D.E. Publicado em 15/10/2014 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os integrantes da Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar as preliminares; reconhecer a extinção da punibilidade do réu JARBAS pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal, em relação ao crime do artigo 5º da Lei nº 7.492/1986, na modalidade retroativa, com fundamento nos artigos 107, inciso IV; 109, inciso IV e 110, § 1º, todos do Código Penal, combinados com o artigo 61, caput, do Código de Processo Penal, restando prejudicada a análise do recurso de apelação quanto ao ponto; e, por maioria, dar parcial provimento às apelações dos réus NELSON e JARBAS reduzir as penas-base e afastar a continuidade delitiva do crime de gestão fraudulenta, fixando a pena do réu NELSON em 04 anos e 06 meses de reclusão e 15 dias-multa para o crime do artigo 5º, e de 04 anos de reclusão para o crime do artigo 4º da Lei 7.492/1986, resultando em concurso material a pena de 08 anos e 06 meses de reclusão, em regime inicial fechado, e 35 dias-multa; e fixando a pena do réu JARBAS para o crime do artigo 4º da Lei 7.492/1986 em 03 anos e 06 meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 11 dias-multa; sendo que o Desembargador Federal Paulo Fontes fixava a pena em relação ao réu Nelson, no artigo 4º da Lei 7492/1986, em 06 anos e 05 meses de reclusão, no artigo 5º da mesma lei fixava a pena em 05 anos e 05 meses de reclusão; em relação ao réu Jarbas, no artigo 4º do mesmo diploma legal, fixava a pena definitiva em 04 anos e 02 meses de reclusão, mantendo a pena de multa fixada pelo Relator.
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DECLARAÇÃO DE VOTO
Inicialmente, registro o apreço e admiração que nutro pelo E. Juiz Federal Márcio Mesquita, Relator do presente feito. Acompanho o brilhante voto de Sua Excelência em todos os aspectos, à exceção do quantum das penas cominadas aos réus apelantes.
Com efeito, apesar de considerar razoável a redução das penas proposta pelo E. Relator, reputo que a culpabilidade dos réus, a gravidade dos crimes e suas consequências aconselham o apenamento em patamar superior.
Assim, em relação a NELSON, pelo crime do art. 4º da Lei 7492/86, fixo a pena-base em 5 anos e 6 meses de reclusão.
Na segunda fase da dosimetria, reconheço a agravante prevista no art. 62, I, do Código Penal e majoro a reprimenda em 1/6, chegando à pena de 6 anos e 5 meses, que torno definitiva, à falta de causas de aumento e diminuição.
Pelo crime do art. 5º da mesma Lei, fixo a pena base em 3 anos e 6 meses de reclusão, acrescendo-a de 1/6 na segunda fase (art. 65, I), chegando a 4 anos e 1 mês e, na terceira, fazendo incidir a causa de aumento do art. 71 (continuidade delitiva) no patamar de 1/3 fixado pelo E. Relator e chegando à pena definitiva de 5 anos, 5 meses e 10 dias de reclusão.
Com relação a JARBAS, pelo crime do art. 4º da mesma Lei, fixo a pena-base em 4 anos e 8 meses de reclusão. Reconheço a atenuante prevista no art. 66 do Código Penal, reduzindo-a de 6(seis) meses e chegando à pena definitiva de 4 anos e 2 meses de reclusão, por não reconhecer, ainda em consonância com o Relator, a causa de aumento da continuidade delitiva.
Mantenho as penas de multa como estipuladas pelo E. Relator e estabeleço o concurso material (art. 69) entre as penas, que devem, outrossim, ser cumpridas em regime fechado, em razão das circunstâncias judiciais desfavoráveis.
É como voto.
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RELATÓRIO
O Juiz Federal Convocado MÁRCIO MESQUITA (Relator):
O Ministério Público Federal, em 14/09/1995, denunciou NELSON ALMEIDA TABOADA, nascido aos 17/05/1941, MARIA DE VASCONCELOS TAVARES TABOADA, nascida aos 20/01/1944, JARBAS FERREIRA LIRA, nascido aos 23/05/1973, CRISTIANO LIMA VASCONCELOS, nascido aos 23/07/1959, CARLOS AUGUSTO BARRETO MESQUITA, nascido aos 24/10/1950, FRANCISCO JOSÉ GOMES TORO OVÍDIO, nascido aos 27/05/1948, INNOCENTE VERGÍNIO CHIARADIA, nascido aos 08/03/1930, EVANDRO ALBERTO DE OLIVEIRA BONINI, nascido aos 20/07/1947, ROBERTO PHAELANTE DA CÂMARA, nascido aos 08/04/1937, VALDELICE GONÇALVES MARTINS, nascida aos 01/01/1952, e LAUDELINO JEUS DIAS, nascido aos 07/03/193, todos qualificados nos autos, como incursos nos artigos 4º, caput e parágrafo único, 5º, caput, ambos c/c o artigo 25, da Lei nº 7.492/1986, todos c/c os artigos 29 e 71, do CP - Código Penal. Consta da denúncia (fls.02-17):
A denúncia foi recebida em 19/09/1995 (fls.241).
Determinado o desmembramento do feito em relação aos réus NELSO e JARBAS (fls. 1032).
Determinada a reunião deste processo com feito o desmembrado (1999.61.81.001274-9) em relação ao acusado NELSON, porém mantido o desmembramento em relação ao réu JARBAS (fls. 1131).
Determinada a reunião deste processo com o desmembrado (1999.61.81.001274-9) em relação ao réu JARBAS (fl. 1362).
Declarada extinta a punibilidade do réu LAUDELINO (fls.1616) e do réu ROBERTO (fls. 2596-2597), com fundamento no artigo 107, I, do Código Penal e artigo 62 do Código de Processo Penal.
O E. Superior Tribunal de Justiça concedeu a ordem no Recurso em Habeas Corpus nº 10495, determinando o trancamento da ação penal em relação ao réu INNOCENTE (fls.2715/2767/2804-2808/2906-2926), com efeitos estendidos ao réu FRANCISCO (fls. 2847/2849/2860/2906-2926) e ao réu EVANDRO (fls. 2933-2934).
Esta ação penal prosseguiu então em relação aos corréus NELSON, MARIA, CRISTIANO, CARLOS, JARBAS e VALDELICE.
Processado o feito, sobreveio sentença da lavra do MM. Juiz Federal Toru Yamamoto, publicada em 14/03/2007 (fls. 3098-3193 e 3194), que, com fundamento no artigo 383 do CPP - Código de Processo Penal, deu aos fatos definição jurídica parcialmente diversa da que constou da denúncia para:
a) absolver os réus MARIA e CARLOS das imputações feitas na denúncia, com fundamento no artigo 386, IV, do CPP;
b) condenar o réu NELSON à pena de 21 (vinte e um) anos e 09 (nove) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e o pagamento de 170 dias-multa, à razão de 30 (trinta) salários mínimos mensais cada um, como incurso nos artigos 4º, caput, e 5º da Lei n° 7.492/1986, c/c 29, 69 e 71, do CP, sendo 13 anos e 06 meses de reclusão (dos quais 4 anos e 6 meses decorrentes da continuidade delitiva) e 100 dias-multa pela primeira imputação e 08 anos e 03 meses de reclusão (dos quais 02 anos e 09 meses decorrentes da continuidade delitiva) e 70 dias-multa pela segunda;
c) condenar o réu CRISTIANO à pena de 12 (doze) anos e 09 meses de reclusão, em regime inicial fechado, e o pagamento de 85 (oitenta e cinco) dias-multa, à razão de 1/2 salário mínimo mensal cada um, como incurso nos artigos 4º, caput, e 5º da Lei n° 7.492/1986, c/c 29, 69 e 71, do CP, sendo 07 anos e 06 meses de reclusão (dos quais 02 anos e 06 meses decorrentes da continuidade delitiva) e 50 dias-multa pela primeira imputação e 05 anos e 03 meses de reclusão (dos quais 01 ano e 09 meses decorrentes da continuidade delitiva) e 35 (trinta e cinco) dias-multa pela segunda;
d) condenar o réu JARBAS à pena de 11 (onze) anos e 3 (três) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 75 (setenta e cinco) dias-multa, à razão de 1/2 salário mínimo mensal cada um, como incurso nos artigos 4º, caput, e 5º da Lei n° 7.492/1986, c/c 29, 69 e 71, do CP, sendo 06 anos e 09 meses de reclusão (dos quais 02 anos e 03 meses decorrentes da continuidade delitiva) e 45 dias-multa pela primeira imputação e 04 anos e 06 meses de reclusão (dos quais 01 ano e 06 meses decorrentes da continuidade delitiva) e 25 dias-multa pela segunda;
d) condenar a ré VALDELICE à pena de 08 anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, e o pagamento de 40 (quarenta) dias-multa, à razão de 1/20 (um vigésimo) do salário mínimo mensal cada um, como incursa nos artigos 4º, caput, e 5º da Lei n° 7.492/1986, c/c 29, 69 e 71, do CP, sendo 04 anos e 08 meses de reclusão (dos quais 01 ano e 02 meses decorrentes da continuidade delitiva) e 25 dias-multa pela primeira imputação e 03 anos e 04 meses de reclusão (dos quais 10 meses decorrentes da continuidade delitiva) e 15 dias-multa pela segunda.
A r. sentença transitou em julgado para o Ministério Público Federal em 30/03/2007 (fls.3195).
Pela sentença de fls. 3200-3201, foi decretada a extinção da punibilidade da ré VALDELICE em relação aos crimes pelos quais foi condenada nestes autos, com fundamento nos artigos 107, IV, 109, III e IV, 1109, § 1º e 119, todos do CP e artigo 61 do CPP.
Opostos embargos de declaração pela Defesa do réu NELSON (fls. 3232-3243 e 3247-3258), sendo posteriormente requerida a desistência dos embargos (fls.3272), haja vista a interposição do Recurso de Apelação. A desistência dos embargos foi homologada às fls. 3299.
Apelam os réus CRISTIANO e JARBAS (fls.3260/3261/3303-3313), sustentando: a) negativa de autoria delitiva, pois os acusados não estavam autorizados a administrar a Realbrás, por ausência de expressa autorização do BACEN acerca da alteração do quadro societário da empresa administradora de consórcios; b) os acusados não eram administradores de fato da empresa, pois tinham obrigação legal de obediência às ordens de Nelson Taboada; c) inexistência de proveito econômico com os crimes. Subsidiariamente, postula a redução das penas impostas, em razão da ausência de antecedentes criminais.
Apela o réu NELSON (fls.3263-3264/3269/3355-3404), alegando, preliminarmente: a) nulidade por falta de defesa técnica; b) nulidade por ofensa ao princípio da isonomia na contagem do prazo processual entre as partes; c) nulidade por afronta ao princípio da isonomia na negativa de produção de provas, devendo ser o julgamento convertido em diligência para oitiva das testemunhas e reinterrogatório do réu, bem como revalorados os documentos juntados.
No mérito: a) negativa de responsabilidade pela empresa no período apurado; b) cessão da empresa com ativos suficientes para cumprir as obrigações; c) negativa de desvio de recursos; d) imputação de responsabilidade a terceiros.
Subsidiariamente, pleiteia: a) a redução de pena-base por ausência de antecedentes; b) o afastamento da agravante do artigo 62, I do CP, por não ter sido imputado na denúncia nem requerido em alegações finais pela Acusação, por ausência da necessária fundamentação e por já ter sido considerado na primeira fase da dosimetria da pena, a configurar indevido bis in idem; d) o número de vítimas lesadas foi considerado na primeira e terceira fase da dosimetria da pena, caracterizando bis in idem. (fls. 3406-3438).
A Procuradoria Regional da República, em parecer da lavra do Dr. Marcelo Moscogliato, opinou pelo desprovimento da apelação, mantendo-se, na íntegra, a r. sentença recorrida (fls.3613-3636).
Por meio da petição de fls. 3719-3731, o réu NELSON requereu o reconhecimento da ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal, com base no art. 115 do Código Penal, sendo o pedido indeferido às fls. 3889-3890. Contra essa decisão, foi interposto agravo regimental (fls. 3894-3919).
A decisão agravada foi mantida (fl. 4083).
A Procuradoria Regional da República, em manifestação da lavra da Dra. Mônica Nicida Garcia, opinou em sentido contrário à pretensão de extinção da punibilidade (fl. 4090).
Pela decisão de fls.4186 foi decretada a extinção da punibilidade do réu CRISTIANO, com fundamento no artigo 107, I, do Código Penal, c.c. artigos 61, caput, e 62 do Código de Processo Penal, conforme decisão de fls. 4186.
É o relatório.
Ao MM. Revisor.
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VOTO
O Juiz Federal Convocado MÁRCIO MESQUITA (Relator):
Inicialmente, homologo, nos termos do artigo 33, inciso VI, do Regimento Interno deste Tribunal, o pedido de desistência do agravo regimental interposto pelo réu, ora apelante, NELSON TABOADA interposto contra decisão que rejeitou o pedido de reconhecimento a prescrição da pretensão punitiva estatal, feito com fundamento no artigo 115 do Código Penal, ao argumento de que o dispositivo aplica-se àquele que completa 70 anos entre a data da sentença de primeiro grau e o julgamento do recurso de apelação.
Antes da análise de cada uma das apelações, anoto que a materialidade do delito de gestão fraudulenta do consórcio Realbrás e de desvio de recursos dos consorciados sob sua posse em proveito próprio e da empresa coligada Exportbrás encontra suporte no conjunto probatório.
A empresa enquadra-se no conceito de instituição financeira por equiparação, a teor do que dispõe a o artigo 1º da Lei nº 7492/1986.
A conduta imputada aos apelantes pode ser aferida pelo relatório do Banco Central do Brasil (fls. 218/240), pela notitia criminis do liquidante da empresa Wilson Januário Ieno (fls. 82/14) e pelo relatório da auditoria elaborado pela empresa Marins Holtz S/A (fls. 1226/1237) em comparação com os documentos anexados aos autos e aos inquéritos policiais em apenso.
Extrai-se da noticia criminis os atos caracterizadores de ilícitos cometidos pelos gestores da empresa (fl. 146):
O liquidante ainda mencionou que a empresa Exportbrás foi criada para captar os recursos do consórcio:
Em juízo, a testemunha Wilson Januário Ieno, segundo liquidante nomeado pelo BACEN, afirmou que a Exportbrás era empresa de fachada, que recebia mensalidades, entregava veículos, e realizava busca e apreensão, o que era vedado pelo BACEN (fls. 1657/1659):
O relatório de auditoria elaborado pela Marins Holtz S/A em 18.02.1992 demonstra os atos praticados que ensejam a gestão fraudulenta e relata dos desvios dos valores dos consorciados (fls. 1226/1237):
Depreende-se da vasta documentação e dos depoimentos testemunhais a comprovação que os consorciados depositavam os numerários nas contas da empresa "Realbrás Administradora Brasileira de Serviços S/C" e da empresa coligada "Exportbrás Comércio Importação e Exportação Ltda" e que referidos valores eram desviados para as contas particulares dos denunciados, bem como para pagamento de despesas diversas a da atividade do consórcio.
Verifica-se ainda a prática fraudulenta de contemplação fictícia de integrantes dos consórcios em benefício dos próprios acusados.
Assentada a questão da materialidade, passo à análise específica de cada recurso interposto.
DA APELAÇÃO DO RÉU NELSON
Rejeito a preliminar de nulidade do processo por falta de defesa técnica, arguída pela Defesa do réu NELSON ao argumento de que a defesa técnica, exercida pelo primeiro advogado constituído, foi materialmente inexistente.
Argumenta que o Defensor deixou de apresentar defesa prévia no prazo legal, sendo reconhecida a intempestividade, e somente dois anos após impetrou habeas corpus questionando o ato, que foi denegado por este Tribunal em razão da instrução deficitária do writ. Aduz ainda que o defensor deixou de comparecer à audiência de instrução em inúmeros depoimentos de testemunha de acusação e defesa, sendo nomeado defensor ad hoc.
Argumenta ainda que o Defensor deixou de apresentar documento que estava em seu poder, essencial ao julgamento do incidente de falsidade ("Instrumento Particular de Cessão de Direitos sobre Bens Imóveis e Móveis e outras Avenças"), o qual seria decisivo para fixar o período em que o apelante administrou o consórcio e limites de eventual responsabilidade.
O enunciado da Súmula 523 do STF dispõe o seguinte: "no processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu".
Todavia, no caso em análise, verifico que a defesa não foi deficiente e tampouco prejudicou o réu.
Com efeito, embora a ausência de intimação do defensor para que apresente a defesa prévia constitua nulidade absoluta, é certo que a defesa prévia constitui peça facultativa. Nesse sentido:
Observo, primeiramente, que, no que tange ao aspecto formal da defesa técnica, o advogado Sergio Habib agiu de maneira correta e efetiva, ou seja, quando da audiência de interrogatório do acusado, o defensor então constituído foi pessoalmente intimado para apresentação da defesa prévia (cfr. fl. 1131), apresentou defesa prévia, esteve presente na audiência de interrogatório do réu e oitiva de testemunhas, além de ter se manifestado na fase do artigo 499 do CPP e apresentado as alegações finais tempestivamente.
A intempestividade da defesa prévia foi justificada pelo defensor, que afirmou ter sido tempestivamente postada no correio e juntada tardiamente por conta do recesso na Justiça Federal. Assim, o defensor anteriormente constituído pelo acusado cumpriu com os deveres que lhe cabiam, apresentando-se sempre que era necessário fazê-lo, não tendo sido negligente, nesse ponto. Não se pode concluir pela negligência apenas e tão somente porque a justificativa para apresentação extemporânea da defesa prévia não tenha sido acolhida.
Quanto ao aspecto material, noto também que não houve qualquer descuido por parte do advogado.
O habeas corpus impetrado não foi denegado por conta da instrução deficitária, tendo se baseado nas informações prestadas pela autoridade impetrada (fls. 2551/2560).
Constato ainda que, mesmo não tendo sido conhecida a defesa preliminar, a defesa foi intimada para esclarecer acerca da necessidade da oitiva das testemunhas arroladas residentes no exterior (fl. 1367), tendo apenas reafirmado "o seu interesse na oitiva das testemunhas arroladas na vestibular, as que residem fora do país, inclusive, como sendo indispensáveis na busca da verdade real", sem explicar adequadamente o motivo (fls. 1665/1667).
Relativamente à falta de apresentação de documento original nos autos do incidente de falsidade, não restou comprovada qualquer negligência do anterior defensor constituído. Em primeiro lugar, observo que o mencionado documento original não foi apresentado até o momento, mas apenas uma ata notarial dando conta de sua apresentação perante o tabelião. Em segundo lugar e principalmente, não se logrou comprovar que o anterior defensor constituído pelo réu dispunha do documento para apresentação na ocasião mencionada. E, em último lugar mas não menos importante, porque a questão da efetiva gestão do réu restou comprovada também por outros meios além dos documentais.
Constato, ainda, que o conteúdo das alegações finais apresentadas pelo defensor objetiva corroborar a estratégia aparentemente adotada no interrogatório no sentido de que o réu não administrava a empresa à época dos fatos. Ademais, da leitura da mencionada peça processual, vê-se que suscita nulidades processuais por cerceamento de defesa e há pedido de absolvição do acusado.
Ressalto que não é cabível alegar ausência de defesa técnica simplesmente porque a estratégia adotada pelo anterior patrono para refutar as acusações imputadas ao réu não são as mesmas que pretende adotar o atual advogado. A alegação de que houve prejuízo ao acusado, porque não se considerou os requerimentos formulados na defesa prévia, é descabida, uma vez que a defesa não justificou a necessidade de oitiva das testemunhas, bem como porque poderia trazer aos autos a prova pericial pretendida.
Dessa forma, é de se concluir que o réu foi devidamente representado e que o seu direito à defesa foi garantido, não havendo qualquer nulidade a ser sanada.
Acrescente-se, como razões de decidir que adoto, as bem lançadas as ponderações da Procuradoria Regional da República, em seu parecer de fls. 3619/3621:
A preliminar de nulidade por cerceamento de defesa, arguída pelo réu ao argumento de desigualdade de tratamento entre partes no reconhecimento da intempestividade da defesa prévia não é de ser conhecida.
Com efeito, tais questões já foram apreciadas por esta Primeira Turma, por ocasião do julgamento do HC 2000.03.00.049048-7, na sessão de julgamento de 12/12/2000, ocasião em que a ordem foi denegada, no sentido de se considerar intempestiva a defesa prévia apresentada por via postal e por não restar configurada a alegada ofensa ao princípio da isonomia processual, em acórdão assim ementado (fls. 2550/2561):
Ademais, a defesa do apelante impetrou o HC 18.902/SP perante o Superior Tribunal de Justiça e o HC 81.847 no Supremo Tribunal Federal questionando a matéria, os quais foram denegados, em acórdãos assim ementados:
Rejeito preliminar de nulidade por cerceamento de defesa em virtude do indeferimento da produção de perícia contábil, arguída pela Defesa ao argumento de que a prova pericial poderia demonstrar que os desvios ocorreram após a saída definitiva do réu NELSON do quadro societário, restando caracterizado o prejuízo à defesa.
O pedido de realização de perícia contábil, formulado na fase do artigo 499 do CPP, foi indeferido pelo MM. Juízo a quo ao argumento de ser meramente procrastinatório.
A fase do artigo 499 do Código de Processo Penal (em sua redação original, hoje equivalente ao artigo 402 do referido código, na redação da Lei nº 11.719/2008), que se presta para que as partes requeiram "as diligências, cuja necessidade ou conveniência se origine de circunstâncias ou de fatos apurados na instrução". Nesse sentido anota Guilherme de Souza Nucci, in Código de Processo Penal Comentado, Ed.RT, 5a ed., pg833:
Também nesse sentido situa-se a orientação do Supremo Tribunal Federal e desta Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da Terceira Região:
Acresce-se que o réu teria condição, independentemente da intervenção do Juízo, de produzir, por sua própria iniciativa, a prova requerida, se reputassem a mesma essencial.
Por último, a prova pericial requerida pela defesa era desnecessária para a demonstração que o acusado não praticava atos de gestão na empresa, mesmo após ter se desligado formalmente da mesma, tendo em vista que os depoimentos das testemunhas e dos demais acusados são no sentido contrário, daí porque prescindível a prova pretendida.
Rejeitadas as questões preliminares, passo ao exame do mérito.
A autoria delitiva em relação ao réu NELSON restou devidamente comprovada nos autos, sob o crivo do contraditório e ampla defesa.
Em suas razões de apelação, o acusado NELSON nega responsabilidade pela empresa no período apurado. Alega a defesa que, por meio da 29ª Alteração do Contrato Social, datada de 23.11.1992, registrada no Cartório de Registros, o réu NELSON teria transferido o controle societário da Realbrás para a empresa Brasil Grande, representada por Evandro Bonini, e para os sócios cotistas Inocente Vergínio Chiaradia e Francisco Gomes Toro Ovídio, os quais ficaram responsáveis pela administração e gerência do consórcio até sua liquidação, em 17/01/1994. Aduz ainda que os relatórios apontam que a conduta delituosa teria sido perpetrada após a sua saída da empresa.
Interrogado judicialmente, Nelson confessou ter sido sócio-gerente da empresa Realbrás no período de 14/01/1989 a 15/01/1992 e 30/04/1992 a 08/07/1992 (fls. 1126/1130).
A alegada transferência do controle societário da Realbrás para Evandro Bonini, Inocente Vergínio e Francisco Ovídio restou superada com o julgamento da ação anulatória de alteração contratual (processo 919/94 da 7ª Vara Cível da Justiça Estadual da Comarca de São Paulo/SP, fls. 1947/1956), com o trancamento da ação falimentar da Realbrás em relação a eles (RHC 8518 e RHC 8559 do Superior Tribunal de Justiça) e em especial pelo julgamento do RHC 10.495/SP pelo STJ, que determinou o trancamento da presente ação penal em relação a Inocente Verginio, sendo a ordem estendida para Francisco Ovídio e Evandro Bonini (fls. 2805/2808, 2847, 2559/2860, 29096/2926, 3031/3053).
Restou consignado no referido habeas corpus que "não havendo o paciente, sem qualquer tipo de investigação probatória aprofundada, assumido a posição de sócio e, em decorrência, muito menos, a função de administrador ou gerente, pela anulação judicial, com efeitos ex tunc, de alteração contratual pela qual teria ingresso na sociedade, carece de justa causa a ação penal contra ele instaurada para apuração da prática de delito contra o Sistema Financeiro Nacional".
No entanto, não obstante a transferência do controle acionário do consórcio Realbrás ter sido anulado na via cível e a ação penal trancada em relação a Evandro Bonini, Inocente Vergínio e Francisco Ovídio, não há como o acusado NELSON ser responsabilizado pela imputada gestão fraudulenta e apropriação de valores ou desvio em proveito próprio até a data da liquidação da empresa. Com efeito, a denúncia é explícita em apontar o período que o acusado réu NELSON teria sido responsável pela administração e gerência da Realbrás:
A denúncia também indica que as procurações outorgadas por Nelson foram emitidas na época que exercia poderes de gestão, quais sejam, 22.02.1989, 23.01.1990, 15.01.1992 e 22.05.1992.
Destarte, não havendo aditamento na denúncia para incluir fatos indicadores da responsabilidade do réu NELSON até a data da liquidação da empresa, não há como manter sua condenação por todo o período, devendo se limitar sua responsabilidade até 23/11/1992.
Não procede o argumento da defesa do réu NELSON de que a empresa Realbrás celebrou contrato de gestão com a empresa Marins Holtz, dirigida por Sérgio Holtz, que geriu o consórcio no período de 17/01/1989 a 13/01/1992, e que Sérgio elaborou relatórios e pareceres com o fim de incriminar o apelante, tornando-se testemunha suspeita.
O depoimento prestado pelo auditor tem valor probatório igual ao de qualquer outra testemunha. Verifica-se, in casu, quão coesa e uníssona são as declarações da testemunha, especialmente porque em conformidade com o depoimento dos liquidantes da empresa e do relatório do Banco Central. Idôneo o referido depoimento e, porque coerente e não desmentido pelo restante da prova, são suficientes para embasar o decreto condenatório.
Se suspeição houvesse em relação a ele, deveria a defesa ter oferecido contradita quando da oitiva em audiência, que é a forma processual adequada para argüir a suspeição ou inidoneidade de uma testemunha, consoante dispõe o artigo 214, do Código de Processo Penal. Todavia, nada foi requerido a esse respeito.
Em segundo lugar, embora a empresa Realbrás tenha celebrado o contrato de gestão da empresa, nesse período o acusado NELSON continuou fazendo inúmeras retiradas de pró-labore e teve diversas contas particulares pagas pela Realbrás, como flat, aluguel, água, luz, telefone, aluguel de carro, condomínio, despesas com barco, avião, fazenda (fls. 124/141).
Ademais, extrai-se dos depoimentos constantes dos autos que o acusado NELSON nunca deixou de administrar a empresa, beneficiando-se dos desvios dos recursos dos consorciados.
Interrogado judicialmente, o acusado CRISTIANO afirmou que NELSON efetuava constantes retiradas de dinheiro da empresa, fato esse que contribuiu para a insolvência da empresa. Relatou ainda que NELSON determinou o depósito de cheques da empresa em sua própria conta bancária, para que depois o dinheiro fosse sacado para pagamento de suas contas pessoais, tendo NELSON justificado a transação sob a alegação de não ter conta bancária em São Paulo (fls. 807/810).
Já o acusado JARBAS afirmou em seu interrogatório que "quem administrava a empresa era o acusado Nelson Taboada", "o poder de decisão sempre foi o acusado Nelson Taboada" e "o acusado Nelson Taboada que administrou a empresa até a liquidação". Disse ainda "que havia retiradas exorbitantes por parte do acusado Nelson Taboada, que chegavam até 50% da arrecadação dos grupos dos consorciados, e isso era usado para comprar fazenda, barco, avião" (fl. 1652). Esclareceu ainda:
A testemunha Sergio Viera Holtz, especialista em consórcio que efetuou o levantamento situação do consórcio a pedido do réu NELSON afirmou em Juízo ter a ele apresentado o relatório da auditoria em fevereiro de 1992, relatando que a situação da empresa era caótica, decorrente da má gestão da empresa, desvio de verbas e má administração dos grupos de consórcio (fls. 1478/1482):
A testemunha Darcy Thomas, primeiro liquidante nomeado pelo BACEN, confirmou que o réu NELSON era o sócio principal na administração da empresa e que nunca deixou de gerir a empresa (fls. 1660/1662):
Os depoimentos das vítimas demonstram que o consórcio captava recursos dos consorciados, sendo que apenas alguns foram contemplados após denunciar a inadimplência da empresa no PROCON e na Delegacia do Consumidor (fls. 1669/1679).
O depoimento da testemunha Josefa Ednéia Guedes Nascimento, encarregada do setor financeiro da Realbrás de 1990 a janeiro de 1994, relatou a manobra do réu NELSON de contabilizar as despesas pessoais dos diretores no passivo da empresa, com o intuito de responsabilizá-los quando da liquidação da empresa:
Quanto à alegação da defesa de que quando do desligamento de Nelson da empresa, por meio da 29ª alteração contratual, fez a cessão da empresa com ativos suficientes para cumprir as obrigações, cedendo ao consórcio 73 bilhões de cruzeiros em bens para cobrir eventual prejuízo, registro que foi trazido aos autos apenas e tão somente instrumento da cessão, não havendo nenhuma comprovação de que os bens foram efetivamente transferidos. Não cuidou a Defesa de trazer aos autos as matrículas de bens imóveis e demais registros, como o relativo ao barco, para comprovar a efetiva transferência.
Ademais, ainda que assim não fosse, e mesmo que restasse comprovada a alegada cessão de bens, tal fato não excluiria a tipicidade da conduta, podendo servir, quando muito, de causa de diminuição de pena.
E para a configuração de arrependimento posterior, a restituição deveria ser que ser para as vítimas (consorciados) e não para o consórcio.
Tampouco procede a alegação da defesa de que não houve desvio de recursos dos consorciados, sob o argumento de que o réu NELSON não fazia retirada de pró-labore, pois a pagava contas pessoais, sendo os valores pagos "fruto de seus direitos como sócios". Depreende-se dos depoimentos acima mencionados e a documentação apresentada (fls. 85/146), que além do pagamento de despesas pessoais com barco, avião e cavalos, o réu NELSON fazia constantes retiradas de pró-labore.
De igual forma, não procede a alegação de que a denúncia aponta que a transferência de vultoso numerário foi promovida no período que o réu já havia se desligado da empresa. A denúncia reporta desvios em favor do réu NELSON no período de 1989 a 1992, sendo a prática confirmada pelas testemunhas.
Por fim, não procede a negativa de autoria delitiva. Não obstante a alegação do réu NELSON DE outorgou procurações com poderes de gerência a pessoas de confiança, depreende-se dos depoimentos acima que, mesmo à distância, Nelson administrava a empresa e recebia em diversas contas bancárias os valores desviados dos consorciados.
Desse modo, a condenação é de rigor e fica mantida.
Passo à análise da dosimetria da pena.
Quanto à pena-base, o MM. Juiz a quo fixou-a em 08 anos de reclusão para o crime do artigo 4º, caput, da Lei 7.492/1986 e em 04 anos e 06 meses de reclusão para o crime do artigo 5º da mesma lei, nos seguintes termos:
O apelo da Defesa merece provimento quanto ao ponto.
Em primeiro lugar, observo que dos registros criminais a ausência de condenação judicial definitiva. Consoante Súmula 444 do Superior Tribunal de Justiça, "é vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base". Desta forma, processos em andamento não podem ser considerados como maus antecedentes, conduta social reprovável e personalidade perniciosa do agente. Nesse sentido:
Em segundo lugar, com relação à culpabilidade, o fato de ter sido apontado "como o principal responsável pela gestão social fraudulenta e também como o principal beneficiário dos desvios de recursos dos consorciados", verifico que a circunstância refere-se em verdade à agravante do artigo 62, I, do CP.
A circunstância de o acusado ter enriquecido indevidamente, comprando fazenda, barco e avião à custa dos consorciados, constitui circunstância elementar dos crimes praticados.
Por outro lado, as conseqüências provocadas pelo delito são de grande vulto, uma vez que, conforme apontado na r. sentença, o apelante "causou graves danos ao sistema financeiro nacional, em particular no sistema de consórcios", "bem como aos inúmeros consorciados que deixaram de receber bens, apesar de pagos", registrando-se que a fiscalização do Banco Central apurou que em 30.11.92 havia 201 bens pendentes de entrega, já quitados pelos consorciados, totalizando o valor de C$ 18.149.555,00.
Assim, entendo ser suficiente a fixação da pena-base em 04 (quatro) anos de reclusão para o crime do artigo 4º, caput, da Lei 7.492/1986 e em 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão para o delito do artigo 5º.
Na segunda fase, não foram verificadas circunstâncias atenuantes, tendo sido considerada a agravante do artigo 62, inciso I, do Código Penal, majorando as penas em 01 ano de reclusão.
Com efeito, incide a agravante do artigo 62, I, do Código Penal, tendo em vista a comprovação de que o acusado organizou e dirigiu a atividade dos demais agentes, dando ordens verbais e escritas e procurações para os demais acusados, além de ser o principal beneficiário dos valores desviados.
E a teor do disposto no artigo 385 do Código de Processo Penal, que prevê que "nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada".
Ademais, a organização e direção do réu NELSON com relação demais agentes está implicitamente mencionada na denúncia, ao apontar que o mesmo outorgou procurações para os demais acusados gerenciar, administrar e movimentar as contas bancárias do consórcio Realbrás e da empresa Exportbrás, e ao apontar que foram efetuados pagamentos das contas pessoais do apelante, diversas da atividade-fim da empresa.
No sentido de que não fere o princípio da congruência entre a imputação e a sentença, a inclusão na sentença de agravante legal não descrita na denúncia, por força do artigo 385 do CPP, situam-se os precedentes do STJ:
Ademais, não há que se falar em ausência de fundamentação para a aplicação da agravante do artigo 62, I, do Código Penal. A sentença é explícita no sentido de que o réu NELSON era o "personagem central da trama criminosa", que "sempre administrou a Realbrás", que "os procuradores nada mais eram que executores das ordens emanadas por NELSON TABOADA", "o poder de decisão sempre foi dele" e "NELSON sempre foi beneficiário dos recursos originários dos consorciados" (fls. 3174/3175):
Destarte, é de ser mantida a agravante do artigo 62, inciso I, do CP. Registro que a pena é de ser aumentada na mesma proporção estabelecida da sentença, sob pena de incorrer em reformatio in pejus, considerada ainda a ausência de recurso da acusação. Dessa forma, majoro a pena em 1/8 (um oitavo), resultando em 04 (quatro) anos e 06 (seis) meses de reclusão para o crime de gestão fraudulenta e em 03 (três) anos de reclusão para o crime do artigo 5º da Lei 7.492/1986.
Na terceira fase da dosimetria da pena, as penas dos delitos foram majoradas em 1/2 (metade), "haja vista o longo período de mais de 5 (cinco) anos que persistiu na realização dos crimes".
Com a devida vênia, entendo que deve ser afastada a continuidade delitiva em relação ao crime de gestão fraudulenta, uma vez que a conduta "gerir" denota a ocorrência de crime habitual.
Sobre a habitualidade do crime de gestão fraudulenta, anota Rodolfo Tigre Maia, in Dos Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional, Ed. Malheiros, 1a ed., pg 58:
No mesmo sentido, aponto precedente deste Tribunal Regional Federal da 3ª Região:
Por outro lado, é de ser mantida a causa de aumento do artigo 71 do Código Penal ao crime do artigo 5º da Lei 7.492/1986, uma vez que demonstrado nos autos que o acusado se apropriou dos valores desviados dos consorciados no período de 1989 a 1992. Considerada a redução do período em que o acusado praticou o delito, reduzo a majorante para o patamar de 1/3 (um terço).
Destarte, a pena resulta definitiva em 04 (quatro) anos e 06 (seis) meses de reclusão para o artigo 4º, caput, da Lei 7.492/1986 e em 04 (quatro) anos de reclusão para o artigo 5º da mesma lei.
Com relação à pena de multa, assinalo que a sua fixação deve seguir os mesmos critérios utilizados para a pena privativa de liberdade.
Assim, considerando que a pena de multa deve guardar proporção com a pena privativa de liberdade, fixo de multa do crime do artigo 4º da Lei 7.492/1986 em 15 (quinze) dias-multa e a pena de multa do artigo 5º da mesma lei em 20 (vinte) dias-multa.
Mantenho o valor de cada dia-multa em 30 (trinta) salários mínimos vigente ao tempo da liquidação da empresa, nos termos da sentença (fl. 3186):
Considerado o concurso material de crimes, as penas devem ser somadas, de acordo com o disposto no artigo 69 do Código Penal, perfazendo o total de 08 (oito) anos e 06 (seis) meses de reclusão e pagamento de 35 (trinta e cinco) dias-multa, que torno definitiva.
O regime inicial de cumprimento de pena é o fechado, nos termos do artigo 33, §2º, 'a', do Código Penal.
Incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito por não preenchimento dos requisitos do artigo 44, I, do Código Penal.
Por fim, anoto que eventual reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva estatal, em razão da pena concretamente aplicada, somente se afigura possível após o trânsito em julgado para a Acusação.
DA APELAÇÃO DO RÉU JARBAS
Da prescrição da pretensão punitiva estatal em relação ao crime do artigo 5º, da lei 7.492/1986: não obstante tenha constado à fl. 4193 do relatório que o acusado JARBAS é nascido aos 23/05/1973, informação extraída do interrogatório do acusado (cfr. fl. 1651), verifica-se do ofício da Receita Federal que o acusado Jarbas, registrado no CPF sob n. 021.676.114-04, filho de Maria Estelita Gomes Lira, é nascido aos 25/10/1946.
Destarte, é de se reconhecer a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal em relação ao crime do artigo 5º da Lei 7.492/1986.
O réu JARBAS foi condenado à pena de 3 (três) de reclusão pelo crime do artigo 5º da Lei 7.492/1986 (cfr. fl. 3190), descontado o aumento decorrente da continuidade delitiva (Súmula 497 do Supremo Tribunal Federal), tendo a sentença transitado em julgado para a acusação, pelo que o prazo prescricional regula-se pela regra do artigo 109, inciso IV, do Código Penal, pelo período de oito anos.
Haja vista a ausência de causa interruptiva ou suspensiva, operou-se a prescrição entre a data do recebimento da denúncia (19/09/1995, fl.241) e a da prolação da sentença condenatória (14/03/2007, fl. 3194), vez que decorridos mais de 8 (oito) anos nos interstícios, razão pela qual extinta se encontra a punibilidade do réu JARBAS em relação ao crime do artigo 5º da Lei 7.492/1986.
Por estas razões, é de se reconhecer a extinção da punibilidade do réu JARBAS pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal, em relação ao crime do artigo 5º da Lei nº 7.492/86, na modalidade retroativa, com fundamento nos artigos 107, inciso IV; 109, inciso IV e 110, § 1º, todos do Código Penal, combinados com o artigo 61, caput, do Código de Processo Penal, restando prejudicada a análise do recurso de apelação quanto ao ponto.
Passo à análise do recurso quanto ao delito de gestão fraudulenta.
A autoria delitiva em relação ao réu JARBAS restou comprovada nos autos. O réu foi inicialmente um dos procuradores da Realbrás e depois se tornou sócio-cotista da empresa.
O réu NELSON outorgou poderes ao réu JARBAS para abrir, movimentar e encerrar contas bancárias da Realbrás, bem como para emitir, endossar e receber cheques e ordens de pagamento de 23.01.1990 até 18.01.1992 (fl. 153), de 15.01.1992 a 14.01.1994 (fl. 154) e de 22.05.1992 a 22.05.1994 (155). JARBAS ainda constou como sócio cotista da empresa no período de 15/01/1992 a 23/11/1992 e novamente entre 22/04/1993 a 17/01/1994.
Em 15.04.91 o réu JARBAS também foi nomeado um dos procuradores da Exportbrás, empresa que servia de fachada para facilitar a apropriação e desvio de recursos dos consorciados em benefício dos denunciados.
A documentação bancária de fls. 998/1018, 1061/1067 e 1068/1073 aponta o réu JARBAS como uma das pessoas com poderes de movimentar a conta bancária da Realbrás.
Interrogado judicialmente, o réu JARBAS confirmou ter ingressado na empresa como sócio a pedido do réu NELSON, alegando que este tinha o poder de decisão, mesmo após a transferência para do controle acionário para a Brasil Grande, que a "atuação dos procuradores da empresa era para movimentar contas bancárias e exercer a representação junto a órgãos públicos" e que "como funcionário da empresa, obedecia as ordens" (fls. 1652/1654).
A denunciada VALDELICE confirmou em seu interrogatório judicial que assinava cheques, juntamente com os sócios-gerentes JARBAS e CRISTIANO (fl. 418).
Não procede a alegação da Defesa que o acusado não estava autorizado a administrar a Realbrás, dada a ausência de expressa autorização do Banco Central acerca da alteração do quadro societário da empresa administradora de consórcios. Depreende-se da sentença proferida na ação de nulidade de alteração contratual que o Banco Central não homologou as 24ª, 25ª, 26ª, 27ª, 28ª e 29ª alterações contratuais (cfr. fl. 1548). No entanto, verifica-se que o acusado constou como sócio desde a 23ª alteração contratual de 15/01/1992 (fls. 2313/2315). Ademais, o acusado JARBAS praticou diversos atos de gestão na qualidade de procurador do consórcio Realbrás.
De igual forma, não procede a alegação de que o réu JARBAS não era administrador de fato da empresa, pois tinha obrigação legal de obediência às ordens do réu NELSON. Depreende-se do próprio interrogatório de JARBAS que ele gerenciava a empresa, representando-a junto aos órgãos público, bem como cuidava do setor financeiro da Realbrás e da coligada Exportbrás (fls. 1652/1654).
Por fim, descabida a alegação de que não houve proveito econômico com o crime, tendo em vista que o crime de gestão fraudulenta independe da obtenção de vantagem por parte do agente. Confira-se a lição de Rodolfo Tigre Maia quanto ao ponto, in Dos Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional, Ed. Malheiros, 1a ed., pg 57:
Destarte, a prova coligida aos autos é no sentido de que o réu JARBAS, na qualidade de procurador, participou da gestão da empresa Realbrás, ciente da irregularidades praticadas, e aderindo à conduta dirigida pelo réu NELSON.
Passo à análise da dosimetria da pena.
A pena-base do crime de gestão fraudulenta foi fixada em 05 (cinco) anos de reclusão, considerada as conseqüências do crime e a culpabilidade acima da média (fl. 3188):
No tocante à culpabilidade, o fato de ter sido apontado "um dos principais executores das ordens ilegais de NELSON TABOADA, na perpetração da gestão social fraudulenta e também como beneficiário de parte dos recursos desviados dos consorciados; auxiliou NELSON TABOADA a se enriquecer em detrimento dos consorciados", verifico tratar-se de circunstância elementar do tipo.
Por outro lado, as conseqüências provocadas pelo delito são de grande vulto, uma vez que, conforme apontado na r. sentença, o apelante "causou graves danos ao sistema financeiro nacional, em particular no sistema de consórcios", "bem corno aos inúmeros consorciados que deixaram de receber bens, apesar de pagos", registrando-se que a fiscalização do Banco Central apurou que o acusado Jarbas atuou como sócio gerente da empresa no período de 15/01/92 a 23/11/92 e de 22/04/93 a 17/01/94 e que tinha poderes de gerência no período de 23/01/90 a 18/01/92 e de 15/01/92 a 14/01/94, sendo que em 31.03.93 havia 268 bens dos consorciados já quitados pendentes de entrega, totalizando o valor de C$ 58.996.325,00.
Assim, reputo adequado e suficiente a fixação da pena-base em 04 (quatro) anos de reclusão e 13 (treze) dias-multa.
Na segunda fase da dosimetria da pena, foi considerada a atenuante inominada do artigo 66 do Código Penal, "por sua colaboração com a Justiça, denunciando NELSON TABOADA, quando interrogado, como o verdadeiro 'dono' da Realbrás, mesmo após o seu formal desligamento dela", sendo a pena reduzida em 06 (seis) meses de reclusão, que deve ser mantida, à míngua de recurso da Acusação.
Dessa forma, a pena resulta em 03 anos e 06 (seis) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa.
Na terceira fase, foi considerada a causa de aumento da continuidade delitiva, que deve ser afastada pelos motivos acima expostos.
Assim, a pena resulta definitiva em 03 anos e 06 (seis) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa.
Mantenho o valor do dia-multa em 1/2 (meio) salário mínimo vigente à época da liquidação, consoante fundamentação da sentença (fl. 3189):
Quanto ao regime inicial de cumprimento da pena, apesar de ser estabelecido, a princípio, em função da quantidade da pena, nos termos do §2º do artigo 33 do Código Penal, o §3º do citado dispositivo estabelece que "a determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á com observância dos critérios previstos no art. 59 deste Código".
No caso dos autos, foram consideradas desfavoráveis as circunstâncias do artigo 59 do CP, em relação às conseqüências do crime, fixando-se a pena-base em patamar superior ao mínimo legal.
Dessa forma, não obstante a pena final em patamar inferior a quatro anos, fixo o regime inicial semi-aberto para o início do cumprimento da pena, a teor do artigo 33, §3º, do Código Penal.
O réu não faz jus à substituição da pena de reclusão por penas restritivas de direitos, uma vez que, como visto acima, foram consideradas desfavoráveis as circunstâncias do artigo 59 do CP, em relação às conseqüências do crime. Destarte, o apelante não preenche o requisito do artigo 44, inciso III, do Código Penal, porquanto a substituição da pena não se revela suficiente para a prevenção e a repressão do crime cometido.
Por fim, eventual reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva estatal, em razão da pena concretamente aplicada, somente se afigura possível após o trânsito em julgado para a Acusação.
Pelo exposto, rejeito as preliminares; reconheço a extinção da punibilidade do réu JARBAS pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal, em relação ao crime do artigo 5º da Lei nº 7.492/1986, na modalidade retroativa, com fundamento nos artigos 107, inciso IV; 109, inciso IV e 110, § 1º, todos do Código Penal, combinados com o artigo 61, caput, do Código de Processo Penal, restando prejudicada a análise do recurso de apelação quanto ao ponto; e dou parcial provimento às apelações dos réus NELSON e JARBAS reduzir as penas-base e afastar a continuidade delitiva do crime de gestão fraudulenta, fixando a pena do réu NELSON em 04 anos e 06 meses de reclusão e 15 dias-multa para o crime do artigo 5º, e de 04 anos de reclusão para o crime do artigo 4º da Lei 7.492/1986, resultando em concurso material a pena de 08 anos e 06 meses de reclusão, em regime inicial fechado, e 35 dias-multa; e fixando a pena do réu JARBAS para o crime do artigo 4º da Lei 7.492/1986 em 03 anos e 06 meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 11 dias-multa, mantida no mais a r.sentença apelada.
É como voto.
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