D.E. Publicado em 03/06/2014 |
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EMENTA
PENAL. PROCESSO PENAL. CONCUSSÃO. CP, ART. 316. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. GRAVAÇÃO AMBIENTAL. DEGRAVAÇÃO INTEGRAL. DESNECESSIDADE. DOSIMETRIA. PENA-BASE. CULPABILIDADE. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. DENEGAÇÃO. CP, ART. 44, III. VALOR MÍNIMO PARA REPARAÇÃO DO DANO CAUSADO À COLETIVIDADE. CPP, ART. 387, IV. AFASTAMENTO.
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ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Trata-se de recurso de apelação criminal interposto por Carlos Antônio de Souza Cabral contra a sentença que o condenou a 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de reclusão, regime inicial semiaberto, e 25 (vinte e cinco) dias-multa, valor unitário de 2 (duas) vezes o salários mínimos vigente na época dos fatos, pela prática do crime do art. 316, caput, do Código Penal. Decretou-se a perda do cargo público ocupado pelo acusado. Concedeu-se o direito de apelar em liberdade. Fixou-se o valor mínimo de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) a título de reparação de danos morais causados à coletividade, nos termos do art. 387, IV, do Código de Processo Penal (fls. 447/457v.).
Apela a defesa com os seguintes argumentos:
Contrarrazões às fls. 507/516.
A Ilustre Procuradora Regional da República Zélia Luiza Pierdoná manifestou-se pelo não provimento do recurso (fls. 517/523).
Os autos foram encaminhados à revisão, nos termos regimentais.
É o relatório.
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VOTO
Imputação. Carlos Antônio de Souza Cabral foi denunciado pela prática do crime do art. 316, caput, do Código Penal:
A defesa não recorreu da sentença no tocante ao reconhecimento da autoria delitiva do crime.
Materialidade. Restou provada a materialidade delitiva com base nos seguintes elementos:
Do caso dos autos. Apela a defesa pleiteando a absolvição do acusado por ausência de provas, especialmente devido à falta de transcrição integral da conversa (fls. 479 e 495/504).
Sem razão.
Os Tribunais Superiores pacificaram o entendimento de que é desnecessária a transcrição integral das conversas obtidas como prova em investigação criminal e em instrução processual penal, ressalvada a necessidade da transcrição de todo o conteúdo que tenha relevância para o esclarecimento dos fatos:
No caso, a defesa teve acesso à mídia que contém as conversas gravadas pelas vítimas (fls. 375/376), inclusive tendo apresentado parecer técnico que concluiu não ter verificado indícios de que aquela gravação tenha sido alterada ou editada (fl. 437).
Autoria. Restou suficientemente provada a autoria delitiva.
Durante sindicância realizada pela Polícia Federal, a testemunha Margareth Inês Fagundes Steil declarou que foi "Turcão" quem promoveu o encontro da declarante e seu marido, Carlos Alberto Fagundes Steil, com um Agente da Polícia Federal no restaurante Prainha, localizado na Avenida Robert Kennedy, em São Paulo (SP), com o objetivo de tratar sobre uma acusação contra o casal. Descreveu as seguintes características físicas do referido policial, que se apresentou como Cabral: branco, alto, forte e calvo. Disse que a acusação constava de carta assinada por Valdinéia Maria da Silva, que afirmou conhecer como notória estelionatária do bairro onde mora. Afirmou que o acusado, embora não tenha pedido, de forma direta, dinheiro ou outra vantagem, teria intimidado o casal ao mencionar que causaria a "movimentação da Fazendária", perguntando "o que você quer que eu faça", ao que a declarante respondeu que deveriam ser tomadas as medidas legais cabíveis. Acrescentou que o acusado, ao mesmo tempo em que mencionava que o prejuízo de Valdinéia teria sido grande e deveria ser "recompensado", teria anotado o valor de 5 (cinco) milhões de Reais num guardanapo, que rasgou e guardou consigo ao final da conversa (fls. 62/63 do apenso I). Por ocasião do Processo Administrativo Disciplinar, em síntese, reafirmou as declarações prestadas durante a sindicância, acrescentando que o valor de 5 (cinco) milhões de Reais, anotado num guardanapo, seriam destinados à Valdinéia, para não "encaminhar a denúncia para frente" (fls. 37/41). Em suas declarações durante a investigação criminal, em síntese, reafirmou as declarações do marido prestadas naquela fase e as suas prestadas durante o Processo Administrativo Disciplinar (fls. 27/28). Perante o Juiz, em síntese, nada acrescentou às declarações anteriores (mídia, fl. 296).
Por ocasião da sindicância realizada pela Polícia Federal, a testemunha Carlos Alberto Fagundes Steil declarou que ratificava o termo de declarações prestadas pela esposa, Margareth Inês Fagundes Steil. Reconheceu, por meio de fotografia, o acusado Carlos Antonio de Souza Cabral como sendo o Policial Federal com quem manteve a conversa que gravou, acrescentando que, embora este não lhe tenha solicitado expressamente nenhum valor, deixava claro, a todo o momento, que "lá estava" para auferir vantagens ilícitas do declarante e sua esposa (fl. 73 do apenso I). Durante Processo Administrativo Disciplinar, em síntese, reafirmou as declarações prestadas durante a sindicância (fls. 30/36). Ouvido na fase inquisitiva, declarou que foi "Turcão", um conhecido cujo nome e endereço negou saber, quem solicitou um encontro com o acusado, identificando-o como Policial Federal, a fim de tratar de acusação contra o declarante e sua esposa. Afirmou que o referido Policial Federal apresentou-se como Cabral e, durante a conversa, perguntava frequentemente ao declarante "o que quer que eu faça", referindo-se às acusações de Valdinéia. Negou que o acusado tenha exigido, de forma direta, qualquer valor ou outra vantagem, embora tenha escrito o valor de 5 (cinco) milhões de Reais em um papel, que rasgou e guardou consigo (fls. 25/26). Durante a fase judicial, esclareceu que o acusado não teria anotado aquele valor para exigi-lo para si, mas para confirmar se teria sido oferecido a Valdinéia em troca de documentos que comprometeriam o casal. Negou que o acusado o tenha ameaçado de dar causa a uma investigação fiscal em sua empresa, mas que o teria advertido sobre essa possibilidade, em consequência do teor das acusações de Valdinéia. Solicitou que ficasse consignado que somente apresentou a mídia à Polícia Federal porque foi acusado pelo "Delegado Corregedor" de ter praticado extorsão e de ter oferecido suborno ao acusado (mídia, fl. 296).
Em suas declarações durante Processo Administrativo Disciplinar, a testemunha Mehedei Ali Ismail, vulgo "Turcão", declarou que esteve presente ao encontro do casal Steil com o acusado no restaurante Prainha, confirmando ter ouvido todo o teor da conversa, negando que o acusado tenha feito a pergunta "você quer que amanhã eu faça a coisa ou você quer que eu não faça isso aqui?", transcrita no laudo pericial à fl. 96 do Apenso I. Disse que não presenciou o acusado escrever num guardanapo a importância de 5 (cinco) milhões de Reais ou qualquer outro valor. Negou ter escutado o acusado pronunciar a frase "eu quero o meu também para não mostrar isso aqui", transcrita à fl. 104 do Apenso I. Esclareceu que não ficou o tempo todo à mesa. Afirmou que, em certa ocasião, o acusado ter-lhe-ia perguntado a localização de duas ruas, alegando que estaria investigando Carlos Steil. Acrescentou que, dias após o encontro, foi procurado por Carlos Steil, informando que 2 (dois) P2 (agentes do Serviço de Inteligência da Polícia Militar) estiveram presentes no restaurante Prainha para filmar os acontecimentos (fls. 54/58). Durante a investigação criminal, declarou, em síntese, que ratificava as declarações prestadas durante o Processo Administrativo Disciplinar (fl. 71). Ouvido pelo MM. Juízo, em síntese, acrescentou às declarações anteriores que não marcou o encontro do acusado com o casal Steil (mídia, fl. 296).
Em suas declarações judiciais, por carta precatória, a testemunha Cássio José Ramos Rocha afirmou que é porteiro do prédio onde o acusado morava em Guaratinguetá (SP), acrescentando que somente tomou conhecimento dos fatos quando intimado a depor (mídia, fl. 239).
Perante o Juiz, a testemunha Karine Andreotti Favaro declarou ter presenciado, no dia 21.03.09, durante a festa do seu aniversário, Valdinéia ter entregado ao réu a acusação contra Carlos Alberto Fagundes Steil (mídia, fl. 296).
Ouvida pelo MM. Juízo, a testemunha Mohamed Ali Smail declarou não conhecer o acusado nem ter presenciado os fatos (mídia, fl. 296).
Durante a Sindicância realizada pela Polícia Federal, o acusado Carlos Antonio de Souza Cabral declarou que Valdinéia Maria da Silva entregou-lhe notícia crime, na qual constava seu nome, razão pela qual temeu eventual imputação de prevaricação. Disse que, pensando em facilitar as investigações, realizou consultas nos sistemas INFOSEG e SENHARED. Alegou desconhecer que esse tipo de investigação preliminar fosse vedado (fls. 41/42 do apenso I). Por ocasião do Processo Administrativo Disciplinar, negou que tenha solicitado a "Turcão" que marcasse um encontro com o casal Steil. Acrescentou que foi o casal Steil que se aproximou de sua mesa, enquanto jantava com "Turcão". Quanto ao trecho da conversa, transcrito à fl. 96, em que diz a Carlos Steil "você quer que amanhã eu faça a coisa ou você quer que eu faça isso aqui?", esclareceu que foi uma forma de provocá-lo, uma vez que Carlos Steil já o estaria aborrecendo, especialmente por ter interrompido o jantar. Negou que tenha escrito qualquer valor num guardanapo. Afirmou que, ao desconfiar da conversa do casal Steil, começou a provocá-los, a fim de descobrir algum ilícito e prendê-los em flagrante. Por fim, questionou a intenção do casal ao gravar a conversa e o motivo de esta gravação ter sido apresentada apenas 14 (quatorze) meses após os fatos, bem como se a intenção do casal, ao informar a "Turcão" que 2 (dois) P2 filmaram todo o encontro no Restaurante Prainha, seria coagi-lo a mudar o depoimento, prejudicando o acusado (fls. 75/82). Interrogado durante a fase inquisitorial, em síntese, nada acrescentou às declarações anteriores (fls. 112/116). Em seu interrogatório judicial, em síntese, acrescentou que sofreu perseguição política na Polícia Federal e que a mídia que contém a gravação da conversa com o casal Steil foi editada. Disse, ainda, que acredita estar sendo vítima do casal Steil, por ter encaminhado aos seus superiores a informação referente à acusação de Valdinéia e não ter cedido à sua pressão de obstaculizar a investigação, razão pela qual foi realizada a gravação com o fim de denegrir sua imagem (mídia, fl. 296).
A defesa não recorreu da sentença no tocante ao reconhecimento da autoria delitiva.
Demonstradas a materialidade, a autoria e o dolo, a manutenção do decreto condenatório é medida que se impõe.
Dosimetria. Atento às circunstâncias do art. 59 do Código Penal, o Juízo a quo fixou a pena-base em 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de reclusão, vale dizer, em 5/4 (cinco quartos) acima do mínimo legal (fl. 455v.). Considerou que, ao levar notitia criminis sobre delito de usura ao conhecimento de seus supostos autores, pôs em risco a vida da vítima.
Sem circunstâncias atenuantes ou agravantes.
Ausentes causas de diminuição ou de aumento, tornou-se definitiva a pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de reclusão.
Estabeleceu-se o regime inicial semiaberto para o cumprimento de pena.
Concedeu-se o direito de apelar em liberdade.
A pena pecuniária restou fixada, por paralelismo, em 25 (vinte e cinco) dias-multa, no valor unitário de 2 (dois) salários mínimos.
Decretou-se a perda do cargo do acusado, como efeito secundário da condenação, nos termos do art. 92, I, "a" e "b", do Código Penal.
Fixou-se o valor mínimo de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) a título de reparação de danos morais causados à coletividade, nos termos do art. 387, IV, do Código de Processo Penal (fls. 447/457v.).
Apela a defesa requerendo a fixação da pena no mínimo legal, a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos e o afastamento da indenização por danos morais causados à coletividade (fls. 479 e 495/504).
Assiste parcial razão ao recorrente.
Não comporta revisão a dosimetria da pena, fixada com observância dos critérios do art. 59 do Código Penal, mostrando-se razoável a majoração da pena-base em face da maior censurabilidade da conduta do réu, em razão dos motivos, consequências e circunstâncias do crime.
Ausentes os requisitos do art. 44 do Código Penal, denego a substituição da pena privativa de liberdade por pena privativa de direitos.
Melhor sorte socorre o recurso quanto ao pleito de afastamento da fixação de valor mínimo a título de indenização por danos morais causados à coletividade.
O art. 387, IV, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei n. 11.719/08, estabeleceu que o Juiz fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido.
Não há que se falar em reparação dos danos morais causados à coletividade, uma vez que o Código de Processo Penal é expresso ao destinar a indenização ao ofendido que tenha sofrido prejuízo.
Ademais, no presente caso, não houve notícia de prejuízos sofridos pelas vítimas, que negaram ter pagado qualquer valor ao acusado (mídia, fl. 296).
Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação da defesa para afastar a fixação de valor mínimo para reparação por danos morais causados à coletividade, mantida a sentença nos seus ulteriores termos.
É o voto.
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Data e Hora: | 27/05/2014 15:33:28 |