Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 04/06/2014
HABEAS CORPUS Nº 0030316-20.2013.4.03.0000/MS
2013.03.00.030316-5/MS
RELATOR : Desembargador Federal LUIZ STEFANINI
IMPETRANTE : MANOEL CUNHA LACERDA
: ALEXANDRA BERTON SCHIAVINATO
PACIENTE : SILVESTRE RIBAS BOGADO
ADVOGADO : MS001099 MANOEL CUNHA LACERDA e outro
IMPETRADO : JUIZO FEDERAL DA 1 VARA DE PONTA PORA - 5ª SSJ - MS
CO-REU : ALES MARQUES
: JARVIS CHIMENES PAVAO
: PAULO LARSON DIAS
: ALDO FABIAN VIGNONI
: SEBASTIAO FERREIRA BARBOSA
: ANTONIO CLAUDIO STENERT DE SOUZA
: TELMA LARSON DIAS
: JACKSON DIAS MARQUES
: ALISSON DIAS MARQUES
: MARCOS ANDERSON MARTINS
: DORIVAL DA SILVA LOPES
: GUSTAVO LEMOS DE MOURA
: KATIUSCIA MESSIAS DA SILVA
: NILSON PEREIRA DOS SANTOS
: PEDRO ALVES DA SILVA
: WALTER HITOSHI ISHIZAKI
: ADEMIR PHILIPPI CORREIA
No. ORIG. : 00022067220124036005 2 Vr PONTA PORA/MS

EMENTA

HABEAS CORPUS - TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO INTERNACIONAL - DECRETAÇÃO DE PRISÃO PREVENTIVA - ALEGAÇÃO DE INCOMPETÊNCIA DO MM. JUÍZO A QUO PARA PROCESSAMENTO E JULGAMENTO DO FEITO - AFASTAMENTO - DECISÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA - PROVA DA MATERIALIDADE E INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA DELITIVA - GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA, DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL E DA INSTRUÇÃO CRIMINAL - MANUTENÇÃO DA CUSTÓDIA CAUTELAR - DENEGAÇÃO DA ORDEM.
1. Paciente denunciado como incurso, em concurso material (art. 69 do CP), nas condutas típicas do art. 35, caput, c.c. art. 40, inc. I, IV e V, ambos da Lei n.º 11.343/06, e, por duas vezes, nas condutas do art. 33, caput, c.c. art. 40, inc. I e V, ambos da Lei n.º 11.343/06.
2. Investigações quanto aos crimes de tráfico e associação para o tráfico transnacional de drogas que tiveram início em 07/10/2009, quando instaurado inquérito policial perante a Delegacia de Repressão a Entorpecentes da Superintendência Regional de Polícia Federal no Rio Grande do Sul, porquanto o grupo criminoso em comento contaria com ramificações em diversos municípios gaúchos e vínculos com fornecedores paraguaios.
3. Monitoramento telefônico dos investigados iniciado em 27/10/2009, com término em 06/10/2010, véspera da deflagração da "Operação Maré Alta", quando foram presos preventivamente quase todos os integrantes da organização criminosa.
4. Declínio de competência do MM. Juízo da 2ª Vara Federal Criminal de Porto Alegre/RS em favor do MM. Juízo impetrado porquanto constatado que a "espinha dorsal" da organização criminosa estaria estabelecida na região de fronteira entre o Estado do Mato Grosso do Sul e o Paraguai (Ponta Porã/MS - Pedro Juan Caballero/PY), sendo que um dos denunciados, tido como principal líder e articulador do grupo criminoso, havia sido preso em flagrante no Município de Ponta Porã/MS, onde denunciado.
5. Além das prisões, foram cumpridos diversos mandados de buscas domiciliares nas residências e locais de trabalho dos investigados, que resultaram na apreensão de um total de 39 (trinta e nove) veículos, armas de fogo, munições e simulacros de armas, dinheiro em espécie, cheques e outros valores (relógios, anéis), além de documentos, papéis, notebooks, e imensa quantidade de aparelhos celulares.
6. Quanto ao paciente, as investigações apontaram que o mesmo integra a organização criminosa, figurando, em tese, como importante fornecedor de cocaína paraguaia a ALES, corréu na ação penal originária e principal líder e articulador do grupo criminoso.
7. Além de envolvimento em dois crimes de tráfico de drogas, na posição de fornecedor de cocaína importada do Paraguai, o paciente ainda teria fornecido entorpecente para a cidade de Curitiba/PR, através do corréu Pedro. Ademais, teria marcado encontros frequentes com ALES para tratarem de assuntos relacionados ao tráfico de drogas. Teria providenciado, ainda, junto à esposa de Pedro, a pedido de ALES, a transferência de um veículo HYUNDAI/Tucson para o nome de terceiro, possivelmente para evitar sua apreensão.
8. Ainda que o liame de internacionalidade não tenha sido apurado pela autoridade policial que procedeu aos flagrantes dos tráficos de drogas ocorridos em 18/06/2010 (Três Lagoas/MS) e 21/09/2010 (Ponta Porã/MS), os quais levaram à condenação dos corréus Pedro e Walter perante a Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul, é certo que a investigação levada a cabo pela Polícia Federal acabou por deflagrar a "Operação Maré Alta", com provas de materialidade e indícios veementes da existência de uma estruturada organização criminosa voltada ao tráfico interestadual e transnacional de entorpecentes, da qual o paciente, em tese, faz parte, na qualidade de um dos fornecedores da cocaína apreendida (total de aproximadamente 78 kg), vinda do Paraguai.
9. Nos estreitos limites desta ação constitucional e com fulcro no art. 109, inc. V, da CF e art. 70 da Lei n.º 11.343/06, não há que se falar em incompetência do MM. Juízo a quo para o processamento e julgamento da ação penal originária, à vista do caráter internacional da organização criminosa e dos tráficos de drogas por ela operacionalizados.
10. Decisão a quo que decretou a prisão preventiva do paciente fundamentada na necessidade de garantia da ordem pública, da aplicação da lei penal e da instrução criminal, não estando revestida de ilegalidade ou abuso de poder manifestos.
11. Manutenção da custódia cautelar.
12. Denegação da ordem.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, denegar a ordem, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.



São Paulo, 26 de maio de 2014.
LUIZ STEFANINI
Desembargador Federal


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Data e Hora: 30/05/2014 14:44:32



HABEAS CORPUS Nº 0030316-20.2013.4.03.0000/MS
2013.03.00.030316-5/MS
RELATOR : Desembargador Federal LUIZ STEFANINI
IMPETRANTE : MANOEL CUNHA LACERDA
: ALEXANDRA BERTON SCHIAVINATO
PACIENTE : SILVESTRE RIBAS BOGADO
ADVOGADO : MS001099 MANOEL CUNHA LACERDA e outro
IMPETRADO : JUIZO FEDERAL DA 1 VARA DE PONTA PORA - 5ª SSJ - MS
CO-REU : ALES MARQUES
: JARVIS CHIMENES PAVAO
: PAULO LARSON DIAS
: ALDO FABIAN VIGNONI
: SEBASTIAO FERREIRA BARBOSA
: ANTONIO CLAUDIO STENERT DE SOUZA
: TELMA LARSON DIAS
: JACKSON DIAS MARQUES
: ALISSON DIAS MARQUES
: MARCOS ANDERSON MARTINS
: DORIVAL DA SILVA LOPES
: GUSTAVO LEMOS DE MOURA
: KATIUSCIA MESSIAS DA SILVA
: NILSON PEREIRA DOS SANTOS
: PEDRO ALVES DA SILVA
: WALTER HITOSHI ISHIZAKI
: ADEMIR PHILIPPI CORREIA
No. ORIG. : 00022067220124036005 2 Vr PONTA PORA/MS

RELATÓRIO

Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de Silvestre Ribas Bogado, em face da decisão proferida pelo MM. Juízo da 1ª Vara Federal de Ponta Porã/MS, que decretou a prisão preventiva do paciente (fls. 93/94).

Os impetrantes alegam, em síntese, a incompetência do MM. Juízo a quo para processar a julgar a ação penal originária (autos n.º 0002206-72.2012.4.03.6005), porquanto reputam violadas as garantias constitucionais do juiz natural, da perpetuatio jurisdictionis e do due process of law, restando configurada a nulidade do feito ab initio. Consequentemente, alegam que restaria configurada a nulidade do decreto de prisão preventiva expedido em face do paciente.

Aduzem que os autores dos delitos de tráfico de drogas ora apurados, ocorridos em Três Lagoas/MS (18/06/2010) e Ponta Porã/MS (21/09/2010), foram processados e julgados perante a Justiça Estadual, não havendo razão para que o paciente, supostamente partícipe nos mesmos crimes, seja processado e julgado perante a Justiça Federal.

Sustentam que figura inaceitável o fato de o mesmo delito ser classificado como tráfico interno em relação aos autores, com julgamento transitado em julgado perante a Justiça Estadual, e como tráfico transnacional quanto aos partícipes, dentre os quais se encontra o paciente. Ademais, no momento em que proposta a ação penal nos Municípios de Três Lagoas/MS e Ponta Porã/MS, foi determinada a competência para processar e julgar os partícipes de tais crimes.

Argumentam que, por via de consequência, deve ser declarada a nulidade do decreto de prisão preventiva, vez que prolatado pelo MM. Juízo impetrado, manifestamente incompetente para o julgamento da ação penal originária, conforme entendimento jurisprudencial colacionado.

Requerem, ao final, a concessão da ordem, a fim de que seja reconhecida a incompetência absoluta do MM. Juízo impetrado para processar e julgar a Ação Penal n.º 0002206-72.2012.4.03.6005 (desmembrada da Ação Penal originária n.º 0002646-39.2010.403.6005), especificamente quanto a Silvestre Ribas Bogado, com a remessa de cópia integral dos autos aos juízos competentes, quais sejam, os Juízos Estaduais de Três Lagoas/MS e Ponta Porã/MS.

Pugnam, ainda, pela declaração de nulidade do decreto de prisão preventiva, com a determinação de salvo conduto e recolhimento do mandado de prisão, vez que ainda não executado.

Com a inicial vieram documentos.

A autoridade apontada como coatora prestou informações às fls. 90/91.

Em parecer de fls. 98/108, a Procuradoria Regional da República opinou pela denegação da ordem e manutenção da prisão preventiva do paciente.

É o relatório.

Em mesa.

VOTO

Tenho que a ordem merece denegação, senão vejamos.


Da análise dos autos, extrai-se que o paciente foi denunciado como incurso, em concurso material (art. 69 do Código Penal), nas condutas típicas do art. 35, caput, c.c. art. 40, inc. I, IV e V, ambos da Lei n.º 11.343/06 - associação para o crime de tráfico transnacional e interestadual de drogas com emprego de arma de fogo - e, por duas vezes, nas condutas do art. 33, caput, c.c. art. 40, inc. I e V, ambos da Lei n.º 11.343/06 - tráfico transnacional e interestadual de drogas (apreensões dos dias 18/06/2010, em Três Lagoas/MS e 21/09/2010, em Ponta Porã/MS).


As investigações quanto aos crimes de tráfico e associação para o tráfico transnacional de drogas tiveram início em 07/10/2009, quando instaurado inquérito policial perante a Delegacia de Repressão a Entorpecentes da Superintendência Regional de Polícia Federal no Rio Grande do Sul (atualmente registrado na Subseção de Ponta Porã/MS sob o n.º 0002646-39.2010.403.6005, de onde o feito originário deste writ foi desmembrado), porquanto o grupo criminoso em comento contaria com ramificações em diversos municípios gaúchos e vínculos com fornecedores paraguaios.


O monitoramento telefônico dos investigados foi deferido em 22/10/2009, implementado em 27/10/2009 e, após sucessivas prorrogações, findou-se em 06/10/2010, véspera da deflagração da "Operação Maré Alta", quando foram presos preventivamente quase todos os integrantes da organização criminosa.


O declínio de competência do MM. Juízo da 2ª Vara Federal Criminal de Porto Alegre/RS em favor do MM. Juízo impetrado deu-se na medida em que constatado que a "espinha dorsal" da organização criminosa estava estabelecida na região de fronteira entre o Estado do Mato Grosso do Sul e o Paraguai (Ponta Porã/MS - Pedro Juan Caballero/PY), sendo que um dos denunciados, ALES MARQUES, tido como principal líder e articulador do grupo criminoso, havia sido preso em flagrante no Município de Ponta Porã/MS, onde denunciado (autos n.º 0002301-73.2010.403.6005).


Além das prisões, foram cumpridos diversos mandados de buscas domiciliares nas residências e locais de trabalho dos investigados, que resultaram na apreensão de um total de 39 (trinta e nove) veículos, armas de fogo, munições e simulacros de armas, dinheiro em espécie, cheques e outros valores (relógios, anéis), além de documentos, papéis, notebooks, e imensa quantidade de aparelhos celulares.


No total, 18 (dezoito) pessoas foram denunciadas, dentre elas o paciente. Quanto a ele, especificamente, narra a exordial acusatória o quanto segue:

"SILVESTRE RIBAS BOGADO, paraguaio conhecido como 'CRALOS PY' ou 'GORDO' (inicialmente identificado nas investigações, equivocadamente, como 'CONCEPCION AQUINO') era, assim como JARVIS CHIMENES PAVÃO, um importante fornecedor de cocaína paraguaia a ALES MARQUES. Certa feita, forneceu carga de cocaína (não apreendida) para a cidade de Curitiba/PR, transportada por PEDRO ALVES DA SILVA. Marcou encontros freqüentes com ALES MARQUES para tratarem de assuntos relacionados ao tráfico, empregando a expressão 'jogar sinuca' para dissimular a real finalidade (ilícita) das reuniões. Foi quem forneceu a ALES MARQUES a carga de 15,8 Kg de cocaína apreendida com PEDRO, em Três Lagoas/MS, no dia 18/06/10, destinada a SEBASTIÃO FERREIRA. A pedido de ALES MARQUES, providenciou, junto à esposa de PEDRO, preso em flagrante, a transferência de veículo HYUNDAI/Tucson placas DLA-1918, para o nome de terceiro. Contatou e orientou WALTER HITOSHI ISHIZAKI para o transporte dos 25 kg de cocaína apreendidos aos 21/09/2010, escondidos no tanque de combustíveis do veículo HONDA/Civic placas BCD 3535.
[...] 3b) Da Apreensão de 15,7 Kg de Cocaína, aos 18/06/2010, em Três Lagoas/MS (3.º Fato)
Também consoante apurado, em período que se estendeu até 18/06/2010, os ora denunciados ALES MARQUES, SILVESTRE RIBAS BOGADO, ADEMIR PHILIPPI CORRÊIA e SEBASTIÃO FERREIRA BARBOSA, com vontade livre e consciente, sabedores da ilicitude e reprovabilidade de seus atos e em comunhão de seus atos e em comunhão de esforços e unidade de desígnios, importaram, remeteram, prepararam, adquiriram, venderam, expuseram à venda, tiveram em depósito, ofereceram, transportaram, guardaram e forneceram, sem autorização legal ou regulamentar, 15,7 Kg (quinze vírgula sete quilogramas) de 'cocaína', os quais foram apreendidos por volta das 16h do dia 18/06/2010, nas proximidades da rodovia BR-158, no município de Três Lagoas/MS, quando eram transportados, ocultos na carroceria do veículo TOYOTA/Hilux, cor preta, placas DRT-8340, por PEDRO ALVES DA SILVA.
Conforma já narrado no item II, acima, SILVESTRE RIBAS BOGADO, após negociação no Paraguai com ALES MARQUES sobre a remessa desse carregamento de 15,7 Kg de cocaína para o Brasil, remeteu, vendeu, expôs à venda, ofereceu e forneceu a droga para ALES MARQUES, que, por sua vez, importou, adquiriu, transportou, guardou, vendeu, expôs à venda, ofereceu e forneceu o entorpecente - transportado por PEDRO ALVES DA SILVA - para o comprador/destinatário, no município de Três Lagoas/MS: SEBASTIÃO FERREIRA BARBOSA (que o adquiriu). ADEMIR PHILIPPI CORRÊIA, a seu turno, guardou e teve em depósito a droga, no interior de seu estabelecimento comercial - DIVISA AUTOPEÇAS LTDA -, onde preparou e ocultou a cocaína no veículo TOYOTA/Hilux placas DRT-8340.
Embora a apreensão tenha ocorrido em Três Lagoas/MS, município de residência de SEBASTIÃO, o entorpecente destinava-se a consumidores do estado de São Paulo, caracterizando a interestadualidade do tráfico.
[...] Cumpre destacar que ALES MARQUES, SILVESTRE RIBAS BOGADO, ADEMIR PHILIPPI e SEBASTIÃO FERREIRA BARBOSA tinham pleno conhecimento de toda a cadeia criminosa, sendo responsáveis, em concurso, pelo ingresso do entorpecente no Brasil, seu trânsito por Ponta Porá/MS e sua destinação a Três Lagoas/MS, onde acabou apreendido pela Polícia Federal.
[...] Registre-se ainda que, por tal fato criminoso, PEDRO ALVES DA SILVA foi autuado em flagrante delito nos autos do inquérito policial n.º 095/10-DPF/TLS/MS, acompanhado pela Justiça em Três Lagoas/MS, razão pela qual, para se evitar bis in idem, não está sendo denunciado nesta peça acusatória.
[...] 3d) Da Apreensão de 25 Kg de Cocaína, aos 21/09/2010, em Ponta Porã/MS (5.º Fato)
Por fim, consoante também demonstrado nos autos, em período que se estendeu até 21/09/2010, os ora denunciados SILVESTRE RIBAS BOGADO e ADEMIR PHILIPPI CORRÊIA, com vontade livre e consciente, sabedores da ilicitude e reprovabilidade de seus atos e em comunhão de esforços e unidade de desígnios, importaram, remeteram, prepararam, adquiriram, venderam, expuseram à venda, tiveram em depósito, ofereceram, transportaram, guardaram e forneceram, sem autorização legal ou regulamentar, 25 Kg (vinte e cinco quilogramas) de 'cocaína', os quais foram apreendidos por volta das 15h do dia 21/09/2010, no Posto Fiscal Pacuri, situado na rodovia BR-463, neste município de Ponta Porã/MS, quando eram transportados, ocultos no tanque de combustível do veículo HONDA/Civic, cor cinza, placas BCD-3535, por WALTER HITOSHI ISHIZAKI, com destino a Curitiba/PR.
Conforme já narrado no item II, acima, SILVESTRE RIBAS BOGADO importou do Paraguai, remeteu, vendeu, expôs à venda, ofereceu e forneceu esse carregamento de 25 Kg de cocaína - transportado por WALTER HITOSHI ISHIZAKI - para o comprador/destinatário, no município de Curitiba/PR, identificado somente como 'CURI'. ADEMIR PHILIPPI CORRÊIA, a seu turno, guardou e teve em depósito a droga, no interior de seu estabelecimento comercial - DIVISA AUTOPEÇAS LTDA -, onde preparou e ocultou a cocaína no veículo HONDA/Civic placas BCD-3535.
[...] Registre-se ainda que, por tal fato criminoso, WALTER HITOSHI ISHIZAKI foi autuado em flagrante delito nos autos do inquérito policial n.º 561/10-DPF/PPA/MS, acompanhado pelo Juízo Criminal da Comarca de Ponta Porã/MS, razão pela qual, para se evitar bis in idem, não está sendo denunciado nesta peça acusatória." - destaques no original.

A decisão impetrada (fls. 93/94), que decretou a prisão preventiva de Silvestre Ribas Bogado, restou lastreada nos seguintes termos:


"2.1 Sustenta a autoridade policial que CARLOS PY, neste momento identificado como sendo SILVESTRE RIBAS BOGADO '(...) fornece parte da cocaína distribuída por ALES MARQUES.
As interceptações telefônicas, nos termos do Relatório de Inteligência em anexo, demonstraram que foi o responsável pelo fornecimento do carregamento de 15,8 Kg de cocaína apreendido em Três Lagoas/MS em 18/06/2010, conforme descrito no item II.b desta representação. (...)' (cfr. fls. 162/224 e 518/519).
Consta também que SILVESTRE enviou nova carga de drogas, desta vez para o Estado do Paraná, através de WALTER HITOSHI ISHIZAKI, preso em flagrante no dia 21/09/2010, transportando aproximadamente 25 quilos de COCAÍNA (cfr. fls. 1782/1793, do feito em apenso nº 0002646-39.2010.403.6005 e fls. 224/232 do IPL 1147/09-DPF/RS).
2.2 Frise-se, como dito há pouco (fls. 589/602, do feito principal - IPL nº 0002646-39.2010.403.6005), que tais condutas, colhidas através das diligências policiais, levam à configuração de potencial ilícito de tráfico internacional de entorpecentes, praticado, em tese, por uma organização criminosa altamente estruturada que conta com a participação de brasileiros e um cidadão paraguaio, que se dedicam ao tráfico de entorpecentes nesta região de fronteira, em especial, entre as cidades de Pedro Juan Caballero/PY e Ponta Porã/MS, tendo por destino outros Estados da Federação, movimentando vultuosa quantidade de tóxicos.
2.3 Corroboram os fatos em exame, as prisões em flagrante noticiadas em diversas partes do país e relacionadas nos procedimentos policiais abaixo, que se encontram acostados no inquérito policial nº 1147/09-DPF/RS:
a) Apreensão, no dia 13/12/2009, em MONTENEGRO/RS, DE 26,8 KG DE COCAÍNA, fornecidas por PAULO LARSON, no PARAGUAI, e enviadas por ALES MARQUES a ALDO FABIAN VIGNONI, que estavam sendo transportadas no interior do veículo FIAT/DOBLÔ, placas HSD-0846, tripulado por ALBARI VIEIRA DA SILVA e NILSON PEREIRA DOS SANTOS, os quais foram presos em flagrante, conforme IPL 1385/2009, em trâmite na Vara Criminal da Comarca de Montenegro/RS, e interceptações telefônicas (cfr. fls. 35/508 e 512/513);
b) Apreensão, no dia 18/06/2010, em TRÊS LAGOAS/MS, DE 15,8 KG DE COCAÍNA, oriundas do PARAGUAI, fornecidas pelo alienígena CARLOS PY (SILVESTRE), para ALES MARQUES, o qual remeteu o entorpecente para SEBASTIÃO FERREIRA BARBOSA, através de PEDRO ALVES DA SILVA (motorista), que foi preso em flagrante pela POLÍCIA FEDERAL de TRÊS LAGOAS/MS, conduzindo o veículo TOYOTA HILUX, placas DRT-8340, consoante IPL 095/2010-DPF/TLA/MS, e interceptações telefônicas (cfr. fls. 35/508 e 513);
c) Apreensão, no dia 22/07/2010, nesta cidade de PONTA PORÃ/MS, DE 11 KG DE COCAÍNA, e prisão de ALES MARQUES, PEDRO BORGES VALÉRIO e MANUEL SOSA LEDESMA (cfr. IPL 376/2010-DPF/PPA/MS, e interceptações telefônicas - fls. 35/508 e 514);
d) Apreensão, no dia 21/09/2010, nesta cidade de PONTA PORÃ/MS, DE 25 KG DE COCAÍNA, oriundas do estrangeiro, fornecidas por SILVESTRE a um comprador não identificado do CURITIBA/PR, ora transportadas no interior do veículo HONDA CIVIC, placas BCD 3535, por WALTER HITOSHI ISHIZAKI, preso em flagrante (cfr. IPL 561/2010-DPF/PPA/MS, e interceptações telefônicas - fls. 35/508 e 514/515).
Anoto que o total de drogas apreendidas, em decorrência da OPERAÇÃO - MARÉ ALTA, levada a cabo pela POLÍCIA FEDERAL, atingiu o montante de mais de 78 (setenta e oito) quilos de COCAÍNA.
2.4 Há, portanto, provas da materialidade e indícios suficientes de autoria dos crimes de tráfico transnacional/interestadual de drogas e associação para o tráfico de drogas, em tese, perpetrados de forma organizada e estável pelas pessoas supra referidas, os quais encontram-se consubstanciados nas prisões em flagrante de alguns dos denunciados e em outras pessoas, bem como nos relatórios das transcrições de conversas mantidas entre as pessoas supracitadas e terceiros.
2.4.1 Desta feita, verifica-se que SILVESTRE RIBAS, bem como os demais representados no IPL 1147/09-DPF/RS, em tese, internam e distribuem, reiteradamente, grande quantidade de drogas em território pátrio.
3. Assim, torna-se necessária a decretação de sua custódia como garantia da ordem pública, a fim de impedir a continuidade das empreitadas criminosas e cessar a prática reiterada de delitos [...]
3.1 Também há necessidade de se garantir a regular colheita de provas e a efetiva aplicação da lei penal, esta última em risco face à facilidade de evasão gerada por esta região de fronteira. Nessa linha, seja para se evitar a reiteração da prática delitiva em proteção à ordem pública, seja para a garantia da aplicação da lei penal e conveniência da instrução criminal, vislumbro a presença dos requisitos para decretação de suas custódias." - destaques no original.

Feitas essas considerações, ressalto, inicialmente, que o habeas corpus é ação constitucional de caráter penal e de procedimento especial, que visa evitar ou cessar violência ou ameaça na liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder, não se admitindo sua impetração para discussões acerca do mérito da causa principal.

Pois bem.


Analisando a documentação acostada aos autos, verifica-se que Pedro Alves da Silva, corréu na ação penal originária, foi processado e julgado perante a 2ª Vara Criminal de Três Lagoas - Estado do Mato Grosso do Sul, pela prática do delito de tráfico de drogas (15,7 kg de cocaína), ocorrido em 18/06/2010. A sentença condenatória foi prolatada em 14/12/2010 (fls. 65/68), e o acórdão que deu parcial provimento à apelação interposta, a fim de afastar o perdimento de alguns dos bens apreendidos, foi proferido em 27/06/2011 (fls. 69/72).


Em relação ao corréu Walter Hitoshi Ishizaki, constata-se que o mesmo foi processado e julgado perante a Vara Criminal de Ponta Porã - Estado do Mato Grosso do Sul, pela prática do delito de tráfico de drogas (25 kg de cocaína), ocorrido em 21/09/2010. A sentença condenatória foi prolatada em 10/06/2011 (fls. 73/79), e o acórdão que deu parcial provimento à apelação interposta, a fim de redimensionar a pena imposta, foi proferido em 23/07/2012 (fls. 80/83).


Por esta razão, a Procuradoria da República no Município de Ponta Porã/MS deixou de denunciar ambos os corréus no feito principal quanto às referidas condutas típicas, como se verifica dos seguintes excertos da exordial acusatória (fls. 54 e 56, respectivamente):


"Registre-se ainda que, por tal fato criminoso, PEDRO ALVES DA SILVA foi autuado em flagrante delito nos autos do inquérito policial n.º 095/10-DPF/TLS/MS, acompanhado pela Justiça em Três Lagoas/MS, razão pela qual, para se evitar bis in idem, não está sendo denunciado nesta peça acusatória.
Registre-se ainda que, por tal fato criminoso, WALTER HITOSHI ISHIZAKI foi autuado em flagrante delito nos autos do inquérito policial n.º 561/10-DPF/PPA/MS, acompanhado pelo Juízo Criminal da Comarca de Ponta Porã/MS, razão pela qual, para se evitar bis in idem, não está sendo denunciado nesta peça acusatória."

Nesse ponto recaem as alegações dos impetrantes, ao pugnarem o afastamento da competência da Justiça Federal para processar e julgar o feito originário, sob o entendimento de que os autores dos delitos de tráfico de drogas ocorridos em Três Lagoas/MS (18/06/2010) e Ponta Porã/MS (21/09/2010), quais sejam, Pedro Alves da Silva e Walter Hitoshi Ishizaki, foram processados e julgados perante a Justiça Estadual, não havendo razão para que o paciente, supostamente partícipe nos mesmos crimes, seja processado e julgado perante a Justiça Federal.


Por primeiro, cumpre ressaltar que as prisões em flagrante de Pedro e Walter ocorreram, respectivamente, em 18/06/2010 e 21/09/2010, antes, portanto, da data de encerramento das interceptações telefônicas que deram ensejo à deflagração da "Operação Maré Alta" (06/10/2010).

E referida investigação apontou que Silvestre Ribas Bogado, ora paciente, integra organização criminosa armada, voltada ao tráfico transnacional e interestadual de drogas, figurando, em tese, como importante fornecedor de cocaína paraguaia a ALES MARQUES, corréu na ação penal originária e principal líder e articulador do grupo criminoso.

Portanto, além de envolvimento nos dois crimes de tráfico de drogas supra mencionados, na posição de fornecedor de cocaína importada do Paraguai, o paciente ainda teria fornecido o entorpecente para a cidade de Curitiba/PR, também através do corréu Pedro Alves da Silva. Ademais, teria marcado encontros frequentes com ALES para tratarem de assuntos relacionados ao tráfico de drogas. Teria providenciado, ainda, junto à esposa de Pedro, a pedido de ALES, a transferência de um veículo HYUNDAI/Tucson, placas DLA-1918, para o nome de terceiro, possivelmente para evitar sua apreensão.

Nesse diapasão, concluo que ainda que o liame de internacionalidade não tenha sido apurado pela autoridade policial que procedeu aos flagrantes dos tráficos de drogas ocorridos em 18/06/2010 (Três Lagoas/MS) e 21/09/2010 (Ponta Porã/MS), os quais levaram à condenação de Pedro Alves da Silva e Walter Hitoshi Ishizaki perante a Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul, é certo que a investigação levada a cabo pela Polícia Federal acabou por deflagrar a "Operação Maré Alta", com provas de materialidade e indícios veementes da existência de uma estruturada organização criminosa voltada ao tráfico interestadual e transnacional de entorpecentes, da qual faz parte, em tese, Silvestre Ribas Bogado, na qualidade de um dos fornecedores da cocaína apreendida (total de aproximadamente 78 kg), vinda do Paraguai.

Como dito, referida Operação teve por base a realização de interceptações telefônicas pelo período aproximado de 01 (um) ano, as quais se encerraram após as prisões em flagrante de Pedro e Walter que, inclusive, foram denunciados na presente ação penal originária - desta vez pela prática de crimes diversos daqueles pelos quais já condenados perante a Justiça Estadual, e após a apuração de que estariam efetivamente envolvidos com a organização criminosa internacional em tela.

Assim, nos estreitos limites desta ação constitucional e com fulcro no art. 109, inc. V, da Constituição Federal e art. 70 da Lei n.º 11.343/06, não há que se falar em incompetência do MM. Juízo a quo para o processamento e julgamento da ação penal originária, à vista do caráter internacional da organização criminosa e dos tráficos de drogas por ela operacionalizados.

Nesse sentido, o parecer ministerial de fl. 106, ao entender que:

"As sentenças e acórdãos juntados da Justiça Estadual, no caso, pouco importam, pois no processo penal, em tema de perpetuatio jurisditionis, não contendo a regra do artigo 87 do CPC, vale o lugar da consumação do fato, in casu, Ponta Porã, conforme se viu;
Exceção de litispendência ou coisa julgada tem que ser deduzida por quem tem interesse, sendo que, no caso, a competência da Justiça Federal é manifesta e indiscutível, à vista dos fatos articulados na denúncia."

Vale ressaltar, aqui, que o paciente terá a oportunidade de produzir provas durante a instrução do feito principal, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, a fim de infirmar as imputações deduzidas em seu desfavor, ou mesmo afastar a transnacionalidade dos delitos porventura praticados.

Consequentemente, e sob a análise realizada no bojo deste writ, resta rechaçada a aventada nulidade do decreto de prisão preventiva, restando incólumes as garantias constitucionais do juiz natural, da perpetuatio jurisdictionis e do due process of law.

Outrossim, a decisão a quo que decretou a prisão preventiva do paciente encontra-se fundamentada na existência de provas da materialidade delitiva, indícios suficientes de autoria dos crimes de tráfico transnacional/interestadual de drogas e associação para o tráfico de drogas - praticados, em tese, de forma organizada e estável -, bem como na necessidade de se garantir a ordem pública, a aplicação da lei penal e a instrução criminal, não estando revestida de ilegalidade ou abuso de poder manifestos.

Ante todo o exposto, denego a ordem.

É como voto.

LUIZ STEFANINI
Desembargador Federal


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