Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 24/06/2014
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0012387-21.2006.4.03.6110/SP
2006.61.10.012387-1/SP
RELATOR : Juiz Convocado MÁRCIO MESQUITA
APELANTE : PEDRO MARQUES DE FREITAS
ADVOGADO : EMANUEL ADILSON GOMES MARQUES (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELANTE : REINALDO VERTINA
ADVOGADO : SP118343 SUELI CUGLER (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
EXTINTA A PUNIBILIDADE : GIOVANI DA SILVA ROCHA falecido
No. ORIG. : 00123872120064036110 1 Vr SOROCABA/SP

EMENTA

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. DESCAMINHO. PEDIDO DE JUSTIÇA GRATUITA INDEFERIDO. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. CRIMINOSO CONTUMAZ. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: INAPLICABILIDADE. MOTORISTA DE ÔNIBUS. PARTICIPAÇÃO EFETIVA NO CRIME. NÃO-COMPROVAÇÃO. ATIPICIDADE. AUTORIA NA DEMONSTRADA. RECURSO PROVIDO.
1. Apelações da Defesa contra a sentença que condenou os réus como incursos no artigo 334, §1º, c, do Código Penal, sendo Pedro condenado à pena de 1 ano e 3 meses de reclusão e Reinaldo à pena de 1 ano e 4 meses de reclusão.
2. O pedido de justiça gratuita, formulado pelo réu PEDRO, é de ser deferido, considerando que, embora devidamente citado, não constituiu defensor, tendo o Juízo a quo nomeado defensor dativo.
3. A materialidade delitiva do delito de descaminho ficou demonstrada pela apreensão das mercadorias, de origem estrangeira e desprovidas de documentação comprobatória de regular internação no país. O Auto de Exibição e Apreensão de fls. 10 atesta foram apreendidos em poder de Pedro 40 caixas contendo roupas e 10 fardos contendo roupas. O Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal conclui que as mercadorias são de procedência estrangeira, tendo como países de origem Itália e China, sem documentação comprobatória de sua importação regular, sendo avaliadas em R$ 26.720,00 (vinte e seis mil, setecentos e vinte reais).

4. O Laudo de Exame Merceológico que também aponta que as mercadorias são de origem estrangeira e foram avaliadas em R$ 26.720,00 equivalentes a US$ 10.605,00.
5. A autoria delitiva em relação ao réu PEDRO restou comprovada pela prova documental colhida e pelos interrogatórios do apelante e dos demais acusados.
6. Adotado a orientação desta Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3a Região, e do Superior Tribunal de Justiça, para reconhecer a ausência de lesividade à bem jurídico relevante e aplicar o princípio da insignificância nos casos em que o valor do tributo devido, referente às mercadorias apreendidas, é inferior ao limite de vinte mil reais estipulado pela Lei 10.522/02, na redação dada pela MF 75, de 22/03/2012. Ressalva do ponto de vista pessoal do Relator.
7. Adotado o entendimento jurisprudencial então dominante no sentido da aplicabilidade do princípio da insignificância, independente das circunstâncias de caráter pessoal, como a habitualidade delitiva. Ressalva do ponto de vista pessoal do Relator.
8. O Supremo Tribunal Federal alterou recentemente o entendimento anterior, para concluir pela inaplicabilidade do princípio da insignificância ao criminoso contumaz, entendimento também adotado pelo STF, STJ e pela Primeira Turma deste Tribunal. Retomado o posicionamento anterior do Relator.
9. O acusado Pedro tem reiterado na prática criminosa, consoante demonstrado nos autos. Consta da certidão dos autos que o réu já foi indiciado em inquérito policial instaurado em 06.02.2004, também pelo crime do artigo 334 do Código Penal, denunciado pelo referido crime nos autos da ação penal nº 2004.70.03.001456-2, da Vara da Justiça Federal de Maringá/PR; e indiciado em inquérito policial também pelo artigo 334 do CP, distribuído à 2ª Vara de Foz do Iguaçu em 30.06.2006.
10. No caso dos autos, é inaplicável a tese da insignificância, e comprovadas a materialidade e a autoria imputadas ao réu Pedro, é de rigor a manutenção do decreto condenatório.
11. Ao apelante REINALDO foi imputada a prática do crime de descaminho, porque, na qualidade de motorista de ônibus de excursão com destino a Foz do Iguaçu, concorreu para a prática do delito na medida em que tinha conhecimento de que transportava pessoas com mercadoria estrangeira sem documentação fiscal, tendo transportado as mercadorias estrangeiras apreendidas com PEDRO, as quais foram avaliadas em R$ 26.720,00 (vinte e seis mil, setecentos e vinte reais).
12. Não se desconhece o entendimento jurisprudencial de que pode o motorista de ônibus responder como partícipe ou ainda co-autor do crime do artigo 334 do Código Penal, quando seus passageiros levam mercadorias descaminhadas ou contrabandeadas.
13. A questão é controvertida na jurisprudência, e com a devida vênia às doutas opiniões em contrário, adota-se a corrente de que a conduta descrita na denúncia, em relação ao ora apelante, é atípica.
14. Dispõe o artigo 13, §2º, alínea "a", do Código Penal que "o dever de agir incumbe a quem tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância". Cabe à autoridade policial e alfandegária a fiscalização das mercadorias estrangeiras internadas no território nacional, e não ao motorista da excursão.
15. O simples fato de ser guia da excursão, organizador da viagem ou motorista do ônibus não o torna co-autor ou partícipe do crime de descaminho. O sistema jurídico penal brasileiro não admite imputação por responsabilidade penal objetiva. Precedentes dos Tribunais Regionais Federais das 1ª, 3ª e 4ª Regiões.
16. Não restou comprovado que o motorista do ônibus de excursão agiu em unidade de desígnios com os passageiros que traziam as mercadorias descaminhadas, aderindo às suas condutas delituosas.
17. Apelação do réu PEDRO parcialmente provida para reduzir a pena-base. Apelação do réu REINALDO provida para absolvê-lo da imputação constante da denúncia.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os integrantes da Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação do réu PEDRO para reduzir a pena-base, fixando a pena definitiva de 01 (um) ano de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por uma pena restritiva de direitos, na forma especificada; e dar provimento à apelação do réu REINALDO para absolvê-lo da imputação contante da denúncia, com fundamento no artigo 386, inciso V, do Código de Processo Penal.



São Paulo, 10 de junho de 2014.
MARCIO MESQUITA
Juiz Federal Convocado


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): MARCIO SATALINO MESQUITA:10125
Nº de Série do Certificado: 24FC7849A9A6D652
Data e Hora: 11/06/2014 21:04:48



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0012387-21.2006.4.03.6110/SP
2006.61.10.012387-1/SP
RELATOR : Juiz Convocado MÁRCIO MESQUITA
APELANTE : PEDRO MARQUES DE FREITAS
ADVOGADO : EMANUEL ADILSON GOMES MARQUES (Int.Pessoal)
APELANTE : REINALDO VERTINA
ADVOGADO : SP118343 SUELI CUGLER (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
EXTINTA A PUNIBILIDADE : GIOVANI DA SILVA ROCHA falecido
No. ORIG. : 00123872120064036110 1 Vr SOROCABA/SP

RELATÓRIO

O Juiz Federal Convocado MÁRCIO MESQUITA (Relator):


O Ministério Público Federal, em 02.03.2007, denunciou PEDRO MARQUES DE FREITAS, REINALDO VERTINA e GIOVANI DA SILVA ROCHA, qualificados nos autos, nascidos aos 12.09.1981, 21.10.1965 e 15.12.1969, respectivamente, como incursos no artigo 334, caput, do Código Penal. Consta da denúncia:


... Consta dos autos que os denunciados iludiram no todo o pagamento de imposto devido pela entrada de mercadoria no país.
Segundo consta (fls. 06), no dia 03 de fevereiro de 2005, na Rodovia Castelo Branco, km 157, próximo ao Pedágio de Quadra, Policiais Rodoviários receberam uma notícia, via rádio, de que havia ocorrido um acidente envolvendo dois ônibus que traziam mercadorias do Paraguai, sem qualquer documento fiscal.
O denunciado PEDRO era passageiro do ônibus envolvido no acidente, marca SCANIA, modelo K113 CL 4X2 360, ano 1994, de cor branca, placas CYB 6828 e trazia diversas mercadorias de procedência estrangeira, cujo Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal (fls. 11/16), avaliou em R$ 26.720,00 (vinte e seis mil, setecentos e vinte reais).
O denunciado REINALDO (fl. 09) era o motorista do ônibus e tinha conhecimento de que transportava pessoas com mercadoria estrangeira sem documentação fiscal.
O denunciado GIOVANI (fl. 10) era o guia e o responsável pelo fretamento do ônibus.
Conclui-se, pois, que, com vontade livre e consciente, PEDRO importou mercadorias iludindo o pagamento de imposto devido pela entrada em território nacional incorrendo, assim, no artigo 334, caput, do Código Penal.
REINALDO e GIOVANI concorreram para a consumação do delito ao transportar as mercadorias estrangeiras apreendidas com PEDRO, incorrendo, também, no artigo 334, caput, do Código Penal...

A denúncia foi recebida em 02.03.2007 (fls. 41).

O Ministério Público Federal requereu, às fls. 47, o aditamento da denúncia, para constar que GIOVANI, além de ter concorrido para a consumação de descaminho, por ter atuado como guia dos passageiros do ônibus apreendido, ele próprio praticou o delito, ao trazer consigo as mercadorias descritas no termo de guarda dos autos em apenso, no valor de R$ 23.520,00 (vinte e três mil, quinhentos e vinte reais). Requereu, ainda, o apensamento destes autos aos do processo nº 2006.61.10.011787-1.

O aditamento da denúncia foi recebido em 14.06.2007 (fls. 49).

Após instrução, sobreveio sentença da lavra do MM. Juiz Federal Substituto Marcos Alves Tavares (fls. 377/405), publicada em 26.08.2010 (fls. 406), que condenou os réus como incursos no artigo 334, caput, do Código Penal, sendo os réus PEDRO e GIOVANI à pena de 01 (um) ano e 03 (três) meses de reclusão, em regime inicial aberto, substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços a entidade assistencial, a ser escolhida na audiência admonitória e prestação pecuniária em favor de entidade pública com destinação social, a ser designada por ocasião da execução, no valor de dois salários mínimos; e o réu REINALDO à pena de 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial aberto, substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços a entidade assistencial, a ser escolhida na audiência admonitória e prestação pecuniária em favor de entidade pública com destinação social, a ser designada por ocasião da execução, no valor de dois salários mínimos e meio.

Pela decisão de fls. 445/446 foi declarada extinta a punibilidade do acusado Giovani da Silva Rocha, em virtude de seu falecimento.

Apela o réu PEDRO (fls. 450/451) pretendendo édito absolutório, sustentando que não há nos autos provas suficientes que atestem a sua participação na prática delitiva, bem como requer a concessão dos benefícios da justiça gratuita.

Apela também o réu REINALDO insurgindo-se contra o decreto condenatório (fls. 480/484), pugnando pela absolvição diante da insuficiência de provas para fundamentar a condenação. Requer, outrossim, a concessão dos benefícios da justiça gratuita.

Contrarrazões ministeriais pelo desprovimento dos recursos (fls. 453/456 e 486/487).

A Procuradoria Regional da República, em parecer da lavra da Dra. Samantha Chantal Dobrowolski, opinou pelo desprovimento das apelações (fls. 492/495).


É o relatório.

Ao MM. Revisor.



MARCIO MESQUITA
Juiz Federal Convocado


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): MARCIO SATALINO MESQUITA:10125
Nº de Série do Certificado: 24FC7849A9A6D652
Data e Hora: 11/04/2014 09:27:41



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0012387-21.2006.4.03.6110/SP
2006.61.10.012387-1/SP
APELANTE : PEDRO MARQUES DE FREITAS
ADVOGADO : EMANUEL ADILSON GOMES MARQUES (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELANTE : REINALDO VERTINA
ADVOGADO : SP118343 SUELI CUGLER (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
EXTINTA A PUNIBILIDADE : GIOVANI DA SILVA ROCHA falecido
No. ORIG. : 00123872120064036110 1 Vr SOROCABA/SP

VOTO

O Juiz Federal Convocado MÁRCIO MESQUITA (Relator):


DA APELAÇÃO DO RÉU PEDRO


O pedido de justiça gratuita, formulado pelo réu PEDRO, é de ser deferido, considerando que, embora devidamente citado (fl. 150v), não constituiu defensor (fls. 166), tendo o Juízo a quo nomeado defensor dativo (fls. 167).


A materialidade delitiva do delito de descaminho ficou demonstrada pela apreensão das mercadorias, de origem estrangeira e desprovidas de documentação comprobatória de regular internação no país.

O Auto de Exibição e Apreensão de fls. 10 atesta foram apreendidos em poder de Pedro 40 caixas contendo roupas e 10 fardos contendo roupas.

O Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal de fls. 15/20 conclui que as mercadorias (camisas e bermudas) são de procedência estrangeira, tendo como países de origem Itália e China, sem documentação comprobatória de sua importação regular, sendo avaliadas em R$ 26.720,00 (vinte e seis mil, setecentos e vinte reais).

O Laudo de Exame Merceológico que também aponta que as mercadorias são de origem estrangeira e foram avaliadas em R$ 26.720,00 equivalentes a US$ 10.605,00.

O ofício da Delegacia da Receita Federal do Brasil em Sorocaba indica que a mercadoria apreendida está sujeita ao II - Imposto de Importação, IPI - Imposto sobre Produtos Industrializados e PIS/COFINS, concluindo que os valores dos tributos federais não recolhidos foram estimados em R$ 12.882,62 (doze mil, oitocentos e oitenta e dois reais e sessenta e dois centavos).

Logo, provado está que foi transportada mercadoria estrangeira introduzida irregularmente no país.


A autoria delitiva em relação ao réu PEDRO restou comprovada pela prova documental colhida e pelos interrogatórios do apelante e dos demais acusados.

O acusado confirmou em interrogatório judicial que estava na posse das camisas sociais e bermudas apreendidas, alegando, contudo, que as havia adquirido em Cascavel/PR e não no Paraguai. Disse ainda que já fora duas vezes para o Paraguai, tendo perdido tudo, tendo os demais passageiros lhe contado que era procedimento rotineiro a fiscalização na rodovia e a apreensão da mercadoria desprovida de documentação (fl. 247, mídia de fl. 248).

Contudo, depreende-se dos interrogatórios dos demais corréus REINALDO (motorista do ônibus) e GIOVANI (guia da excursão, já falecido) prestados em sede policial, que a excursão que o apelante PEDRO fazia parte saiu do Parque Dom Pedro em São Paulo com destino a Foz do Iguaçu, e não para Cascavel, com saída as 19h do dia 02/02/2005, chegando ao destino as 07h do dia seguinte (02/02/2005) e retorno as 20h do mesmo dia, sendo que as 8h do dia 03/02/2005, o ônibus envolvera-se em acidente rodoviário no Km 158 da Rodovia Castelo Branco (pedágio de Quadra), razão pela qual foi acionada a polícia rodoviária (fls. 13 e 14).

O corréu GIOVANI afirmou em Juízo que na data dos fatos narrados na denúncia era o guia da excursão, tendo a organizado. Narrou que as pessoas que queriam fazer compras no Paraguai reuniram-se na região do Brás, de onde saia o ônibus, sendo que conhecia uma pessoa que tinha um ônibus, o qual pagava o motorista. Contou ainda que os passageiros do ônibus faziam as compras de mercadorias no Paraguai e que não pagavam os impostos correspondentes ao cruzar a fronteira (fl. 324 e mídia de fl. 325).

Como se vê, fantasiosa se mostra a alegação do réu PEDRO de que as mercadorias foram adquiridas em Cascavel, considerada a rota da excursão que o guia GIOVANI havia organizado, bem como o curto espaço de tempo entre a saída de São Paulo, chegada em Foz do Iguaçu e retorno para São Paulo.

De igual forma, não procede a alegação da defesa de ausência de dolo, ao argumento que não sabia que trazia mercadorias de origem estrangeira sem a documentação da regular importação. O Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal de fls. 15/20 conclui que as mercadorias apreendidas com PEDRO são de procedência estrangeira, tendo como países de origem Itália e China. O próprio acusado confirma que as mercadorias estavam desacompanhadas da documentação, razão pela qual foram apreendidas pela polícia (mídia de fl. 248). Ademais, o acusado já havia sido flagrado anteriormente no ano de 2004 por ter praticado o mesmo crime de descaminho, não podendo alegar que não tinha ciência da necessidade de a nota fiscal ter de acompanhar as mercadorias adquiridas no estrangeiro para que possam ser revendidas.

E não há que se falar que a condenação restou baseada exclusivamente em depoimentos de corréus. Depreende-se da sentença, que foram consideradas, além dos depoimentos dos corréus, as alegações do próprio acusado de que as mercadorias que havia adquirido estavam desacompanhadas da respectiva documentação, bem como o auto de infração e termo de guarda fiscal, que aponta pela procedência estrangeira da mercadoria (China e Itália).

Quanto ao princípio da insignificância, com a ressalva do meu ponto de vista pessoal, tenho adotado a orientação desta Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3a Região, e do Superior Tribunal de Justiça, para reconhecer a ausência de lesividade à bem jurídico relevante e aplicar o princípio da insignificância nos casos em que o valor do tributo devido, referente às mercadorias apreendidas, é inferior ao limite de vinte mil reais estipulado pela Lei 10.522/02, na redação dada pela MF 75, de 22/03/2012 (STF, 1a Turma, HC 96309/RS, Rel.Min. Cármen Lúcia, j. 24/03/2009, DJe 24/03/2009; STF, 2a Turma, HC 96374/PR, Rel.Min. Ellen Gracie, j. 31/03/2009, DJe 23.04.2009; STJ, 3ª Seção, REsp 1112748/TO, Rel.Min. Felix Fischer, j. 09/09/2009, DJe 13/10/2009; TRF 3ª Região, 1ª Turma, ACR 0012528-69.2003.4.03.6102, Rel. Des.Fed. José Lunardelli, j. 07/08/2012, DJFe 15/08/2012).

Também com ressalva de meu ponto de vista pessoal, passei a adotar o entendimento jurisprudencial então dominante no sentido da aplicabilidade do princípio da insignificância, independente das circunstâncias de caráter pessoal, como a habitualidade delitiva (STF, 2a Turma, RE 514531/RS, Rel.Min. Joaquim Barbosa, j. 21/10/2008, DJe 05/03/2009; STF, 1a Turma, RE 550761/RS, Rel.Min. Menezes Direito, j. 27/11/2007, DJe 31/01/2008; TRF 3ª Região, 1ª Seção, EIFNU 2002.61.11.002007-6, Rel. Des.Fed. André Nekatschalow, j. 20/05/2010, DJe 12/07/2010).

Contudo, o Supremo Tribunal Federal alterou recentemente o entendimento anterior, para concluir pela inaplicabilidade do princípio da insignificância ao criminoso contumaz, entendimento também adotado pelo STF, STJ e pela Primeira Turma deste Tribunal, razão pela qual retomo meu posicionamento anterior:


EMENTA Habeas corpus. Processual Penal. Descaminho (CP, art. 334, § 1º, d). Trancamento da ação penal. Pretensão à aplicação do princípio da insignificância. Contumácia na conduta. Não cabimento. Ausência de constrangimento ilegal. Ordem denegada. 1. Embora seja reduzida a expressividade financeira do tributo omitido ou sonegado pelo paciente, não é possível acatar a tese de irrelevância material da conduta por ele praticada, tendo em vista ser ela uma prática habitual na sua vida pregressa, o que demonstra ser ele um infrator contumaz e com personalidade voltada à prática delitiva, ainda que, formalmente, não se possa reconhecer, na espécie, a existência da reincidência. 2. Conforme a jurisprudência da Corte, "o reconhecimento da insignificância material da conduta increpada ao paciente serviria muito mais como um deletério incentivo ao cometimento de novos delitos do que propriamente uma injustificada mobilização do Poder Judiciário" (HC nº 96.202/RS, Primeira Turma, Relator o Ministro Ayres Britto, DJe de 28/5/10). 3. Ordem denegada.
(STF, HC 115869, Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 09/04/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-084 DIVULG 06-05-2013 PUBLIC 07-05-2013)
EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. CONSTITUCIONAL. INFRAÇÃO DO ART. 344, § 1º, ALÍNEA D, DO CÓDIGO PENAL. PRETENSÃO DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: INVIABILIDADE. PRÁTICA REITERADA DE DESCAMINHO. PRECEDENTES. 1. A tipicidade penal não pode ser percebida como o exercício de mera adequação do fato concreto à norma abstrata. Além da correspondência formal, a configuração da tipicidade demandaria uma análise materialmente valorativa das circunstâncias do caso concreto, para se verificar a ocorrência de alguma lesão grave, contundente e penalmente relevante do bem jurídico tutelado. 2. O princípio da insignificância reduz o âmbito de proibição aparente da tipicidade legal e, por consequência, torna atípico o fato na seara penal, apesar de haver lesão a bem juridicamente tutelado pela norma penal. 3. Existência de outros processos administrativos fiscais instaurados contra o Paciente em razão de práticas de descaminho. Elevado grau de reprovabilidade da conduta imputada evidenciado pela reiteração delitiva, o que afasta a aplicação do princípio da insignificância no caso. 4. O criminoso contumaz, mesmo que pratique crimes de pequena monta, não pode ser tratado pelo sistema penal como se tivesse praticado condutas irrelevantes, pois crimes considerados ínfimos, quando analisados isoladamente, mas relevantes quando em conjunto, seriam transformados pelo infrator em verdadeiro meio de vida. 5. O princípio da insignificância não pode ser acolhido para resguardar e legitimar constantes condutas desvirtuadas, mas para impedir que desvios de conduta ínfimos, isolados, sejam sancionados pelo direito penal, fazendo-se justiça no caso concreto. Comportamentos contrários à lei penal, mesmo que insignificantes, quando constantes, devido à sua reprovabilidade, perdem a característica da bagatela e devem se submeter ao direito penal. 6. Ordem denegada.
(STF, HC 112597, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 18/09/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-241 DIVULG 07-12-2012 PUBLIC 10-12-2012)
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIME DE DESCAMINHO. DÉBITO TRIBUTÁRIO INFERIOR A R$ 10.000,00. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INVIABILIDADE. HABITUALIDADE NA PRÁTICA DA CONDUTA CRIMINOSA. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AGRAVO DESPROVIDO.
1. A despeito do débito tributário referente às mercadorias estrangeiras sem documentação fiscal ser inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais), subsiste o interesse estatal à repressão do delito de descaminho praticado habitualmente pelo Acusado 2. A Suprema Corte firmou sua orientação no sentido de que "[o] princípio da insignificância não foi estruturado para resguardar e legitimar constantes condutas desvirtuadas, mas para impedir que desvios de condutas ínfimas, isoladas, sejam sancionados pelo direito penal, fazendo-se justiça no caso concreto. Comportamentos contrários à lei penal, mesmo que insignificantes, quando constantes, devido a sua reprovabilidade, perdem a característica de bagatela e devem se submeter ao direito penal" (STF, HC 102.088/RS, 1.ª Turma, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, DJe de 21/05/2010).
3. De fato, constatada a conduta habitual do Agente, a lei seria inócua se fosse tolerada a prática criminosa ou, até mesmo, o cometimento do mesmo delito, seguidas vezes, em frações que, isoladamente, não superassem certo valor tido por insignificante, mas o excedesse na soma. A desconsideração dessas circunstâncias implicaria verdadeiro incentivo ao descumprimento da norma legal, mormente para aqueles que fazem da criminalidade um meio de vida. Precedentes da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal e desta Turma.
4. A despeito de não configurar reincidência, a existência de outras ações penais em curso é suficiente para caracterizar a habitualidade delitiva e, consequentemente, afastar a incidência do princípio da insignificância. No caso, há comprovação da existência de outras ações penais em seu desfavor, inclusive da mesma atividade criminosa.
5. Agravo regimental desprovido.
(STJ, AgRg no REsp 1241920/PR, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 18/06/2013, DJe 01/07/2013)
PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ARTIGO 334, "CAPUT" DO CÓDIGO PENAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. HABITUALIDADE. APLICABILIDADE. NOVO ENTENDIMENTO CONSOLIDADO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE. JUSTIÇA. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. Apelante condenado pelo cometimento do crime descrito no artigo 334, "caput", do Código Penal.
2. Os elementos de cognição demonstram que as mercadorias apreendidas são cigarros produzidos no estrangeiro. A conduta de importar fraudulentamente cigarros produzidos no exterior subsume-se ao tipo penal de descaminho (artigo 334, "caput", segunda parte, do Código Penal).
3. Configuraria o crime de contrabando (artigo 334, "caput", primeira parte), fosse importação de cigarro produzido no Brasil e destinado exclusivamente à exportação e, portanto, de internação proibida.
4. Para fins de aplicação do princípio da insignificância, deve ser considerado o limite de R$ 10.000,00 (dez mil reais), instituído pela Lei 11.033/2004, que alterou o artigo 20, da Lei 10.522/2002 (STF, HC nº 92.438-7/PR e STJ, Resp 112.478-TO).
5. A Portaria MF nº 75, de 22 de março de 2012, publicada em 26 de março de 2012, em seu artigo 1º, determina o não ajuizamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais).
6. Valor inferior ao patamar normativo.
7. A aplicação do princípio da insignificância tem tornado inócua a reprimenda penal, contribuindo sobremodo para a sensação de impunidade e ineficácia do sistema jurídico vigente, já que o réu reiteradamente volta a delinqüir, cônscio da impunidade de seus atos.
8. A existência de registros criminais contra o réu, havendo indícios de habitualidade delitiva, obsta o reconhecimento do princípio da insignificância, consoante jurisprudência colacionada do STF e STJ, ante a reprovabilidade da conduta...
(TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, ACR 0000646-26.2007.4.03.6117, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI, julgado em 05/03/2013, e-DJF3 Judicial 1 DATA:18/03/2013)

Assim, no caso dos autos, o referido entendimento não comporta aplicação, dado que o acusado tem reiterado na prática criminosa, consoante demonstrado nos autos. Com efeito, o réu em seu interrogatório policial afirmou que "foram duas vezes para lá... que aconteceu isso.. e acabou perdendo tudo que tinha" (mídia de fl. 248).

Acresce-se que, conforme consta da certidão de fls. 36, o réu já foi indiciado em inquérito policial instaurado em 06.02.2004, também pelo crime do artigo 334 do Código Penal, denunciado pelo referido crime nos autos da ação penal nº 2004.70.03.001456-2, da Vara da Justiça Federal de Maringá/PR; e indiciado em inquérito policial também pelo artigo 334 do CP, distribuído à 2ª Vara de Foz do Iguaçu em 30.06.2006.

Em outras palavras, os elementos de provas constantes dos autos demonstram que o réu fazia do comércio de mercadorias internadas irregularmente o seu "ganha-pão" e não se importava com a ação da Justiça.

Portanto, no caso dos autos, sendo inaplicável a tese da insignificância, e comprovadas a materialidade e a autoria imputadas ao réu, é de rigor a manutenção do decreto condenatório.


Passo à análise da dosimetria da pena.


Quanto à pena-base, foi fixada na sentença pelos seguintes fundamentos:


Em relação a PEDRO MARQUES DE FREITAS, tomando-se em conta o artigo 59 do Código Penal, observa-se que existe nos autos, como prova de sua personalidade relacionada ao cometimento habitual de delitos de contrabando/descaminho, comprovação da existência de um procedimento criminal relacionado ao delito de contrabando/descaminho, praticado no ano de 2004, isto é, no ano anterior ao cometimento deste delito. Nesse sentido, cite-se o procedimento criminal constante em fls. 56 dos autos em apenso, isto é, nº 2004.70.03.001456-2 em curso perante a Vara Federal Criminal de Maringá.
Ou seja, o fato típico descrito nestes autos não foi um episódio único e isolado na vida do réu, sendo certo que ele, na época da prática do delito objeto desta ação penal, se dedicava à prática habitual de cometimento de crimes de descaminho, revelando um aspecto negativo de sua personalidade evidenciado pela reiteração da mesma conduta criminosa em curto espaço de tempo.
Em relação às demais circunstâncias judiciais, observa-se que o delito não resultou em maiores consequências (os valores das mercadorias não são muito elevados); os motivos para a prática do delito são inerentes ao tipo penal e as circunstâncias não revelam algo que possa ser destacado de forma negativa em relação à fixação da pena. Outrossim, não existem ações penais transitadas em julgado em seu desfavor que possam ser consideradas como maus antecedentes.
Dessa forma, tendo em vista a circunstância judicial desfavorável relativa à personalidade do réu em termos de habitualidade da prática de delito similar, fixo a pena-base em 1 (um) ano e 3 (três) meses de reclusão.

A fundamentação apresentada na sentença revela-se imprópria para a estipulação da sanção acima do mínimo legal.

A certidão de antecedentes não pode ser considerada desfavoravelmente na dosimetria da pena, dada a ausência de certidão condenatória transitada em julgada, consoante Súmula 444 do Superior Tribunal de Justiça

Destarte, não se entrevê desfavorabilidade das circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, pelo que fixo a pena-base do acusado no mínimo legal, em 01 (um) ano de reclusão.

Na segunda fase da dosimetria da pena, estão ausentes agravantes e atenuantes a serem consideradas.

Na terceira fase, de igual forma, estão ausentes causas de aumento e de diminuição da pena a serem consideradas.

Dessa forma, a pena resulta definitiva em 01 (um) ano de reclusão.

E, reduzida a pena reclusiva, deve esta ser substituída por apenas uma restritiva de direitos, nos termos do artigo 44, §2º do Código Penal, consistente na prestação de serviços à comunidade, na forma a ser determinada pelo Juízo da Execução, tal como consta da sentença apelada.

Mantenho o regime aberto para o início do cumprimento da pena, a teor do artigo 33, §2º, "c", do Código Penal.


DA APELAÇÃO DO RÉU REINALDO


Extrai-se da denúncia que ao apelante REINALDO foi imputada a prática do crime de descaminho, porque, na qualidade de motorista de ônibus de excursão com destino a Foz do Iguaçu, concorreu para a prática do delito na medida em que tinha conhecimento de que transportava pessoas com mercadoria estrangeira sem documentação fiscal, tendo transportado as mercadorias estrangeiras apreendidas com PEDRO, as quais foram avaliadas em R$ 26.720,00 (vinte e seis mil, setecentos e vinte reais).

Resta perquirir a responsabilidade do apelante na qualidade de motorista do ônibus que transportava passageiros que praticaram o crime do artigo 334 do Código Penal.

Restou consignando na sentença que a autoria do delito foi demonstrada nos autos, uma vez que o apelante REINALDO tinha conhecimento de que a viagem se prestava ao transporte de mercadorias pelos sacoleiros. Confira-se:


Por outro lado, em relação ao réu REINALDO VERTINA entendo que restou comprovada a sua participação na empreitada criminosa. Com efeito, a prova dos autos demonstra que ele era motorista do ônibus, sendo que ele não nega tal fato. Em sede policial (fls. 13) afirmou que trabalhava como motorista para Geraldo José da Silva há três anos, recebendo uma quantia de R$ 200,00 por viagem. Afirmou que o proprietário alugava o ônibus somente para excursões com destino à Foz do Iguaçu. Portanto, evidentemente tinha bastante experiência e vivência para saber que tais viagens se destinavam ao descaminho de produtos oriundos do Paraguai.
Em sede judicial (fls. 281/283) confirmou que era motorista do ônibus, mas pretendeu negar que sabia que havia mercadorias descaminhadas dentro do ônibus. Evidentemente, REINALDO VERTINA tinha plena ciência da sua conduta delitiva, já que GIOVANI DA SILVA ROCHA confirmou que eram realizadas viagens com frequência e que REINALDO VERTINA era contratado como motorista para referidas viagens destinadas à aquisição de produtos descaminhados.
Note-se, inclusive, que REINALDO VERTINA já havia sido flagrado cometendo o delito de descaminho por duas vezes no ano de 2004 (processos nºs 2004.70.03.003968-6 e 2004.61.81.001679-0), conforme se infere das certidões de objeto e pé de fls. 58 e 64 dos autos em apenso (verde). Portanto, evidentemente sabia da ilicitude de sua conduta.
Considere-se que o fato de o acusado ser o motorista e não o proprietário das mercadorias, não tem qualquer relevância para fins de tipificação penal, uma vez que para a configuração do tipo penal não existe a necessidade de ser proprietário da carga, mas sim ser comprovada sua participação no crime.
A propriedade das mercadorias não interessa para a configuração do delito de descaminho, uma vez que a conduta tipificada pelo Ministério Público Federal em sua denúncia diz respeito ao ato de iludir o pagamento de impostos em sede de concurso de pessoas. Ou seja, nos dizeres do artigo 29 do Código Penal, "quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade".
Iludir tem o sentido de burlar, enganar, fraudar. Para sua a configuração do ato típico não é necessário que o agente esconda ou oculte de maneira dificultosa as mercadorias. O sentido do verbo típico é abarcar a conduta daqueles que não tomam as providências jurídicas necessárias para a regular internação em território brasileiro de mercadorias estrangeiras. O pagamento dos tributos incidentes sobre as mercadorias exige um ato positivo do contribuinte de calcular o tributo e recolhê-lo, sendo que a sua omissão caracteriza o verbo típico iludir, desde que haja dolo. Portanto, o verbo iludir não traduz somente a idéia de mascarar a realidade através de uma ação, abarcando, da mesma forma, a pura omissão e a dissimulação.
Até porque, neste caso, a conduta do acusado se enquadra especificamente no ato de receber a mercadoria objeto de descaminho no ônibus que dirigia, sendo forma de participação material (cumplicidade) através de um comportamento positivo que contribui no ato típico de descaminho. (fls.. 386/388)

Não desconheço entendimento jurisprudencial de que pode o motorista de ônibus responder como partícipe ou ainda co-autor do crime do artigo 334 do Código Penal, quando seus passageiros levam mercadorias descaminhadas ou contrabandeadas. Nesse sentido: TRF da 1ª Região, 4ª Turma, RcCr n. 2004.37.01.000856-6-MA, Rel Juiz Fed. Conv. Alexandre Vidigal de Oliveira, DJ 25.08.05, p. 63; TRF da 3ª Região, 5ª Turma, RSE 200461810039716, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, DJ 19.06.2007 p.325; TRF da 4ª Região, 8ª Turma, ACR 200370020064357, Rel. Des. Fed. Luiz Fernando Wowk Penteado, DJe 23.01.2008; TRF da 4ª Região, 8ª Turma, ACr 200170020004224, Rel. Des. Fed. Salise Monteiro Sanchotene, DJe 10.01.2007; TRF da 4ª Região, 8ª Turma, ACr 200372060010376, Rel. Des. Fed. Marcelo Malucelli, DJ 16.08.2006 p.680; TRF da 4ª Região, 7ª Turma, ACr n. 1999.71.04.005874-8-RS, Rel. Des. Fed. José Luiz B. Germano da Silva, unânime, j. 14.10.03, DJ 29.10.03, p. 400.

Contudo, a questão é controvertida na jurisprudência, e com a devida vênia às doutas opiniões em contrário, filio-me à corrente de que a conduta descrita na denúncia, em relação ao ora apelante, é atípica.

Com efeito, dispõe o artigo 13, §2º, alínea "a", do Código Penal que "o dever de agir incumbe a quem tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância". Dessa forma, cabe à autoridade policial e alfandegária a fiscalização das mercadorias estrangeiras internadas no território nacional, e não ao motorista da excursão.

O simples fato de ser guia da excursão, organizador da viagem ou motorista do ônibus não o torna co-autor ou partícipe do crime de descaminho. Isso porque o sistema jurídico penal brasileiro não admite imputação por responsabilidade penal objetiva. Nesse sentido, registro os precedentes dos Tribunais Regionais Federais das 1ª, 3ª e 4ª Regiões:


PENAL. PROCESSUAL PENAL. ART. 334, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. INOCORRÊNCIA. PRESENÇA DE INDÍCIOS DE MATERIALIDADE E AUTORIA QUANTO A UM DOS ACUSADOS. DENÚNCIA QUE CONTÉM OS REQUISITOS DOS ARTS. 41 E 43, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. PROPRIETÁRIO E MOTORISTA DE ÔNIBUS. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE. RECURSO CRIMINAL PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Presentes indícios da materialidade e da autoria do delito previsto no art. 334, caput, do Código Penal, bem assim atendendo a denúncia aos requisitos previstos no art. 41, do Código de Processo Penal e não estando presentes nenhuma das circunstâncias previstas no art. 43 do mesmo diploma legal, não se vislumbra fundamento jurídico a ensejar a rejeição daquela peça inaugural por ausência de justa causa, devendo a mesma ser recebida quanto ao acusado que supostamente trazia consigo mercadoria descaminhada em interior de ônibus. (...) 3. O conjunto probatório inicial mostra-se idôneo para embasar o recebimento da denúncia somente quanto ao acusado de ser o suposto proprietário das mercadorias, não se podendo dizer o mesmo em relação ao proprietário e condutor do ônibus, tendo em vista que sua conduta apresenta-se manifestamente atípica, uma vez que ele não realizou a conduta descrita no núcleo do tipo de descaminho, tampouco há indícios de que o mesmo prestou adesão à conduta do co-réu. 4. Não obstante a atividade dos "sacoleiros" seja bastante conhecida na tríplice fronteira, região que configura verdadeiro pólo turístico, deve-se ressaltar que o dever de fiscalizar e calcular o valor das mercadorias e dos impostos devidos, bem como de distinguir quem seja e quem não seja mero turista, com certeza, não é do motorista ou do guia turístico, uma vez que a alínea "a" do § 2o do art. 13 do Código Penal, dispõe que "o dever de agir incumbe a quem tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância.", sendo certo, portanto, que, no caso em questão, o dever de agir incumbe às autoridades alfandegárias, não ao particular. 5. A atribuição de responsabilidade penal a pessoa que não tenha praticado a ação típica ou concorrido, de qualquer modo, objetiva ou subjetivamente, para a sua prática, pelo só fato de ser proprietário e motorista do veículo que transportava as mercadorias descaminhadas, afigura-se verdadeira responsabilidade penal objetiva, o que é inadmissível em nosso ordenamento jurídico. 6. Recurso criminal parcialmente provido, devendo o MM. Juízo Federal a quo analisar a proposta da acusação de suspensão do processo.
TRF da 1ª Região - 4ª Turma - RCCR 200635000060607 - Rel. Juiz. Fed. Rosimayre Gonçalves de Carvalho - DJU 10.07.2008 p.174
PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. ARTIGO 334 DO CÓDIGO PENAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (...). 2. Não há nos autos indícios de que motoristas Roberval Ribeiro dos Santos e Fábio Rogério da Silva concorreram para ação delitiva, na medida que foram contratados pela empresa Onçatur Viagens e Turismo Ltda, proprietária do ônibus fretado pela passageira Cleide, para conduzirem o veículo na viagem à Foz do Iguaçu, PR. 3. Recurso a que se dá parcial provimento, para receber a denúncia ofertada apenas em face de Cleide Gonçalves Otarola, Ramiro Teles dos Santos, Sérgio dos Santos Costa e Fabrício Santos Souza.
TRF da 3ª Região - 1ª Turma - RSE 200261810048812 - Rel. Des. Fed. Vesna Kolmar - DJU 29.05.2007 p.543
PENAL E PROCESSO PENAL. DESCAMINHO. REJEIÇÃO DE DENÚNCIA POR FALTA DE JUSTA CAUSA. PARTICIPAÇÃO EFETIVA NO CRIME. INDÍCIOS E SUPORTE PROBATÓRIO INSUFICIENTES. 1. A responsabilidade criminal exige prova de efetiva participação ou consciente colaboração para a prática delitiva, ou mesmo tentativa em acobertar a conduta, em tese, criminosa, não servindo, como único fundamento, eventual desrespeito a norma administrativa de transporte para demonstrar a conduta objetiva e o dolo de descaminho. 2. Também não é cabível o dolo eventual, de quem assume a produção do resultado ilícito, porque não se trata de descaminho realizado pelo motorista ou dono do ônibus, mas de conduta de terceiros, não tendo aqueles o dever de delatar ou impedir a efetivação do crime, para o qual não há prova de terem concorrido, mas de tão somente terem realizados atos dentro da estrita relação contratada de transporte. 3. A responsabilização dos transportadores deve se dar pela demonstração de que aderiram à conduta típica de contrabando ou descaminho, sob pena de restar configurada indevida responsabilização penal objetiva. 4. Inexistência na denúncia de indícios suficientes ou suporte probatório mínimo que viabilizem a apuração de eventual responsabilidade subjetiva do denunciado e justifiquem o trânsito da ação penal.
TRF da 4ª Região - 7ª Turma - RSE 200770020073418 - Rel. Des. Fed. Néfi Cordeiro - DJe 26.08.2009
PENAL E PROCESSO PENAL. DESCAMINHO. PARTICIPAÇÃO EFETIVA NO CRIME. NÃO-COMPROVAÇÃO. MOTORISTA E DONO DA EMPRESA DE ÔNIBUS. NEGATIVA DE AUTORIA ACOLHIDA. ABSOLVIÇÃO. 1. Tem esta Turma buscado identificar nas situações de dono da empresa transportada, motorista e guia de viagens ao Paraguai a consciente adesão ao descaminho praticado por terceiros, pela contratação específica para o transporte de mercadorias burlando a fiscalização, pelo escondimento das mercadorias, pelos indícios (antecedentes no crime, proximidade e constância dos passageiros...) de que extrapolava-se a mera condução de pessoas e passava-se a um auxílio ao crime. 2. Na espécie, não havendo prova de efetiva e consciente participação ou colaboração do motorista do ônibus e do proprietário da empresa que realizou a viagem turística, resta como não configurada suas adesões ao crime de descaminho de terceiros. 3. Também não é cabível o dolo eventual, de quem assume a produção do resultado ilícito, porque não se trata de descaminho realizado pelo motorista ou dono do ônibus, mas de conduta de terceiros, não tendo aqueles o dever de delatar ou impedir a efetivação do crime, para o qual não há prova de terem concorrido, mas de tão-somente terem realizados atos dentro da estrita relação contratada de transporte. 4. Absolvições decretadas.
TRF da 4ª Região - 7ª Turma - ACR 200372000129624 - Rel. Des. Fed. Tadaaqui Hirose - DJe 09.04.2008
PENAL. DESCAMINHO. MOTORISTA DO ÔNIBUS. PARTICIPAÇÃO NO CRIME. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. ABSOLVIÇÃO. 1. Para a responsabilização criminal, impõe-se prova de efetiva participação ou colaboração na prática no delito, sob pena de configuração indevida de responsabilização penal objetiva. 2. O fato de tratar-se de empregado contratado na condição de simples motorista da empresa não implica de per si a concorrência dolosa para o evento, máxime se em confronto com os demais elementos dos autos. 3. Incidência do princípio constitucional da presunção de inocência.
TRF da 4ª Região - 7ª Turma - ACR 200370020049459 - Rel. Des. Fed. Amaury Chaves de Athayde - DJe 09.01.2008
PENAL E PROCESSUAL. ART. 334 DO CP. MOTORISTA DE ÔNIBUS DE TURISMO. REJEIÇÃO DA PEÇA ACUSATÓRIA. AUTORIA. INDÍCIOS INSUFICIENTES. INEXISTÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL. ART 43, INCISO III, DO CPP. DECISÃO MANTIDA. 1. Para que o resultado da ação humana possa ser objetivamente imputado a seu autor, deve ter criado, em relação ao bem jurídico protegido, risco (ou perigo) juridicamente proibido. 2. In casu, a partir de um juízo de cognição sumária e valorativa, verifica-se a ausência de embasamento mínimo a ensejar imputação para recebimento da peça acusatória, porquanto o agente apenas agiu na condição de motorista do ônibus, inexistindo qualquer elemento indicando sua participação consciente na conduta ilícita de terceiros. 3. Para a instauração da ação penal é necessário que a denúncia, além de formalmente correta, esteja lastreada em prova mínima e existam indícios de autoria. 4. Mantida a rejeição da denúncia.
TRF da 4ª Região - 8ª Turma - RSE 200570020001344 - Rel. Des. Fed. Élcio Pinheiro de Castro - DJe 05.09.2007

Para se reconheça a condição de partícipe do motorista do ônibus, deve ser comprovado que ele, de forma livre e consciente, concorreu para a realização do crime, ou seja, que de alguma forma ele tenha aderido à conduta dos passageiros que trazem mercadorias descaminhadas, quer seja colaborado na compra das mercadorias ou na sua passagem pela fiscalização, o que não restou demonstrado no presente feito. A simples ciência do motorista de que os passageiros internaram mercadorias sem pagamento dos tributos não o torna partícipe do crime de descaminho.

Acrescente-se que sequer consta informação de que o ônibus conduzido pelo apelante tivesse algum compartimento adrendemente preparado para o transporte oculto de mercadorias ou alterações nas características originais de fábrica, que pudesse demonstrar que o veículo tivesse sido preparado para tal finalidade, tendo o guia da excursão afirmado em juízo que as mercadorias eram acondicionadas no próprio bagageiro do ônibus (mídia de fl. 325).

Ademais, conforme mencionado no depoimento do corréu GIOVANI parte da mercadoria pertencia a ele e o restante aos outros passageiros (fl. 17 dos autos 0011787-97.2006.403.6110, em apenso), não constando informação de que o motorista REINALDO, ora apelante, tivesse qualquer mercadoria em seu poder.

Destarte, não restou comprovado que o motorista do ônibus de excursão agiu em unidade de desígnios com os passageiros que traziam as mercadorias descaminhadas, aderindo às suas condutas delituosas.

Assim, entendo não estar satisfatoriamente comprovada a autoria do crime do artigo 334, caput, do Código Penal em relação ao apelante Reinaldo.


Pelo exposto, dou parcial provimento à apelação do réu PEDRO para reduzir a pena-base, fixando a pena definitiva de 01 (um) ano de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por uma pena restritiva de direitos, na forma especificada, e dou provimento à apelação do réu REINALDO para absolvê-lo da imputação contante da denúncia, com fundamento no artigo 386, inciso V, do Código de Processo Penal.

É o voto.



MARCIO MESQUITA
Juiz Federal Convocado


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): MARCIO SATALINO MESQUITA:10125
Nº de Série do Certificado: 24FC7849A9A6D652
Data e Hora: 06/06/2014 20:18:37