Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 14/08/2014
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0006896-59.2013.4.03.6119/SP
2013.61.19.006896-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : HENRIQUE TIAGO DOS SANTOS reu preso
ADVOGADO : CAIO FOLLY CRUZ (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : OS MESMOS
No. ORIG. : 00068965920134036119 4 Vr GUARULHOS/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE DROGA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. ERRO DE TIPO. DOSIMETRIA. PENA-BASE. CONFISSÃO. NÃO APLICAÇÃO DO § 4º DO ART. 33 DA LEI DE DROGA. TRANSNACIONALIDADE. REGIME. SUBSTITUIÇÃO DA PENA. PENA DE MULTA. INCONSTITUCIONALIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. DIREITO DE APELAR EM LIBERDADE.
1. Materialidade e autoria do delito de tráfico transnacional de drogas comprovadas.
2. Para configurar o erro de tipo é necessário que o agente suponha, por erro, situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima.
3. A natureza e a quantidade da droga são elementos importantes para aferir a quantidade da pena inicial a ser aplicada ao crime de tráfico, conforme expressa previsão legal no art. 42 da Lei n. 11.343/06.
4. São irrelevantes os motivos pelos quais o agente teria sido levado a confessar o delito perante a autoridade para fazer jus à incidência da atenuante genérica (STJ, HC n. 159.854, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 15.06.10; HC n. 117.764, Rel. Min. Og Fernandes, j. 11.05.10; HC n. 46.858, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 13.11.07; HC n. 79.381, Rel. Min. Nilson Naves, j. 23.10.07). Assim, pouco importa que o réu tenha sido preso em flagrante, bastando o reconhecimento da prática do delito (STF, HC n. 69.479-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, unânime, DJ 18.12.02, p. 384).
6. Alguns precedentes do Supremo Tribunal Federal admitem que a natureza e a quantidade de entorpecente sirvam para graduar a causa de diminuição do § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/06 (STF, HC n. 106.762, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 21.06.11; HC n. 104.195, Rel. Min. Luiz Fux, j. 26.04.11), reconhecendo ademais plena liberdade ou discricionariedade judicial (STF, HC n. 94.440, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 03.05.11; RHC n. 106.719, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 01.03.11). Não obstante, há precedentes também no sentido de que considerar essas circunstâncias do delito seria proibido bis in idem (STF, HC n. 108.264, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 21.06.11; HC n. 106.313, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 15.03.11). Assim, embora repute admissível apreciar tais circunstâncias com certa dose de discricionariedade (trata-se de disposição específica), convém que além delas sejam consideradas outras peculiaridades do caso concreto, à vista das provas dos autos, para resolver sobre a aplicabilidade e a gradação dessa causa de diminuição.
7. A elevação da pena pela transnacionalidade do crime não deve ultrapassar o mínimo legal, pois restou configurada de forma ordinária, não se evidenciando no caso dos autos circunstâncias do delito que reclamassem o agravamento da causa de aumento de pena em questão.
8. O Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90, com a redação dada pela Lei n. 11.464/07, segundo a qual seria obrigatório o regime inicial fechado (STF, HC n. 113.988, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 04.12.12; EmbDeclAgRgAI n. 779.444, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 30.10.12; HC n. 107.407, Rel. Min. Rosa Weber, j. 25.09.12). No caso de tráfico ilícito de entorpecentes, as circunstâncias, as consequências e a sua gravidade aconselham o início do cumprimento da pena em regime fechado, nos termos do art. 33, § 2º, c. c. o art. 59, caput, III, ambos do Código Penal, cabendo ao Juízo das Execuções Penais apreciar a progressão do regime de pena.
9. O Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade da vedação à conversão das penas privativas de liberdade em restritivas de direitos contida no § 4º do art. 33 e no art. 44 da Lei n. 11.343/06 (STF, Pleno, HC n. 97256, Rel. Min. Ayres Britto, j. 01.09.10), de modo que, nos delitos de tráfico transnacional de entorpecentes cumpre resolver sobre a substituição à luz do disposto no art. 44 do Código Penal.
10. A aplicação da pena de multa decorre do preceito secundário expresso no art. 33 da Lei n. 11.343/06 e incide obrigatoriamente em cumulação com a pena privativa de liberdade, independentemente da situação econômica do agente. Destarte, a pena pecuniária deve seguir o critério do art. 43 da Lei n. 11.343/06, levando-se em conta, na primeira fase, as circunstâncias do art. 42 da mesma Lei, conforme apreciado na determinação da pena privativa de liberdade e, na segunda etapa, o critério econômico. Descabe afastar a pena de multa, ressalvada a competência do Juízo das Execuções Penais para analisar a condição econômica do acusado por ocasião da execução da sentença penal condenatória (TRF da 3ª Região, ACr n. 2008.61.19.000026-0, Rel. Des. Federal Henrique Herkenhoff, j. 13.10.09).
11. O direito de apelar em liberdade para os delitos da Lei n. 11.343/06 é excepcional, desafiando fundamentação própria, não havendo ilegalidade em manter a prisão do réu que nessa condição respondeu a ação penal (STF, HC n. 92612, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 11.03.08; HC n. 101817, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 24.08.10; HC n. 98428, Rel. Min. Eros Grau, j. 18.08.09).
12. Apelação da acusação não provida e apelação da defesa parcialmente provida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso do Ministério Público Federal e dar parcial provimento à apelação da defesa e, de ofício, retificar erro material no tocante ao cálculo da pena de multa para constar 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 04 de agosto de 2014.
Andre Nekatschalow
Desembargador Federal Relator


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Data e Hora: 05/08/2014 16:42:26



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0006896-59.2013.4.03.6119/SP
2013.61.19.006896-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : HENRIQUE TIAGO DOS SANTOS reu preso
ADVOGADO : CAIO FOLLY CRUZ (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : OS MESMOS
No. ORIG. : 00068965920134036119 4 Vr GUARULHOS/SP

RELATÓRIO

Trata-se de apelações criminais interpostas pelo Ministério Público Federal e por Henrique Tiago dos Santos contra a sentença que o condenou à pena privativa de liberdade de 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão, regime inicial fechado, e 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, pela prática do crime previsto no art. 33, caput, c. c. o art. 40, I, ambos da Lei n. 11.343/06 (fls. 154/158v.).

Apela a acusação da alegando o quanto segue:

a) deve ser aumentada a pena-base, considerando a natureza da droga e as circunstâncias desfavoráveis ao acusado, quais sejam, má conduta social e personalidade voltada para o crime;
b) a causa de aumento de pena relativa à transnacionalidade do delito deve ser aplicada em fração superior a 1/6 (um sexto), tendo em vista que se trata de tráfico intercontinental (fls. 166/171).

A defesa apela com os seguintes argumentos:

a) o acusado desconhecia que havia droga no pacote que transportava, fato que configura erro de tipo, devendo ser absolvido;
b) não restou comprovada a consciência e a vontade do acusado de trazer consigo droga, devendo ser aplicado o princípio do in dubio pro reo;
c) alternativamente, deve incidir a atenuante da confissão espontânea, ainda que resulte pena abaixo do mínimo legal;
d) deve ser aplicada a causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, reduzindo-se a pena em 2/3 (dois terços), tendo em vista o preenchimento dos requisitos legais;
e) deve ser estabelecido regime prisional conforme a pena aplicada, nos termos do art. 33, § 2º, do Código Penal, reconhecendo-se a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei n. 8.078/90;
f) a pena privativa de liberdade deve ser substituída por restritiva de direitos;
g) a pena de multa não deve ser aplicada, considerando a hipossuficiência financeira do apelante;
h) deve ser concedido o direito de o acusado recorrer em liberdade (fls. 173/193).

A defesa e a acusação apresentaram contrarrazões (fls. 194/197v. e 199/211v.).

O Ilustre Procurador Regional da República, Dr. João Francisco Bezerra de Carvalho, manifestou-se pelo desprovimento da apelação da defesa e pelo parcial provimento do recurso do Ministério Público Federal para que seja aumentada a pena-base (fls. 231/238).

Os autos foram encaminhados à revisão, nos termos regimentais.

É o relatório.



Andre Nekatschalow
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0006896-59.2013.4.03.6119/SP
2013.61.19.006896-2/SP
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : HENRIQUE TIAGO DOS SANTOS reu preso
ADVOGADO : CAIO FOLLY CRUZ (Int.Pessoal)
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APELADO(A) : OS MESMOS
No. ORIG. : 00068965920134036119 4 Vr GUARULHOS/SP

VOTO

Imputação. Henrique Tiago dos Santos, de nacionalidade angolana, foi denunciado pela prática do delito do art. 33, caput, c. c. art. 40, I, ambos da Lei n. 11.343/06 porque, em 18.08.13, foi surpreendido em flagrante delito no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos (SP), ao tentar embarcar em voo da companhia aérea "South African Airways", com destino a Johanesburgo (África do Sul), trazendo consigo 496g (quatrocentos e noventa e seis) gramas de massa líquida de cocaína (fls. 44/46).

Materialidade. A materialidade do delito está demonstrada pelos seguintes elementos de convicção:
a) Auto de Prisão em Flagrante (fls. 2/5);
b) Laudo de Perícia Criminal Federal (preliminar de constatação) n. 3.047/2013-NUCRIM/SETEC/SR/DPF/SP (fls. 7/9);
c) Auto de Apresentação e Apreensão n. 187/2013-4-DPF/AIN/SP, constatando a apreensão da cocaína; de 2 (dois) passaportes em nome Henrique Tiago dos Santos; de extrato de reserva de passagem aérea e cartão de entrada/saída do Departamento de Polícia Federal (fls. 10/11);
d) Laudo de Perícia Criminal Federal (química forense) n. 2372/2013-NUCRIM/SETEC/SR/DPF/SP, o qual concluiu tratar-se de cocaína, totalizando 496g (quatrocentos e noventa e seis) gramas de massa líquida de cocaína (fls. 61/64).

Autoria. Está comprovada a autoria do delito do art. 33, caput, c. c. o art. 40, I, ambos da Lei n. 11.343/06.

Em sede policial, o acusado utilizou-se de seu direito constitucional de permanecer em silêncio (fl. 5).

Perante o Juiz, o réu declarou que são verdadeiros os fatos descritos na denúncia; contudo, não tinha conhecimento de que estava transportando droga. Relatou que se encontrou com um conhecido chamado Gilbert Silva, angolano residente no Brasil, no bairro do Brás, em São Paulo (SP), sendo que esse indivíduo solicitou-lhe que levasse para sua esposa, que residia em Luanda (Angola), um pacote contendo medicamentos para o estômago. Disse que não desconfiou que pudesse ser droga, não abriu o pacote, não iria receber dinheiro pelo transporte e não sabe o que é corante. Perguntado sobre os inúmeros registros de viagens constantes em seu passaporte, relatou que veio ao Brasil, pela primeira vez, no ano de 2009, a turismo. Nessa ocasião, aduziu que permaneceu em território brasileiro por aproximadamente 2 (dois) ou 3 (três) meses, que ficava a maior parte do tempo em um quarto de um hotel e que às vezes visitava o bairro do Brás ou a Avenida Paulista. Referiu que conheceu uma mulher chamada Adriana Pereira, com quem teve uma filha, hoje com 4 (quatro) anos, sendo que viaja com frequência ao Brasil para visitar sua filha. Não se recorda do dia em que sua filha nasceu, só sabendo que foi no ano de 2009. Disse que as viagens são custeadas com seu próprio dinheiro. Afirmou, em um primeiro momento, que adquiriu os bilhetes aéreos pela internet, diretamente da companhia aérea "South African Airways"; posteriormente, informou que foi sua irmã, que reside no Congo, quem adquiriu as passagens. Não soube explicar a informação contida no ofício emitido pela empresa "South African Airways" dando conta de que os bilhetes foram adquiridos de uma empresa de turismo chamada "Esferatur", localizada em Curitiba (PR). Relatou que trabalhava como mecânico em Luanda (Angola), sendo o seu genitor o seu empregador, e que auferia aproximadamente U$1.800 (um mil e oitocentos) dólares por mês. Mencionou que, além da filha brasileira, tem mais 3 (três) filhos e esposa na Angola, sendo que todos dependem financeiramente do réu. Disse que sua esposa é proprietária de um estabelecimento que comercializa vestimentas e que reside em um imóvel alugado. A respeito dos carimbos de viagens que constam em seu passaporte, o acusado esclareceu que viajou algumas vezes para a Zâmbia para adquirir peças de automóveis, que viajou ao Congo para visitar sua irmã que lá reside e que esteve na África do Sul tão somente de passagem (mídia, fl. 126).

As declarações do recorrente estão em conformidade com a prova testemunhal, clara e coesa quanto às circunstâncias fáticas que levaram a sua prisão pelo crime de tráfico internacional de droga.
A defesa não recorreu da sentença no tocante ao reconhecimento da materialidade e da autoria delitiva do crime de tráfico.
Erro de tipo. Descriminantes putativas. Caracterização. Para configurar o erro de tipo, consubstanciado em hipótese que se amolde às chamadas descriminantes putativas, é necessário que o agente suponha existir, por erro, uma determinada situação de fato que legitima seu comportamento, não obstante tal situação exista, na realidade, apenas em sua imaginação.
Guilherme de Souza Nucci assim conceitua as descriminantes putativas:
Descriminantes são excludentes de ilicitude; putativo é imaginário, suposto, aquilo que aparenta ser verdadeiro. Portanto, as descriminantes putativas são as excludentes de ilicitude que aparentam estar presentes em uma determinada situação, quando, na realidade, não estão.
(Nucci, Guilherme de Souza, Código penal comentado, 4ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2003, p. 151, nota n. 86)
Do caso dos autos. Em razões de recurso, a defesa pleiteia a absolvição de Henrique Tiago dos Santos, sustentando a ocorrência de erro sobre a ilicitude do fato, o que exclui o dolo e a culpa.
Tais alegações não prosperam.
A mera alegação de erro de tipo não exime o acusado de sua responsabilidade penal, sendo necessária a comprovação de sua ocorrência para caracterizar a excludente.
Infere-se dos autos a inexistência de provas hábeis à confirmação de que o réu desconhecesse que havia drogas no pacote que transportava. Ao contrário, todo o contexto fático remete à conclusão de que o acusado foi contratado para efetuar o transporte de cocaína para o exterior.
Não é razoável que alguém que tenha a vasta experiência em viagens internacionais, como o réu, desconheça o modus operandi utilizado por organizações criminosas especializadas em tráfico internacional para transportar entorpecente; assim como não é plausível que Henrique Tiago dos Santos não tenha desconfiado do odor que exalava dos frascos, além do fato de que transportava tubos de corantes para vestimentas e não frascos de medicamentos.
Portanto, inaplicável a excludente de tipicidade por erro de tipo.
Comprovada a autoria e a materialidade delitiva, bem como a internacionalidade do tráfico de entorpecentes praticado pelo acusado, a condenação deve ser mantida, sendo incabível a pretensão absolutória, seja por erro de tipo, seja por insuficiência probatória.
Mantida a condenação, cumpre verificar a dosimetria da pena.

Dosimetria. Com fundamento no art. 59 do Código Penal e no art. 42 da Lei n. 11.343/06, o Juízo a quo fixou a pena-base em 5 (cinco ) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa.

Não reconheceu circunstâncias agravantes e atenuantes.

Deixou de aplicar as causas de diminuição previstas no art. 41 e no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06.

Aumentou a pena em 1/6 (um sexto) em razão da transnacionalidade do crime, resultando 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão e 593 (quinhentos e noventa e três), a qual tornou definitiva.

Arbitrou o valor unitário de cada dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos.

Estabeleceu regime inicial fechado de cumprimento de pena.

Não concedeu o direito à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e à suspensão da pena.

Denegou a liberdade provisória e o direito de apelar em liberdade.

A acusação recorre da dosimetria da pena, requerendo o aumento da pena-base e a incidência da causa de aumento da transnacionalidade em fração acima do mínimo legal.

A defesa apela da dosimetria, pleiteando a redução da pena em razão da incidência da confissão espontânea; a aplicação da causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06 no máximo legal; a fixação de regime inicial de cumprimento de pena conforme a pena aplicada; a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos; a não aplicação da pena de multa e a concessão do direito de o réu recorrer em liberdade.

No tocante à pena-base, não merece provimento o recurso da acusação.
A natureza e a quantidade da droga são elementos importantes para aferir a quantidade da pena inicial a ser aplicada ao crime de tráfico, conforme expressa previsão legal no art. 42 da Lei n. 11.343/06.
Mantenho a pena-base no mínimo legal de 5 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa. Tal fração se ajusta à natureza e à quantidade da droga apreendida (496g de cocaína).
São irrelevantes os motivos pelos quais o agente teria sido levado a confessar o delito perante a autoridade para fazer jus à incidência da atenuante genérica (STJ, HC n. 159.854, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 15.06.10; HC n. 117.764, Rel. Min. Og Fernandes, j. 11.05.10; HC n. 46.858, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 13.11.07; HC n. 79.381, Rel. Min. Nilson Naves, j. 23.10.07). Assim, pouco importa que o réu tenha sido preso em flagrante, bastando o reconhecimento da prática do delito (STF, HC n. 69.479-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, unânime, DJ 18.12.02, p. 384).
Ainda que, na Polícia, o acusado tenha permanecido silente ao ser preso em flagrante (fl. 5), tal fato não tem o condão de macular a admissão em Juízo da prática do crime, mesmo que tenha alegado desconhecimento da ilicitude de sua conduta (mídia, fl. 143).
Reconheço a incidência da atenuante da confissão; mantenho, contudo, a pena no mínimo legal de 5 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa em atenção à Súmula n. 231 do Superior Tribunal de Justiça.
Ausentes circunstâncias agravantes.

Não é caso de aplicação de § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/03, de modo a reduzir a pena do réu, tal como pleiteia a defesa, mantendo-se a pena de 5 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa.

Alguns precedentes do Supremo Tribunal Federal admitem que a natureza e a quantidade de entorpecente sirvam para graduar a causa de diminuição do § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/06 (STF, HC n. 106.762, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 21.06.11; HC n. 104.195, Rel. Min. Luiz Fux, j. 26.04.11), reconhecendo ademais plena liberdade ou discricionariedade judicial (STF, HC n. 94.440, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 03.05.11; RHC n. 106.719, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 01.03.11). Não obstante, há precedentes também no sentido de que considerar essas circunstâncias do delito seria proibido bis in idem (STF, HC n. 108.264, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 21.06.11; HC n. 106.313, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 15.03.11). Assim, embora repute admissível apreciar tais circunstâncias com certa dose de discricionariedade (trata-se de disposição específica), convém que além delas sejam consideradas outras peculiaridades do caso concreto, à vista das provas dos autos, para resolver sobre a aplicabilidade e a gradação dessa causa de diminuição.

No presente caso, os elementos fáticos da prática delitiva, em que o agente assume a responsabilidade pelo transporte de considerável volume de substância entorpecente em viagens internacionais, com as despesas custeadas por terceiros, bem como os inúmeros registros de viagens constantes da certidão de movimentos migratórios (fls. 107/109) e do passaporte (mídia à fl. 126 e fl. 155) evidenciam que o réu integra organização criminosa voltada à prática de tráfico internacional de drogas e se dedica a atividades criminosas.

Anoto que as 11 (onze) viagens ao Brasil empreendidas pelo réu no período entre 08.01.09 a 11.07.13, sendo a maioria delas em curto espaço do tempo, não foram justificadas de forma satisfatória, à míngua de qualquer prova que demonstrasse a veracidade das alegações do acusado, tais como certidão de nascimento da filha brasileira e comprovante de residência da genitora de sua filha no Brasil.

Não é razoável que um indivíduo que exerça atividade de mecânico ou vendedor ambulante, tal como afirmou na Polícia, que aufira renda mensal de U$1.800 (um mil e oitocentos) dólares e que provê o sustento de 4 (quatro) filhos tenha condições financeiras de custear as despesas das inúmeras viagens ao Brasil, seja a turismo, seja para visitar sua filha.

No tocante à causa de aumento de pena do art. 40, I, da Lei n. 11.343/06, não merece provimento do recurso ministerial.

A exasperação da pena pela transnacionalidade do crime não deve ultrapassar o mínimo legal, pois restou configurada de forma ordinária, não se evidenciando no caso dos autos circunstâncias do delito que reclamassem o agravamento da causa de aumento de pena em questão.

Mantenho o aumento da pena em 1/6 (um sexto) em razão da transnacionalidade do crime, perfazendo a pena de 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses e 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa, a qual torno definitiva.

Retifico, de ofício, erro material no tocante ao cálculo da pena de multa, tendo em vista que constou da sentença a fixação da pena pecuniária em 593 (quinhentos e noventa e três) dias-multa.

Mantenho o regime inicial fechado para cumprimento de pena.

No que se refere ao cômputo de prisão provisória na fixação do regime de cumprimento da pena (art. 387, § 2º, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei n. 12.736/12), anoto que a determinação do regime inicial também deve ser feita com base no art. 33, § 3º, c. c. o art. 59, caput, III, ambos do Código Penal.

Registro que o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90, com a redação dada pela Lei n. 11.464/07, segundo a qual seria obrigatório o regime inicial fechado (STF, HC n. 113.988, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 04.12.12; EmbDeclAgRgAI n. 779.444, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 30.10.12; HC n. 107.407, Rel. Min. Rosa Weber, j. 25.09.12).

No caso de tráfico ilícito de entorpecentes, as circunstâncias, as consequências e a sua gravidade aconselham o início do cumprimento da pena em regime fechado, nos termos do art. 33, § 2º, c. c. o art. 59, caput, III, ambos do Código Penal, cabendo ao Juízo das Execuções Penais apreciar a progressão do regime de pena.

Anoto que a detração penal já foi analisada pelo MM. Juízo a quo, nos termos da Lei n. 12.736/12.

O Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade da vedação à conversão das penas privativas de liberdade em restritivas de direitos contida no § 4º do art. 33 e no art. 44 da Lei n. 11.343/06 (STF, Pleno, HC n. 97256, Rel. Min. Ayres Britto, j. 01.09.10), de modo que, nos delitos de tráfico transnacional de entorpecentes, cumpre resolver sobre a substituição à luz do disposto no art. 44 do Código Penal.
Não prospera o pleito da defesa para a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, à míngua do preenchimento dos requisitos legais (CP, art. 44, I e III).

A aplicação da pena de multa decorre do preceito secundário expresso no art. 33 da Lei n. 11.343/06 e incide obrigatoriamente em cumulação com a pena privativa de liberdade, independentemente da situação econômica do agente. Destarte, a pena pecuniária deve seguir o critério do art. 43 da Lei n. 11.343/06, levando-se em conta, na primeira fase, as circunstâncias do art. 42 da mesma Lei, conforme apreciado na determinação da pena privativa de liberdade e, na segunda etapa, o critério econômico. Descabe afastar a pena de multa, ressalvada a competência do Juízo das Execuções Penais para analisar a condição econômica do acusado por ocasião da execução da sentença penal condenatória (TRF da 3ª Região, ACr n. 2008.61.19.000026-0, Rel. Des. Federal Henrique Herkenhoff, j. 13.10.09).

Sem razão a defesa ao pleitear a não aplicação da pena pecuniária. A imposição dessa pena resulta de expressa cominação legal, cuja aplicação, portanto, é de rigor.

Por fim, sem razão a defesa quanto ao pedido de concessão do direito de o acusado recorrer em liberdade.
O direito de apelar em liberdade para os delitos da Lei n. 11.343/06 é excepcional, desafiando fundamentação própria, não havendo ilegalidade em manter a prisão do réu que nessa condição respondeu a ação penal (STF, HC n. 92612, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 11.03.08; HC n. 101817, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 24.08.10; HC n. 98428, Rel. Min. Eros Grau, j. 18.08.09).
De fato, o réu respondeu preso ao processo, de modo que a denegação do direito de recorrer em liberdade não comporta revisão.

Ante todo o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso do Ministério Público Federal e DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação da defesa tão somente para reconhecer a incidência da confissão, sem reduzir a pena abaixo do mínimo legal em razão da Súmula n. 231 do Superior Tribunal de Justiça e, de ofício, retifico erro material no tocante ao cálculo da pena de multa para constar 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa. Mantenho, no mais, a sentença.

É o voto.


Andre Nekatschalow
Desembargador Federal Relator


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