D.E. Publicado em 05/06/2014 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do réu e dar provimento à apelação do Ministério Público Federal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Trata-se de apelações interpostas por Sérgio Luís Inácio e pelo Ministério Público Federal contra a sentença de fls. 296/304, que condenou Sérgio Luís Inácio à pena de 2 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias multa, substituída por 2 (duas) penas restritivas de direito, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou entidade pública e prestação pecuniária no valor de 10 (dez) salários mínimos a entidade com destinação social, pela prática do delito do art. 332 do Código Penal.
Apela o Ministério Público Federal com relação à dosimetria da pena, requerendo a fixação da pena-base acima do mínimo legal, em observância ao disposto no art. 59 do Código Penal, uma vez que as circunstâncias judiciais são desfavoráveis ao réu, bem como a incidência, na terceira fase de dosimetria, do acréscimo decorrente do crime continuado (fls. 308/310).
Apela Sérgio Luís Inácio com os seguintes argumentos:
Contrarrazões de Sérgio Luís Inácio às fls. 331/333 e contrarrazões do Ministério Público Federal às fls. 336/340.
A Ilustre Procuradora Regional da República, Dra. Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, manifestou-se pelo provimento do recurso do Ministério Público Federal e pelo desprovimento do recurso da defesa (fls. 344/347v.).
Feito sujeito à revisão, nos termos regimentais.
É o relatório.
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VOTO
Imputação. Sérgio Luís Inácio foi denunciado pela prática do crime do art. 317, caput, c. c. o art. 71, ambos do Código Penal, pois entre 20.06.03 e 05.05.04, embora fora da função de bancário temporário da Caixa Econômica Federal - CEF, mas em razão dela, solicitou e recebeu para si, diretamente e de forma indevida, vantagens pecuniárias em troca de facilidades no atendimento para resgate do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS.
Consta da denúncia que o crime foi descoberto em abril de 2004, quando o gerente da Agência Capão Redondo da CEF verificou que diversas pessoas, após sacarem os valores de suas contas vinculadas ao FGTS, efetuaram depósitos de montantes equivalentes a aproximadamente 30% (trinta por cento) dos valores sacados na conta poupança pertencente ao réu, que havia sido bancário temporário na Agência Cotia da CEF. Averiguou-se, em processo administrativo, que o acusado oferecia atendimento preferencial mediante pagamento de parcela do valor, agenciando a liberação dos montantes sem a observância dos procedimentos normais. Foram identificados depósitos realizados na conta do réu por 25 (vinte e cinco) titulares de contas vinculadas ao FGTS, em valores que variam de R$ 30,00 (trinta reais) a R$ 410,00 (quatrocentos e dez reais).
Segundo a acusação, o réu admitiu que "orientava" pessoas para a realização de saques do FGTS e reconheceu ter recebido em sua conta os depósitos de fls. 99, 119, 128, 178, 181, 183, 190, 207, 210, 214, 217, 219, 222, 228, 231, 234, 238 a 241 do Apenso I. O funcionário da CEF responsável pela efetiva liberação dos valores confirmou que dava atendimento preferencial às pessoas indicadas pelo acusado, a pedido deste, mas sem nada receber, desconhecendo a cobrança de comissões, e as testemunhas Antonio Pereira Cardoso e José Assis Nascimento dos Santos afirmaram ter utilizado os serviços do réu para efetuar a movimentação de suas contas vinculadas (fls. 118/121).
Do processo. Posto que Sérgio Luís Inácio tenha sido denunciado pela prática do crime de corrupção passiva, na modalidade continuada, nos termos do art. 317, caput, c. c. o art. 71, ambos do Código Penal, a sentença o condenou pela prática do crime de tráfico de influência, com fundamento no art. 332 do Código Penal, haja vista que o acusado não ostentava a condição de funcionário público no momento da prática delitiva e que não transferia valores para seu colega na Caixa Econômica Federal - CEF para que este facilitasse a movimentação das contas.
Materialidade. A materialidade delitiva está plenamente comprovada, conforme decorre dos seguintes elementos de convicção:
Autoria. Restou suficientemente comprovada a autoria delitiva.
No âmbito administrativo, Antonio Pereira Cardoso afirmou que realizou o pagamento de 30% (trinta por cento) do valor referente ao seu FGTS para Sérgio, para que procedesse à liberação de sua conta vinculada (fls. 32/33). Em Juízo, relatou que não conhece o réu Sérgio. Questionado, afirmou que um vizinho conhecido por "seu Antonio" indicou Sérgio, que tinha um colega que trabalhava na Agência Cotia da CEF. Junto com outras pessoas (presentes e identificadas na audiência), sem ter horário de atendimento marcado, dirigiu-se à agência e realizou o saque sem entrar em filas. Após conseguir realizar a movimentação da conta depositou para Sérgio um valor de "gratificação" ou "caixinha" por ter indicado o colega na Agência de Cotia para liberar os valores sem enfrentar muita fila, realizando o procedimento de forma rápida. Não se recordou o valor pago a Sérgio, mas reconhece sua Carteira de Trabalho e Previdência Social, bem como sua letra nos documentos juntados aos autos, os quais lhe foram apresentados em audiência. Sérgio não lhe cobrou nenhum valor (mídia à fl. 212).
José Assis Nascimento dos Santos, testemunha ouvida em Juízo, afirmou que conheceu o réu Sérgio quando realizou a movimentação de seu saldo do FGTS. Foi levado à casa de Sérgio por um vizinho, "seu Antônio". Foi-lhe dito então que o réu conhecia uma pessoa na agência de Cotia, para onde deveria se dirigir para liberar os valores a que eventualmente tivesse direito. Foi à agência com algumas outras pessoas do bairro. Não tinha marcado horário para atendimento e não teve de entrar em fila. Não se recorda os valores recebidos, mas depositou "uma ajuda" para o Sérgio, após ele dizer que estava desempregado, em agradecimento, porque sem a ajuda dele não teria sido possível levantar o montante. Sérgio não lhe cobrou nenhum valor. Não sabia que o serviço de verificação de saldo e levantamento é oferecido gratuitamente pela CEF e que poderia ter sido realizado em qualquer agência. Afirmou que a guia de depósito na conta de Sérgio foi preenchida por "seu Antônio", que determinou que depositassem certo valor para Sérgio (mídia à fl. 212).
Valdelicio Jose Fernandes afirmou em Juízo que foi apresentado a Sérgio por um vizinho, "seu Antônio". Eles o levaram, junto com outras pessoas, até a agência da CEF, onde verificaram que havia dinheiro em sua conta. Logrou sacar valor que acredita ser referente a seu FGTS. Entregou em mãos para Sérgio uma "gratificação" em dinheiro por tê-lo ajudado. Sérgio não lhes cobrou nenhum valor e tinha um conhecido dentro da CEF que faria o procedimento (mídia à fl. 232).
Francisco Raimundo das Neves relatou em Juízo que conheceu Sérgio por meio de "seu Antônio", que o apresentou porque Sérgio conhecia alguém na CEF que poderia verificar se ele tinha valores referentes ao FGTS em sua conta. Sérgio tinha um amigo na Agência de Cotia, onde foi realizar o procedimento. Não sabia que Sérgio já havia trabalhado na CEF e deu-lhe uma "gratificação" por tê-lo ajudado, por meio de depósito bancário, mas Sérgio não lhe cobrou nenhum valor (mídia à fl. 232).
O funcionário Alexandre Gualtiere afirmou no âmbito administrativo, perante a comissão de apuração sumária, que realizou a liberação de movimentação de contas vinculadas sem agendamento na lista de atendimento, a qual tem espera de até 5 (cinco) dias úteis, e sem que os titulares comparecessem inicialmente à Agência Cotia, utilizando formulários preenchidos por Sérgio, mas sem ter conhecimento de que o réu cobrava para tanto, pois pensava estar apenas ajudando pessoas com necessidades financeiras e que estavam com dificuldades para realizar o levantamento (fls. 77/79). Em Juízo afirmou que é funcionário da CEF e conheceu Sérgio quando ele trabalhou como terceirizado na CEF. Confirmou que atendeu algumas pessoas a pedido de Sérgio, de maneira mais rápida, sem que elas ficassem na fila. Cabia-lhe verificar se essas pessoas tinham direito à movimentação do FGTS, sua documentação, e liberar os valores. Nunca recebeu qualquer valor de Sérgio (mídia à fl. 271).
Ouvido em Juízo, o réu Sérgio Luis Inácio não admitiu a prática delitiva. Relatou que não se apresentava como advogado ou representante da CEF e que não cobrava valores das pessoas que indicava para a Agência de Cotia, pois sabia que não poderia fazê-lo. Recebeu valores das pessoas, mas como mera liberalidade. Trabalhou na CEF na parte externa da agência, no atendimento a clientes, onde aprendeu a explicar os requisitos para movimentação de contas vinculadas. Estava desempregado à época e, um dia, comentou com uma pessoa que havia trabalhado na CEF e que conhecia um funcionário na Agência de Cotia, o qual poderia verificar a existência de valores em conta e a possibilidade de movimentação sem que tivesse que "pegar muita fila". Outras pessoas do bairro ficaram sabendo que ele poderia ajudar por meio de conversas e por indicação de "seu Antônio". Sérgio remetia então as pessoas que o procuravam para a Agência de Cotia, onde deveriam encontrar Alexandre. Não avisava Alexandre, mas orientava as pessoas a dizer-lhe que haviam sido indicados por Sérgio. Se houvesse muita fila, deveriam procurar diretamente Alexandre (mídia à fl. 271).
Em que pesem as alegações de Sérgio Luís Inácio, restou suficientemente demonstrado que o réu, valendo-se de sua amizade com Alexandre Gualtiere, solicitou e obteve para si valores de titulares de contas vinculadas ao FGTS a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público, a saber, para que Alexandre atendesse as pessoas por ele indicadas, sem que fosse necessário agendar horários e aguardar na fila de atendimento.
Ainda que não existam indícios de que Sérgio insinuava repassar ou efetivamente tenha repassado a Alexandre parte da vantagem obtida, apurou-se que 25 (vinte e cinco) titulares de contas vinculadas, após realizarem o saque dos valores a que tinham direito, depositaram na conta de Sérgio valores entre 20% (vinte por cento) a 30% (trinta por cento) do quanto movimentado. Não se concebe que pessoas humildes, parte delas desempregadas à época e com dificuldades financeiras, como se confirma dos depoimentos das testemunhas, entregassem a pessoa estranha, por mera liberalidade, parcela sempre proporcionalmente homogênea e expressiva da quantia a que tinham direito em decorrência de anos de trabalho, simplesmente por, segundo a versão da defesa, haver indicado uma agência da Caixa Econômica Federal onde poderiam movimentar suas contas vinculadas. Nesse sentido a manifestação da Ilustre Procuradora Regional da República, Dra. Luiza Cristina Fonseca Frischeisen (fls. 344/347v.).
A soma dos valores apurados e que constam da denúncia monta a R$ 3.392,91 (três mil trezentos e noventa e dois reais e noventa e um centavos). Não é plausível que referido montante tenha sido por Sérgio recebido no curto período de aproximadamente 11 (onze) meses meramente a título de "gratificação" ou "caixinha", em especial porque não inclui os valores que eventualmente recebeu em espécie e dos quais não se tem registro, como foi o caso de Valdelicio Jose Fernandes, testemunha ouvida em Juízo (mídia à fl. 232).
Não prospera, assim, o recurso da defesa quanto à ausência de dolo e à atipicidade da conduta. Seus atos se subsumem ao preceito do art. 332 do Código Penal e o dolo exsurge das circunstâncias fáticas, notadamente pela sua condição de ex-funcionário da CEF, ainda que terceirizado, com atribuição para a triagem e orientação de clientes, em especial de titulares de contas vinculadas ao FGTS, conforme afirmou o próprio réu em seu interrogatório (mídia à fl. 271).
A consumação do crime é manifesta, na medida em que se configurou não só a solicitação de vantagem indevida, como também seu efetivo recebimento (fls. 27/31, 45, 70, 88, 99, 119, 128, 178, 181, 183, 189, 190, 194, 200, 207, 210, 214, 217, 219, 220, 222, 228, 231, 232, 234, 238 e 241 do Apenso I) (fls. 27/31, 45, 70, 88, 99, 119, 128, 178, 181, 183, 189, 190, 194, 200, 207, 210, 214, 217, 219, 220, 222, 228, 231, 232, 234, 238 e 241 do Apenso I).
Tais fatos foram comprovados por meio da prova documental acostada ao feito e pelas declarações prestadas pelos envolvidos com o crime de que trata a presente ação penal. Provadas a materialidade e a autoria delitiva do crime de tráfico de influência, é caso de se manter a condenação.
Crime continuado. Código Penal, art. 71. Conceito. O crime continuado, previsto no art. 71 do Código Penal, ocorre "quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro".
A doutrina diverge sobre a definição do que seriam crimes da mesma espécie. Porém, a jurisprudência tem reiteradamente decidido que são delitos da mesma espécie somente os que estiverem previstos no mesmo tipo penal. Nesse sentido são os seguintes precedentes:
Dosimetria da pena. A sentença fixou a pena-base no mínimo legal de 2 (dois) anos de reclusão, em regime inicial aberto, mais o pagamento de 10 (dez) dias-multa, no valor de 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo, haja vista tratar-se de réu primário, sem antecedentes criminais, sendo-lhe favoráveis as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal. Inexistindo circunstâncias agravantes ou atenuantes, foi mantida a pena-base. Presentes os requisitos legais, foi substituída a pena privativa de liberdade por 2 (duas) penas restritivas de direito, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou entidade pública e prestação pecuniária no valor de 10 (dez) salários mínimos a entidade com destinação social.
Requer o Ministério Público Federal, em seu recurso de apelação, a fixação da pena-base acima do mínimo legal, em observância ao disposto no art. 59 do Código Penal, uma vez que as circunstâncias judiciais são desfavoráveis ao réu, bem como a incidência, na terceira fase de dosimetria, do acréscimo decorrente do crime continuado (fls. 308/310).
Assiste razão à acusação. A culpabilidade de Sérgio é significativa. Utilizando-se do conhecimentos adquiridos quando trabalhou para a Caixa Econômica Federal, obteve vantagem indevida em prejuízo de diversas pessoas, muitas sem instrução e desempregadas, prejudicando, inclusive, os demais usuários dos serviços da autarquia federal, que se viram preteridos no atendimento.
Considerando os critérios do art. 59 do Código Penal, fixo a pena-base pouco acima do mínimo legal, em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão. Arbitro a sanção pecuniária em 11 (onze) dias-multa, estabelecido o valor do dia-multa no mínimo legal.
Haja vista que Sérgio, mediante mais de uma ação praticou dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro, nos termos do art. 71 do Código Penal, como requerido pelo Ministério Público Federal. Logo, em razão do cometimento do crime em continuidade delitiva, aumento a pena em 1/6 (um sexto), para torná-la definitiva em 2 (dois) anos, 8 (oito) meses e 20 (vinte) dias, e 12 (doze) dias-multa, à míngua de outras circunstâncias atenuantes, agravantes, causas de diminuição ou de aumento de pena. Estabeleço o regime inicial aberto.
Presentes os requisitos do art. 44 do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade por 2 (duas) restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária de uma cesta básica mensal a entidade pública ou privada com destinação social a ser definida pelo Juízo das Execuções (CP, art. 43, I, c. c. o art. 45, §§ 1º e 2º; cfr. DELMANTO, Celso, Código Penal comentado, 6ª ed., Rio de Janeiro, Renovar, 2002, p. 92) e prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas (CP, art. 43, IV, c. c. o art. 46), ambas pelo mesmo tempo da pena privativa de liberdade.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação do réu e DOU PROVIMENTO à apelação do Ministério Público Federal.
É o voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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Data e Hora: | 27/05/2014 15:33:52 |