Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 03/06/2014
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0009198-40.2011.4.03.6181/SP
2011.61.81.009198-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : CARLOS ANTONIO DE SOUZA CABRAL
ADVOGADO : SP142417 MARCELLO AUGUSTO DE ALENCAR CARNEIRO e outro
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00091984020114036181 7P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSO PENAL. CONCUSSÃO. CP, ART. 316. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. GRAVAÇÃO AMBIENTAL. DEGRAVAÇÃO INTEGRAL. DESNECESSIDADE. DOSIMETRIA. PENA-BASE. CULPABILIDADE. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. DENEGAÇÃO. CP, ART. 44, III. VALOR MÍNIMO PARA REPARAÇÃO DO DANO CAUSADO À COLETIVIDADE. CPP, ART. 387, IV. AFASTAMENTO.
1. Comprovadas a materialidade e autoria delitiva do crime de concussão mediante prova documental e testemunhal.
2. Os Tribunais Superiores pacificaram o entendimento de que é desnecessária a transcrição integral das conversas obtidas como prova em investigação criminal e em instrução processual penal, ressalvada a necessidade da transcrição de todo o conteúdo que tenha relevância para o esclarecimento dos fatos.
3. Não comporta revisão a dosimetria da pena, fixada com observância dos critérios do art. 59 do Código Penal, mostrando-se razoável a majoração da pena-base em face da maior censurabilidade da conduta do réu, em razão dos motivos, consequências e circunstâncias do crime.
4. Ausentes os requisitos do art. 44 do Código Penal, denego a substituição da pena privativa de liberdade por pena privativa de direitos.
5. O art. 387, IV, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei n. 11.719/08, estabeleceu que o Juiz fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido.
6. Não há que se falar em reparação dos danos morais causados à coletividade, uma vez que o Código de Processo Penal é expresso ao destinar a indenização ao ofendido que tenha sofrido prejuízo.
7. No presente caso, não houve notícia de prejuízos sofridos pelas vítimas, que negaram ter pagado qualquer valor ao acusado (mídia, fl. 296).
8. Apelação parcialmente provida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 26 de maio de 2014.
Andre Nekatschalow
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0009198-40.2011.4.03.6181/SP
2011.61.81.009198-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : CARLOS ANTONIO DE SOUZA CABRAL
ADVOGADO : SP142417 MARCELLO AUGUSTO DE ALENCAR CARNEIRO e outro
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00091984020114036181 7P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação criminal interposto por Carlos Antônio de Souza Cabral contra a sentença que o condenou a 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de reclusão, regime inicial semiaberto, e 25 (vinte e cinco) dias-multa, valor unitário de 2 (duas) vezes o salários mínimos vigente na época dos fatos, pela prática do crime do art. 316, caput, do Código Penal. Decretou-se a perda do cargo público ocupado pelo acusado. Concedeu-se o direito de apelar em liberdade. Fixou-se o valor mínimo de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) a título de reparação de danos morais causados à coletividade, nos termos do art. 387, IV, do Código de Processo Penal (fls. 447/457v.).

Apela a defesa com os seguintes argumentos:

a) absolvição do acusado por ausência de provas, especialmente pela falta de transcrição integral dos diálogos;
b) subsidiariamente, requer a fixação da pena no mínimo legal, a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos e o afastamento da indenização por danos morais causados à coletividade (fls. 479 e 495/504).

Contrarrazões às fls. 507/516.

A Ilustre Procuradora Regional da República Zélia Luiza Pierdoná manifestou-se pelo não provimento do recurso (fls. 517/523).

Os autos foram encaminhados à revisão, nos termos regimentais.

É o relatório.


Andre Nekatschalow
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0009198-40.2011.4.03.6181/SP
2011.61.81.009198-6/SP
APELANTE : CARLOS ANTONIO DE SOUZA CABRAL
ADVOGADO : SP142417 MARCELLO AUGUSTO DE ALENCAR CARNEIRO e outro
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No. ORIG. : 00091984020114036181 7P Vr SAO PAULO/SP

VOTO

Imputação. Carlos Antônio de Souza Cabral foi denunciado pela prática do crime do art. 316, caput, do Código Penal:


Consta dos inclusos autos que, em data incerta, porém, no mês de março de 2009, na Av. Robert Kennedy, nesta Capital, o denunciado, agente da Polícia Federal lotado no Setor de Planejamento operacional, exigiu, para si, vantagem indevida em razão da função.
Narram os autos que Valdinéia Maria da Silva apresentou notitia criminis (fls. 14/16 do Apenso I), dirigida ao Delegado da Polícia Federal do Setor de Crimes Financeiros, relatando que Carlos Alberto Fagundes Steil e sua esposa, Margareth Inês Fagundes Steil, seriam responsáveis pela suposta prática de agiotagem, além de outros crimes. Por temer a sua vida e a de seus familiares, Valdinéia entregou a documentação atinente aos noticiados ilícitos ao agente policial ora denunciado, Carlos Antônio de Souza Cabral, para que, na condição de policial federal, pudesse dar o correto encaminhamento aos documentos referentes aos supostos fatos criminosos, que deveriam ser objeto de investigação da DELEFIN.
Ocorre que o mencionado agente da polícia federal, Carlos, não procedeu ao encaminhamento da documentação para o Setor da Delegacia para tanto competente. Pelo contrário: Carlos marcou um encontro com Carlos Alberto Fagundes Steil e Margareth Inês Fagundes Steil, em um restaurante chamado "Prainha". Tal encontro foi intermediado por Mehedei Ali Ismail - conhecido como "Turcão"-, que procurou Carlos Alberto Fagundes Steil para que esse se encontrasse com o denunciado a fim de tratar a respeito de uma denúncia contra ele direcionada.
No encontro, o denunciado realizou diversas insinuações de que, mediante pagamento, poderia evitar que a notícia enviada por Valdinéia fosse encaminhada às autoridades competentes, qual seja, à DELEFIN. Assim, no decorrer da conversa, ele exigiu o pagamento do montante de 5 (cinco) milhões de reais, escrevendo-o em um pedaço de papel e, em diversas ocasiões, insinuou que, mediante esse "acordo comercial", deixaria de encaminhar a documentação que lhe havia sido confiado por Valdinéia.
Em seu depoimento, Carlos Alberto Fagundes Steil (fls. 25/26) descreveu como ocorreu o encontro com Carlos, inclusive, a anotação pelo agente policial do valor de R$ 5.000.000.00 (cinco milhões de reais) em um pedaço de papel, logo em seguida, rasgado e guardado no bolso do policial. Ressaltou, ainda, que Carlos constantemente lhe perguntava "o que quer que faça", indagação que claramente não se coadunava com a sua obrigação enquanto policial federal. Também nas declarações prestadas quanto ao processo administrativo disciplinar, Carlos Alberto salientou que se sentiu intimidado pelo denunciado, principalmente diante de sua declaração de que ele iria fazer "uma devassa em sua empresa na área fiscal, tributária, quebra de sigilo fiscal", o que lhe fez sentir que se tratava de um "pedido tácito de vantagem financeira" (fls. 34).
Igualmente Margareth Inês Fagundes Steil (fls. 27/28) corroborou a descrição feita por Carlos Alberto quanto ao encontro com o agente policial, afirmando ter percebido que Carlos buscava obter vantagem financeira ilícita, pois o agente deveria ter dado o correto encaminhamento da documentação, e não, ter procurado o casal. Os depoimentos das testemunhas foram, inclusive, corroborados pela mídia contendo as gravações dos diálogos (fls. 11). (destaques no original - fls. 145/147)

A defesa não recorreu da sentença no tocante ao reconhecimento da autoria delitiva do crime.

Materialidade. Restou provada a materialidade delitiva com base nos seguintes elementos:

a) cópia da Sindicância Investigativa n. 048/2009-SR/DPF/SP, instaurada para apurar eventual responsabilidade funcional de Agente Policial Federal (apenso I);
b) cópia do relatório do Processo Administrativo Disciplinar n. 021/2010-SR/DPF/SP (fls. 300/319);
c) cópia integral da mídia encaminhada para exame pericial contendo gravação ambiental de conversas envolvendo Carlos Alberto Steil, Margareth Inês Fagundes Steil e o acusado Carlos Antonio de Souza Cabral (fl. 11);
d) laudo de exame de material audiovisual (análise de conteúdo), com transcrição total dos diálogos contidos na mídia encaminhada para exame pericial (fls. 3 e ss. do apenso III);
e) cópia da Portaria n. 2.363-MJ, de 18.10.11, publicada no Diário Oficial da União de 19.10.11, referente à demissão, determinada pelo Ministro de Estado da Justiça, de Carlos Antônio de Souza Cabral do cargo de Agente da Polícia Federal, com fundamento no art. 48, II, c. c. o art. 43, XX, XXIII e XLVIII, ambos da Lei n. 4.878/65 (fl. 265).

Do caso dos autos. Apela a defesa pleiteando a absolvição do acusado por ausência de provas, especialmente devido à falta de transcrição integral da conversa (fls. 479 e 495/504).

Sem razão.

Os Tribunais Superiores pacificaram o entendimento de que é desnecessária a transcrição integral das conversas obtidas como prova em investigação criminal e em instrução processual penal, ressalvada a necessidade da transcrição de todo o conteúdo que tenha relevância para o esclarecimento dos fatos:


PROCESSUAL PENAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. (...). INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS JUDICIALMENTE AUTORIZADAS. DEGRAVAÇÃO INTEGRAL. DESNECESSIDADE. AGRAVO IMPROVIDO.
(...)
II - No julgamento do HC 91.207-MC/RJ, Rel. para o acórdão Min. Cármen Lúcia, esta Corte assentou ser desnecessária a juntada do conteúdo integral das degravações das escutas telefônicas, sendo bastante que se tenham degravados os excertos necessários ao embasamento da denúncia oferecida.
III - Impossibilidade de reexame do conjunto fático probatório. Súmula 279 do STF. IV - Agravo regimental improvido.
(STF, AgR no AI n. 685.878, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 05.05.09)
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. DESCABIMENTO. (...) AUSÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA PELA AUSÊNCIA DE DEGRAVAÇÃO DE TODO O ÁUDIO OBTIDO COM A DILIGÊNCIA (...).
(...)
8. Não configura cerceamento de defesa a falta de degravação de todas as conversas interceptadas, que é complemente despicienda, especialmente se os diálogos em nada se referem aos fatos investigados. "O disposto no art. 6º, § 1º, da Lei federal nº 9.296, de 24 de julho de 1996, só comporta a interpretação sensata de que, salvo para fim ulterior, só é exigível, na formalização da prova de interceptação telefônica, a transcrição integral de tudo aquilo que seja relevante para esclarecer sobre os fatos da causa sub iudice." (Inq 2.424/RJ, Tribunal Pleno, Rel. Ministro CEZAR PELUSO, DJe de 25/03/2010).
(...)
10. Habeas corpus não conhecido.
(STJ, HC n. 228.860, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 03.09.13)
PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ART. 332 DO CÓDIGO PENAL. (...) INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA E GRAVAÇÃO AMBIENTAL. AUSÊNCIA DE TRANSCRIÇÃO INTEGRAL DOS DIÁLOGOS E DE PERÍCIA. INOCORRÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. (...)
(...)
4. O Superior Tribunal de Justiça, procedendo à interpretação do disposto no artigo 6º da Lei nº 9.296/96, assentou que o dispositivo não exige a realização de perícia, uma vez que o termo transcrição foi empregado no sentido de reprodução, cuja concretização pode se dar por meio digital.
5. No caso em apreço, o teor das conversas foi transportado para mídia digital e fitas magnéticas, material de livre acesso aos patronos do acusado, cumprindo, assim, a finalidade almejada pelo artigo 6º, §1º, da Lei nº 9.296/96.
6. Nesses termos, não se vislumbra qualquer prejuízo à defesa do réu em função da transcrição das conversas de forma resumida ou pelo fato de que 05 (cinco) fitas magnéticas do tipo VHS e 04 (quatro) CD's não terem sido objeto de perícia.
7. A materialidade a autoria delitiva restaram sobejamente demonstradas a partir das provas produzidas nos autos, as quais corroboram a versão apresentada na exordial acusatória.
(...)
18. Recurso de apelação parcialmente provido.
(TRF da 3ª Região, ACR n. 0001335-77.2004.4.03.6181, Rel. Des. Fed. Cotrim Guimarães, j. 15.04.10)

No caso, a defesa teve acesso à mídia que contém as conversas gravadas pelas vítimas (fls. 375/376), inclusive tendo apresentado parecer técnico que concluiu não ter verificado indícios de que aquela gravação tenha sido alterada ou editada (fl. 437).

Autoria. Restou suficientemente provada a autoria delitiva.

Durante sindicância realizada pela Polícia Federal, a testemunha Margareth Inês Fagundes Steil declarou que foi "Turcão" quem promoveu o encontro da declarante e seu marido, Carlos Alberto Fagundes Steil, com um Agente da Polícia Federal no restaurante Prainha, localizado na Avenida Robert Kennedy, em São Paulo (SP), com o objetivo de tratar sobre uma acusação contra o casal. Descreveu as seguintes características físicas do referido policial, que se apresentou como Cabral: branco, alto, forte e calvo. Disse que a acusação constava de carta assinada por Valdinéia Maria da Silva, que afirmou conhecer como notória estelionatária do bairro onde mora. Afirmou que o acusado, embora não tenha pedido, de forma direta, dinheiro ou outra vantagem, teria intimidado o casal ao mencionar que causaria a "movimentação da Fazendária", perguntando "o que você quer que eu faça", ao que a declarante respondeu que deveriam ser tomadas as medidas legais cabíveis. Acrescentou que o acusado, ao mesmo tempo em que mencionava que o prejuízo de Valdinéia teria sido grande e deveria ser "recompensado", teria anotado o valor de 5 (cinco) milhões de Reais num guardanapo, que rasgou e guardou consigo ao final da conversa (fls. 62/63 do apenso I). Por ocasião do Processo Administrativo Disciplinar, em síntese, reafirmou as declarações prestadas durante a sindicância, acrescentando que o valor de 5 (cinco) milhões de Reais, anotado num guardanapo, seriam destinados à Valdinéia, para não "encaminhar a denúncia para frente" (fls. 37/41). Em suas declarações durante a investigação criminal, em síntese, reafirmou as declarações do marido prestadas naquela fase e as suas prestadas durante o Processo Administrativo Disciplinar (fls. 27/28). Perante o Juiz, em síntese, nada acrescentou às declarações anteriores (mídia, fl. 296).

Por ocasião da sindicância realizada pela Polícia Federal, a testemunha Carlos Alberto Fagundes Steil declarou que ratificava o termo de declarações prestadas pela esposa, Margareth Inês Fagundes Steil. Reconheceu, por meio de fotografia, o acusado Carlos Antonio de Souza Cabral como sendo o Policial Federal com quem manteve a conversa que gravou, acrescentando que, embora este não lhe tenha solicitado expressamente nenhum valor, deixava claro, a todo o momento, que "lá estava" para auferir vantagens ilícitas do declarante e sua esposa (fl. 73 do apenso I). Durante Processo Administrativo Disciplinar, em síntese, reafirmou as declarações prestadas durante a sindicância (fls. 30/36). Ouvido na fase inquisitiva, declarou que foi "Turcão", um conhecido cujo nome e endereço negou saber, quem solicitou um encontro com o acusado, identificando-o como Policial Federal, a fim de tratar de acusação contra o declarante e sua esposa. Afirmou que o referido Policial Federal apresentou-se como Cabral e, durante a conversa, perguntava frequentemente ao declarante "o que quer que eu faça", referindo-se às acusações de Valdinéia. Negou que o acusado tenha exigido, de forma direta, qualquer valor ou outra vantagem, embora tenha escrito o valor de 5 (cinco) milhões de Reais em um papel, que rasgou e guardou consigo (fls. 25/26). Durante a fase judicial, esclareceu que o acusado não teria anotado aquele valor para exigi-lo para si, mas para confirmar se teria sido oferecido a Valdinéia em troca de documentos que comprometeriam o casal. Negou que o acusado o tenha ameaçado de dar causa a uma investigação fiscal em sua empresa, mas que o teria advertido sobre essa possibilidade, em consequência do teor das acusações de Valdinéia. Solicitou que ficasse consignado que somente apresentou a mídia à Polícia Federal porque foi acusado pelo "Delegado Corregedor" de ter praticado extorsão e de ter oferecido suborno ao acusado (mídia, fl. 296).

Em suas declarações durante Processo Administrativo Disciplinar, a testemunha Mehedei Ali Ismail, vulgo "Turcão", declarou que esteve presente ao encontro do casal Steil com o acusado no restaurante Prainha, confirmando ter ouvido todo o teor da conversa, negando que o acusado tenha feito a pergunta "você quer que amanhã eu faça a coisa ou você quer que eu não faça isso aqui?", transcrita no laudo pericial à fl. 96 do Apenso I. Disse que não presenciou o acusado escrever num guardanapo a importância de 5 (cinco) milhões de Reais ou qualquer outro valor. Negou ter escutado o acusado pronunciar a frase "eu quero o meu também para não mostrar isso aqui", transcrita à fl. 104 do Apenso I. Esclareceu que não ficou o tempo todo à mesa. Afirmou que, em certa ocasião, o acusado ter-lhe-ia perguntado a localização de duas ruas, alegando que estaria investigando Carlos Steil. Acrescentou que, dias após o encontro, foi procurado por Carlos Steil, informando que 2 (dois) P2 (agentes do Serviço de Inteligência da Polícia Militar) estiveram presentes no restaurante Prainha para filmar os acontecimentos (fls. 54/58). Durante a investigação criminal, declarou, em síntese, que ratificava as declarações prestadas durante o Processo Administrativo Disciplinar (fl. 71). Ouvido pelo MM. Juízo, em síntese, acrescentou às declarações anteriores que não marcou o encontro do acusado com o casal Steil (mídia, fl. 296).

Em suas declarações judiciais, por carta precatória, a testemunha Cássio José Ramos Rocha afirmou que é porteiro do prédio onde o acusado morava em Guaratinguetá (SP), acrescentando que somente tomou conhecimento dos fatos quando intimado a depor (mídia, fl. 239).

Perante o Juiz, a testemunha Karine Andreotti Favaro declarou ter presenciado, no dia 21.03.09, durante a festa do seu aniversário, Valdinéia ter entregado ao réu a acusação contra Carlos Alberto Fagundes Steil (mídia, fl. 296).

Ouvida pelo MM. Juízo, a testemunha Mohamed Ali Smail declarou não conhecer o acusado nem ter presenciado os fatos (mídia, fl. 296).

Durante a Sindicância realizada pela Polícia Federal, o acusado Carlos Antonio de Souza Cabral declarou que Valdinéia Maria da Silva entregou-lhe notícia crime, na qual constava seu nome, razão pela qual temeu eventual imputação de prevaricação. Disse que, pensando em facilitar as investigações, realizou consultas nos sistemas INFOSEG e SENHARED. Alegou desconhecer que esse tipo de investigação preliminar fosse vedado (fls. 41/42 do apenso I). Por ocasião do Processo Administrativo Disciplinar, negou que tenha solicitado a "Turcão" que marcasse um encontro com o casal Steil. Acrescentou que foi o casal Steil que se aproximou de sua mesa, enquanto jantava com "Turcão". Quanto ao trecho da conversa, transcrito à fl. 96, em que diz a Carlos Steil "você quer que amanhã eu faça a coisa ou você quer que eu faça isso aqui?", esclareceu que foi uma forma de provocá-lo, uma vez que Carlos Steil já o estaria aborrecendo, especialmente por ter interrompido o jantar. Negou que tenha escrito qualquer valor num guardanapo. Afirmou que, ao desconfiar da conversa do casal Steil, começou a provocá-los, a fim de descobrir algum ilícito e prendê-los em flagrante. Por fim, questionou a intenção do casal ao gravar a conversa e o motivo de esta gravação ter sido apresentada apenas 14 (quatorze) meses após os fatos, bem como se a intenção do casal, ao informar a "Turcão" que 2 (dois) P2 filmaram todo o encontro no Restaurante Prainha, seria coagi-lo a mudar o depoimento, prejudicando o acusado (fls. 75/82). Interrogado durante a fase inquisitorial, em síntese, nada acrescentou às declarações anteriores (fls. 112/116). Em seu interrogatório judicial, em síntese, acrescentou que sofreu perseguição política na Polícia Federal e que a mídia que contém a gravação da conversa com o casal Steil foi editada. Disse, ainda, que acredita estar sendo vítima do casal Steil, por ter encaminhado aos seus superiores a informação referente à acusação de Valdinéia e não ter cedido à sua pressão de obstaculizar a investigação, razão pela qual foi realizada a gravação com o fim de denegrir sua imagem (mídia, fl. 296).

A defesa não recorreu da sentença no tocante ao reconhecimento da autoria delitiva.

Demonstradas a materialidade, a autoria e o dolo, a manutenção do decreto condenatório é medida que se impõe.

Dosimetria. Atento às circunstâncias do art. 59 do Código Penal, o Juízo a quo fixou a pena-base em 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de reclusão, vale dizer, em 5/4 (cinco quartos) acima do mínimo legal (fl. 455v.). Considerou que, ao levar notitia criminis sobre delito de usura ao conhecimento de seus supostos autores, pôs em risco a vida da vítima.

Sem circunstâncias atenuantes ou agravantes.

Ausentes causas de diminuição ou de aumento, tornou-se definitiva a pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de reclusão.

Estabeleceu-se o regime inicial semiaberto para o cumprimento de pena.

Concedeu-se o direito de apelar em liberdade.

A pena pecuniária restou fixada, por paralelismo, em 25 (vinte e cinco) dias-multa, no valor unitário de 2 (dois) salários mínimos.

Decretou-se a perda do cargo do acusado, como efeito secundário da condenação, nos termos do art. 92, I, "a" e "b", do Código Penal.

Fixou-se o valor mínimo de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) a título de reparação de danos morais causados à coletividade, nos termos do art. 387, IV, do Código de Processo Penal (fls. 447/457v.).

Apela a defesa requerendo a fixação da pena no mínimo legal, a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos e o afastamento da indenização por danos morais causados à coletividade (fls. 479 e 495/504).

Assiste parcial razão ao recorrente.

Não comporta revisão a dosimetria da pena, fixada com observância dos critérios do art. 59 do Código Penal, mostrando-se razoável a majoração da pena-base em face da maior censurabilidade da conduta do réu, em razão dos motivos, consequências e circunstâncias do crime.

Ausentes os requisitos do art. 44 do Código Penal, denego a substituição da pena privativa de liberdade por pena privativa de direitos.

Melhor sorte socorre o recurso quanto ao pleito de afastamento da fixação de valor mínimo a título de indenização por danos morais causados à coletividade.

O art. 387, IV, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei n. 11.719/08, estabeleceu que o Juiz fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido.

Não há que se falar em reparação dos danos morais causados à coletividade, uma vez que o Código de Processo Penal é expresso ao destinar a indenização ao ofendido que tenha sofrido prejuízo.

Ademais, no presente caso, não houve notícia de prejuízos sofridos pelas vítimas, que negaram ter pagado qualquer valor ao acusado (mídia, fl. 296).

Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação da defesa para afastar a fixação de valor mínimo para reparação por danos morais causados à coletividade, mantida a sentença nos seus ulteriores termos.

É o voto.


Andre Nekatschalow
Desembargador Federal Relator


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): Andre Custodio Nekatschalow:10050
Nº de Série do Certificado: 6FF489872CB26B896143FFEC7333ABCE
Data e Hora: 27/05/2014 15:33:28