Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 22/08/2014
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0008171-51.2013.4.03.6181/SP
2013.61.81.008171-0/SP
RELATOR : Juiz Convocado MÁRCIO MESQUITA
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO(A) : DEMITRIO CARTA
ADVOGADO : SP026291 JOSE ROBERTO LEAL DE CARVALHO
CODINOME : NINO CARTA
RECORRIDO(A) : LEANDRO BOAVISTA FORTES
ADVOGADO : SP026291 JOSE ROBERTO LEAL DE CARVALHO
CODINOME : LEANDRO FORTES
RECORRIDO(A) : DINO MIRAGLIA FILHO
ADVOGADO : MG086468 DINO MIRAGLIA FILHO
RECORRIDO(A) : NILTON ANTONIO MONTEIRO reu preso
ADVOGADO : SERGIO MURILO FONSECA MARQUES CASTRO (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00081715120134036181 10P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIME DE CALÚNIA. REJEIÇÃO DE DENÚNCIA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE. LIBERDADE DE IMPRENSA QUE NÃO EXCLUI A POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO POR CRIME CONTRA A HONRA. CRIME DE NATUREZA FORMAL: PRESCINDIBILIDADE DE EXAME PERICIAL. FALSIDADE DA IMPUTAÇÃO: PROVA CONTRÁRIA QUE CABE AO DENUNCIADO, POR MEIO DA EXCEÇÃO DA VERDADE. RECURSO PROVIDO.
1. Recurso em sentido estrito interposto contra decisão que, com fundamento no artigo 395, inciso III, do Código de Processo Penal, rejeito denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal, pelo crime do artigo 138, caput, com as duas causas especiais de aumento do artigo 141, incisos II e III, e a agravante do artigo 61, inciso II, alínea "a", todos do Código Penal.
2. A denúncia encontra-se formalmente regular, e contém exposição clara e objetiva dos fatos ditos delituosos, com narração de todos os elementos essenciais e circunstanciais que lhes são inerentes, atendendo aos requisitos descritos no artigo 41 do Código de Processo Penal.
3. Os fatos descritos na denúncia evidenciam a ocorrência de fato típico, qual seja, a imputação falsa, pelos denunciados ao ofendido, da conduta de receber vantagem indevida em razão de exercício do cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal, fato esse tipificado no artigo 317 do Código Penal (crime de corrupção passiva).
4. Na fase inicial da ação penal vigora o princípio in dubio pro societate, cumprindo ao juiz a verificação da prova da existência do crime e indícios de autoria, bastando para o recebimento da denúncia a mera probabilidade de procedência da ação penal. A rejeição da denúncia somente se justifica diante da absoluta ausência de indícios de autoria, flagrante atipicidade da conduta ou extinção da punibilidade, posto que se existente a prova indiciária, ainda que mínima, a dúvida deve ser resolvida, nesse momento processual, em favor da Acusação. Precedentes.
5. A conclusão pela inexistência de animus caluniandi, mas apenas e tão somente animus narrandi por parte dos denunciados, ou seja, de que estes agiram com mera intenção de informar, e não de caluniar, nessa fase processual, somente seria possível se tal circunstância restasse extreme de dúvidas, constatável ictu oculi, e não é o que ocorre no caso dos autos.
6. Especificamente com relação à imprensa, a Constituição, em seu artigo 220, veda qualquer restrição à informação e qualquer forma de embaraço à liberdade de imprensa, e qualquer censura. É nítida portanto à relevância dada pela Constituição à liberdade de imprensa, dada a importância de uma imprensa livre para a concretização de um Estado verdadeiramente democrático.
7. Contudo, isso não exclui a possibilidade de responsabilização criminal, posto que a liberdade de imprensa não significa imunidade quanto à responsabilização por crimes contra a honra, na forma como tipificados no Código Penal. Entendimento do Supremo Tribunal Federal, reiterado após a declaração de não-recepção, pela Constituição de 1988, da Lei nº 5.250/1967.
8. A revista não se limita a afirmar que o nome do ofendido consta em uma lista de pessoas que teriam recebido dinheiro, mas vai além, e faz um juízo de valor sobre a veracidade da informação contida na lista. Em seu editorial, reafirma o juízo sobre a veracidade da informação obtida na lista, ao concluir que disso decorre ser evidente a suspeição do Ministro. Presentes indícios suficientes de que os denunciados agiram com intenção caluniosa, é o que basta para o recebimento da denúncia.
9. A denúncia imputa aos acusados o crime de calúnia - e não o crime de falsidade material - que é de natureza formal, e prescinde de qualquer exame pericial. O fato criminoso que a denúncia indica ter sido falsamente imputado ao ofendido é ter recebido dinheiro de um esquema de corrupção, inclusive para facilitar a concessão de decisão judicial.
10. O fato criminoso que a denúncia indica ter sido falsamente imputado ao ofendido não é a falsificação da lista; esta circunstância é indicada na denúncia como comprobatória da presença do dolo. Dessa forma, não é cabível a discussão, nesse momento processual, sobre estar ou não demonstrada a falsidade da lista, pelas apontadas incongruências em seu conteúdo.
11. Para a caracterização do delito de calúnia, é necessário que a imputação seja falsa, que o réu saiba desta circunstância e que o fato atribuído ao ofendido seja definido como crime. Contudo, isso não significa que caiba ao ofendido provar a falsidade da imputação. Ao contrário, se o denunciado por crime de calúnia alega que o fato imputado, embora criminoso, é verdadeiro, a ele cabe essa prova, mediante o incidente de exceção da verdade, previsto no §3º do artigo 138 do Código Penal. Precedentes.
12. Se é certo que o crime da calúnia exige, para sua caracterização, que o agente tenha ciência da falsidade da imputação, no caso concreto o que se exige é que os denunciados tenham ciência da falsidade da imputação do recebimento do dinheiro pelo ofendido, em razão de sua função de Ministro do Supremo Tribunal Federal, praticando crime de corrupção passiva - e não da falsidade da lista. E a denúncia aponta indícios suficientes de que os denunciados tinham conhecimento da falsidade da imputação.
13. No sistema processual penal brasileiro, o Ministério Público limita-se ao oferecimento da denúncia, não formulando pedido de condenação do réu em determinada quantidade de pena. Cabe ao Juiz, se procedente a denúncia, proceder à dosimetria da pena considerando, de ofício, todas as circunstâncias, inclusive eventuais antecedentes do réu, independentemente de requerimento expresso da Acusação. Assim, a juntada aos autos das certidões de antecedentes interessa não só à Acusação, mas também ao Juízo. Precentes.
14. Recurso provido.


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os integrantes da Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da Terceira Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso em sentido estrito para receber a denúncia, bem como para determinar a requisição das certidões de antecedentes criminais, determinando o envio dos autos ao Juízo de origem para regular processamento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.




São Paulo, 12 de agosto de 2014.
MARCIO MESQUITA
Juiz Federal Convocado


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): MARCIO SATALINO MESQUITA:10125
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RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0008171-51.2013.4.03.6181/SP
2013.61.81.008171-0/SP
RELATOR : Juiz Convocado MÁRCIO MESQUITA
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO(A) : DEMITRIO CARTA
ADVOGADO : SP026291 JOSE ROBERTO LEAL DE CARVALHO
CODINOME : NINO CARTA
RECORRIDO(A) : LEANDRO BOAVISTA FORTES
ADVOGADO : SP026291 JOSE ROBERTO LEAL DE CARVALHO
CODINOME : LEANDRO FORTES
RECORRIDO(A) : DINO MIRAGLIA FILHO
ADVOGADO : MG086468 DINO MIRAGLIA FILHO
RECORRIDO(A) : NILTON ANTONIO MONTEIRO reu preso
ADVOGADO : SERGIO MURILO FONSECA MARQUES CASTRO (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00081715120134036181 10P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

O Juiz Federal Convocado MÁRCIO MESQUITA (Relator):


O Ministério Público Federal, em 05/07/2013, denunciou DEMÉTRIO CARTA, LEANDRO FORTES, DINO MIRAGLIA FILHO e NILTON ANTONIO MONTEIRO, qualificados nos autos, nascidos aos 06/09/1933, 18/03/1966, 27/07/1959 e 12/03/1957, respectivamente, como incursos, por três vezes, no artigo 138, caput, do CP - Código Penal, com as duas causas especiais de aumento de pena previstas no artigo 141, incisos II e III, e ainda a agravante do artigo 61, inciso II, alínea "a', todos do Código Penal (fls. 288/299). Consta da denúncia:


... Em julho, em agosto e em novembro de 2012, os dois primeiros acusados, DEMÉTRIO CARTA e LEANDRO FORTES, caluniaram Gilmar Ferreira Mendes, visando diminuir-lhe a autoridade moral como Ministro do Supremo Tribunal Federal, imputando-lhe falsamente a prática do crime de corrupção passiva na capa e em matérias que fizeram publicar na revista semanal Carta Capital, de circulação nacional. As matérias contendo a imputação caluniosa embasaram-se em documentos com manifesta falsidade material e ideológica, cuja existência foi dolosamente divulgada pelo terceiro denunciado, DINO MIRAGLIA FILHO, o qual, por sua vez, os recebera das mãos do quarto acusado e autor da falsificação, NILTON ANTONIO MONTEIRO, com quem agiu em conluio.
Na edição nº 708 - ano XVII, datada de 10 de agosto de 2012 e já em 27 de julho de 2012 disponível nas bancas (cópia às fls. 28/37 do inquérito policial anexo), LEANDRO FORTES - autor - e DEMÉTRIO CARTA - Diretor de Redação - publicaram na revista Carta Capital matéria intitulada "Juiz? Não, réu", de autoria de LEANDRO FORTES. O subtítulo da notícia sentenciava: "Valerioduto - O ministro Gilmar Mendes aparece entre os beneficiários do caixa 2 da campanha da reeleição de Eduardo Azeredo em 1998, operado por Marcos Valério".
Na capa da revista, ilustrada com fotografia do rosto do ofendido (Doc. 01), LEANDRO FORTES e DEMÉTRIO CARTA afirmaram: "O valerioduto abasteceu Gilmar - Mendes aparece em uma lista inédita de beneficiários do caixa 2 tucano em 1998. Com ele, Jorge Bornhausen, Agripino Maia, Walfrido dos Mares Guia, o comitê da reeleição de FHC etc. etc".
Na referida matéria, assinada pelo acusado LEANDRO FORTES, imputava-se a Gilmar Ferreira Mendes, com base unicamente em documentos cuja existência havia sido divulgada pelo denunciado DINO MIRAGLIA FILHO, o recebimento da importância de R$ 185.000,00 (cento e oitenta e cinco mil reais) que teriam sido angariados pelo publicitário Marcos Valéria de Souza graças a um suposto esquema de arrecadação montado para irrigara campanha à reeleição de Eduardo Azeredo ao governo de Minas Gerais em 1998.
O documento que fundamentou a imputação caluniosa consistia em duas listas: a primeira, supostamente de doadores de campanha, com os respectivos valores de doação, e a segunda, de beneficiários de altas somas em dinheiro. O documento possuía o timbre da SMP&B Comunicação e as páginas eram rubricadas, supostamente por seu firmatário, Marcos Valério Fernandes de Souza. Sua assinatura, ao final do documento, era reconhecida, por semelhança, pelo 10 Serviço Notarial ,de Belo Horizonte/MG, e a data ali aposta era a de 28 de março de 1999.
A primeira lista intitulava-se "Relatório de movimentação financeira da campanha da reeleição do Governador EDUARDO BRANDÃO DE AZEREDO ao governo de Minas Gerais, ocorrida no ano de 1998, sob a administração das empresas SMP&B COMUNICAÇÃO LTDA, e DNA PROPAGANDA LTDA". A segunda lista, em continuação à primeira, intitulava-se "Saídas de Recursos Arrecadados com as Fontes Pagadoras".
Os "doadores" e os "beneficiários" eram elencados em ordem alfabética. Assim, na segunda lista lia-se "Gilmar Ferreira Mendes/AGU (via Gov. Eduardo Azeredo/Pimenta da Veiga) - R$ 185000,00".
O só recebimento de vantagem ilícita configuraria o crime de corrupção passiva por parte do ofendido Gilmar Ferreira Mendes, pois o tipo do artigo 317 do Código Penal incrimina o ato de receber ou simplesmente aceitar promessa de vantagem indevida em razão da função. Todavia, na reportagem publicada pelos acusados LEANDRO FORTES e DEMÉTRIO CARTA lê-se, ainda, a sugestão de contrapartida pelo caluniado: a concessão de habeas corpus a Marcos Valério de Souza e a Rogério Lanza Tolentino em janeiro de 2009.
O trecho da reportagem em que se completa a imputação de fato definido como crime é o seguinte:
"Um dado a ser considerado é o fato de que, em janeiro de 2009, Mendes ter concedido (sic) o habeas corpus que libertou Souza da cadeia. Também foi libertado, no mesmo ato, Rogério Lanza Tolentino, que aparece na lista do valerioduto como beneficiário de 250,8 mil reais 'via Clésio Andrade/Eduardo Azeredo. O ministro do Supremo entendeu que o decreto de prisão preventiva da dupla não apresentava 'fundamentação suficiente'" -fl. 37.
No editorial, o acusado DEMÉTRIO CARTA repisa as acusações formuladas na reportagem de capa e acrescenta outra, no seguinte trecho:
"Na reportagem de capa desta edição, Mendes volta à ribalta, e por causa de circunstâncias destinadas a esclarecer de forma decisiva as razões do seu voto contrário ao envolvimento do ex-governador Eduardo Azeredo no 'mensalão' das Alterosas."
Todas essas acusações fundamentaram-se em documentos cuja falsidade de conteúdo era evidente, e provenientes de fonte - o acusado NILTON ANTONIO MONTEIRO - notoriamente indigna de crédito. Ademais, à época da publicação da notícia a falsidade material do documento estava já estampada em inquérito policial no bojo do qual restara demonstrado que fora fabricado nos computadores pessoais de NILTON ANTONIO MONTEIRO, os quais haviam sido objeto de busca e apreensão em cumprimento a decisão judicial exarada em 18 de outubro de 2011 no âmbito dos autos 024.08.181.165-5/Vara Criminal de Inquéritos Policiais da Comarca de Belo Horizonte (cf. Apenso IV, fls. 751/757, 1281/1287).
A mínima investigação a que todo veículo de imprensa deve proceder antes de publicar a imputação de fato criminoso a alguém teria posto a nu a falsidade grosseira dos documentos que a embasavam.
Mais ainda no caso específico dos autos, em que se fez uma acusação explosiva: a imputação de corrupção passiva a um Ministro do Supremo Tribunal Federal justamente às vésperas do julgamento, pela Excelsa Corte, da ação penal mais rumorosa de que se tem notícia na história política recente do país, a Ação Penal 470.
No editorial do acusado DEMÉTRIO CARTA lê-se claramente a suspeição do Ministro Gilmar para atuar no feito:
"A suspeição de Mendes no processo que se inicia é muito mais que evidente."
Nestes pontos fulcrais reside o dolo dos acusados DEMÉTRIO CARTA e LEANDRO FORTES.
DA FALSIDADE IDEOLÓGICA
A falsa lista de recebedores de valores supostamente arrecadados por Marcos Valério Fernandes de Souza trazia dois graves erros de conteúdo que saltavam aos olhos.
Formalmente datada de 28 de março de 1999, a lista identificava o ofendido Gilmar Ferreira Mendes da seguinte forma:
"Gilmar Ferreira Mendes/AGU (via Gov. Eduardo Azeredo/Pimenta da Veiga) - R$ 185.000,0T - grifo acrescentado.
Ocorre que, em 28 de março de 1999, o ofendido Gilmar Ferreira Mendes ainda não ocupava o cargo de Advogado-Geral da União, mas sim o de Subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil, órgão vinculado à Casa Civil da Presidência da República.
O cargo de Advogado-Geral da União somente veio a ser ocupado pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes em janeiro de 2000.
Para além disso, a mesma lista apontava o recebimento, pelo Senador Delcídio Amarai, a quem identificava como "Delcídio Amaral/MS", da importância de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), "via Gov. Eduardo Azeredo/Pimenta da Veiga". Ocorre que, conforme nota publicada pelo próprio Senador (fls. 42/43), na data suposta do documento não desenvolvia qualquer atividade político-partidária, apenas alçando-se ao cargo de Senador pelo Estado do Mato Grosso do Sul três anos mais tarde, em 2002.
Na nota publicada pelo Senador Delcídio Amaral, datada de 28 de julho de 2012, lê-se:
"Ao jornalista Mino Carta
Editor da Carta Capital
Senhor editor,
Em relação à matéria publicada na edição 708 da revista Carta Capital, onde meu nome é levianamente citado como suposto beneficiários de pagamentos efetuados há 14 anos, em Minas Gerais, esclareço, indignado, o seguinte:
1 - A reportagem se baseia em 'documento' de um suposto esquema de caixa 2 que teria ocorrido na campanha eleitoral de 1998, época em que eu não desenvolvia nenhuma atividade político partidária, nem em Minas Gerais nem em qualquer outro lugar do país. Disputei o primeiro cargo público em 2002, quando, com muito orgulho, me tornei o primeiro senador eleito pelo Partido dos Trabalhadores em Mato Grosso do Sul.
2 - Se essa 'suposta' lista fosse verdadeira, seguramente teria sido utilizada durante a CPMI dos Correios, até para desqualificar os seus integrantes. O próprio advogado do acusado a quem a revista atribui a elaboração do abominável documento nega, com veemência, que seu cliente seja o responsável pelo mesmo, atribuindo sua autoria a um conhecido psicopata e estelionatário recorrente em fraudes diversas em Minas Gerais, que já foi preso e continua respondendo criminalmente por esses mesmos motivos (...)" - fl. 42. Grifos acrescentados.
Tais equívocos de conteúdo da lista teriam sido postos a descoberto com a investigação mais singela, inclusive, como é curial em casos que tais, com a oportunidade de manifestação, previamente à publicação, ao menos do Ministro Gilmar Ferreira Mendes, figura central de ataque da reportagem, pois a colheita da outra versão dos fatos é a diligência mínima de que se devem revestir as reportagens jornalísticas, mormente aquelas que imputam crimes.
Essa oportunidade não foi concedida ao caluniado.
Nada obstante, assim que tomou conhecimento do conteúdo da matéria caluniosa, o ofendido Gilmar Ferreira Mendes, tanto quanto o Senador Delcídio Amaral, apontaram esses erros essenciais que inquinavam de falso o documento utilizado pela revista.
Nem por isso, porém, os acusados se detiveram.
Ao contrário, na edição seguinte da revista Carta Capital, a de n° 709, LEANDRO FORTES - autor - e DEMÉTRIO CARTA - Diretor de Redação - insistiram nas acusações fundamentadas no documento falso, a despeito de todas as declarações apontando os erros acima mencionados, publicando, na reportagem "O Argumento da Fraude Caiu":
"A reação de Mendes foi a de anunciar a intenção de processar (mais uma vez) CartaCapital. Por meio de acólitos na mídia a serviço da desinformação e da trapaça, tentou desqualificar a lista ao alegar que a sigla 'AGU' (Advocacia-Geral da União) colocada ao lado do nome dele no documento não faz sentido, porque, em 1998, trabalhava na Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil no governo Fernando Henrique Cardoso. Ele só se tornaria advogado-geral da União em 2000, nomeado por FHC. Ocorre que a referida subchefia é uma unidade atrelada à AGU, conforme demonstra o site oficial do órgão, na internet"-fl. 60 - grifos acrescentados.
Isso não é verdade.
A Advocacia-Geral da União foi criada pela Carta de 1988 como instituição incumbida da representação judicial e extrajudicial da União, cabendo-lhe ainda as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo, nos termos do artigo 131 da CF/88 e na forma regulamentada pela Leis Complementar no 73/93.
Já a Casa Civil integra a Presidência da República, como um de seus Ministérios, competindo-lhe as incumbências arroladas na Lei n° 10.683/2003.
Os sites oficiais da Advocacia-Geral da União e da Casa Civil deixam bastante clara essa característica, expondo inclusive os históricos de cada qual, com remissão a todos os instrumentos normativos que as criaram e lhes dão corpo, os quais apartam perfeitamente a Subchefia para Assuntos Jurídicos e a Advocacia-Geral da União.
No site oficial da Casa Civil, o organograma do Ministério deixa bem patente que a Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil atrela-se à Casa Civil, conforme impresso anexo à presente (Doc. 02), extraído do endereço http://www.casacivil.gov.brisobre/organogramatorg-cc-2012.jpg/view.
Tradicionalmente, em razão da similitude de funções, o cargo de Subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil vem sendo ocupado por integrantes da carreira da Advocacia-Geral da União. Esse fato, porém, não implica que a Subchefia esteja "atrelada" à AGU.
Em outra vertente, são órgãos de execução da Advocacia-Geral da União as Consultorias Jurídicas dos Ministérios, nos termos do artigo 20, inciso II, alínea "b", da Lei Complementar no 73/93. É dizer: a consultoria jurídica à Casa Civil é prestada por um advogado da União, razão por que, no site Advocacia-Geral da União, encontra-se listada a unidade consultiva junto à Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República, conforme se lê no impresso anexo, extraído do endereço http://www.agu.gov.br/ sistemas/site/unidades.aspx?Id01 = DF&Id 02 = Distrito Federal&Id03=8&Id04=btn_clf (Doc. 03).
Feitas todas essas observações, remanesce cristalino que a identificação de Gilmar Ferreira Mendes, à época o Subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil, como "AGU" sigla que designa justamente o cargo específico de Advogado-Geral da União que somente veio a ser ocupado pelo caluniado no ano seguinte ao da data do documento, e pelo qual, até que viesse a se tornar Ministro do Supremo Tribunal Federal, ganhou maior notoriedade - constituía claríssimo erro ideológico do documento.
Para além de tudo isso, outro detalhe sinalizava a falsidade dos documentos: o fato de que ao menos duas versões deles circularam ao mesmo tempo.
Com efeito, a reportagem da edição nº 708 da revista Carta Capital esclarece que os documentos nos quais se embasou foram aqueles entregues "na quinta-feira 26 à delegada Josélia Braga da Cruz na Superintendência da Polícia Federal em Minas Gerais" -fls. 32/33.
Cópia do inquérito policial no 1693/2011-4, da DELEFAZ/SR/SPF/MG, no qual foram aviados, compõe os Apensos XVII e XVIII ao presente. À fl. 332 do Apenso XVIII vê-se a petição de juntada dos documentos, feita pelo acusado NILTON ANTONIO MONTEIRO, por meio de seu advogado, o acusado DINO MIRAGLIA FILHO. Na petição lê-se, a mão, "Josélia". No despacho que determinou o apensamento desses documentos, firmado pelo DPF MARINHO DA SILVA REZENDE JÚNIOR, datado de 30 de julho de 2012, consignou-se (fl. 318 do Apenso XVIII): "1. Assumo a presidência destes autos nesta data em razão da viagem em missão policial da DPF JOSÉLIA BRAGA; 2. Que sejam autuados em apenso os documentos protocolizados pelo advogado DINO MIRAGLIA FILHO".
A "Declaração para Fins de Prova Judicial ou Extrajudicial" supostamente firmada por Marcos Valério Fernandes de Souza encontra-se à fl. 338 do Apenso XVIII. Já as "listas" encontram-se às fls. 339/365 do mesmo apenso.
Anexa à presente, encontra-se a impressão dos documentos disponibilizados na Internet, em 27 de julho de 2012, pela própria Carta Capital (Doc. 04), sob o título "Valerioduto: confira a íntegra dos documentos", por meio dos seguintes links: http://www.cartacapital.com .br/politica/politica/valerioduto-confira-a-integra-dos-documentos/ http://www.cartacapital.com.br/wp-content/uploads/2012/07/arquivo_01.pdf
http://www.cartacapital.com.br/wp-content/uploads/2012/07/arquivo_02.pdf http://www.cartacapital.com.br/wp-content/uploads/2012/07/arquivo_03.pdf http://www.cartacapital.com.br/wp-content/uploads/2012/07/arquivo_04.pdf http://www.cartacapital.com br/wp-content/uploads/2012/07/arquivo_05.pdf.
O cotejo desses documentos demonstra que não são idênticos, permitindo ao menos suspeitar, uma vez mais, de sua falsidade, pois foram todos publicados como se fossem aqueles mesmos supostamente firmados por Marcos Valério de Souza.
Dentre outras pequenas dessemelhanças, vê-se que os documentos aviados no inquérito policial n° 1693/2011-4, da DELEFAZ/SR/SPF/MG, trazem a impressão de carimbo do Serviço Notarial do 10° Ofício de Belo Horizonte/MG, além de um "Selo de Fiscalização" do Poder Judiciário do Estado de Minas Gerais - Corregedoria-Geral de Justiça. Já os documentos publicados pela revista Carta Capital trazem um sinal de carimbo do 8° Ofício de Notas - Minas Gerais - Belo Horizonte.
Por fim, o conjunto de documentos ostentava ainda um signo de absoluta inverossimilhança em seu conteúdo.
Para além de versarem uma completa e irrestrita confissão de crimes, rubricada e assinada - inclusive com reconhecimento cartorial da firma - pelo próprio criminoso, traziam uma curiosíssima isenção de responsabilidade justamente ao produtor (oculto) do documento, o acusado NILTON ANTONIO MONTEIRO.
Complementava as "listas" uma "Declaração para Fins de Prova Judicial ou Extrajudicial', datada de 12 de setembro de 2007 e supostamente firmada também por Marcos Valério Fernandes de Souza (cf. fl. 35 dos autos de inquérito policial). Nessa peça, "Marcos Valério'"declara para fins de direito, (sic) que repassou no ano de 1998 a importância de R$ 4.500.000,00 (quatro milhões e quinhentos mil reais) para Dr. Eduardo Brandão de Azeredo, com autorização dos coordenadores financeiros da campanha Sr. Cláudio Roberto Mourão da Silveira e Dr. Walfrido Silvino dos Mares Guia Neto". Ademais, lê-se:
"A importância recebida pelo Dr. Eduardo Brandão de Azeredo tiveram (sic) suas origens do (sic) BEMGE, CREDIREAL, BANCO RURAL, COMIG, COPASA, LOTERIA MINEIRA, e por intermédio das construtoras ANDRADE GUTIERREZ e ARG, conforme DECLARAÇÃO DE DESEMBOLSO assinada pelo declarante na cidade de Belo Horizonte/MG, em 28 de março de 1999".
Pois bem. No último parágrafo desse documento, consignou-se:
"No que diz respeito à relação dos documentos acima mencionados, o declarante Isenta o consultor de empresa Sr. Nilton Antonio Monteiro de qualquer responsabilidade perante a Justiça de nosso pais".
Como se vê, o próprio documento trazia em si o selo da mentira e, para dizer o menos, obrigava a um escrutínio rigoroso antes que pudesse fundamentar as publicações caluniosas objeto da presente ação penal.
A este ponto, passa-se ao segundo conjunto de circunstâncias que evidenciam o dolo dos acusados: a inconfiabilidade da fonte.
DA FONTE. DA FALSIDADE MATERIAL
A fonte dos documentos falsos que fundamentaram as reportagens jornalísticas caluniosas foi o quarto acusado, NILTON ANTONIO MONTEIRO. A divulgação da existência dos referidos documentos ficou por conta do terceiro acusado, DINO MIRAGLIA FILHO, com quem NILTON agiu de modo articulado.
Na reportagem da edição no 708 da revista Carta Capital, lê-se:
"Monteiro provavelmente tem alguma ligação com a história. Há muitas semelhanças entre os dois documentos. A lista de Furnas, cuja autenticidade foi comprovada pela perícia técnica da Polícia Federal, igualmente trazia uma lista de nomes de políticos, a maioria do PSDB e do ex-PFL (atual DEM), todos beneficiados por recursos de caixa 2. Além de Monteiro, assinava o documento Dimas Toledo, ex-diretor de Furnas, que até hoje nega ter rubricado aqueles papéis. A diferença agora são os comprovantes de depósitos, as autenticações em cartório e uma riqueza de detalhes raramente vista em documentos desse tipo.
Quem entregou a papelada à Polícia Federal foi Dino Miraglia Filho, advogado criminalista de Belo Horizonte. Miraglia chegou à lista por conta de sua atuação na defesa da família da modelo Cristiana Aparecida Ferreira, assassinada por envenenamento seguido de estrangulamento em um flat da capital mineira, em agosto de 2000" - fls. 33/34.
O acusado DINO MIRAGLIA FILHO é advogado de NILTON ANTONIO MONTEIRO nos autos da ação penal n° 0024.08.181.165-5, em trâmite perante a 2a Vara Criminal da comarca de Belo Horizonte, como se vê da cópia da procuração acostada às fls. 2262/2264 do Apenso IX, datada de 16/07/2012.
A ação penal n° 0024.08.181.165-5/2ªVCBH imputa a NILTON ANTONIO MONTEIRO, MARIA MACIEL DE SOUZA e ALCY MONTEIRO os crimes de formação de quadrilha, estelionato e denunciação caluniosa, e gira em torno da cobrança judicial, por NILTON ANTONIO MONTEIRO, de uma nota promissória falsificada no valor de R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais).
Antes de mais, cabe destacar dois fatos a respeito dessa ação penal. O primeiro: como se vê às fls. 699/704 do Apenso III, o laudo de exame grafotécnico no 35599-11, da Seção Técnica de Documentoscopia do Instituto de Criminalística da Polícia Civil de Minas Gerais, concluiu que a assinatura de CARLOS FELIPE AMODEO, aposta na nota promissória cobrada judicialmente por NILTON ANTONIO MONTEIRO, é falsa. O segundo: pouco tempo depois, como se vê à fl. 730 do Apenso IV, referida nota promissória desapareceu dos autos.
Pois bem. No curso do inquérito policial que embasou ação penal n° 0024.08.181.165-5/2aVCBH, NILTON ANTONIO MONTEIRO foi preso e seus computadores foram apreendidos. O laudo de exame computacional n° 12.679/12, cuja cópia encontra-se encartada no Apenso XI, em seu Anexo 34, retrata um arquivo, criado em 27/02/2009, contendo precisamente a "lista" - datada de 28/03/1999 - que fundamentou as reportagens caluniosas, com poucas diferenças com respeito àquela que acabou sendo publicada pela revista Carta Capital (e à que foi aviada por DINO MIRAGLIA FILHO no inquérito policial n° 1693/2011-4, da DELEFAZ/SR/SPF/MG), não podendo haver dúvida de que foi gerada no computador de NILTON ANTONIO MONTEIRO. Referido laudo, datado de 28 de junho de 2012, foi juntado aos autos da ação penal no 0024.08.181.165- 5/2aVCBH em 25 de julho de 2012.
A propósito, todo o produto das buscas e apreensões de objetos e coisas pertencentes a ANTONIO NILTON MONTEIRO demonstra uma verdadeira fábrica de falsificações. Nos arquivos das CPUs de seus computadores foi encontrada uma enormidade de modelos de títulos de crédito e de modelos escaneados de diversas assinaturas e timbres de empresas, tanto particulares como estatais, bem como de modelos de impressões de carimbos notariais, além de documentos atribuídos a empresários e autoridades, até mesmo supostas "degravações" de conversas telefônicas.
À guisa de exemplo, no Apenso XI, as páginas 1 a 7 do laudo de exame computacional no 12.679/12 trazem algumas dessas imagens de assinaturas, logotipos e carimbos. Também no Apenso XI, os Anexos 1 a 18 do laudo de exame computacional n° 12.679/12 contêm o emblema de Furnas Centrais Elétricas S/A, bem como inúmeros modelos de notas promissórias, algumas das quais preenchidas, com o emblema da Samarco (Anexos 4 e 12). O Anexo 19 contém documento com o emblema da Câmara dos Deputados, consistente supostamente em correspondência entre "Deputado José Carlos Aleluia" e "Deputado Gilberto Kassatf , na qual este encaminha àquele um 'relatório' sobre a quantia de R$ 22.983.000,00 "arrecadada" junto a determinadas empresas e "repassada" "para os Srs. Antônio Carlos Pannunzio, Eduardo Jorge Caldas Pereira e José Anibal, ambos responsáveis pela campanha de Geraldo Alckmin e de José Serra". Os Anexos 36 a 39 contêm carimbos escaneados de tabeliães. O Anexo 24 consiste de "correspondência" de Dimas Fabiano Toledo a Carlos Felipe Amodeo, supostamente datada de 03 de abril de 2005 - conteúdo criado em 28/03/2008 -, na qual aquele encaminharia "relatórios confidenciais dos valores arrecadados por mim, através de FURNAS CENTRAIS ELÉTRICAS S.A., juntamente com as demais empresas geradoras, fornecedoras, prestadoras de serviços do segmento elétrico e instituições financeiras, os quais foram repassados para diversos políticos da base de sustentação do GOVERNO LULA, dentre outros beneficiados".
Destaca-se ainda, no Apenso VI, às fls. 1402/1420, o Laudo de Exame Grafotécnico e Documentoscópico no 54.175-11, elaborado pela Seção Técnica de Documentoscopia do Instituto de Criminalística da Polícia Civil de Minas Gerais, encaminhado aos autos da ação penal n° 0024.08.181.165-5/2aVCBH por meio de ofício datado de 12 de dezembro de 2011. O laudo objetivava aferir a autenticidade da assinatura aposta em alguns documentos apreendidos em poder de NILTON ANTONIO MONTEIRO quando de sua prisão, consistentes em supostas degravações de conversas que denegriam a imagem de diversas autoridades, tudo como se pode ver às fls. 843/884 do Apenso IV. As "degravações" eram feitas em papel timbrado de J. Engler - Advogados Associados. Traziam timbres cartoriais e a assinatura de "Dr. Joaquim Engler Filho". O exame pericial concluiu pela falsidade das assinaturas atribuídas a Joaquim Engler Filho.
Interessante observar um outro incidente ocorrido no trâmite da ação penal no 0024.08.181.165-5/2aVCBH: foi forjada uma cópia do auto de apreensão às fls. 1.183 e seguintes desses autos, desta feita fazendo constar reprodução falsa de assinatura do Promotor de Justiça Adriano Botelho Estrela, motivando o Ministério Público de Minas Gerais, por meio do Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça Criminais (CAOCrim), a requisitar à Delegada de Polícia do Departamento de Falsificações e Defraudações de Belo Horizonte a instauração de inquérito policial. Esse auto de apreensão forjado acabou reproduzido na página 26 da edição de 14 de novembro de 2012 da revista Carta Capital, no bojo da matéria "De volta à origem", o que ocasionou o encaminhamento, pela Procuradoria-Geral de Justiça de Minas Gerais, do Ofício n° 108/2012-SCI-PGJ à chefia da redação da revista, esclarecendo sobre a improcedência da informação ali veiculada, tudo como consta da nota publicada no site oficial do Ministério Público de Minas Gerais, anexa (Doc. 06), obtida no endereço http://www.mp.mg.gov.briportalipublic/noticiafindex/id/41376.
Ao mais, pode-se consignar que, na denúncia da ação penal no 0024.08.181.165-5/2aVCBH, refere-se que apenas na comarca de Belo Horizonte ANTONIO NILTON MONTEIRO responde também às ações penais de números 0024.05.878.818-3, 0024.06.001.850-4, 0024.06.935.696-2, 0024.06.935.819-0 e 0024.06.998.151-2.
Tudo isso demonstra, a mais não poder, que NILTON ANTONIO MONTEIRO não era uma fonte confiável e, por essa razão, qualquer documento que dele proviesse deveria ser avaliado com redobrada cautela.
Ao contrário, a conduta dos acusados DEMÉTRIO CARTA e LEANDRO FORTES foi a de emprestar aos documentos por ele produzidos a máxima credibilidade, fundamentando-se exclusivamente neles para imputar falsamente o crime de corrupção passiva a Gilmar Ferreira Mendes.
Tudo isso, a propósito, sem sequer informar ao leitor que NILTON ANTONIO MONTEIRO já tinha sido preso - como, atualmente, se encontra - e responde a várias ações penais por falsificação de documentos e fraudes. Ao revés, no único momento em que se referem à fonte, relacionam-na apenas à chamada "lista de Furnas", "cuja autenticidade foi comprovada pela perícia técnica da Polícia Federal".
Sobre isso, é preciso esclarecer alguns pontos.
Como é notório, a "lista de Furnas", que supostamente relacionava "recursos levantados e disponibilizados por intermédio de Furnas - Centrais Elétricas S/A", bem como "repasses direcionados aos coordenadores e responsáveis financeiros pelas campanhas de candidatos à Presidência da República, Governadores de Estado, ao Senado Federal, Deputados Federais e Estaduais", foi tornada pública por NILTON ANTONIO MONTEIRO, em documento que na verdade consistia em cópias xerox. Referido documento revelava inconsistências de conteúdo, como a menção a candidatos que não haviam concorrido a pleito, a confusão entre partidos e parlamentares e a menção a empresas que, na época da suposta lista, ainda não existiam ou operavam com nome diverso' - como, aliás, acontece também neste caso, no que diz respeito à menção de cargo que Gilmar Ferreira Mendes ainda não ocupava à época dos documentos que embasaram as reportagens caluniosas objeto da presente ação penal.
Tais documentos foram levados a perícia. O Laudo no 456/2006, elaborado pelo Instituto Nacional de Criminalística, revelou indícios de fraude, apontando a possibilidade de transplante ou aproveitamento de assinatura e deixando expresso que o documento estava "eivado de características que normalmente são encontradas em montagens".
Em maio de 2006, e a despeito de todas as negativas anteriores, NILTON ANTONIO MONTEIRO finalmente apresentou à Polícia Federal o que seria o documento original. A respeito, lê-se da cópia do Laudo de Exame Documentoscópico (Mecanográfico e Grafotécnico) no 1097/2006 do Instituto Nacional de Criminalística, elaborado em interesse do IPL No 1835/2005-DELEFAZ/DREX/DPF/R3, acostado às fls. 58 e seguintes do Apenso XIV, que a cópia da lista de Furnas apresentada por NILTON ANTONIO MONTEIRO e analisada no Laudo 456/2006-INC não fora originada a partir da "lista de Furnas" por ele apresentada posteriormente como original, apontando várias diferenças entre elas (fls. 64/68).
Por último, a respeito da assinatura aposta ao documento, o mesmo laudo, embora ressaltando que "o escritor em questão" apresenta "grande variabilidade em seu grafismo", concluiu haver convergências entre os sinais gráficos padrões suficientes para afirmar ter sido produzida por DIMAS FABIANO TOLEDO.
É claro, porém, diante de todas as circunstâncias acima narradas, que a conclusão do laudo no 1097/2006 pode não espelhar a verdade dos fatos, até mesmo porque exames grafotécnicos baseiam-se em probabilidades e estatísticas, dadas as convergências anotadas entre os sinais comparados, e dois peritos podem discordar diametralmente ao analisar o mesmo documento. Não por outra razão, aliás, em nosso ordenamento o juiz não está adstrito ao laudo de exame grafotécnico, mesmo quando conclusivo.
Além do mais, no Anexo 24 do já mencionado laudo de exame computacional no 12.679/12 (Apenso XI) encontra-se documento - datado de 03 de abril de 2005, porém criado em 28 de março de 2008 - supostamente elaborado por DIMAS FABIANO TOLEDO e endereçado a CARLOS FELIPE AMODEO, por meio do qual aquele encaminharia a este, por via de NILTON ANTONIO MONTEIRO, "documentos confidenciais importantes", dentre os quais "quatro envelopes lacrados da estatal FURNAS, contendo 04 vias da 'RELAÇÃO DOS RECURSOS LEVANTADOS E DISPONIBILIZADOS POR INTERMÉDIO DE FURNAS CENTRAIS ELÉTRICAS S.A., ENTRE COLABORADORES, FORNECEDORES, PRESTADORES DE SERVIÇOS, CONSTRUTORAS, BANCOS, FUNDOS DE PENSÕES, CORRETORAS DE VALORES, SEGURADORAS, COM SEUS RESPECTIVOS REPASSES DIRECIONADOS AOS COORDENADORES E RESPONSÁVEIS FINANCEIROS PELAS CAMPANHAS DOS CANDIDATOS À PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, GOVERNADORES DE ESTADO, AO SENADO FEDERAL, DEPUTADOS FEDERAIS E ESTADUAIS", precisamente o cabeçalho da chamada "lista de Furnas" (cf. Apenso III, fls. 595/599), tudo indicando que mais este documento foi produzido falsamente por NILTON ANTONIO MONTEIRO para legitimá-la.
Mas, ainda que se quisesse ter como verídica a "lista de Furnas", divulgada anteriormente por NILTON ANTONIO MONTEIRO, todos os outros fatos expostos na presente denúncia deveriam ao menos ter servido para obrigar a escrutínio rigoroso os documentos que ele apresentava.
Por outras palavras, a simples testificação, em laudo, da autenticidade da assinatura aposta na "lista de Furnas" não elide a inconfiabilidade de NILTON MONTEIRO, sinalizada por tudo quanto se vem de expor ao longo desta exordial.
A despeito de tudo isso, os acusados DEMETRIO CARTA e LEANDRO FORTES, ainda embasando-se nesses mesmos documentos falsos produzidos por NILTON MONTEIRO e divulgados por DINO MIRAGLIA FILHO, tornaram a investir uma terceira vez contra o ofendido, em matéria intitulada "De volta à origem", publicada em 14 de novembro de 2012 (Doc. 07 - obtido por meio do caminho http://www.cartacapital.com.bripolitica/de-volta-a-origem-2; a data da publicação dessa reportagem encontra-se estampada no Doc. 05), na qual fizeram constar:
"Na lista de Marcos Valério, na qual os valores chegam a mais de 100 milhões de reais, a novidade foí o aparecimento do nome do ministro Gilmar Mendes, do STF, supostamente beneficiado com uma bolada de 185 mil. Na época da publicação da reportagem, Marcos Valério negou ter registrado pagamentos em uma lista. Mas neste início de novembro, o advogado dele, Marcelo Leonardo, desmentiu o cliente".
Tornando, agora, à exposição das circunstâncias que apontam, no caso concreto, o elemento subjetivo do tipo imputado, tem-se em suma que, ao publicar, por três vezes, em revista de circulação nacional, inclusive na capa, reportagens imputando a prática de crime de corrupção passiva embasada unicamente em documentos de conteúdo muito suspeito, recebidos de fonte de duvidosa idoneidade e cuja falsidade material era já evidenciada em inquérito policial, sem sequer ouvir o caluniado, no mínimo os acusados DEMÉTRIO CARTA e LEANDRO FORTES, se não publicaram notícia sabidamente caluniosa contra Gilmar Ferreira Mendes, assumiram o risco de fazê-lo, incorrendo, assim, no tipo do artigo 138, caput, do Código Penal, com as duas causas especiais de aumento de pena previstas no artigo 141, incisos II e III, do mesmo diploma.
DA DIVULGAÇÃO DOS DOCUMENTOS FALSOS
Como já restou bastante claro, o acusado DINO MIRAGLIA FILHO divulgou os documentos que lhe foram entregues para esse fim por NILTON ANTONIO MONTEIRO.
É também estreme de dúvidas que DINO MIRAGLIA FILHO conhecia a falsidade de tais documentos - ou ao menos tinha o dever de conhecê-la ou dela suspeitar (e, neste caso, assumiu o risco de caluniar) -, pois era advogado de NILTON ANTONIO MONTEIRO precisamente nos autos da ação penal no 0024.08.181.165-5/2aVCBH, já tantas vezes mencionada.
O modo por que fizeram a divulgação dos documentos falsos revela, também de sua parte, o dolo desses dois acusados.
Os documentos foram aviados no inquérito policial n° 1693/2011-4, da DELEFAZ/SR/SPF/MG, que compõe os apensos XVII e XVIII do presente. Á fl. 332 do Apenso XVIII vê-se a petição de juntada dos documentos, feita pelo acusado NILTON ANTONIO MONTEIRO, por meio de seu advogado, o acusado DINO MIRAGLIA FILHO.
Esse inquérito policial no 1693/2011-4-DELEFAZ/SR/SPF/MG se originou de forma curiosíssima.
Foi instaurado, em 29 de novembro de 2011, a partir de notícia de crime formulada por MARCELO CAETANO DE MELO, dando conta de que a auditora fiscal da Receita Federal ROSILANE DE CASTRO NUNES teria sido ameaçada por CLÁUDIO ROBERTO MOURÃO, a quem se atribuía, com base em "degravações" - "independentemente do aparecimento das fitas" - ter afirmado haver sido contratado para "tirar a auditora de circulação".
As "degravações" a que se referia a notícia eram justamente aquelas contidas nos documentos apreendidos em poder de NILTON ANTONIO MONTEIRO quando de sua prisão, e que foram objeto de perícia por via do já mencionado Laudo de Exame Grafotécnico e Documentoscópico no 54.175-11, elaborado pela Seção Técnica de Documentoscopia do Instituto de Criminalística da Polícia Civil de Minas Gerais (Apenso VI, fls. 1402/1420), o qual concluiu pela falsidade das assinaturas atribuídas a Joaquim Engler Filho. Quase desnecessário esclarecer, a esta altura, que os áudios dessas supostas "degravações" jamais vieram a público.
No curso do inquérito n° 1693/2011-4-DELEFAZ/SR/SPF/MG, foi inquirido NILTON ANTONIO MONTEIRO (fls. 305/307 do Apenso XVIII), o qual declarou que nos referidos documentos constaria a afirmação de Claudio Roberto Mourão de que eliminaria a auditora fiscal da Receita Federal Rosilaine de Castro Nunes "porque ela descobriu que havia um esquema de venda (de) notas fiscais para pagamento de políticos, através da empresa VALEC e SPA".
Ouvida, a auditora fiscal da Receita Federal Rosilaine de Castro Nunes esclareceu que, embora tenha autuado a SPA ENGENHARIA por uso de notas frias para onerar suas despesas, jamais soube o destino dado à verba, acrescentando que, ao contrário do que se noticiava, "o trabalho transcorreu naturalmente, sem que (..) tivesse qualquer problema de resistência ou hostilidade por parte dos proprietários ou funcionários da referida empresa", que "concluiu a fiscalização de forma tranquila, sem qualquer intervenção no trabalho ou fora' e, por fim, que "não recebeu qualquer ameaça" (fl. 311 do Apenso XVIII -grifos acrescentados).
Esse era o estado do feito quando o acusado DINO MIRAGLIA FILHO nele aviou os documentos que lhe foram apensados - e que, como bem se vê, nada tinham que ver com seu objeto.
Pois bem.
A justificativa alegada para a divulgação dos documentos seria a atuação de DINO MIRAGLIA FILHO como advogado do assistente da acusação no homicídio que, em agosto de 2000, vitimou Cristiana Ferreira. Em 10 de janeiro de 2009, o ex-namorado de Cristiana, Reinaldo Pacífico de Oliveira Filho, foi condenado pelo Tribunal do Júri à pena de 14 (quatorze) anos de reclusão pelo crime. Sustentou DINO MIRAGLIA FILHO que o fato de o nome de Cristiana constar da falsa "lista" como recebedora de R$ 1.800.000,00 "via Carlos Eloy/Mares Guia" abriria novos rumos à investigação.
Sobre isso, alguns pontos devem ser ressaltados.
O primeiro: fosse esse o caso, a "lista" deveria ter sido aviada autonomamente, com pedido de abertura ou reabertura de investigação, perante o órgão competente - caso em que inclusive se motivasse de fato a instauração de inquérito responderia o representante por crime de denunciação caluniosa, tendo em vista a falsidade do documento que embasava o pedido.
Como já ressaltado, em vez disso o documento foi aviado em inquérito policial que não tinha a menor relação com o homicídio de Cristiana Ferreira.
O segundo: nesse mister, não atuava o advogado em defesa de seu cliente, mas exercitava acusação.
O terceiro: sob essa justificativa, o acusado DINO MIRAGLIA FILHO divulgou os falsos documentos de conteúdo acusatório fartamente à imprensa, no dia mesmo em que os aviou, inclusive concedendo à rede de televisão "Record" a entrevista que menciona nas declarações que prestou à Autoridade Policial (fls. 159/162 dos autos de inquérito policial em apenso).
Ademais, forneceu cópia dos documentos falsos à revista Carta Capital e concedeu-lhe entrevista, publicada por LEANDRO FORTES - autor - e DEMÉTRIO CARTA -Diretor de Redação - na reportagem "O Argumento da Fraude Caiu", da edição nº 709 (fl. 61):
"Na quarta-feira 1º, o advogado Dino Miraglia Filho, de Belo Horizonte, recebeu um recado pelo telefone: já que insistia em se tornar famoso, que tomasse cuidado para não acabar virando estátua. Ele virou alvo desse tipo de ameça desde que entregou a CartaCapital cópia da chamada 'Lista do Mensalão Tucano', o registro de caixa 2 da fracassada campanha de reeleição do tucano Eduardo Azeredo, em 1998'- grifos acrescentados.
Nessa entrevista, inclusive, DINO MIRAGLIA FILHO mais uma vez defende com veemência a veracidade dos documentos que embasavam as reportagens caluniosas, evidenciando-se, também por este motivo, o elemento subjetivo da conduta imputada.
Todas essas circunstâncias indicam que, ao fazer protocolo dos documentos falsos fornecidos por NILTON ANTONIO MONTEIRO, com quem agiu em conluio, e posteriormente, ao conceder entrevistas e até encaminhar cópias dos documentos falsos à revista Carta Capital, a verdadeira intenção de DINO MIRAGLIA FILHO era de divulgá-los aos meios de imprensa para que o grande público conhecesse as acusações que seu conteúdo forjado implicava, como de fato, e em pleno acordo com o plano destes dois acusados, aconteceu.
É dizer: NILTON ANTONIO MONTEIRO falsificou e DINO MIRAGLIA FILHO divulgou documentos falsos com toda a intenção, desde o início, de propiciar uma série de notícias veiculando imputações falsas de crimes às pessoas neles mencionadas, como, de fato, ocorreu quando os acusados DEMO MIO CARTA e LEANDRO FORTES publicaram as falsas imputações de crime ao ofendido Gilmar Ferreira Mendes, incorrendo, pois, NILTON ANTONIO MONTEIRO e DINO MIRAGLIA FILHO igualmente, por três vezes, nas sanções do artigo 138, caput, do Código Penal, com as duas causas especiais de aumento de pena previstas no artigo 141, incisos II e III, do mesmo diploma.
DA AGRAVANTE DO MOTIVO TORPE
A data da publicação da primeira reportagem caluniosa, 27 de julho de 2012, apenas seis dias antes do início do julgamento da Ação Penal no 470 pelo Supremo Tribunal Federal, faz evidente que os acusados pretendiam influenciar indevidamente os trabalhos da Suprema Corte, criando falsamente a impressão de suspeição de um de seus onze Ministros, fazendo certa a incidência, no caso em pauta, da agravante insculpida no artigo 61, inciso II, alínea "a", do Código Penal.
CONCLUSÃO
Ante todo o exposto, o Ministério Público Federal denuncia DEMETRIO CARTA, LEANDRO FORTES, DINO MIRAGLIA FILHO e NILTON ANTONIO MONTEIRO como incursos, por três vezes, nas sanções do artigo 138, caput, do Código Penal, com as duas causas especiais de aumento de pena previstas no artigo 141, incisos II e III, e ainda a agravante insculpida no artigo 61, inciso II, alínea "a", do mesmo diploma, requerendo seja instaurado o devido processo penal, com citação dos denunciados para que respondam à acusação por escrito, e, após, prosseguindo-se com os demais atos processuais, até final decisão, quando deverá ser julgada procedente a presente pretensão punitiva, condenando-se os acusados como incursos nos tipos acima mencionados e, ainda, nos termos do artigo 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, fixando-se-lhes a obrigação de reparar o dano moral causado ao ofendido, no valor mínimo estimado de 500 (quinhentos) salários mínimos (STJ, REsp. 513.057).

Pela decisão de fls. 352/356, da lavra da MM. Juíza Federal Substituta Fabiana Alves Rodrigues e publicada em 28/08/2013, a denúncia foi rejeitada com fundamento no artigo 395, inciso III, do Código de Processo Penal, bem como indeferido o pedido de diligências.

Interpõe o Ministério Público Federal recurso em sentido estrito pedindo a reforma da decisão para que a denúncia seja recebida, bem como para que seja deferido o pedido de requisição de informações de antecedentes dos acusados (fls. 358/373).

Argumenta o recorrente com o caráter calunioso das reportagens veiculadas por DEMÉTRIO CARTA e LEANDRO FORTES, sustentando ser equivocada a decisão de entendeu que o fato narrado seria atípico em vista do caráter meramente informativo da reportagem, que não teria imputado o recebimento de vantagem indevida e que não teria indicado contrapartida dessa vantagem.

Sustenta o MPF que uma reportagem não deixa de ter cunho calunioso apenas porque utiliza um tempo verbal menos incisivo (teria recebido), se a expressão equivale-se, em desvalor calunioso, a "recebeu", se é isto o que se depreende do teor completo do artigo.

Argumenta também o recorrente que "a completa imputação ofensiva já foi formulada na capa da revista, alcançou todas as pessoas que a tenham visto, mesmo aquelas que nem mesmo leram o artigo". Sustenta que no crime do artigo 317 do CP o recebimento da vantagem é mero exaurimento do delito, e ainda que "nem mesmo foi esse o caso" pois "ao sentenciar, na capa, que "o valerioduto abasteceu Gilmar", é cristalino que a reportagem imputou ao ofendido o recebimento de vantagem indevida".

Argumenta também o MPF com a comprovação da falsidade do documento em que se embasou a reportagem, sustentando que "a pretexto de analisar a existência de justa causa para a deflagração da ação penal, assim entendido o lastro probatório mínimo que autoriza a persecução em juízo, a d. magistrada equivocadamente procedeu a verdadeira cognição exauriente, em verticalidade inteiramente incompatível com o momento processual".

Argumenta ainda o MPF que ao decidir que a denúncia não tem justa causa porque o documento com base no qual o ofendido foi acusado de corrupção não foi submetido à perícia, a decisão recorrida inverteu todo o sistema de proteção à honra, sustentando que "a quem faz a ampla divulgação da imputação de um crime é que incumbe demonstrar a veracidade da sua acusação, e não o contrário" e "por isso mesmo, o processo por crime de calúnia garante ao acusado a exceção da verdade".

Sustenta também que houve o arrolamento pelo MPF de inúmeros elementos de prova que demonstram a falsidade do único documento em que se fundamentaram as imputações caluniosas, além da indicação de várias circunstâncias e indícios que deixam patente o dolo dos acusados.

Aduz o recorrente que "há seriedade na acusação, isto é, há prova da materialidade e indícios de autoria dolosa a permitir a deflagração da ação penal por crime de calúnia" e que "o exame pericial demonstrando a falsidade material do documento seria exigível apenas caso se imputasse o crime de falsificação documental, o que simplesmente não é objeto da denúncia, como, aliás, deflui da leitura da exordial e é explicitado na cota introdutória"

Faz ainda o recorrente uma longa explanação sobre os indícios de falsidade do documento referido na denúncia, reiterando os argumentos expostos na inicial e refutando as conclusões da decisão recorrida.

Insurge-se o recorrente, por fim, contra o indeferimento de pedido de folhas de antecedentes dos acusados, sustentando que constituem elemento imprescindível à aplicação da pena, da qual incumbe ao magistrado velar, inclusive de ofício, e não elementos probatórios de interesse da acusação.

O denunciado DEMÉTRIO CARTA, que também assina MINO CARTA, apresentou contrarrazões (fls.383/394), aduzindo, em apertada síntese, que a reportagem da edições 708 e 709 da revista Carta Capital é assinada por LEANDRO FORTES, e portanto no que diz respeito à responsabilidade penal por supostas ofensas à honra, poderá responder apenas, em tese, pelas afirmações contidas no editorial da edição de nº 708, que assina, já que o editorial da edição 709 nada diz a respeito, dada a não recepção da Lei 5.250/1967 pela CF/1988, como assentado pelo STF na ADPF nº 130.

Argumenta ainda o denunciado MINO CARTA que a representação do ofendido limita-se às edições 708 e 709, e portanto não se há de cogitar de uma terceira edição, dada a ausência de representação. Sustenta que o documento em questão tinha autenticidade presumida pelo reconhecimento de firma em cartório, não havendo perícia que ateste o contrário, e o animus narrandi afasta o dolo, seja direto ou eventual.

Sustenta também o denunciado que a denúncia não esclarece quais foram as condutas que especificamente atribui a MINO CARTA, não sendo admissível imputar-se conduta omissiva de, como diretor da revista, não ter censurado a matéria redigida e assinada por LEANDRO FORTES.

O denunciado DINO MIRAGLIA FILHO também ofereceu contrarrazões (fls.408/502), aduzindo, em apertadíssima síntese, que apenas entregou o documento no Poder Judiciário; que não se pode saber se o documento é falso, pois não foi periciado; que não se pode atribuir dolo a quem apresenta documento com reconhecimento de firma; que apenas apresentou os documentos na defesa de seus clientes, a família de Cristiana Aparecida Ferreira; e que Nilton Monteiro é responsável pela documentação entregue, tendo o denunciado apenas juntado aos autos documentos entregues pelo cliente.

Argumenta também o denunciado com a ausência de narrativa de fato delituoso em relação a si; que o recebimento da lista se deu em razão da atuação no processo de Cristiana Ferreira; que o seu trabalho deu-se em defesa da liberdade de expressão; que recebeu a lista assinada pro Marcos Valério de NILTON MONTEIRO; que assumiu a defesa de NILTON MONTEIRO; que há equívoco do Ministro em tentar envolver o denunciado, advogado de trincheira; que há forças ocultas criminosas que infestam o poder de Minas Gerais.

Contrarrazões oferecidas pelo denunciado LEANDRO BOAVISTA FORTES às fls.523/544. Argumenta, em síntese, que a representação somente faz referência às edições 708 e 709, e que portanto a denúncia não poderia incluir uma terceira imputação, pois nos crimes contra a honra de ação pública condicionada, a representação estabelece os limite do objeto da acusação.

Argumenta também o denunciado que a denúncia não individualizou as condutas de LEANDRO FORTES e MINO CARTA, atribuindo a ambos, indistintamente, ter publicado falsas imputações de crime ao ofendido. Sustenta que o documento em questão tinha autenticidade presumida pelo reconhecimento de firma em cartório, não havendo perícia que ateste o contrário, o que afasta o dolo, seja direto ou eventual, havendo apenas o animus narrandi.

O denunciado NILTON ANTONIO MONTEIRO apresentou contrarrazões representado pela DPU - Defensoria Pública da União. Argumenta com a falta de justa causa para a ação penal, sustentando que incumbe à Acusação da prova da falsidade da lista, que constitui a própria tipicidade do delito em questão. Sustenta também que a informação jornalística é uma garantia fundamental do Estado de Direito, sendo de se afastar a tipicidade de condutas sindicadas como ofensivas à honra de outrem, mercê do ânimo meramente informacional do responsável pela divulgação da notícia. Por fim, argumenta que o denunciado nenhuma participação teve na prática da conduta nuclear do tipo penal do delito de calúnia.

A decisão foi mantida (fls. 558/559).

A Procuradoria Regional da República, em parecer da lavra da Dra. Samantha Chantal Dobrowski, opinou pelo provimento do recurso, determinando-se o recebimento da denúncia e o regular prosseguimento do feito (fls. 563/574).


É o relatório.

Dispensada da revisão, nos termos regimentais.



VOTO

O Juiz Federal Convocado MÁRCIO MESQUITA (Relator):


O recurso comporta provimento. A MM. Juíza a quo rejeitou a denúncia sob os seguintes argumentos (fls. 353/356):


O Ministério Público Federal ofereceu denúncia em face de DEMÉTRIO CARTA, LEANDRO FORTES, DINO MIRAGLIA FILHO e NILTON ANTÔNIO MONTEIRO, no dia 3 de julho de 2013, imputando-lhes a prática do crime de calúnia, por três vezes, em concurso de agentes, e com a incidência de causas de aumento e de agravante (CP, art. 138, c.c. o arts. 141, I e II, e 61, II).
Narra a denúncia que, em julho, agosto e em novembro de 2012, os dois primeiros acusados, DEMÉTRIO CARTA e LEANDRO FORTES, caluniaram Gilmar Ferreira Mendes, com a finalidade de diminuir sua autoridade moral como Ministro do Supremo Tribunal Federal, imputando-lhe falsamente a prática do crime de corrupção passiva na capa e em matérias que fizeram publicar na revista semanal Carta Capital, de circulação nacional. Segundo a acusação, as matérias contendo a imputação caluniosa embasaram-se em documentos com manifesta falsidade material e ideológica, cuja existência foi dolosamente divulgada pelo terceiro denunciado DINO MIRAGLIA FILHO, o qual, por sua vez, os recebera das mãos do quarto acusado e autor da falsificação, NILTON ANTÔNIO MONTEIRO, que agiram em conluio.
De acordo com a denúncia, na edição n° 708 - ano XVII, datada de 1° de agosto de 2012 e já em 27 de julho de 2012 disponível nas bancas (cópia às fls. 28/37 do inquérito policial anexo), LEANDRO FORTES - autor - e DEMÉTRIO CARTA - diretor de redação - publicaram na revista Carta Capital matéria intitulada "Juiz? Não, réu", de autoria de LEANDRO FORTES. O subtítulo da notícia sentenciava: "Valerioduto - O ministro Gilmar Mendes aparece entre os beneficiários do caixa 2 da campanha de Eduardo Azeredo em 1998, operado por Marcos Valério".
Segundo consta na peça de acusação, na capa da revista, ilustrada com fotografia do rosto do ofendido (doc. 1), LEANDRO FORTES e DEMÉTRIO CARTA afirmaram: "O valerioduto abasteceu Gilmar - Mendes aparece em uma lista inédita de beneficiários do caixa 2 tucano em 1998. Com ele, Jorge Bornhausen, Agripino Maia, Walfrido dos Mares Guia, o comitê da reeleição de FHC, etc. etc".
Conforme a denúncia, na referida matéria, assinada pelo acusado LEANDRO FORTES, imputava-se a Gilmar Ferreira Mendes, com base unicamente em documentos cuja existência havia sido divulgada pelo denunciado DINO MIRAGLIA FILHO, o recebimento da importância de R$ 185.000,00 (cento e oitenta e cinco mil reais) que teriam sido angariados pelo publicitário Marcos Valério de Souza graças a um suposto esquema de arrecadação montado para irrigar a campanha à reeleição de Eduardo Azeredo ao governo de Minas Gerais em 1998.
O Ministério Público Federal afirma que o documento quí fundamentou a imputação caluniosa consistia em duas listas: a primeira, supostamente de doadores de campanha, com os respectivos valores de doação, e a segunda, de beneficiários de altas somas em dinheiro. Ainda, a primeira lista intitulava-se: "Relatório de movimentação financeira da campanha da reeleição do Governador EDUARDO BRANDÃO DE AZEREDO ao governo de Minas Gerais, ocorrida no ano de 1998, sob a administração das empresas SMP&B COMUNICAÇÃO LTDA, e DNA PROPAGANDA LTDA". A segunda lista, em continuação à primeira, intitulava-se: "Saídas de Recursos Arrecadados com as Fontes Pagadoras". Os "doadores" e os "beneficiários" eram elencados em ordem alfabética. Assim, na segunda lista lia-se "Gilmar Ferreira Mendes/ AGU (via Gov. Eduardo Azeredo/ Pimenta da Veiga) - R$ 185.000,00".
Narra a denúncia que a fonte dos documentos falsos que fundamentaram as reportagens jornalísticas caluniosas foi o quarto acusado, NILTON ANTÔNIO MONTEIRO. A divulgação da existência dos referidos documentos ficou por conta do terceiro acusado, DINO MIRAGLIA FILHO com quem NILTON agiu de modo articulado.
Afirma o Parquet Federal que restou bastante claro que o acusado DINO MIRAGLIA FILHO divulgou os documentos que lhe foram entregues para esse fim por NILTON ANTÔNIO MONTEIRO, bem ainda que inexistem dúvidas de que DINO MIRAGLIA FILHO conhecia a falsidade de tais documentos - ou ao menos tinha o dever de conhecê-la ou dela suspeitar (e, neste caso, assumiu o risco de caluniar) -, pois era advogado de NILTON ANTÔNIO MONTEIRO.
Sustenta a acusação que as circunstâncias colhidas nos autos indicam que, ao fazer protocolo dos documentos falsos fornecidos por NILTON ANTÔNIO MONTEIRO, com quem agiu em conluio, e posteriormente, ao/ conceder entrevistas e até encaminhar cópias dos documentos falsos à revista Carta Capital, a verdadeira intenção de DINO MIRAGLIA FILHO era de divulgá-los aos meios de imprensa para que o grande público conhecesse as acusações que seu conteúdo forjado implicava, como de fato aconteceu.
Enfim, de acordo com a denúncia, NILTON ANTÔNIO MONTEIRO falsificou e DINO MIRAGLIA FILHO divulgou documentos falsos com toda a intenção, desde o início, de propiciar uma série de notícias veiculando imputações falsas de crimes às pessoas nele mencionadas, o que ocorreu quando os acusados DEMÉTRIO CARTA e LEANDRO FORTES publicaram as falsas imputações de crime ao ofendido Gilmar Ferreira Mendes.
É a síntese do necessário. Fundamento e decido.
A denúncia deve ser rejeitada, por ser prematura e carecer de justa causa.
O Código Penal, ao dispor sobre os crimes contra a honra, tipificou o delito de calúnia com a seguinte redação, in verbis:
Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:
Pena: detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
O delito de calúnia, consoante a doutrina pátria, reveste-se de três pontos que o caracterizam, a saber: i) a imputação de um fato; ii) o fato imputado deve ser falso; e iii) além de falso, o fato deve ser definido como crime. Ademais, o sujeito ativo do delito deve ter ciência da falsidade da imputação e, segundo parte da doutrina, exige-se o fim especial de agir consistente no intento de denegrir, ofender a honra da vítima. A figura do caput exige a presença de dolo direto ou eventual.
A denúncia atende aos requisitos previstos no artigo 41, do Código de Processo Penal, pois narra de forma minuciosa fato que se subsume ao tipo penal previsto no artigo 138, do Código Penal, ao consignar, resumidamente, que NILTON ANTONIO MONTEIRO falsificou e DINO MIRAGAGLIA FILHO divulgou documentos falsos que foram publicados pelos acusados DEMETRIO CARTA e LEANDRO FORTES, em reportagem da revista Carta Capital que imputou ao ofendido GILMAR FERREIRA MENDES fatos descritos como crime de corrupção passiva, imputação baseada nos documentos falsos, de cuja falsidade havia ciência pelos acusados.
A despeito da regularidade formal, não há justa causa para deflagração penal.
As cópias dos documentos encartadas a fls. 28-40 evidenciam que houve publicação, na revista Carta Capital, de reportagem que imputa ao ofendido Ministro GILMAR FERREIRA MENDES o recebimento de R$ 185.000,00, como beneficiário do caixa 2 da campanha de reeleição de EDUARDO AZEREDO, em 1998.
A notícia tem como título "Juiz? Não, réu", e subtítulo "Valerioduto - O ministro Gilmar Mendes aparece entre os beneficiários do caixa 2 da campanha de Eduardo Azeredo em 1998, operado por Marcos Valério". O texto consigna que "O nome do ministro aparece em uma extensa lista de beneficiários do caixa 2 da campanha...Mendes teria recebido 185 mil." (fls. 31).
A notícia não oculta que as informações se baseiam em lista apresentada por Dino Miraglia à Polícia Federal (fls. 33), de forma que não se pode afirmar que há intento caluniador ao se afirmar que o ofendido Gilmar Mendes "aparece entre os beneficiários" da lista, em especial porque sequer se afirma que efetivamente houve o recebimento de numerário, já que consta na notícia que o ofendido "teria recebido 185 mil". A forma de redação tem natureza eminentemente informativa.
Diversamente do que afirma o parquet, a notícia não induz à conclusão de que o suposto numerário teria relação com o habeas corpus concedido pelo ofendido em favor de Marcos Valério, pois se afirma apenas que esse fato é "um dado a ser considerado" e os jornalistas consignam expressamente que referida ordem judicial foi concedida em janeiro de 2009, dez anos depois da suposta confecção da lista.
Desse modo, pela leitura da notícia se conclui que os acusados Leandro Fortes e Mino Carta agiram amparados pelas cláusulas constitucionais de liberdade de informação, de pensamento, de expressão e d acesso à informação (artigo 5°, incisos IV, IX, XIV, artigo 220, §1°, ambos da Constituição Federal). Neste sentido, confira-se recente julgado do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1374537, DJe 23/08/13).
Resta saber se realmente há elementos que apontem pela alegada falsidade material da lista que subsidiou as publicações, observando-se que, nesta fase processual, a acusação deve demonstrar a materialidade e os indícios de autoria.
As ilações relacionadas na denúncia não se justificam para demonstrar o falso material, pois a acusação não procedeu à realização de exame pericial, ônus que ordinariamente se desincumbe quando o alegado documento falso existe e está acessível, como é o caso destes autos (artigo 158, do Código de Processo Penal). Assim, não se justifica o desapego ao devido processo legal por se tratar de feito que envolve ofendido e ofensores célebres.
De qualquer forma, passo a analisar as alegações do parquet ao narrar fatos que induziriam à conclusão de que a lista é materialmente falsa.
O arquivo objeto de exame pericial n° 12.679/12, que estava armazenado em HD apreendido nos autos do inquérito policial n° 687/08, da Polícia Civil de Minas Gerais, tem a natureza de planilha do Excel (nome 00701.xls), portanto, não necessariamente é a matriz que deu origem à confecção da lista que subsidiou a matéria da revista Carta Capital (anexo 34 do laudo de apenso XI). Basta observar o anexo do laudo pericial para se constatar que não se trata sequer de digitalização da lista, já que não consta o timbre da SMP&B Comunicação (apenso XI).
Nada impede, por exemplo, que a lista objeto de discussão nestes autos seja materialmente verdadeira, tenha sido subscrita por Marcos Valério em 28/03/99, a assinatura tenha sido reconhecida por notarial em 01/06/10, e o conteúdo da lista tenha sido utilizado para alimentar planilha do Excel criada em 27/02/09.
Observe-se, neste ponto, que a lista que deu origem à reportagem tem reconhecimento de assinatura formalizado em 01/06/10, cerca de um ano e três meses depois da elaboração da planilha do Excel. Esse longo lapso de tempo enfraquece a tese acusatória de que Nilton Monteiro teria sido o responsável pela elaboração do documento que deu origem à notícia sob discussão, já que não se vislumbram os motivos de tal delonga, impondo-se a demonstração da alegada falsidade material por prova técnica.
Não se pode inferir a falsidade da lista pelo fato de constar a sigla "AGU" ao lado do nome do ofendido. AGU não necessariamente é indicativo do ocupante do cargo de Advogado-Geral da União, pois igualmente é a sigla utilizada para identificar a instituição Advocacia-Geral da União.
Se "a consultoria jurídica à Casa Civil é prestada por um advogado da União", e "tradicionalmente, em razão da similitude de funções, o cargo de Subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil vem sendo ocupado por integrantes da carreira da Advocacia-Geral da União", como afirma o parquet federal, com amparo no artigo 2°, inciso II, alínea b, da Lei Complementar 73/93 (fls. 9 da denúncia), parece razoável que o ocupante do cargo de Subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil seja identificado pela sigla "AGU", de forma que não se pode concluir que a lista é falsa por tal indicação. Além disso, esta peculiaridade da lista não permitiria que se atribuísse, aos acusados Leandro Fortes e Demétrio Carta, ciência da alegada falsidade, pois aparentemente não possuem formação jurídica e não se espera que conheçam a complexa estrutura administrativa da União.
O mesmo se diga da sigla "MS" que identifica o nome de Delcídio Amaral na lista sob discussão, já que este, a despeito de ter se tornado senador pelo Mato Grosso do Sul apenas em 2002, é oriundo da cidade de Corumbá, que fica nesse Estado, havendo notícia de que, na década de noventa, foi diretor de finanças da ELETROSUL e nomeado presidente do Conselho de Administração da ENERSUL (Empresa Energética de Mato Grosso do Sul).
A sigla de alguma forma o identifica, portanto, este elemento não seria razoável para se atribuir a suspeita de falsidade da lista e a ciência da alegada falsidade pelos acusados Leandro Fortes e Demétrio Carta.
A lista em que consta o nome do ofendido está formalizada em papel timbrado da sociedade SMP&B Comunicação, rubricada em todas as folhas e assinada ao final, supostamente por Marcos Valério Fernandes de Souza (DOC. 04 da denúncia 4).
A assinatura está reconhecida, por autenticidade, pelo 1° Subserviço Notarial de Belo Horizonte/ MG, em 01/ 06/10, não tendo sido realizado exame pericial na via original do documento para se confirmar a falsidade, da assinatura ou a falsidade da autenticação pública.
A lista semelhante que consta nos autos do inquérito policial n° 1693/2011-4, da DELEFAZ/SR/SPF/ MG, não tem elementos que apontem pela falsidade da lista que subsidiou a matéria publicada pela revista Carta Capital.
Diversamente do que afirma o Ministério Público Federal, a cópia da lista apresentada nos autos do inquérito policial referido possui o mesmo reconhecimento público de assinatura, emitido pelo 1° Ofício Notarial de Belo Horizonte/MG, em 01/06/10. Os selos referentes ao 10° Ofício Notarial de Belo Horizonte/MG se referem à autenticação de cópia, pois o documento, apresentado no persecutório supostamente é cópia autenticada da via original que subsidiou a notícia objeto destes autos (fls. 339-365, do apenso XVIII).
Evidente que a simples declaração de Marcos Valério Fernandes de Souza, no sentido de que não foi o responsável pela elaboração da lista, é insuficiente para se reconhecer a falsidade e imputar responsabilidade penal aos divulgadores da lista, seja porque a falsidade da assinatura pode facilmente ser confirmada por exame pericial, seja porque Marcos Valério exerce o direito à autodefesa quando se vê identificado como autor da lista e de alguma forma envolvido com os supostos pagamentos espúrios no financiamento de campanha. Consigno, neste ponto, que há notícias de que Marcos Valério figura como réu em ação penal que tramita em Belo Horizonte/SP (desmembrada da ação penal STF n° 536), na qual supostamente se apuram fatos relacionados ao financiamento de campanha de Eduardo Azeredo, em 1998.5
Ademais, Marcos Valério confirma que possui cartão de assinaturas no ia Ofício Notarial de Belo Horizonte (fls. 166) e há semelhança visual entre a assinatura que consta na lista e aquelas que foram apostas por Marcos Valério em auto de colheita de material gráfico a fls. 167-182.
Conforme declarado pelo acusado Dino Miraglia, a lista original foi protocolizada nos autos da Ação Penal 536, de relatoria do Ministro Joaquim Barbosa (fls. 159-162).
A autoridade policial e o MPF não tomaram quaisquer providências para se obter a confirmação, por exame pericial, da falsidade da assinatura ou do reconhecimento público de assinatura que consta na via original supostamente apresentada na ação penal referida. Aliás, sequer foi providenciada a confirmação da existência da via original no bojo da ação penal n° 536.
A falsidade material da lista poderia ser facilmente comprovada por prova técnica, demonstrando-se, por exemplo, que a assinatura atribuída a Marcos Valério é falsa ou que houve falsificação do reconhecimento público desta assinatura. Tal prova é imprescindível, pois, caso se confirme a autenticidade da assinatura, a alegada falsidade do conteúdo da lista implicaria na eventual imputação de responsabilidade penal a Marcos Valério.
A falsidade material da lista, por outro lado, implicaria na eventual imputação de responsabilidade penal a Nilton Antonio Monteiro, a despeito de sequer ter sido ouvido, pois Dino Miraglia Filho afirma que recebeu a lista de suas mãos (fls. 160). Confirmada a falsidade material, aí sim o exame pericial n° 12.679/12 (anexo XI) poderia ser valorado para demonstração da existência de indícios de autoria de Nilton Monteiro e, eventualmente, de Dino Miraglia, pois atuou como advogado de Nilton no inquérito policial no qual foi elaborado o laudo pericial (fls. 2262-2264 do apenso IX).
A existência de ação penal na qual se imputa responsabilidade ao acusado Nilton Monteiro por fraudes e falsificação documental não induz à conclusão de que são materialmente falsos outros documentos provenientes de suas mãos. Seria apenas elemento indiciário de sua autoria caso se confirmasse a falsidade material ou se constatasse que o acusado Dino Miraglia faltou com a verdade quando disse que protocolizou a lista original junto ao Supremo Tribunal Federal.
A análise visual da lista não traz quaisquer suspeitas de falsidade material, de forma que não se pode imputar aos acusados Dino Miraglia Filho, Leandro Fortes e Demetrio Carta que tivessem ciência de eventual falsidade da lista, em especial porque o conteúdo não revela fatos impossíveis ou inimagináveis no cenário nacional.
O comportamento de Dino Miraglia Filho com relação à lista não permite concluir que ele tivesse ciência de eventual falsidade material, já que declarou ter entregue a via original no bojo dos autos da ação penal n° 536, de relatoria do Ministro Joaquim Barbosa, ocasião em que a lista teria sido fotografada por jornalistas que se encontravam no edifício do Supremo Tribunal Federal (fls. 160). Ordinariamente se espera que o autor de delito de calúnia, nos moldes descritos pela acusação, divulgue de forma anônima fatos estampados em documento falso ou apresente ao poder público tão somente cópia simples do documento, a fim de evitar a apuração da falsidade por exame pericial.
A acusação não diligenciou sequer para provar a falsidade do relato detalhado do dia em que o acusado Dino teria protocolizado a lista no Supremo Tribunal Federal (fls. 160).
Não se quer dizer que a lista é materialmente verdadeira que seu conteúdo retrate fatos ocorridos, mas se afirma apenas que não há demonstração de falsidade material da lista e muito menos que os acusados tivessem ciência da alegada falsidade.
Consigno, por fim, que nova denúncia pode ser oportunamente recebida depois de confirmada a alegada falsidade material por exame técnico.
A eventual falta de ética profissional dos acusados Demétrio Carta e Leandro Fortes, ao publicarem a notícia sem prévia oportunidade de manifestação ao ofendido Ministro Gilmar Mendes, não tem relevo no reconhecimento da justa causa para deflagração da ação penal, devendo resolvida na seara cível.
Ante o exposto, REJEITO a denúncia, com fulcro no artigo 395, inciso III, do Código de Processo Penal.
Indefiro o pedido de diligências a fls. 285, pois o MPF possui prerrogativa de requisitar informações e documentos, bem como acesso incondicional a qualquer banco de dados de caráter público, de modo que a intervenção judicial somente se mostra necessária no caso de negativa do fornecimento de certidões (Lei Complementar n° 75/93).
Defiro a prioridade na tramitação do feito, pois o acusado Demétrio Carta possui mais de sessenta anos de idade (artigo 71, da Lei 10.741/03).
Ciência ao MPF.
Intimem-se, pela imprensa oficial, o ofendido e os acusados que possuem advogado constituído nos autos.

A rejeição de denúncia foi mantida, sob os seguintes fundamentos (fls. 558/559):


O Ministério Público Federal ofereceu denúncia em face de DEMÉTRIO CARTA, LEANDRO FORTES, DINO MIRAGLIA FILHO e NILTON ANTÔNIO MONTEIRO, no dia 3 de julho de 2013, imputando-lhes a prática do crime de calúnia, por três vezes, em concurso de agentes, e com a incidência de causas de aumento e de agravante (CP, art. 138, c.c. o arts. 141, I e II, e 61, II).
Rejeitada a denúncia (fls. 352-356), o MPF interpôs recurso em sentido estrito sem apresentar documentos (fls. 358-373).
Devidamente intimados, os denunciados MINO CARTA (fls. 384-394), DINO MIRAGLIA FILHO (fls. 409-518), LEANDRO FORTES (fls. 523-544) e NILTON ANTONIO MONTEIRO (fls. 547-555) apresentaram contrarrazões recursais. DINO MIRAGLIA FILHO apresentou documentos que foram apensados em 8 (oito) volumes.
Vieram os autos conclusos para juízo de retratação (artigo 589, do Código de Processo Penal).
É a síntese do necessário.
Fundamento e decido.
A decisão de rejeição da denúncia deve ser mantida.
O recebimento da denúncia exige a prova da materialidade do delito imputado e indícios de autoria dos denunciados. Tratando-se de calúnia, a norma penal criminaliza a conduta daquele que imputa "falsamente fato definido como crime" (artigo 138, do CP).
Desse modo, não se prescinde que haja mínima demonstração de que o alegado fato criminoso imputado à vítima seja FALSO.
O parquet pretende ajuizar ação penal com base exclusivamente em ilações acerca da falsidade do conteúdo da lista e da ciência desta falsidade por parte dos denunciados, questões que foram analisadas e afastadas individualmente no ato recorrido.
Pode-se concluir que o Ministério Público Federal pretende que os denunciados sejam condenados exclusivamente com os elementos que existem nos autos, já que não instruiu os autos com laudo pericial para demonstrar a alegada falsidade material, a despeito de se tratar de denúncia subscrita por 4 (quatro) membros do parquet.
O fato que dá substrato à acusação está descrito em lista que teria sido protocolizada perante o Supremo Tribunal Federal, ou seja, não se justifica a falta de diligências para que seja confirmada sua existência e, em caso positivo, que seja periciada, já que supostamente contém assinatura que foi reconhecida por tabelião.
Diversamente do que afirma o parquet, a eventual responsabilidade criminal não desapareceria caso se confirmasse ser inverídica a alegação de que a lista original está na Corte Suprema, pois há alternativas ao exame de corpo de delito em caso de desaparecimento dos vestígios (artigos 158 e 167, ambos do Código de Processo Penal). Não se justifica, no entanto, que por razões desconhecidas, o parquet não busque, antes do ajuizamento da ação, ao menos confirmar a existência da lista que traz a materialidade do delito imputado aos denunciados.
A despeito de não ter havido interposição embargos de declaração diante da alegada contradição, em reforço ao que foi exposto no ato recorrido, especificamente no que tange à sigla AGU, aposta ao lado do nome da vítima, cumpre esclarecer que a fundamentação se pautou pelo enfrentamento dos raciocínios expostos na denúncia, o que não significa que se concorda com a ilação feita pelo órgão acusador.
Quando se fundamentou que não há como imputar a ciência da alegada falsidade da lista, em especial quanto aos denunciados Leandro Fortes e Mino Carta, pelo fato de que o Ministro Gilmar Mendes assumiu o cargo de Advogado-Geral da União (AGU) em data posterior à data dos fatos a que se refere o conteúdo da lista, não se aderiu à linha de raciocínio feita pelo parquet. Apenas fundamentou-se que não há incoerência na utilização da sigla, caso o leitor da lista pesquisasse os cargos ocupados pelo Ministro Gilmar Mendes antes de assumir a chefia da AGU. Em verdade, quanto à alegada estranheza da sigla AGU, parece-me que ela não despertaria quaisquer suspeitas ao homem médio, simplesmente porque é bastante razoável supor que quem chefiou tão importante instituição já fazia parte de seus quadros, ou seja, já era membro da Advocacia Geral da União (AGU).
A natureza prematura do ajuizamento da ação se reforça diante do atual andamento da ação penal nº 536/MG, que tramita perante o Supremo Tribunal Federal. Conforme divulgado há alguns dias no sítio eletrônico do Ministério Público Federal, o Procurador-Geral da República apresentou alegações escritas em que pugna pela condenação do réu Eduardo Brandão de Azeredo pela suposta prática dos delitos de peculato e de lavagem de dinheiro, afirmando que "... já em 1998, foram tomados os passos necessários para montar esquema de desvio de recursos públicos e lavagem desses capitais, com objetivo de financiar, de forma criminosa, a campanha à reeleição e Eduardo Azeredo,..." .
A referência ao feito que tramita no Supremo Tribunal Federal é relevante porque a campanha eleitoral em questão é a mesma a que se referem os documentos que dão substrato à acusação de calúnia. Naquelas alegações escritas, o parquet imputa participação de Marcos Valério, na qualidade de representante da SMP&B, e chega a citar documento por ele produzido para fundamentar o pedido condenatório, conforme transcrevo a seguir:
(...)
Não se sabe a qual lista o parquet se refere nas alegações escritas, mas não se justifica a inexistência de diligências para se confirmar a existência (ou não) da lista que o denunciado Dino Miraglia afirma ter protocolizado junto ao Supremo Tribunal Federal e que ora se afirma ser materialmente falsa.
Não se pode admitir a deflagração de ação penal em que se alega a falsidade material de uma lista sem a prévia realização de exame pericial ou ao menos a confirmação de que a lista original não foi entregue ao STF, em especial quando parte dos fatos supostamente delituosos descritos na lista aparentemente coincide com objeto de pedido condenatório feito pelo Ministério Público em outra ação penal.
Descabida a alegação de que a decisão recorrida tem cognição exauriente, pois não se veicula conclusão sobre a falsidade ou autenticidade da lista e tampouco sobre a veracidade ou falsidade dos fatos nela descritos, mas apenas se reconhece a natureza prematura do ajuizamento da ação, com violação a dispositivo que prevê a indispensável realização de exame de corpo de delito quando a infração deixar vestígios.
A ação penal traz ônus aos denunciados e por isso seu processamento só pode ocorrer quando presentes os pressupostos processuais e as condições da ação, dentre os quais lastro probatório mínimo da materialidade do delito imputado. Neste sentido:(...).
Assim, como o parquet não diligenciou para confirmar a existência da lista e periciá-la, imperioso o reconhecimento de falta de justa causa para deflagração da ação penal, pela inexistência de "lastro probatório mínimo".
Ante o exposto, MANTENHO a decisão de rejeição denúncia (artigo 395, inciso III, do Código de Processo Penal).
Intimem-se e remetam-se os autos ao Tribunal Regional Federal, com as formalidades de praxe.

Como se vê, embora a decisão recorrida tenha concluído pela regularidade formal da denúncia, esta foi rejeitada por entender a MM. Juíza a quo pela falta de justa causa, pelos seguintes fundamentos: a) os denunciados agiram ao abrigo da liberdade informação, pensamento e expressão, sendo o intuito meramente informativo; b) a Acusação não procedeu ao exame pericial do documento apontado como falso, ônus que lhe cabia, nos termos do artigo 158 do Código de Processo Penal; c) tratando-se de imputação de calúnia, não se prescinde que haja mínima demonstração de que o alegado fato criminoso imputado à vítima seja falso, não sendo suficientes ilações acerca da falsidade conteúdo da lista e da ciência desta falsidade por parte dos denunciados; d) não foi demonstrado que os denunciados tinham ciência da falsidade material da lista.


A denúncia encontra-se formalmente regular, e contém exposição clara e objetiva dos fatos ditos delituosos, com narração de todos os elementos essenciais e circunstanciais que lhes são inerentes, atendendo aos requisitos descritos no artigo 41 do Código de Processo Penal.

Os fatos descritos na denúncia evidenciam a ocorrência de fato típico, qual seja, a imputação falsa, pelos denunciados a Gilmar Ferreira Mendes, da conduta de receber vantagem indevida em razão de exercício do cargo público de Ministro do Supremo Tribunal Federal, fato esse tipificado no artigo 317 do Código Penal (crime de corrupção passiva).

A denúncia individualizada pormenorizadamente a conduta de cada um dos denunciados, apontando as frases constantes da edição 708 da revista Carta Capital que imputam ao ofendido a conduta referida, na capa e em matéria assinada por LEANDRO, e ainda no editorial assinado por DEMÉTRIO; e indica das razões pelas quais se pode concluir pela falsidade da lista mencionada na reportagem e do conhecimento dessa falsidade pelos denunciados, e a finalidade de diminuir a autoridade do ofendido na sua condição de Ministro do Supremo Tribunal Federal; bem como os trechos das reportagens nas edições posteriores.

Indica ainda a denúncia que o documento que embasou as reportagens foi falsificado pelo denunciado NILTON, que agiu em conluio com o denunciado DINO, que por sua vez divulgou os documentos, e também encaminhou cópias à revista, com a única intensão de propiciar a divulgação pela imprensa da imputação falsa de crime.


Quanto à fundamentação da decisão recorrida pela inexistência de animus caluniandi, mas apenas e tão somente animus narrandi, observo que, na fase inicial da ação penal vigora o princípio in dubio pro societate, cumprindo ao juiz a verificação da prova da existência do crime e indícios de autoria, bastando para o recebimento da denúncia a mera probabilidade de procedência da ação penal.

A rejeição da denúncia somente se justifica diante da absoluta ausência de indícios de autoria, flagrante atipicidade da conduta ou extinção da punibilidade, posto que se existente a prova indiciária, ainda que mínima, a dúvida deve ser resolvida, nesse momento processual, em favor da Acusação. Nesse sentido:


HABEAS CORPUS. DIREITO PROCESSUAL PENAL. PROVA DA MATERIALIDADE DO DELITO. PRESENÇA. ORDEM DENEGADA. 1. O presente habeas corpus foi impetrado com a finalidade de restabelecer decisão do Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal da Capital do Rio de Janeiro, que não recebeu a denúncia oferecida contra o paciente. 2. Existe, no presente caso concreto, prova da materialidade do crime imputado ao paciente, consistente no auto de exame cadavérico encartado aos autos do processo. Por outro lado, a efetiva causa da morte da vítima, na espécie, deverá ser apurada no curso da instrução processual criminal. 3. Cabe destacar que na fase do recebimento da denúncia o julgador deve se pautar pelo princípio pro societate. Assim, para o recebimento da exordial acusatória, basta a presença da prova da materialidade delitiva e dos indícios suficientes de autoria. 4. O trancamento de ação penal, principalmente por meio de habeas corpus, é medida reservada a hipóteses excepcionais, como a manifesta atipicidade da conduta, a presença de causa de extinção da punibilidade do paciente ou a ausência de indícios mínimos de autoria e materialidade delitivas, o que não é o caso. 5. Writ denegado.
(STF, HC 105251, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 28/06/2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-167 DIVULG 30-08-2011 PUBLIC 31-08-2011)
HABEAS CORPUS. PENAL. CRIME CONTRA AS TELECOMUNICAÇÕES. ART. 183 DA LEI N. 9.472/1997. PREFEITO MUNICIPAL. INSTALAÇÃO DE ANTENA DE RETRANSMISSÃO DE SINAL DE TELEVISÃO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. INEXISTÊNCIA. PRESENÇA DE JUSTA CAUSA...
1. Se a denúncia descreve a existência, em tese, de fato típico, acompanhada de indícios de autoria, há justa causa que autoriza o prosseguimento da ação penal, pois, nessa fase, vigora o in dubio pro societate...
(STJ, HC 219.625/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 21/11/2013, DJe 19/12/2013)
PENAL. RECURSO ESPECIAL. CRIMES DO DECRETO-LEI 201/67. DENÚNCIA. RECEBIMENTO. FUNDAMENTAÇÃO. ART. 6º DO DECRETO-LEI 201/67. RECURSO NÃO-PROVIDO.
1. Não há falar em violação de lei federal se o juízo de admissibilidade é devidamente motivado, com base na análise das teses e das provas juntadas pelas partes.
2. A improcedência da ação penal só pode ser declarada nas hipóteses em que a atipicidade resta comprovada de plano. Do contrário, deve a exordial acusatória ser recebida, com base no princípio do in dubio pro societate.
3. Recurso não-provido.
(STJ, REsp 637.259/RN, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 04/12/2009, DJe 01/02/2010)

Dessa forma, a conclusão pela inexistência de animus caluniandi, mas apenas e tão somente animus narrandi por parte dos denunciados, ou seja, de que estes agiram com mera intenção de informar, e não de caluniar, nessa fase processual, somente seria possível se tal circunstância restasse extreme de dúvidas, constatável ictu oculi. Com a devida vênia, não é o que ocorre no caso dos autos.

É certo que, especificamente com relação à imprensa, a Constituição, em seu artigo 220, veda qualquer restrição à informação e qualquer forma de embaraço à liberdade de imprensa, e qualquer censura. É nítida portanto à relevância dada pela Constituição à liberdade de imprensa, dada a importância de uma imprensa livre para a concretização de um Estado verdadeiramente democrático. Quanto à isso, não há dúvida.

Contudo, isso evidentemente não exclui a possibilidade de responsabilização criminal, posto que a liberdade de imprensa não significa imunidade quanto à responsabilização por crimes contra a honra, na forma como tipificados no Código Penal. Nesse sentido situa-se, desde há muito, o entendimento do Supremo Tribunal Federal, reiterado após a declaração de não-recepção, pela Constituição de 1988, da Lei nº 5.250/1967 - Lei de Imprensa:


EMENTA: INQUÉRITO. CRIMES CONTRA A HONRA. LEI N. 5.250/67 NÃO RECEPCIONADA PELA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. APLICAÇÃO DO CÓDIGO PENAL. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. RECOLHIMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS APÓS A CESSAÇÃO DA CAUSA ENSEJADORA DO PEDIDO. AUSÊNCIA DE VÍCIO. INSTRUMENTO DE MANDATO. DESCRIÇÃO DO FATO TÍPICO. QUEIXA-CRIME ASSINADA PELO QUERELANTE. PERDÃO TÁCITO. AUSÊNCIA. EXIGÊNCIA CONTIDA NO ART. 58, INOCORRÊNCIA. CONSUMAÇÃO DO CRIME DE CALÚNIA. ATIPICIDADE QUANTO AO CRIME DE 3º DA LEI N. 5250 DIFAMAÇÃO. INJÚRIA. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITVA. EXIGÊNCIA PREVISTA NO ART. 58, § 3º, DA LEI DE IMPRENSA. INSUBSISTÊNCIA. 1. O Pleno desta Corte decidiu que a Lei n. 5.250/67 [Lei de Imprensa] não foi recepcionada pela Constituição do Brasil [ADPF n. 130, Relator o Ministro Carlos Britto, DJ de 6.11.09]. Daí aplicar-se tipificação semelhante contida no CP, atinente aos crimes de calúnia, injúria e difamação. 2. Recolhimento das custas processuais após o encerramento da causa justificadora do pedido de assistência judiciária gratuita. Ausência de vício processual. 3. Fatos típicos suficientemente descritos no instrumento de mandato. Queixa-crime assinada pelo advogado e pelo próprio querelante, o que sanaria eventual vício no instrumento de mandato. 4. Perdão tácito previsto no artigo 107, V, do CP. Ausência: o querelante afirmou que em respeito à dor do querelado e de seus familiares aguardou a fim de que ele, querelado, pudesse refletir a respeito do que dizia, se conscientizasse de suas palavras e acusações. Inicialmente, limitou-se a tolerar as ofensas do querelado. Resultaram, no entanto frustradas as expectativas de vê-las cessar. Não há falar, portanto, em prática de atos incompatíveis com a intenção de processar. 5. Havendo imputação ao querelante da prática de fato típico, tem-se por consumado o crime de calúnia. 6. Inocorrência do crime de difamação, que pressupõe, para sua concretização, a presença de fato certo e determinado a macular a honra objetiva do querelante. 7. Pretensão, alternativa, de tipificação do crime de injúria. Impossibilidade, ante a prescrição da pretensão punitiva quanto a esse crime. 8. Exigência contida no Artigo 58, § 3º, da Lei n. 5.250/67. Insubsistência, face à decisão proferida na ADPF n. 130. Queixa-crime recebida pelo delito de calúnia.
(STF, Inq 2503, Relator(a):  Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 24/03/2010, DJe-091 DIVULG 20-05-2010 PUBLIC 21-05-2010 EMENT VOL-02402-02 PP-00317)

A denúncia indica elementos suficientes para que se afaste a conclusão, nessa fase processual, de inexistência de intenção de caluniar. O fato da reportagem indicar que o ofendido "aparece entre os beneficiários" da lista e que "teria recebido 185 mil", com a devida vênia não permite concluir, ao menos nessa fase processual, que "sequer se afirma que efetivamente houve o recebimento do numerário".

Ao contrário, a capa da revista Carta Capital, na edição 708, afirma peremptoriamente que "O valerioduto abasteceu Gilmar", estampando a foto do ofendido. Ou seja, afirma incondicionadamente, utilizando-se do pretérito perfeito, que o ofendido foi abastecido pelo valerioduto.

Ou seja, a revista não se limita a afirmar que o nome do ofendido consta em uma lista de pessoas que teriam recebido dinheiro, mas vai além, e faz um juízo de valor sobre a veracidade da informação contida na lista. Em seu editorial, reafirma o juízo sobre a veracidade da informação obtida na lista, ao concluir que disso decorre ser evidente a suspeição do Ministro.

Assim, estão presentes indícios suficientes de que os denunciados agiram com intenção caluniosa, o que é o que basta para o recebimento da denúncia que, repita-se, somente poderia ser rejeitada com base na conclusão de exclusivo animus narrandi caso este restasse extreme de dúvidas.


Quanto à fundamentação da decisão recorrida no sentido de que a Acusação não procedeu ao exame pericial do documento apontado como falso, ônus que lhe cabia, nos termos do artigo 158 do Código de Processo Penal, com a devida vênia, entendo equivocada.

É certo que, no crime de falsidade material, o exame pericial é em regra indispensável, salvo se a sua realização for impossível e a falsidade puder ser provada por outros meios.

Contudo, no caso dos autos, a denúncia imputa aos acusados o crime de calúnia, tipificado no artigo 138 do Código Penal, e não o crime de falsidade material. O crime de calúnia é de natureza formal, e portanto prescinde de qualquer exame pericial.

Da leitura da denúncia resta claro que não se está imputando aos denunciados o crime de falsidade material, o que ademais está expressamente dito na cota de oferecimento da peça: "O Ministério Público Federal esclarece não ser objeto do presente processo penal a falsificação do documento que fundamentou as reportagens contendo a falsa imputação de crime à vítima Gilmar Ferreira Mendes, a qual é alvo de procedimento próprio em Belo Horizonte/MG, onde ocorreu".

O fato criminoso que a denúncia indica ter sido falsamente imputado ao ofendido é ter recebido dinheiro de um esquema de corrupção, inclusive para facilitar a concessão de decisão judicial.

Ou seja, o fato criminoso que a denúncia indica ter sido falsamente imputado ao ofendido não é a falsificação da lista; esta circunstância é indicada na denúncia como comprobatória da presença do dolo, ou seja, de que os denunciados tinham plena consciência da falsidade da imputação.

Dessa forma, não é cabível a discussão, nesse momento processual, e com a devida vênia, sobre estar ou não demonstrada a falsidade da lista, pelas apontadas incongruências em seu conteúdo.

Isso porque, repita-se, o fato que a denúncia indica ter sido imputado falsamente ao ofendido não depende da falsidade ou autenticidade material da lista.

Em outras palavras, a denúncia indica que os denunciados imputaram falsamente ao ofendido o fato de ter recebido dinheiro, incorrendo no crime de corrupção passiva. Assim, ainda que a lista seja materialmente verdadeira, ou seja, redigida e assinada pela pessoa nela indicada, com reconhecimento de firma autêntico, isso não significa, por óbvio, que os fatos nela descritos sejam verdadeiros.


Quanto à fundamentação da decisão recorrida no sentido de ser imprescindível mínima demonstração de que o fato criminoso imputado à vítima seja falso, observo que tal conclusão não tem, com a devida vênia, qualquer relação lógica com a apontada insuficiência das ilações acerca da falsidade da lista.

É certo que para a caracterização do delito de calúnia, é necessário que a imputação seja falsa, que o réu saiba desta circunstância e que o fato atribuído ao ofendido seja definido como crime.

Contudo, isso não significa que caiba ao ofendido provar a falsidade da imputação. Ao contrário, se o denunciado por crime de calúnia alega que o fato imputado, embora criminoso, é verdadeiro, a ele cabe essa prova, mediante o incidente de exceção da verdade, previsto no §3º do artigo 138 do Código Penal.

Nesse sentido a doutrina de Guilherme de Souza Nucci, in Código Penal Comentado, Ed. Forense, 14ª ed., p. 749:


18. Exceção da verdade: trata-se de um incidente processual, que é uma questão secundária refletida sobre o processo principal, merecendo solução antes da decisão da causa ser proferida. É uma forma de defesa indireta, através da qual o acusado de ter praticado calúnia pretende provar a veracidade do que alegou, demonstrando ser realmente autor de fato definido como crime o pretenso ofendido.

No sentido de que cabe ao denunciado por crime de calúnia provar, por meio da exceção da verdade, a veracidade do fato criminoso imputado ao ofendido, aponto precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça:


Ementa: PENAL. CALÚNIA. EXCEÇÃO DA VERDADE CONTRA DEPUTADO FEDERAL. COMPETÊNCIA DO STF. IMPROCEDÊNCIA DA EXCEÇÃO POR FALTA DE PROVAS. I - Cabe ao Supremo Tribunal Federal julgar a exceção da verdade apresentada em ação penal baseada em suposta prática calúnia quando o excepto (querelante) exercer o cargo de Deputado Federal. II - Deve o excipiente (querelado) demonstrar o que alegou na exceção, sob pena de improcedência do incidente, não sendo aceitável excursar-se desse encargo ante o pretexto de ter-se comprometido junto ao Ministério Público a guardar sigilo sobre as investigações. III - Exceção da verdade julgada improcedente, com retorno da ação penal à Instância a quo para prosseguimento.
(STF, Pet 4898, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 24/11/2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-028 DIVULG 08-02-2012 PUBLIC 09-02-2012)
EXCEÇÃO DA VERDADE. CRIME CONTRA A HONRA. PROCURADOR REGIONAL DA REPÚBLICA. FORO PRIVILEGIADO. COMPETÊNCIA DO STJ. FATOS INDEMONSTRADOS. IMPROCEDÊNCIA.
1. É da competência do Superior Tribunal de Justiça o julgamento da exceção da verdade quando o excepto é autoridade com foro privilegiado sujeito à sua jurisdição.
2. Indemonstrados os fatos imputados, impõe-se a improcedência da exceptio veritatis.
3. Exceção da verdade improcedente.
(STJ, ExVerd . 42/ES, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, CORTE ESPECIAL, julgado em 20/06/2007, DJ 03/09/2007, p. 109)

Quanto à fundamentação da decisão recorrida no sentido de que não foi demonstrado que os denunciados tinham ciência da falsidade material da lista, entendo, com a devida vênia, equivocada.

Repita-se, o fato criminoso falsamente imputado, segundo a denúncia, ao ofendido, é ter recebido dinheiro, incidindo no crime de corrupção passiva.

Assim, se é certo que o crime da calúnia exige, para sua caracterização, que o agente tenha ciência da falsidade da imputação, no caso concreto o que se exige é que os denunciados tenham ciência da falsidade da imputação do recebimento do dinheiro pelo ofendido, em razão de sua função de Ministro do Supremo Tribunal Federal, praticando crime de corrupção passiva - e não da falsidade da lista.

E a denúncia aponta indícios suficientes de que os denunciados tinham conhecimento da falsidade da imputação, não só pelos elementos indicativos do conhecimento da falsidade da lista, mas por outros fatos elencados (v.g., pelo fato da revista sequer ter procurado ouvir a versão do ofendido).


Por fim, anoto que a questão da representação ter se referido apenas às edições 708 e 709 da revista Carta Capital e a denúncia ter feito menção à ocorrência de crime de calúnia, por três vezes, não comporta decisão nesse momento processual de recebimento da denúncia.

Com efeito, ainda que efetivamente a representação faça referência à duas edições da revista e a denúncia impute a prática do crime de calúnia por três vezes, refere-se à mesma imputação de fato criminoso, sendo prematuro, nesse momento processual, decidir-se pela ocorrência ou não de crime único, concurso material ou crime continuado, pelo fato da mesma imputação criminosa ter sido feita em mais de uma oportunidade. Dessa forma, tal questão deve ser resolvida por ocasião da sentença, se for o caso.


Assim, demonstrada a materialidade e indícios suficientes de autoria, bem como inexistindo qualquer das hipóteses descritas no artigo 395 do Código de Processo Penal, há elementos suficientes para a instauração da ação penal. E nos termos do entendimento consagrado na Súmula n. 709 do Supremo Tribunal Federal, o provimento do recurso interposto contra a rejeição da denúncia resulta no seu recebimento.


Quanto ao pedido de juntada das certidões de antecedentes criminais, com a devida vênia, não procede o argumento de que a juntada das certidões de antecedentes criminais deve ser feita pelo próprio Ministério Público Federal, por se tratar de providência que interessa somente à Acusação, cabendo a intervenção do Juízo apenas na hipótese de recusa comprovada.

No sistema processual penal brasileiro, o Ministério Público limita-se ao oferecimento da denúncia, não formulando pedido de condenação do réu em determinada quantidade de pena.

Por outro lado, cabe ao Juiz, se procedente a denúncia, proceder à dosimetria da pena considerando, de ofício, todas as circunstâncias, inclusive eventuais antecedentes do réu, independentemente de requerimento expresso da Acusação. Assim, a juntada aos autos das certidões de antecedentes interessa não só à Acusação, mas também ao Juízo, a quem cabe, como assinalado, proceder à dosimetria da pena, independentemente de requerimento da Acusação.

No sentido de que cabe ao Juízo deferir o requerimento de requisição de certidões de antecedentes criminais formulado pelo Ministério Público situa-se o entendimento da Primeira Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região: (TRF 3ª Região, PRIMEIRA SEÇÃO, MS 0027348-51.2012.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL VESNA KOLMAR, julgado em 29/11/2012, e-DJF3 Judicial 1 DATA:12/12/2012); (TRF 3ª Região, PRIMEIRA SEÇÃO, MS 0021352-72.2012.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI, julgado em 29/11/2012, e-DJF3 Judicial 1 DATA:11/12/2012).


Pelo exposto, dou provimento ao recurso em sentido estrito para receber a denúncia, bem como para determinar a requisição das certidões de antecedentes criminais, determinando o envio dos autos ao Juízo de origem para regular processamento.

É como voto.



MARCIO MESQUITA
Juiz Federal Convocado


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