Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 22/08/2014
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002281-12.2002.4.03.6119/SP
2002.61.19.002281-2/SP
RELATORA : Juiza Convocada DENISE AVELAR
APELANTE : OLGA MARIA DA CONCEICAO RAMOS
ADVOGADO : ANTONIO HERMELINDO RIBEIRO NETO e outro
APELADO(A) : Justica Publica

EMENTA

PENAL. PROCESSO PENAL. USO DE DOCUMENTO FALSO. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. DIMINUIÇÃO DA PENA-BASE. CABIMENTO. PRINCÍPIOS CONSUNÇÃO E ABSORÇÃO. DESCONSTITUIÇÃO DA PENA DE MULTA. IMPOSSIBILIDADE.
1 - Não há comprovação de situação que justifique a aplicação da excludente de inexigibilidade de conduta diversa.
2 - Princípios da consunção e absorção. A conduta do uso de documento falso é absorvida pela prática do delito de falsificação. Pena-base aplicada no mínimo legal.
3 - A desconstituição da pena de multa implica em decisão contra legem. Inaplicabilidade.
4 - Apelação parcialmente provida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação para reduzir a pena-base, fixada em 2 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, mantida no mais a r. sentença, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 12 de agosto de 2014.
DENISE AVELAR
Juíza Federal Convocada


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002281-12.2002.4.03.6119/SP
2002.61.19.002281-2/SP
RELATORA : Juiza Convocada DENISE AVELAR
APELANTE : OLGA MARIA DA CONCEICAO RAMOS
ADVOGADO : ANTONIO HERMELINDO RIBEIRO NETO e outro
APELADO(A) : Justica Publica

VOTO

Materialidade e autoria. Inexigibilidade de conduta diversa.

Não há controvérsia quanto a materialidade e autoria do delito.

A ré alega, inicialmente, inexigibilidade de conduta diversa, requerendo sua absolvição.

A alegação é incabível, pois a apelante não comprovou situação que ensejasse a aplicação da excludente de culpabilidade de inexigibilidade de conduta diversa, porquanto, o fato de a ré ter uma vida simples e o sonho de viver em outro país com novas oportunidades não justifica o cometimento do crime de uso de documento falso.

Ademais, a argüição está desprovida de fundamentação jurídica e de comprovação nos autos, que seriam autorizadores para a aplicação da excludente de culpabilidade alegada. Nesse sentido, há julgados dessa e. Corte:

"DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. USO DE DOCUMENTO FALSO. ARTS. 304 E 297 DO CÓDIGO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA (...) MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA.
(...)
4. É improcedente a alegação de inexigibilidade de conduta diversa suscitada genericamente e desprovida de fundamentação jurídica, se não encontra respaldo nas provas colhidas durante a instrução.
5. Apelação do réu desprovida."
(TRF 3ª Região, ACR nº 0004683-69.2005.4.03.6181/SP, Desembargador Federal Cotrim Guimarães, julgado em 22/05/2012, publicado em 01/06/2012, votação unânime)
"PENAL E PROCESSO PENAL. USO DE DOCUMENTO FALSO. AUTORIA, MATERIALIDADE E DOLO DEMONSTRADOS. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA NÃO CARACTERIZADA. DOSIMETRIA DA PENA. PENAS SUBSTITUTIVAS.
1 - A autoria, materialidade e dolo foram devidamente comprovados pelos documentos, laudos e depoimentos prestados nos autos.
2 - Não demonstrada situação que ensejasse a aplicação da excludente de culpabilidade da inexigibilidade de conduta diversa. O fato de a ré ter uma vida simples e o sonho de viver em outro país com outras oportunidades não justifica o cometimento do crime de uso de documento falso.
(...)"
(TRF 3ª Região, ACR nº 2003.61.19.001615-4, Desembargador Federal José Lunardelli, julgado em 14/06/2011, publicado em 23/06/2011, votação unânime)

Dosimetria da pena. Pena-base. Desconstituição da pena de multa.

A defesa pede, alternativamente, a redução da pena-base ao mínimo legal.

Confira-se o trecho da sentença quanto à dosimetria da pena:

"Ante o exposto, CONDENO a ré OLGA MARIA DA CONCEIÇÃO RAMOS, nos autos qualificada, como incursa nas sanções do 304, c.c o artigo 297, ambos do Código Penal.
Passo à individualização da pena.
1a fase) Embora sem apontamentos de antecedentes e considerados os depoimentos testemunhais de conduta social, as circunstâncias do delito revelam culpabilidade intensa e prevalecem na avaliação conjunta. É que a acusada forneceu foto própria e considerável quantia e dinheiro para confecção dos documentos falsos. Embora entenda afastado o concurso, não se pode de ignorar que se diferem na culpabilidade o criminoso que simplesmente recebe o documento já forjado para usá-lo e aquele que, em momento anterior participa ativamente da falsificação, para a qual disponibiliza fotografia e pagamento, e somente depois apresenta o documento perante autoridade federal. Ademais, o passaporte de fl. 16 ostenta visto norte-americano falsificado com a fotografia da acusada, o que potencializa a ofensa à fé pública e enseja maior reprovação da conduta. Em conseqüência, fixo a pena-base em 02 anos e 04 meses de reclusão, obtida mediante a majoração de 1/6.
2a fase) Não há circunstâncias atenuantes ou agravantes.
3a fase) Não causas de aumento ou de diminuição.
Assim, torno definitiva a pena em 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão.
Com relação à pena de multa, conforme parâmetros. utilizados para estabelecer a pena privativa de liberdade, fixo-a em 11 (onze) dias-multa. Seu valor fica arbitrado no mínimo de 1/30 do salário-mínimo vigente à época do crime, haja vista a ausência de elementos nos autos indicativos situação financeira própria do réu. Com correção monetária.
Com endereço certo declarado nos autos e possibilidade de cumprir pena no território nacional, tendo comparecido aos atos do processo, fixo o regime inicial aberto, nos termos do previsto no art. 33, §§ 2°, "c", e 3°, do Código Penal, sem prejuízo de posterior decreto de prisão para garantir aplicação da lei penal, caso esteja foragida. Presentes os demais requisitos, SUBSTITUO a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, com fundamento no artigo 44, caput, do Código Penal, quais sejam:
a) Prestação de serviços à comunidade, em entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, nas condições a serem definidas durante o Processo de Execução Penal, para tarefas segundo as aptidões da ré, à razão de 01 (uma) hora para cada dia de condenação, fixadas de molde a não prejudicar a jornada normal de trabalho, facultado o cumprimento em menor tempo, nunca inferior à metade da pena privativa de liberdade fixada;
b) Prestação pecuniária, em cestas básicas mensais, que totalizem somadas 10 (dez) salários mínimos, voltadas a entidade pública ou privada com destinação social, conforme definida no Processo de Execução Penal.

Na dosimetria da pena, na primeira fase, o Juiz a quo entendeu desfavorável à ré a culpabilidade, considerando o fato de ter contribuído na falsificação do documento ao fornecer sua fotografia, bem como efetuado pagamento pelo falso.

Entretanto, deve ser considerada a aplicação do princípio da consunção ao fazer-se uma avaliação detalhada do nexo de dependência das condutas perpetradas. No presente caso, o Juiz a quo afastou o concurso de crimes, deixando claro ter sido a falsificação efetuada por terceiro, mediante pagamento, unicamente como meio para a prática da conduta do uso de documento falso (passaporte).

Nesta esteira, ainda que restasse configurada a participação da ré na falsificação do passaporte e em seguida fizesse o uso do documento, pelo princípio da absorção responderia apenas pela falsificação. Nesse sentido, a sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu por unanimidade:


HABEAS CORPUS. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO E USO DE DOCUMENTO FALSO. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA. PRINCÍPIO DA ABSORÇÃO. CONSTRANGIMENTO EVIDENCIADO.
1. Em sede de habeas corpus, só é possível o trancamento da ação penal em situações especiais, como nos casos em que é evidente e inafastável a negativa de autoria e quando o fato narrado não constitui crime, sequer em tese.
2. Ao contrário do que afirma o impetrante, não se evidencia, estreme de dúvidas, a alegada atipicidade da conduta da paciente, tornando temerário o atendimento ao pleito deduzido, sobretudo porque a peça acusatória, nos termos do art. 41 do Código de Processo Penal, demonstra, em tese, a configuração do delito.
3. O entendimento sufragado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é de que se o mesmo sujeito falsifica e, em seguida, usa o documento falsificado, responde apenas pela falsificação.
4. Ordem denegada. Habeas corpus concedido de ofício, para trancar a ação penal quanto ao crime de uso de documento falso, devendo prosseguir no que concerne às demais imputações.
(STJ, HC 70703/GO. Rel. Min. OG FERNANDES, j. em 23/02/2012, publicado em 07/03/2012)

Desse modo, deve ser afastada a circunstância autorizadora da fixação da pena-base acima do mínimo legal, fazendo jus a apelante à redução da pena-base uma vez que a ré é primária e possui bons antecedentes.

No tocante ao pedido de desconsideração da pena de multa, este não merece acolhimento, uma vez que não restou configurada a situação financeira precária da ré, bem como tal cominação estar prevista, pela conduta praticada pela apelante, nos artigos 297 e 304 do Código Penal. O seu afastamento implicaria em decisão contra legem. Nesse sentido:

"PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. (...) PENA DE MULTA
(...)
9. Prevendo o preceito legal a cumulação de pena privativa de liberdade com pena de multa (como ocorre com o art. 33 da Lei 11.343/06), o afastamento desta pelo juiz configuraria decisão contra legem, o que deve ser rechaçado. Ademais, a multa aplicada em processo penal não quitada passa a constituir dívida de natureza civil e rege-se pela legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública (art. 51 do Código penal), não devendo opor empecilhos à liberdade de locomoção do réu, sob pena de violação ao art. 5º, XV e LXVII, da Constituição Federal.
(...)"
(TRF 3ª Região, Segunda Turma, ACR nº 0010388-93.2012.4.03.6119/SP, Relator Desembargador Federal COTRIM GUIMARÃES, Julgado em 22/04/2014, publicado em 05/05/2014, votação unânime)

Ademais, o Juiz sentenciante estabeleceu o valor de cada dia-multa no mínimo legal.

Portanto, resta fixada a pena-base em 2 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, mantida no mais a r. sentença.

Diante do exposto, voto por dar parcial provimento à apelação para reduzir a pena-base, fixada em 2 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, mantida no mais a r. sentença.



DENISE AVELAR
Juíza Federal Convocada


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): DENISE APARECIDA AVELAR:10238
Nº de Série do Certificado: 2176A168DC6E9ADE
Data e Hora: 15/08/2014 18:07:18