da Federação distinto.
Veja-se da lista de encomendas dos Correios, contrato mantido entre a Licimed e os correios para o envio de medicamentos, que as remessas de remédios para São José do Rio Preto/SP, São Paulo/SP, Praia Grande/SP e São Caetano do Sul/SP tinham a especificação dos destinatários as pessoas físicas "Juliana S. Maia" e "Jonas Silveira Jr." (réus na ação penal 2006.61.06.005846-0 e também condenados neste Tribunal Regional Federal por tráfico internacional de drogas e quadrilha voltada ao tráfico de drogas).
Ou seja, não havia qualquer engano quanto aos destinatários serem pessoas físicas, domiciliadas em São José do Rio Preto/SP, São Paulo-Capital, Praia Grande/SP e São Caetano do Sul/SP, pois infere-se dos documentos de fls. 361/376 que a própria empresa vendedora Licimed, através do réu OLIVÉRIO, especificou aos Correios que os destinatários eram pessoas físicas.
Digno de nota que as remessas dos medicamentos via correios pela Licimed a "Juliana" e a "Jonas" (réus na ação penal 2006.61.06.005846-0 e também condenados neste Tribunal Regional Federal por tráfico internacional de drogas e quadrilha voltada ao tráfico de drogas) eram constantes e bem acima da quantidade remetida a pessoas jurídicas compradoras.
Comparando-se a especificação do peso das embalagens contendo os medicamentos constata-se que as remessas para pessoas jurídicas (como prefeituras, hospitais, universidades, secretarias de saúde, laboratório) eram no patamar entre de 80 g (oitenta gramas) e 300 g (trezentos gramas) - exceto algumas remessas maiores para a empresa Medex, empresa distribuidora de medicamentos integrante do próprio grupo da Licimed -, ao passo que o peso das embalagens contendo medicamentos remetidos às pessoas físicas "Juliana" e "Jonas" era da ordem de quilos, conforme ordem cronológica que segue:
a) 5.941 gramas, em 20.04.2004 (fls. 361);
b) 4.760 gramas, em 16.07.2004 (fls. 365);
c) 10.410 gramas, em 10.08.2004 (fls. 365);
d) 3.480 gramas, 7.340 gramas, 7.310 gramas, 4.080 gramas, 12.400 gramas, 6.070 gramas e 6.080 gramas, em 29.10.2004 (fls. 363/364);
e) 13.950 gramas, em 12.11.2004 (fls. 364);
f) 7.630 gramas e 6.500 gramas, em 02.12.2004 (fls. 364);
g) 3.990 gramas, em 17.12.2004 (fls. 364);
h) 11.780 gramas, em 20.12.2004 (fls. 364);
i) 7.400 gramas, em 22.12.2004 (fls. 364);
j) 1.545 gramas e 8.400 gramas, em 17.02.2005 (fls. 370);
l) 6.240 gramas e 3.890 gramas, em 22.02.2005 (fls. 368);
m) 3.005 gramas, 24.500 gramas, 9.240 gramas e 8.000 gramas, em 22.03.2005 (fls. 370);
n) 3.743 gramas, 2.628 gramas e 9.530 gramas, em 20.04.2005 (fls. 369);
o) 4.326 gramas, em 02.05.2005 (fls. 369);
p) 10.275 gramas e 11.020 gramas, em 03.08.2005 (fls. 374);
q) 1.352 gramas, 1.217 gramas e 1.345 gramas, em 04.08.2005 (fls. 371).
Isto é, as vendas a pessoas físicas eram "fora do padrão", em volume altamente maior que as vendas às pessoas jurídicas. Veja-se que somente no dia 29.10.2004 foi remetida a quantidade impressionante de 46,760 Kg (quarenta e seis quilos e setecentos e sessenta gramas) de medicamentos para a pessoa física "Jonas".
Acrescente-se que o Laudo de Exame Contábil nº 2001/06 (fls. 03/12 do Apenso denominado "Anexo I - LAUDOS"), realizado com base em notas fiscais apreendidas na empresa Licimed, relativas a vendas efetuadas à Universidade Federal Fluminense, conclui que:
a) no ano de 2003 foram efetuadas vendas de 4.668 caixas de medicamentos, perfazendo o volume de venda no valor de R$ 419.380,34;
b) no ano de 2004 foram efetuadas vendas de 3.739 caixas de medicamentos, perfazendo o volume de venda no valor de R$ 462.350,81;
c) no ano de 2005 foram efetuadas vendas de 4.329 caixas de medicamentos, perfazendo o volume de venda no valor de R$ 312.719,70;
O volume total de vendas nos anos de 2003, 2004 e 2005 perfez a quantia de R$ 1.194.450,85 (um milhão, cento e noventa e quatro mil, quatrocentos e cinquenta reais e oitenta e cinco centavos).
Desta feita, a alegação da Defesa de que o montante vendido pela Licimed supostamente à Universidade Federal Fluminense (quadrilha liderada por Alessandro Peres Fávaro, que contava com os integrantes Juliana Saud Maia Fávaro-esposa de Alessandro, Anderson Peres Fávaro-irmão de Alessandro e Jonas Silveira Franco Júnior, entre outros) era irrisória revela-se inverídica.
Cumpre atentar também que em relação ao medicamento de uso controlado "Oxycontin", de variadas dosagens, a Licimed teve apenas dois compradores nos anos de 2004 e 2005, a Universidade Federal Fluminense e a empresa Med Express Com. Medicamentos Mat. Hosp. Ltda., empresa do próprio grupo da Licimed e cuja atividade comercial era a distribuição de medicamentos. E o volume de vendas à Universidade Federal Fluminense é enormemente maior em relação à empresa Med Express (fls. 187/200), a evidenciar, mais uma vez, que as vendas realizadas em nome da Universidade Federal Fluminense não representavam valor irrisório ou insignificante no histórico da Licimed.
Frise-se também que houve estorno do dinheiro de venda não realizada em nome de pessoa física "Débora M. Ferrua Vieira", mãe do corréu WALTER, no valor de R$ 137.200,00 (cento e trinta e sete mil e duzentos reais) a evidenciar que a transação não era realizada entre a pessoa jurídica Universidade Federal Fluminense e a Licimed, mas para pessoa física (fls. 404).
Indagada a respeito do estorno do valor de fatura em conta de pessoa física, a testemunha Taís Helena Pinheiro Torres, gerente financeira do grupo de empresas Licimed, Medex e BIV desde agosto/2003, afirmou que não era comum tal procedimento, considerando que a compra era realizada por pessoa jurídica (fls. 3090/3093):
Os documentos de fls. 148/149, denominados "Razão Analítico Individual", emitidos pela empresa Licimed, demonstram que nos anos de 2004 e 2005 foram feitos inúmeros pagamentos à pessoa física de Robson Gomes Branco (amigo do corréu WALTER e de quem WALTER emprestava a conta bancária para fazer sua própria movimentação financeira). Alguns destes pagamentos eram intitulados "comissões" e "dif comissões", a comprovar que a empresa Licimed remunerava "terceiro", em razão das vultosas vendas de medicamentos à quadrilha liderada por Alessandro Peres Fávaro.
As cópias de e-mails enviados pelo réu OLIVÉRIO a funcionárias da empresa, determinando o depósito de valores em nome de Robson Gomes Branco corroboram a realização de tal prática (fls. 399).
A realização de depósitos em nome de Robson Gomes Branco, a pedido do "Dr. Marco Aurélio" é confirmada pelo réu OLIVÉRIO, em interrogatório (fls. 2172/2173 e 2181):
Logo, o fato de a empresa Licimed possuir autorização do órgão sanitário competente para a venda de medicamentos, abrangidos os de uso controlado, não é capaz de provar a inocência do réu OLIVÉRIO, porque as provas coligidas aos autos demonstram que ele tinha plena ciência que a venda não estava sendo feita para pessoa jurídica Universidade Federal Fluminense, mas para pessoas físicas absolutamente desvinculadas da universidade, em montante bastante acima do praticado por pessoas jurídicas compradoras, como universidades, hospitais e secretarias de saúde.
Considerada a fundamentação supra e todas as provas produzidas sob o crivo do contraditório e da ampla defesa é de rigor a manutenção da condenação do réu OLIVÉRIO Borges Júnior pela prática de tráfico de drogas, cometido com dolo direto, consistente na vontade livre e consciente de efetuar as vendas de entorpecentes a pessoas físicas, sabedor de que a emissão de notas fiscais em nome da Universidade Federal Fluminense era ideologicamente falsa, destinada a dar aparência de legalidade às vendas.
Por outro lado, com relação ao réu CELSO, não há prova segura e suficiente da autoria delitiva em relação pela prática de tráfico de drogas.
A prova dos autos revela que as vendas dos medicamentos eram realizadas sem checagem da documentação do comprador, no sentido da verificação da autenticidade de quem comprava via telefone e e-mail, priorizando-se a verificação da aptidão financeira do comprador, se era um bom pagador, e que tal prática seria comum no meio farmacêutico. Confira-se dos depoimentos das testemunhas Claudionei dos Santos Melo, Edson Bittencourt e Eugênio da Silva de Castro (fls. 3874/3875, 3876/3877, 3877verso/3879):
Em interrogatório (fls. 2131/2159), o réu CELSO declarou que foi solicitada a compra de medicamentos por pessoa que se autodenominou médico "Dr. Marco Aurélio", em nome da Universidade Federal Fluminense, tendo a empresa Licimed realizado a verificação financeira do comprador Universidade Federal Fluminense, pedido a documentação do comprador que não chegou, e exigido o recebimento antecipado, porque a maior preocupação da Licimed era com inadimplência, vindo então a efetuar a venda.
Afirmou ainda em interrogatório que desconhecia que os medicamentos eram enviados para pessoas físicas e sequer suspeitava que o Dr. Marco Aurélio não pertencia à Universidade Federal Fluminense, afirmando ainda que, na condição de diretor da empresa Licimed atuava no "macro", não cuidando dos detalhes operacionais.
Disse o réu CELSO que quando era necessário o estorno dos valores, o vendedor passava os dados que recebia do cliente para fazer a devolução e que só tomava conhecimento da necessidade de estorno, mas não o autorizava.
É certo que a realização de vendas de medicamentos, abrangidos os de uso controlado, por telefone e e-mail, sem a exigência de documentação do comprador pode ser considerada uma grande displicência, um generalizado desprezo pelas boas práticas na comercialização de produtos considerados nocivos à saúde, mas, para a condenação judicial por crime doloso é necessária a cabal demonstração de que a venda estaria sendo destinada a pessoa diversa da pessoa jurídica compradora e, nesse aspecto, a adesão a esta conduta.
Contudo, o que se entrevê da prova em relação ao réu CELSO é que a atuação dele como diretor da empresa Licimed, a despeito da falta de cuidado na comercialização dos medicamentos, não lhe fornecia o conhecimento de que a remessa dos remédios era feita a pessoas físicas desvinculadas da finalidade institucional da Universidade Federal Fluminense.
Com efeito, a pessoa que se passava pelo médico "Dr. Marco Aurélio", supostamente da Universidade Federal Fluminense, tratava diretamente com os vendedores da empresa Licimed, especificadamente com o réu OLIVÉRIO.
De outro lado, o réu OLIVÉRIO fornecia os dados do comprador para serem efetuados os envios, a endereços de pessoas físicas, em locais desvinculados da finalidade institucional da Universidade Federal Fluminense.
A prova coligida aos autos demonstra claramente que o réu OLIVÉRIO sabia que o Dr. Marco Aurélio não era quem fazia os pedidos dos remédios, pois sua agenda pessoal tinha anotação do nome de "Juliana S. Maia" entre parênteses na frente da anotação "Marco Aurélio", e endereço de São José do Rio Preto/SP.
Entretanto, o conjunto probatório colhido sob o crivo do contraditório e da ampla defesa não evidencia que o réu CELSO, na qualidade de Diretor da empresa Licimed, sabia que as tratativas de venda dos remédios ocorriam, em verdade com terceiros distintos do Dr. Marco Aurélio, terceiros que usavam o nome da Universidade Federal Fluminense.
A afirmação em interrogatório de que o réu CELSO "cuidava do macro", não tratando dos "detalhes operacionais" condiz com sua condição de diretor e tem amparo nas declarações do réu OLIVÉRIO, que afirmou ser o responsável pelas tratativas com os compradores, anotação dos nomes e endereços dos destinatários dos remédios e a efetivação da devolução dos valores, em caso de não realização das vendas, tomando conhecimento das contas em que eram depositadas as quantias de devolução.
Por outro lado, a declaração do réu OLIVÉRIO de que a gerência e a diretoria da Licimed autorizavam o estorno não é suficiente para a condenação do réu Celso, considerando que a devolução era decorrência da não realização das vendas.
Em outras palavras, o contato do réu WALTER e da quadrilha de Alessandro na Licimed era o réu OLIVÉRIO. Cabe lembrar que tal situação foi relatada, nos autos da ação penal em que condenado o réu Alessandro, por Jonas, que afirmou que havia um contato que seria "funcionário da Licimed".
Dessa forma, era apenas OLIVÉRIO que tinha conhecimento de que a emissão de notas fiscais para a Universidade Federal Fluminense era ideologicamente falsa. Para conseguir seu intento, fazia as operações terem, dentro da Licimed, aparência de regularidade, com depósitos na conta da própria empresa. Quando as vendas não eram fechadas, determinava os estornos em contas de pessoas físicas, justificando em alguns casos com o pagamento de comissões.
Não é crível que CELSO, na condição de diretor e único administrador da Licimed, com poderes amplos de gestão, se estivesse envolvido no esquema de tráfico da quadrilha chefiada por Alessandro, registrasse na própria contabilidade de sua empresa todas as operações, inclusive os estornos feitos com depósitos em conta da mãe do réu WALTER e do amigo deste, Robson, como consta de fls. 404/405.
E, embora CELSO tivesse ciência da remessa para destinos distintos da sede da Universidade, não tinha conhecimento direto de quais eram os endereços e destinatários, dado que quem determinava os dados para o setor de faturamento da empresa - de médio porte, com faturamento anual na época d cerca de R$ 18 milhões - era o réu OLIVÉRIO.
Também não é possível a condenação do réu CELSO, tal como feita na r. sentença apelada, mediante o reconhecimento de que agiu com dolo eventual.
Para a configuração do dolo eventual, exige-se que o agente, embora não queira o resultado, tenha pleno conhecimento da possibilidade de sua ocorrência, e assuma esse risco. Nesse sentido situa-se a lição de Sérgio Salomão Shecaira, in "Dolo eventual e culpa consciente", Revista Brasileira de Ciências Criminais 38/142:
Ou seja, no caso dos autos, para a configuração de dolo eventual quanto ao tráfico de drogas, não basta concluir-se que o réu CELSO deveria saber que havia alguma irregularidade nas vendas efetuadas por OLIVÉRIO à Universidade Federal Fluminense - situação que restou efetivamente demonstrada nos autos.
Para a configuração do dolo eventual quanto ao tráfico, seria necessário que o réu CELSO considerasse a possibilidade de que as notas fiscais de vendas feitas por OLIVÉRIO à Universidade Federal Fluminense fossem ideologicamente falsas, porque destinadas na verdade a traficantes, e persistisse na conduta de efetuar as vendas, mesmo considerada tal possibilidade.
Como visto, não é o que restou delineado nos autos.
Assim, entendo que a sentença comporta reforma para absolver o réu CELSO da imputação de tráfico de drogas (artigo 12 da Lei 6.368/1976), com fundamento no artigo 386, VII, do CPP - Código de Processo Penal.
Passo à análise da dosimetria da pena do réu OLIVÉRIO.
A sentença dosou a pena da seguinte forma (fls. 5384/5386):
Na primeira fase da dosimetria da pena, impugna a Defesa a majoração da pena-base pautada na quantidade elevada de medicamentos comercializada. Sem razão o apelante Olivério.
A quantidade de medicamentos traficados é circunstância desfavorável, pois o objeto jurídico tutelado no crime de tráfico de entorpecente é a saúde pública e, portanto, quanto maior a quantidade da droga traficada maior o potencial lesivo e o perigo de dano à saúde pública, a justificar uma maior reprovabilidade da conduta empreendida e, conseqüentemente, a elevação da pena-base. Nesse sentido situa-se a orientação do Superior Tribunal de Justiça e desta Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região:
Por outro lado, a motivação acerca da desfavorabilidade da culpabilidade e dos motivos do crime não é suficiente para a majoração da pena.
Entendeu o Juiz a quo desfavorável a culpabilidade do réu Olivério em virtude da presença de "profunda violação ao bem jurídico protegido pela norma penal em apreço, em razão da distribuição de medicamentos a criminosos, propiciando sérios prejuízos à saúde da população".
Contudo, a fundamentação apresentada não se presta à majoração da pena-base porque a possibilidade de causar prejuízos à saúde da população com a prática do crime é o ordinário ao tipo penal sob comento, que possui como objetividade jurídica a proteção à saúde pública.
Por outro lado, os motivos do crime pautados na "ganância em obter lucros cada vez maiores para a empresa" é ínsita ao crime de tráfico de drogas, com já assinalado na análise dos recursos dos réus ENDRIGO e SANDRINE, aos quais me reporto.
Assim, a pena-base comporta fixação acima do mínimo legal, mas em patamar menor que o fixado na sentença, diante da desfavorabilidade da circunstância judicial circunstâncias do crime, em 04 (quatro) anos de reclusão e 60 (sessenta) dias-multa.
Na segunda fase da dosimetria, nada a computar, pois embora consignado na sentença ser a majorante do artigo 18, III, da Lei 6.368/1976 uma agravante, trata-se, na verdade, de causa de aumento e será analisada na terceira fase.
Na terceira fase da dosimetria, requer a Defesa o reconhecimento da abolitio criminis em relação à causa de aumento da associação eventual (artigo 18, III, da Lei 6.368/1976) e a aplicação da causa de diminuição do artigo 33, §4º, da Lei 11.343/2006.
Quanto à causa de aumento relativa à associação eventual, prevista no artigo 18, inciso III, da Lei nº 6.368/1976, ressalvo meu entendimento pessoal para acompanhar a orientação desta Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da Terceira Região no sentido da ocorrência de abolitio criminis (ACR 2004.61.19.005595-4, j. 15.05.2008, Rel. Des.Fed. Vesna Kolmar; ACR 2006.60.04.000694-4, j.06.05.2008, Rel. Des.Fed. Vesna Kolmar; ACR 2002.61.10.003804-7, j.08.04.2008, DJ 18.04.2008, Rel. Des.Fed. Johonsom di Salvo). Desta feita, excluo do cômputo da pena o acréscimo de 1/3 (um terço).
Quanto à causa de diminuição de pena do traficante ocasional, reporto-me aos fundamentos já expendidos na análise dos recursos dos réus ENDRIGO e SANDRINE, no sentido da possibilidade de exame da aplicação em tese do artigo §4° do artigo 33 da Lei 11.343/2006, mas de sua não incidência no caso concreto, ante a condenação do réu OLIVÉRIO por crime de associação para o tráfico, como exposto a seguir na análise do recurso do MPF.
Incide, tal como lançado na sentença, a continuidade delitiva em 1/4 (um quarto), a resultar definitiva a pena de 5 (cinco) anos de reclusão e 75 (setenta e cinco) dias-multa.
Incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito, por não preenchimento dos requisitos do artigo 44, incisos I e III, do Código Penal.
DO APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (quanto ao crime de associação para o tráfico).
A acusação pretende a condenação dos réus CELSO e OLIVÉRIO no crime de tráfico de drogas, reconhecendo-se que ambos agiram com dolo direto na conduta.
A pretensão encontra-se parcialmente prejudicada diante da absolvição do réu CELSO em relação à imputação de tráfico de drogas.
Por outro lado, quanto ao crime de tráfico, a pretensão restou acolhida em relação ao réu OLIVÉRIO, cuja condenação por tráfico restou mantida neste voto, reconhecendo-se ter ele agido com vontade livre e consciente de vender ilicitamente os medicamentos à quadrilha de Alessandro Peres Fávaro.
Resta portanto a análise da pretensão de condenação dos réus OLIVÉRIO e CELSO por crime de associação para o tráfico.
Quanto ao réu CELSO, à vista da fundamentação exposta quando da análise do recurso da Defesa, no sentido de inexistir prova segura e suficiente para sua condenação pela prática de tráfico de drogas, também não verifico a existência de provas suficiente para sua condenação pela prática de associação para o tráfico de drogas.
Não há prova da ciência do réu CELSO sobre os destinatários dos medicamentos, tarefa que ficava a cargo do réu OLIVÉRIO, o qual indicava ao faturista da empresa Licimed o endereço para remessa dos remédios. Havia divisão de tarefas na empresa Licimed e as notas fiscais eram emitidas em nome da Universidade Federal Fluminense, porém os endereços dos destinatários dos medicamentos contemplavam pessoas físicas e esta tarefa de indicar os endereços era atribuição do réu OLIVÉRIO, bem assim ele é quem detinha a agenda com as anotações de que o suposto "Dr. Marco Aurélio" era pessoa distinta, de nome "Juliana S. Maia", domiciliada em São José do Rio Preto.
Assim, as provas produzidas sob o crivo do contraditório e da ampla defesa revelam-se insuficientes para a condenação do réu CELSO por quadrilha voltada à prática de tráfico de drogas.
Quanto ao réu OLIVÉRIO, a prova é farta e robusta de que ele, consciente e voluntariamente, por período extenso de dois anos, vendeu medicamentos à quadrilha de Alessandro Peres Fávaro, pagando "comissão" a WALTER pelas vendas.
a) houve a apreensão de agenda pessoal de OLIVÉRIO onde constava anotação de que o "Dr. Marco Aurélio" era a pessoa de "Juliana S. Maia" (ré condenada nos autos 2006.61.06.005846-0 pela prática de tráfico internacional de drogas e esposa do líder da quadrilha Alessandro Peres Fávaro, também réu condenado naqueles autos), domiciliada em São José do Rio Preto/SP;
b) massivas remessas de medicamentos em nome de pessoas físicas - Juliana Maia (esposa de Alessandro e também condenada nos autos 2006.61.06.005846-0) e Jonas (corréu condenado na ação penal 2006.61.06.005846-0 juntamente com Alessandro)- a endereços em São José do Rio Preto/SP, São Paulo/SP, Praia Grande/SP e São Caetano do Sul/SP, locais residenciais sem qualquer vinculação ao Hospital Antonio Pedro - Universidade Federal Fluminense;
c) depósitos de estornos de vendas não realizadas - do valor da fatura - em nome de pessoa física (Sra. Débora - mãe do corréu WALTER), sem qualquer vinculação ao Hospital Antonio Pedro - Universidade Federal Fluminense;
d) pagamentos de comissão a pessoa física (Robson Gomes Branco, amigo do corréu WALTER e de quem emprestava a conta bancária para fazer movimentação financeira de seu interesse), sem qualquer vinculação ao Hospital Antonio Pedro - Universidade Federal Fluminense;
Desta feita, como já dito antes, OLIVÉRIO tinha pleno conhecimento que as compras não eram efetuadas pela Universidade Federal Fluminense, mas sim por Juliana e Alessandro, e aderiu à empreitada criminosa por tempo juridicamente relevante - dois anos - a demonstrar a estabilidade e a durabilidade das relações criminosas mantidas com os réus da ação penal 2006.61.06.005846-0 Alessandro, Juliana e WALTER.
Logo, caracterizada a associação criminosa para a prática de tráfico de drogas.
Passo à dosimetria da pena.
Na primeira fase da dosimetria, não entrevejo circunstância judiciais desfavoráveis e fixo a pena-base em 3 (três) anos de reclusão, e 50 dias-multa, a qual torno definitiva à míngua de agravantes, atenuantes, causas de aumento e de diminuição de pena. O valor do dia-multa resta estabelecido no mínimo legal.
Diante do concurso material entre o tráfico de drogas (pena de 5 anos de reclusão e 75 dias-multa) e o de quadrilha voltada para o tráfico de drogas (pena de 3 anos de reclusão), resulta a pena total final em 8 (oito) anos de reclusão e 125 (cento e vinte e cinco) dias-multa.
O regime inicial é o semiaberto, diante da quantidade da pena - não superior a oito anos de reclusão - e a majoritária favorabilidade das circunstâncias judiciais do artigo 59 do CP, nos termos do artigo 33, §2º, 'b' e §3º do CP.
DA CONCLUSÃO: por estas razões, rejeito todas as preliminares; dou parcial provimento às apelações dos réus ENDRIGO, SANDRINE e WALTER para reduzir a pena-base do crime de tráfico de drogas, fixando as penas definitivas em 04 anos e 08 meses de reclusão e 70 dias-multa para o réu ENDRIGO, em 04 anos e 01 mês de reclusão e 64 dias-multa para a ré SANDRINE e em 04 anos e 0 meses de reclusão e 70 (setenta) dias-multa para o réu WALTER; sendo as penas definitivas totais, considerando o concurso material entre o crime de tráfico de drogas e o associação para o tráfico, para o réu ENDRIGO de 07 anos e 08 meses de reclusão e 120 dias-multa, para a ré SANDRINE de 07 anos e 01mês de reclusão e 114 dias-multa, e para o réu WALTER de 07 anos e 08 meses de reclusão e 120 dias-multa; dou provimento à apelação do réu CELSO para absolvê-lo da imputação do crime de tráfico de drogas com fundamento no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal; dou parcial provimento à apelação do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL para reconhecer o dolo direto do réu OLIVÉRIO quanto ao crime de tráfico de drogas, bem como para condená-lo também pelo crime de associação para o tráfico (artigo 14 da Lei 6.368/1976) à pena de 03 anos de reclusão e 50 dias-multa, no valor unitário mínimo; e dou parcial provimento à apelação do réu OLIVÉRIO para reduzir a pena-base do crime de tráfico de drogas e excluir a causa de aumento do artigo 18, inciso III, da Lei 6.368/1976, fixando a pena-definitiva para este crime em 05 anos de reclusão e 75 (setenta e cinco) dias-multa; e a pena total definitiva, considerando o concurso material com o crime de associação para o tráfico, em 08 anos de reclusão e 125 dias-multa.
É como voto.
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