Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 22/08/2014
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001869-23.2003.4.03.6127/SP
2003.61.27.001869-6/SP
RELATORA : Juiza Convocada DENISE AVELAR
APELANTE : CLAUDINEI DA CRUZ GALLO
ADVOGADO : SP101166 LUIZ EUGENIO PEREIRA e outro
APELADO(A) : Justica Publica

EMENTA

PENAL. DESENVOLVIMENTO CLANDESTINO DE ATIVIDADE DE TELECOMUNICAÇÕES. RADIO AMADOR. MATERIALIDADE NÃO COMPROVADA. NECESSIDADE DE PROVA PERICIAL. ABSOLVIÇÃO.
1. A tipicidade do crime previsto no art. 183 da Lei nº 9.472/1997 depende da capacidade do equipamento transmissor provocar interferência relevante no regular funcionamento dos meios de comunicação devidamente autorizados, consoante a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
2. A ausência de perícia técnica sobre o equipamento transmissor, tendente a apontar a frequência e o grau de interferência no sistema de comunicação, enseja a absolvição do acusado por falta de prova da materialidade delitiva.
3. Apelação provida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação para absolver o réu, relativamente à conduta descrita na denúncia, com fundamento no art. 386, II, do Código de Processo Penal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 12 de agosto de 2014.
DENISE AVELAR
Juíza Federal Convocada


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Data e Hora: 15/08/2014 18:07:25



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001869-23.2003.4.03.6127/SP
2003.61.27.001869-6/SP
RELATORA : Juiza Convocada DENISE AVELAR
APELANTE : CLAUDINEI DA CRUZ GALLO
ADVOGADO : SP101166 LUIZ EUGENIO PEREIRA e outro
APELADO(A) : Justica Publica

RELATÓRIO

Trata-se de denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal em face de Claudinei da Cruz Gallo pela prática da conduta prevista no artigo 183 da Lei nº 9.472/1997.

Consta da denúncia que o réu desenvolveu, de forma clandestina, atividade de telecomunicações, por meio de radioamador, operado a partir do imóvel situado à Av. Zumira Pansani, nº 421, Jardim Santa Madalena, no município de Mogi Guaçu-SP.

A denúncia foi recebida em 20.02.2004 (fl. 113).

Em sentença publicada em 23.11.2006 (fls. 262), a ação penal foi julgada procedente para condenar o réu a pena privativa de liberdade de 03 (três) anos de detenção, a ser cumprida no regime inicial aberto, bem como pagar multa equivalente a R$ 10.000,00 (dez mil reais), corrigidos monetariamente desde a data do fato até o efetivo pagamento.

Foi determinada a substituição da pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou à entidades públicas a serem definidas pelo Juízo da Execução (fls. 254/261).

O réu interpôs apelação (fls. 293/294) sustentando a ausência de prova da materialidade do delito, não sendo demonstrado o potencial lesivo da atividade desenvolvida pelo réu, impondo-se a sua absolvição. Alternativamente, pugna pela desclassificação do crime para o tipo previsto no artigo 70 da Lei nº 4.117/62 e, por conseguinte, a remessa do feito para o Juizado Especial Criminal, no qual deverá ser proposta a suspensão condicional do processo, nos termos da Lei nº 9.099/1995.

Com contrarrazões (fls. 317/339), os autos subiram a esta Corte.

O Ministério Público Federal opinou pelo não provimento do recurso.

É o relatório.

Dispensada a revisão na forma regimental.



DENISE AVELAR
Juíza Federal Convocada


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001869-23.2003.4.03.6127/SP
2003.61.27.001869-6/SP
RELATORA : Juiza Convocada DENISE AVELAR
APELANTE : CLAUDINEI DA CRUZ GALLO
ADVOGADO : SP101166 LUIZ EUGENIO PEREIRA e outro
APELADO(A) : Justica Publica

VOTO

A matéria debatida na apelação interposta diz respeito à necessidade de prova pericial para a configuração da materialidade do delito previsto no art. 183 da Lei n. 9.472/1997, bem assim a questão atinente à desclassificação do delito para o tipo previsto no art. 70 da Lei n. 4.117/1962.

De início, de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a tipicidade do crime de desenvolvimento clandestino de atividade de telecomunicação depende da capacidade do equipamento transmissor provocar interferência relevante no regular funcionamento dos meios de comunicação devidamente autorizados, como ilustram os seguintes julgados:


"RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PENAL. RÁDIO COMUNITÁRIA. OPERAÇÃO SEM AUTORIZAÇÃO DO PODER PÚBLICO. IMPUTAÇÃO AO PACIENTE DA PRÁTICA DO CRIME PREVISTO NO ARTIGO 183 DA LEI 9.472/1997. BEM JURÍDICO TUTELADO. LESÃO. INEXPRESSIVIDADE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. CRITÉRIOS OBJETIVOS. PRESENÇA. APURAÇÃO NA ESFERA ADMINISTRATIVA. POSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO. I - A aplicação do princípio da insignificância deve observar alguns vetores objetivos: (i) conduta minimamente ofensiva do agente; (ii) ausência de risco social da ação; (iii) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e (iv) inexpressividade da lesão jurídica. II - Critérios que se fazem presentes, excepcionalmente, na espécie, levando ao reconhecimento do denominado crime de bagatela. III - Rádio comunitária que era operada no KM 180 da BR 230 (Rodovia Transamazônica), comunidade de Santo Antônio do Matupi, Município de Manicoré/AM, distante, aproximadamente, 332 km de Manaus/AM, o que demonstra ser remota a possibilidade de que pudesse causar algum prejuízo para outros meios de comunicação. IV - Segundo a decisão que rejeitou a denúncia, o transmissor utilizado pela emissora operava com potência de 20 watts e o funcionamento de tal transmissor não tinha aptidão para causar problemas ou interferências prejudiciais em serviços de emergência. V - Recurso provido, sem prejuízo da possível apuração dos fatos atribuídos ao paciente na esfera administrativa." (RHC 118014, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 06/08/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-163 DIVULG 20-08-2013 PUBLIC 21-08-2013)
"PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. DESENVOLVIMENTO CLANDESTINO DE ATIVIDADE DE TELECOMUNICAÇÃO. ART. 183 DA LEI 9.472/97. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. ORDEM DENEGADA. 1. O princípio da insignificância incide quando presentes, cumulativamente, as seguintes condições objetivas: (a) mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma periculosidade social da ação, (c) grau reduzido de reprovabilidade do comportamento, e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. 2. É "inegável a expressividade do bem jurídico tutelado pelo art. 183 da Lei 9.472/1997 consubstanciado no adequado e no seguro funcionamento dos serviços de comunicação regularmente instalados no país. A suposta operação de rádio clandestina em frequência capaz de interferir no regular funcionamento dos serviços de comunicação devidamente autorizados impede a aplicação do princípio da insignificância" (HC 119.979, Primeira Turma, Relatora a Ministra Rosa Weber, DJe de 03.02.14). No mesmo sentido: HC 111.518, Segunda Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 26.06.13. 3. In casu, o paciente foi condenado pela prática do crime previsto no artigo 183 da Lei 9.472-97 (desenvolver clandestinamente atividade de telecomunicação), por operar a emissora de radiodifusão sonora Rádio ACE FM, utilizando-se da radiofrequência 103,9 MHz, sem a devida autorização legal. Na sentença condenatória, o magistrado destacou que "o laudo pericial (fls. 126/128) foi apurado que tais aparelhos apreendidos teriam condições de interferir em sinais nas faixas de frequências próximas, pelo que não há falar-se em aplicação do 'princípio da insignificância'"(sem grifos no original). 4. Ademais, "a conduta tipificada no art. 70 do antigo Código Brasileiro de Telecomunicações diferencia-se daquela prevista no art. 183 da nova Lei de Telecomunicações por força do requisito da habitualidade (...). A atividade de telecomunicações desenvolvida de forma habitual e clandestina tipifica delito previsto no art. 183 da Lei 9.472/1997 e não aquele previsto no art. 70 da Lei 4.117/1962" (HC 115.137, Primeira Turma, de que fui relator, DJe de 13.02.14). 5. Ordem denegada. (HC 120602, Relator(a):  Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 25/02/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-053 DIVULG 17-03-2014 PUBLIC 18-03-2014).

No mesmo sentido o posicionamento adotado por esta Corte no julgado que se segue:


"PENAL - INSTALAÇÃO E FUNCIONAMENTO DE EMISSORA DE RÁDIO SEM AUTORIZAÇÃO DO ÓRGÃO COMPETENTE (ANATEL) - SERVIÇO DE RADIODIFUSÃO - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - RECURSO IMPROVIDO - CAPITULAÇÃO JURÍDICA - LEIS Nº 4.117/62 E 9.472/97 - ALTERAÇÃO DE OFÍCIO
1. Autoria e materialidade delitiva restaram efetivamente comprovadas pelo amplo contexto de provas documentais e testemunhais carreadas.
2. Conforme se vislumbra dos laudos periciais acostados, a conduta perpetrada pelo apelante, além de formalmente típica, também apresentou-se revestida de tipicidade material, porquanto se constata a real potencialidade lesiva advinda da instalação da rádio sem os procedimentos administrativos legalmente previstos, podendo potencialmente interferir na regularidade da prestação de serviços públicos indispensáveis como polícia, ambulâncias, carros do corpo de bombeiros, aeroportos, etc.
3. Os fatos em questão subsumem-se ao artigo 183 da Lei nº 9.472/97, porquanto praticados quando já em vigência esta norma, que, no entendimento deste Relator, de fato, revogou a Lei nº 4.117/62. Não obstante, inexistindo recurso da acusação, deve ser mantida a reprimenda imposta com base na Lei nº 4.117/62 (um ano de detenção - mínimo legal), sob pena de reformatio in pejus.
4. Recurso improvido."
(TRF 3ª Região, QUINTA TURMA, ACR 0004181-28.2000.4.03.6110, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL LUIZ STEFANINI, julgado em 19/10/2009, e-DJF3 Judicial 1 DATA:24/11/2009 PÁGINA: 625).

Assim, a verificação do potencial lesivo da conduta descrita no art. 183 da Lei n. 9.472/1997 exige a elaboração de perícia técnica que aponte a frequência operada pelo equipamento e avalie o efetivo grau de interferência no sistema de comunicação.

No caso em apreço, contudo, a acusação permaneceu inerte no tocante à produção da necessária prova pericial durante a instrução processual, remanescendo dúvida insuperável em relação a potencial capacidade lesiva do aparelho operado pelo réu, inviabilizando, desse modo, a demonstração da materialidade delitiva.

Conquanto a prova testemunhal colhida sinalize que o equipamento em tela tenha circunstancialmente provocado interferência em aparelhos eletrônicos de vizinhos do réu, nada revela sobre o seu grau de lesividade, o qual somente pode ser apurado por meio de análise técnica.

Desse modo, sem outros elementos de convicção, a prova oral é insuficiente, por si só, para fundamentar o decreto condenatório, impondo-se, no caso dos autos, a absolvição do réu por ausência de provas.

Outrossim, reputo prejudicada a análise da postulada desclassificação do delito para o tipo previsto no art. 70 da Lei n. 4.117/1962.

Diante do exposto, dou provimento à apelação para absolver o réu, relativamente à conduta descrita na denúncia, com fundamento no art. 386, II, do Código de Processo Penal.

É como voto.


DENISE AVELAR
Juíza Federal Convocada


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): DENISE APARECIDA AVELAR:10238
Nº de Série do Certificado: 2176A168DC6E9ADE
Data e Hora: 15/08/2014 18:07:28