Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 08/04/2016
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0006151-21.2009.4.03.6119/SP
2009.61.19.006151-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal WILSON ZAUHY
APELANTE : RESTOM SIMON reu/ré preso(a)
ADVOGADO : SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELANTE : EDILSON MONTEIRO DE SOUZA
: LETICIA PESSOA DE ALMEIDA
ADVOGADO : RJ130715 LUCIANA BARBOSA PIRES e outro(a)
APELANTE : ANDRE LUIZ DOS SANTOS FEITOSA
ADVOGADO : RJ072539 DENISE DE SANT ANNA LEONARDO e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
EXCLUIDO(A) : MEKONEN GEBREMEDHIN YIHDEGO (desmembramento)
: ASMERON GOITOM TEWELDE (desmembramento)
: AMANUEL GEBRETNSAE KUSMU (desmembramento)
: BENI DIATUKA (desmembramento)
No. ORIG. : 00061512120094036119 1 Vr GUARULHOS/SP

EMENTA

PENAL. OPERAÇÃO COIOTE. ESQUEMA DE ENVIO IRREGULAR DE IMIGRANTES DE ORIGEM AFRICANA PARA OS ESTADOS UNIDOS. USO E FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTOS PÚBLICOS. CORRUPÇÃO ATIVA E PASSIVA. FORMAÇÃO DE QUADRILHA. LEGALIDADE DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. UTILIZAÇÃO DA FERRAMENTA "GOOGLE TRADUTOR" PARA A TRADUÇÃO DA SENTENÇA. POSSIBILIDADE. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. DOSIMETRIA. PENA-BASE. EXASPERAÇÃO EM MENOR PATAMAR. PENA DE MULTA. REGIME INICIAL DE PENA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE.
1. A interceptação telefônica foi realizada mediante autorização judicial e em obediência ao artigo 5º, inciso XII, da Constituição da República e à Lei n. 9.296/96, tendo perdurado pelo tempo necessário para que fosse apurado o modus operandi da organização.
2. O Juízo a quo determinou a tradução da sentença para o idioma do réu RESTOM SIMON por meio da ferramenta "Google Tradutor", o que não se afigura qualquer prejuízo ao réu, tendo em vista que a Defensoria Pública da União apresentou razões de apelação pormenorizadas e abrangentes.
3. Crime do artigo 304 c.c. 297, ambos do Código Penal: a materialidade do delito restou evidentemente comprovada nos autos por meio do Auto de Prisão em Flagrante, dos Laudos de Exame Documentoscópico. A autoria igualmente satisfatoriamente demonstrada em relação a todos os réus, conforme confissão de RESTOM SIMON e teor das conversas telefônicas interceptadas.
4. Crime do artigo 288 do Código Penal: a materialidade delitiva restou devidamente comprovada pelo Auto de Prisão em Flagrante, as informações fornecidas pelo consulado norte-americano, pelo teor das conversas telefônicas interceptadas, pelos passaportes falsificados apreendidos e pelos laudos de exame documentoscópico. Da mesma forma, a autoria e o dolo restaram igualmente demonstrados.
5. Crime do artigo 333, §1º do Código Penal: os réus EDILSON MONTEIRO DE SOUZA, LETÍCIA PESSOA DE ALMEIDA e ANDRÉ LUIZ DOS SANTOS FEITOSA ao trabalharem em empresa aérea autorizada pelo Poder Público a realizar atividade típica da União (navegação aérea, artigo 21, XII, 'c' da Constituição Federal), são equiparados a funcionários públicos para efeitos penais. No mais, a materialidade e autoria restaram devidamente comprovadas pelo farto conjunto probatório constante nos autos.
6. Crime do artigo 317, §1º do Código Penal: materialidade e autoria demonstradas pelos documentos trazidos aos autos.
7. Na dosimetria da pena, cabe reduzir a pena-base aplicada ao réu RESTOM SIMON pela prática do delito do artigo 304 c.c. artigo 297, ambos do Código Penal, pois os processos em curso não podem ser utilizados para atestar a personalidade voltada para o crime, pelo que deve ser afastada essa circunstância judicial, bem como o recebimento de pagamento como motivo do crime deve ser afastado, em razão de tal circunstância ser considerada posteriormente para incidência de agravante, logo, evita-se o bis in idem. Pela mesma justificativa deve ser minorada a pena-base referente à prática do crime do artigo 288 do Código Penal. Deve ser reduzido ainda o patamar de exasperação da pena-base do crime do artigo 333, do Código Penal. O somatório final das penas a que foi condenado RESTOM SIMON é de 07 anos e 10 meses de reclusão e 32 dias-multa.
8. A dosimetria da pena da multa deve ser pautada pela proporcionalidade, assim, as reduções e aumentos da pena privativa de liberdade devem ser observadas nos mesmos patamares no tocante à pena de multa.
9. Concernente à dosimetria da pena dos réus EDILSON MONTEIRO DE SOUZA, LETÍCIA PESSOA DE ALMEIDA e ANDRÉ LUIZ DOS SANTOS FEITOSA, devem ser reduzidas as exasperações da pena-base no tocante ao delito do artigo 317, §1º, do Código Penal, restando a pena definitiva em 06 anos, 06 meses e 20 dias de reclusão e 27 dias-multa.
10. Na hipótese dos autos, as circunstâncias judiciais desfavoráveis, mormente por se tratar de envio irregular de estrangeiros para os Estados Unidos, organizado por associação criminosa com ramificações em diversos países, aconselham o início do cumprimento da pena em regime fechado, nos termos do artigo 33, caput e §3º c. c. o artigo 59, caput, III, ambos do Código Penal.
11. Ao negar o Habeas Corpus (HC) 126292, o Plenário do Supremo Tribunal Federal entendeu que a possibilidade de início da execução da pena condenatória após a confirmação da sentença em segundo grau não ofende o princípio constitucional da presunção da inocência. Portanto, os réus não têm direito a recorrer em liberdade.
12. Também é incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, à conta do não preenchimento dos requisitos do art. 44 do Código Penal, uma vez que a pena é superior a 04 anos.
13. Recursos da defesa parcialmente providos.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação do réu Restom Simon para reduzir a pena-base em relação aos crimes do artigo 304 c.c. Artigo 297, do artigo 288 e do artigo 333, §1º, todos do código penal, tornando a pena definitiva em 07 anos e 10 meses de reclusão, em regime inicial fechado e 32 dias-multa, no valor de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos corrigidos monetariamente; dar parcial provimento ao recurso de Edilson Monteiro de Souza, Letícia Pessoa de Almeida e André Luiz dos Santos Feitosa para reduzir a pena-base no tocante ao delito do artigo 317, §1º, do código penal, restando a pena definitiva em 06 anos, 06 meses e 20 dias de reclusão, em regime inicial fechado, e 27 dias-multa no valor de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos corrigidos monetariamente. Determinada a expedição de mandado de prisão com validade até 03/05/2028.


São Paulo, 29 de março de 2016.
WILSON ZAUHY
Desembargador Federal


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Data e Hora: 30/03/2016 18:08:56



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0006151-21.2009.4.03.6119/SP
2009.61.19.006151-4/SP
APELANTE : RESTOM SIMON reu/ré preso(a)
ADVOGADO : SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELANTE : EDILSON MONTEIRO DE SOUZA
: LETICIA PESSOA DE ALMEIDA
ADVOGADO : RJ130715 LUCIANA BARBOSA PIRES e outro(a)
APELANTE : ANDRE LUIZ DOS SANTOS FEITOSA
ADVOGADO : RJ072539 DENISE DE SANT ANNA LEONARDO e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
EXCLUIDO(A) : MEKONEN GEBREMEDHIN YIHDEGO (desmembramento)
: ASMERON GOITOM TEWELDE (desmembramento)
: AMANUEL GEBRETNSAE KUSMU (desmembramento)
: BENI DIATUKA (desmembramento)
No. ORIG. : 00061512120094036119 1 Vr GUARULHOS/SP

RELATÓRIO COMPLEMENTAR

Em complementação ao Relatório de fls. 2481/2486 que ora ratifico, consigno que os autos foram encaminhados à Primeira Instância para apresentação de contrarrazões pela Procuradoria da República de Guarulhos/SP, apresentadas às fls. 2495/2496.

Remetidos os autos à Procuradoria Regional da República da 3ª Região, foi ratificado o parecer ministerial constante às fls. 2416/2444.


Encaminhe-se à revisão, nos termos regimentais.


WILSON ZAUHY
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0006151-21.2009.4.03.6119/SP
2009.61.19.006151-4/SP
RELATORA : Juiza Convocada DENISE AVELAR
APELANTE : RESTOM SIMON reu preso
ADVOGADO : SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELANTE : EDILSON MONTEIRO DE SOUZA
: LETICIA PESSOA DE ALMEIDA
ADVOGADO : RJ130715 LUCIANA BARBOSA PIRES e outro
APELANTE : ANDRE LUIZ DOS SANTOS FEITOSA
ADVOGADO : RJ072539 DENISE DE SANT ANNA LEONARDO e outro
APELADO(A) : Justica Publica
EXCLUIDO : MEKONEN GEBREMEDHIN YIHDEGO (desmembramento)
: ASMERON GOITOM TEWELDE (desmembramento)
: AMANUEL GEBRETNSAE KUSMU (desmembramento)
: BENI DIATUKA (desmembramento)
No. ORIG. : 00061512120094036119 1 Vr GUARULHOS/SP

RELATÓRIO

Trata-se de denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal em face de Restom Simon, Edilson Monteiro de Souza, Letícia Pessoa de Almeida, André Luiz dos Santos Feitosa, Mekonen Gebremedhin Yihdego, Asmeron Goitom Tewelde e Amanuel Gebretnsae Kusmu.

Narra a denúncia que (fls. 949/961):


"(...)

1. Da formação de quadrilha:

Os denunciados RESTOM SIMON, EDILSON MONTEIRO DE SOUZA, LETÍCIA PESSOA DE ALMEIDA e ANDRÉ FEITOSA, agindo de forma livre e consciente, associaram-se, em quadrilha, para o fim de cometer crimes de falsificação e uso de documentos públicos falsos, viabilizando o envio ilegal de imigrantes aos Estados Unidos, através de rotas aéreas operadas pelas empresas aéreas Avianca, Taca e Copa Airlines.

Com efeito, de acordo com os elementos de prova colhidos no bojo do procedimento criminal diverso n. 2009.61.19.006151-4, RESTOM SIMON atuava, pelo menos desde o ano de 2007, como o principal mentor de um esquema voltado ao recebimento, hospedagem e reembarque de estrangeiros (eritréios, somalis e etíopes), com documentos falsos, a partir dos Aeroportos Internacionais de São Paulo (Guarulhos) e Rio de Janeiro (Galeão), agindo coordenadamente com outras organizações criminosas, de mesmos fins, estabelecidas na Africa do Sul, Bolívia, Panamá, México, Guatemala, Honduras e Estados Unidos.

A ação delitiva desenvolvia-se, com algumas variações, mediante a observância do seguinte modus operandi: (a) cúmplices de RESTOM, no continente africano, forneciam vistos brasileiros falsificados a estrangeiros ávidos por ingressar nos Estados Unidos da América, providenciando o seu embarque ao Brasil; (b) no Brasil, RESTOM e seus comparsas viabilizavam a obtenção de documentos (passaportes e vistos) falsos, que os habilitassem a ingressar em outros países da América do Sul ou da América Central, bem como passagens aéreas em companhias nas quais o grupo possuía funcionários previamente aliciados ao esquema; (c) na data do embarque, através da ação de tais funcionários e/ou da utilização de procedimentos fraudulentos (como, por exemplo, acesso à área internacional mediante check in para vôo de cabotagem e posterior embarque em vôo internacional), os estrangeiros eram enviados ilegalmente para outros países da América do Sul ou América Central, de onde seguiam, mediante o auxílio de outros membros da organização criminosa, com destino aos Estados Unidos da América.

No que tange aos fatos ocorridos no dia 15.07.2009, que denotam a tentativa de envio ilegal dos estrangeiros MEKONEN GEBREMEDHIN YIEGO, ASMERON GOITOM TEWELDE E AMANUEL GEBRETNSAE KUSMU, a participação de cada um dos acusados encontra-se devidamente comprovada através das interceptações telefônicas levadas a efeito no procedimento criminal diverso n. 2009. 61.19.006151-4, sendo relevante destacar que:

No dia 06.07.2009, RESTOM e EDILSON encontraram- se no Rio de Janeiro para tratar de detalhes referentes ao embarque ilegal de passageiros. O encontro ocorreu em lan house, inferindo-se pela conversa interceptada, que os dois já haviam se encontrado em tal local anteriormente.

No dia 09.07.2009, RESTOM liga para EDILSON e discutem qual a melhor rota para efetuar o envio de estrangeiros. Depois de trocarem informações acerca do passaporte e do visto que seria utilizado, EDILSON compromete-se a verificar o valor das passagens aéreas.

No dia seguinte, RESTOM e EDILSON voltam a conversar sobre a reserva de passagens. RESTOM diz que precisa de uma resposta até as quatro horas, pois é o horário em que o banco fecha e que tem cerca de R$ 9.000,00 para repassar para EDILSON. EDILSON sugere que RESTOM deposite o dinheiro em sua conta bancária do Banco ltaú, cujo número remete via mensagem de texto.

Nesse mesmo dia, RESTOM informa, via mensagem de texto, a uma pessoa não identificada nos Estados Unidos da América, o nome de três sujeitos que, possivelmente, estaria enviando aquele país. Horas depois, ao combinar com EDILSON sobre a rota de vôo dos passageiros que viajarão aos EUA, este confirma o nome do passageiro "Bereket", referido na mensagem de texto interceptada. Em outra ligação, EDILSON pergunta a RESTOM se o envio pode ser efetuado pela empresa Copa Airlines, ao que este responde que não, informando que o passaporte falso é da África do Sul, caso em que a rota exigiria visto consular.

No dia 12.07.2009, RESTOM envia mensagem de texto a MOTO, sujeito com sotaque espanhol, que não restou devidamente identificado na investigação, indicando o número de passaporte e o nome de três passageiros para que este efetue a confecção dos passaportes falsos. Os nomes indicados eram o dos acusados MEKONEN, ASMERON e AMANUEL, cujo embarque foi impedido no dia 15.07.2009, mediante ação da Polícia Federal no Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro.

Nesse mesmo dia, EDILSON mantém contato com RESTOM e informa que já falou com o funcionário da COPA (o acusado André), para que ele facilite o "check-in" dos passageiros, cujos bilhetes EDILSON comprou. EDILSON e RESTOM, então, combinam em mandar o passageiro que usará o passaporte francês separadamente, em voo distinto ao dos dois outros dois passageiros (que usariam passaporte holandês).

No dia 13.07.2009, RESTOM obtém de MOTO a informação de que os passaportes estão prontos.

No dia seguinte, EDILSON avisa que EUDORICO (sujeito não identificado) está comprando as passagens aéreas e que os passaportes falsos estão com ele. Na ocasião, EDILSON menciona a participação de sua esposa, LETICIA, e discute com RESTOM acerca da possibilidade de enviarem os três estrangeiros de forma conjunta. Segundo EDILSON, ANDRE não iria aceitar enviar os três juntos, em vista da dificuldade de atender a todos. Por outro lado, o envio pela AVIANCA não seria possível porque nem ele, nem outro funcionário de nome SERGINHO - que, ao que tudo indica, colaborou com o esquema em outras oportunidades - estariam trabalhando na companhia aérea naquele dia. EDILSON, então, refere que iria verificar a possibilidade de enviá-los conjuntamente com ANDRÉ.

Em seguida, EDILSON informa a RESTOM que conseguiu efetuar a reserva dos três passageiros para o dia seguinte (15.07.2009), e que iria conversar com LETICIA e ANDRE para que os atendessem na Copa Airlines, viabilizando, assim, o envio conjunto dos passageiros. EDILSON avisa ainda que "saiu U$ 1.150 dólares" cada passageiro, incluída a parte destinada a Eudoco, que reservou as passagens. EDILSON diz que conversará com a LETICIA e com o ANDRE, e depois fechará e imprimirá os bilhetes.

Em outra ligação, no mesmo dia, EDILSON diz que fará o "web check-in" dos três passageiros, conforme instruções de sua esposa LETICIA. Diz para RESTOM levar os passageiros ao aeroporto no dia seguinte, fala acerca do pagamento da "comissão" de Eudorico e sobre a entrega dos documentos.

Com base na confirmação de EDILSON, RESTOM contata CAIO, sujeito que reside na Guatemala, e informa acerca do embarque dos estrangeiros, esclarecendo que estes utilizariam passaportes da Africa do Sul e vistos da Guatemala. Pede ainda para que CAIO encaminhe os carimbos de entrada e saída da imigração brasileira, via internet, a fim de que, em eventual análise do documento, não houvesse suspeita de que os estrangeiros não se submeteram à fiscalização alfandegária. Logo depois, CAIO confirma a remessa dos impressos falsos.

No dia marcado para o embarque dos acusados MEKONEN, ASMERON e AMANUEL, a quadrilha, sem saber que estava sendo monitorada através da interceptação telefônica judicialmente autorizada no bojo do procedimento criminal diverso que instrui a presente denúncia, e pelas autoridades policiais que atuam no Aeroporto do Rio de Janeiro, mantém uma série de contatos, nos quais RESTOM deixa transparecer seu receio de que os passaportes falsos venham a ser descobertos pela supervisora da empresa Copa Airlines e que, com isso, possa causar problemas aos funcionários da imigração do Panamá que haviam sido corrompidos para permitir o ingresso dos estrangeiros.

EDILSON, então, esclarece a RESTOM que, segundo LETICIA, uma vez que os passageiros tenham passado pela Polícia Federal (no caso, tal comprovação seria feita mediante os carimbos de controle imigratório falsos que RESTOM obteve com CAIO), não há motivo para que a companhia aérea avise a imigração do país de destino. EDILSON tranquiliza RESTOM e lhe diz que, na próxima semana, deveriam efetuar apenas dois passageiros, fato que, sem dúvida, denota a habitualidade com que o grupo agia.

LETÍCIA e RESTOM se encontram e, em seguida, RESTOM avisa a EDILSON que ela entregou-lhe o envelope contendo os passaportes e as reservas. RESTOM diz que estaria faltando a reserva referente a um dos trechos e discutem sobre a eventual ausência de algum dos documentos. RESTOM ainda cita o nome de MEKONEN, de modo a não deixar dúvida de que os bilhetes e passaportes referidos eram justamente os apreendidos em poder de MEKONEN, ASMERON e AMANUEL.

Conforme a filmagem realizada no Aeroporto, é possível visualizar RESTOM, acompanhado dos três acusados citados acima, verificando os documentos que lhe foram entregues por LETÍCIA.

Da conversa mantida entre RESTOM e EDILSON, verifica-se ainda que as reservas previam trechos de ida e volta (Rio-Panamá-Guatemala/ Guatemala-Panamá-Rio-Paris ou Amsterdã), demonstrando que a quadrilha tinha o cuidado de tentar justificar, mediante a emissão de bilhetes de ida e volta, o objetivo da viagem e o tempo de permanência do suposto passageiro no país de destino.

Como RESTOM insiste na ausência de um dos trechos combinados, LETICIA liga para RESTOM e informa que é para ficar tranquilo, que os bilhetes estão certos. Diz que retirou do envelope os bilhetes referentes ao trecho de ida, e que ANDRE irá entregar os cartões de embarque, logo após realizar o procedimento de check-in dos passageiros. LETICIA informa, ainda, que não irá trabalhar no check in do vôo naquele dia, mas que ANDRE ligaria quando tudo estivesse pronto.

Às lOh24min, ANDRÉ, segundo dados obtidos junto à companhia aérea, efetua o "web check in" de MEKONEN, suspendendo os procedimentos de embarque de AMANUEL e ASMERON, em virtude da notícia de que tais passageiros estavam sendo aguardados, em vista de denúncia de que portariam passaportes falsos. O procedimento é efetuado sem a presença do passageiro, consoante dá conta a filmagem efetuada no Aeroporto (DVD acostado à f. 898).

Cientificada do fato, LETÍCIA avisa a RESTOM que terão que cancelar o embarque dos passageiros, pois teria sido informado à companhia sobre a possibilidade de que sujeitos, de posse de passaportes franceses e holandeses falsos, tentassem embarcar naquele vôo. LETICIA diz para RESTOM não aparecer no balcão da companhia.

RESTOM contata EDILSON, que confirma a informação de LETICIA. RESTOM, então, diz que o pessoal da imigração no Panamá já havia ligado para saber se o embarque havia ocorrido e que acha que o problema se deveu à realização do "web check-in", que, segundo ele, deixaria o passageiro em evidência.

Em outra ligação, EDILSON diz que ligaram do avisando sobre o uso de passaportes roubados, e que, por isso, os estrangeiros não poderiam embarcar naquele vôo. RESTOM mostra incredulidade, diz que está há muito tempo com os passaportes, e pede pra Edilson encontrar-se com ele em Niterói, para arrumar outro vôo.

Em seguida, RESTOM, MEKONEN, ASMERON e AMANUEL se preparam para deixar o Aeroporto, sendo que, à vista de todo o ocorrido, são abordados pela equipe do Núcleo de Operações da Polícia Federal do Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro - RJ, que os conduz até a Delegacia.

Revistados os acusados MEKONEN, ASMERON e AMANUEL, a Polícia logrou êxito em localizar os três documentos falsos, um passaporte francês e dois passaportes holandeses, todos com carimbo de imigração falsos e alterações quanto à identificação de seus titulares.

À vista da utilização do passaporte falso para efetivação do check-in de um dos passageiros, foi lavrado o auto de prisão em flagrante delito com relação a RESTOM, MEKONEN e ANDRE, pelos crime de uso de dcumento falso. Sem prejuízo, foi expedido mandado de prisão preventiva contra a totalidade dos acusados, sendo fato, como visto, que RESTOM, EDILSON, LETICIA e ANDRE agiam em comunhão de desígnios e vontades, no desiderato de viabilizar o envio ilegal de imigrantes a outros países da América.

Os fatos acima narrados dão conta de que a ação da quadrilha era concatenada e que cada um de seus membros tinha, a despeito da nítida divisão de funções, plena ciência da atividade delitiva que era levada a efeito pelo grupo.

O sucesso da empreitada delitiva era garantida mediante a atuação de diversos agentes nos países de destino, dentre os quais funcionários de imigração, consoante se pode inferir pelo conteúdo das conversas judicialmente interceptadas.

A prática delitiva, ademais, não configurou ato isolado na vida dos acusados, inferindo-se, pelo conteúdo das conversas telefônicas interceptadas, que a quadrilha viabilizava o envio ilegal de estrangeiros ao exterior de maneira regular e cotidiana. A menção à participação de terceiros, não identificados nas investigações, ademais, denota que a ação era efetuada em várias frentes e que, muitas vezes, outros sujeitos eram corrompidos no afã de que o bando atingisse o seu desiderato.

A prática delitiva era efetuada mediante paga e, à exceção de RESTOM, os demais acusados agiam em infringência aos deveres impostos aos funcionários das empresas aéreas no que diz com os procedimentos necessários à conferência de documentos e à realização de procedimentos de embarque.

A materialidade e a autoria do delito encontram-se devidamente comprovadas através das provas coligidas no procedimento criminal diverso n. 2009.61.19.006151-4, em especial, pelas diligências investigatórias e documentos fornecidos pelo Consulado Geral dos Estados Unidos da América (fs. 39-326), pelo cotejo dos documentos apreendidos junto à empresa DHL (fs. 590-609) e a informação policial de fs. 610-614, e pelo auto de prisão em flagrante n. 108/2009 - DPF/AIN/RJ (fs. 843-857), os quais demonstram o fato de que os acusados uniram-se para a prática de crimes de falsificação e uso de documento falso.

II. Do uso de documento falso:

No dia 15.07.2009, às lOh24min, os acusados MEKONEN e ANDRE, agindo de forma livre e consciente e em comunhão de vontades e desígnios com RESTOM, LETICIA e EDILSON, fizeram uso de documento falso, consistente no passaporte da República Francesa n. 05RX99243, a fim de viabilizar o embarque de MEKONEN em voo internacional, com destino ao Panamá, efetuando o web check in do passageiro através da inserção de dados falsos nos sistemas da companhia Copa Airlines.

Com efeito, ciente da falsidade do documento, para cuja contrafação MEKONEN contribuiu mediante fornecimento de fotografia e dados pessoais, ANDRE, funcionário da empresa aérea Copa Airlines, previamente acordado com RESTOM, EDILSON e LETICIA, realizou os procedimentos de check in do passageiro, cujo embarque apenas deixou de ser realizado por circunstâncias alheias à vontade dos agentes.

A materialidade e autoria delitivas encontram-se devidamente comprovadas pelo auto de prisão em flagrante, cujas cópias estão acostadas às fs. 843-854 e pela confissão de MEKQNEN, RESTOM e ANDRE, os quais confirmaram a realização do procedimento, a ciência acerca da falsidade do documento e o prévio acordo entre os envolvidos.


III. Da falsificação de documentos públicos:

Os acusados, agindo de forma livre e consciente e em comunhão de desígnios e vontades, falsificaram, em parte, documentos públicos, consistente nos passaportes holandeses e franceses de n. NN81 K721 9, NCR2BJ673 e 05RX99243, neles inserindo fotografia diversa da de seus titulares e alterando, mediante impresso, dados qualificativos, vistos e carimbos constantes no interior do documento.

MEKONEN, ASMERON e AMANUEL, em cujos nomes foram efetuadas as contrafações, concorreram para a prática delitiva, mediante fornecimento de fotografia e dados pessoais, que foram inseridos no documento.

RESTOM, EDILSON, LETÍCIA e ANDRÉ, na qualidade de membros de quadrilha voltada ao envio ilegal de estrangeiros ao exterior, concorreram, a seu turno, com a falsificação dos documentos apontados, à medida que, de posse dos passaportes roubados, forneceram-nos para que MOTO, sujeito não identificado, efetuasse as contrafações. A participação dos envolvidos ainda resta evidenciada pelo fato de que o documento falsificado, encomendado por RESTOM, foi entregue a EDILSON, e repassado posteriormente a LETICIA, que, no dia dos fatos, entregou-os aos estrangeiros.

A materialidade e a autoria delitiva encontram-se evidenciadas pelas cópias dos passaportes falsos e das passagens aéreas acostadas às fs. 445-458, dos autos de apreensão acostados, por cópia, às fs. 539-542/586-589, e, em especial, pelas informações do Serviço de Cooperação Técnico Internacional de Polícia Francesa (fs. 459-460) e Embaixada do Reino dos Países Baixos (f. 838), as quais dão conta de que os passaportes encontrados em poder dos acusados MEKONEN, ASMERON E AMANUEL são falsos, tendo sido expedidos em nome de outras pessoas que não os acusados. Quanto aos passaportes holandeses, a informação da embaixada é no sentido de que foram roubados de seus titulares.


IV. Da corrupção ativa:

O acusado RESTOM SIMON, ainda, ofereceu vantagem indevida a funcionários das empresas aéreas AVIANCA (EDILSON) e COPA AIRLINES (LETICIA E ANDRE), a fim de determiná-los a agir, em infringência a dever funcional, de modo a viabilizar a emissão de passagens aéreas e a efetuar o check in de MEKONEN, ASMERON e AMANUEL, portadores dos passaportes falsos de n. NN81K7219, NCR2BJ673, expedidos pela República Francesa, e de n. 05RX99243, expedido pela Holanda.

A oferta de vantagem indevida restou devidamente caracterizada em ligação telefônica que RESTOM e EDILSON mantiveram no dia 10.07.2009, na qual RESTOM refere que está de posse de nove mil reais, e que precisa do número da conta de EDILSON para efetuar o depósito do numerário. Infere-se, ainda, de conversas mantidas no dia anterior ao flagrante, no qual EDILSON expressamente refere-se ao pagamento da comissão de EUDORICO, que o auxiliou na aquisição das passagens aéreas, fato que denota que os membros do grupo eram remunerados por sua atuação.

A materialidade e autoria do delito encontram-se demonstradas pelo conteúdo das conversas telefônicas cuja interceptação foi judicialmente autorizada, bem como pela filmagem realizada no dia 15.07.2009, no Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro.


V. Da corrupção passiva:

Os acusados EDILSON, LETÍCIA e ANDRÉ, na qualidade de integrantes dos quadros de funcionários das empresas aéreas AVIANCA (EDILSON) e Copa Airlines (LETICIA e ANDRE), receberam valores para realizarem atividade ilícita, infringindo o dever funcional que lhes assistia no sentido de efetuar a conferência dos documentos e observar a regularidade dos procedimento de embarque e de emissão de passagens aéreas dos vôos de tais empresas.

Observe-se que, nos termos do art. 327 do CP, os acusados são funcionários públicos por equiparação, sendo-lhes exigido o agir lícito, pena de responsabilização criminal.

A materialidade e autoria do delito encontram-se demonstradas pelo conteúdo das conversas telefônicas cuja interceptação foi judicialmente autorizada, bem como pela filmagem realizada no dia 15.07.2009, no Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro, a qual denota que o grupo, além do recebimento da vantagem indevida, iria levar a efeito o embarque dos estrangeiros, não houvesse sido obstada a ação peloa notícia de que a companhia havia recebido denúncia acerca dos estrangeiros.

Com efeito, no dia 15.07.2009, consoante acordado com os demais membros do grupo, ANDRE efetuou o check in do passageiro MEKONEN sem sua presença no balcão da companhia aérea, inserindo nos bancos de dados da companhia informações inverídicas, com o fito de viabilizar o embarque fraudulento do estrangeiro citado. ANDRE apenas não efetuou o check in dos outros dois passageiros, em virtude da notícia de que outros funcionários da companhia estavam aguardando a apresentação de tais passageiros, a fim de verificar se estavam fazendo uso de passaportes falsos.


VI. Capitulação legal das condutas:

Diante, do exposto, considerando o fato de que os acusados EDILSON, LETICIA e ANDRE falsificaram, de forma livre e consciente, documentos públicos, os quais não utilizaram, em sua totalidade, por circunstâncias alheias à vontade dos agentes, bem como o fato de que se uniram, em quadrilha, para o fim de praticar tais crimes, inclusive mediante o recebimento de vantagem indevida e infringência a dever funcional, o Ministério Público Federal denuncia-os pela prática dos delitos inscúlpidos nos arts. 288, 333, parágrafo único, e 297 c/c 29 do Código Penal, por duas vezes. Ainda, tendo em vista o fato de que concorreram para o uso do passaporte público de MEKONEN, os acusados devem responder pelo crime previsto no art. 304 dc 29 do CP, ficando subsumida, em virtude da consunção, a falsificação do aludido documento, prática prevista no art. 297 do CP. Com relação aos acusados, ainda, deve observar-se a incidência da agravante prevista no art. 61, IV, do CP.

O Ministério Público Federal denuncia o acusado

RESTOM SIMON, a seu turno, pela prática dos delitos previstos nos arts. 288, 317, §1, 304 c/c 29 do CP e art. 297 c/c 29 do CP, por duas vezes, requerendo, ainda, a observância dos agravantes atinentes à espécie (art. 61, I e IV, doCP).

Com relação aos acusados MEKONEN, ASMERON e AMANUEL, imigrantes ilegais que se valeram dos serviços da quadrilha, o Ministério Público Federal denuncia-os pela prática do delito previsto no art. 297 c/c 29 do CP, considerando a concorrência, mediante fornecimento de fotografias e dados pessoais, para a confecção dos documentos falsificados expedidos em seus nomes.

(...)"


A denúncia foi recebida em 18.08.2009 (fl. 972).

O Ministério Público Federal postulou a correção do erro material constante da denúncia, a fim de que: a) onde se lê, à fl. 960, em relação ao réus Edilson, Letícia e André, "artigo 333, parágrafo único", leia-se "artigo 317, § 1º", e b) onde se lê, à fl. 961, no tocante à Restom Simon, "artigo 317", leia-se "artigo 333, parágrafo único" (fl. 1.497). O pedido foi deferido à fl. 1.599.

O Ministério Público Federal aditou a denúncia, a fim de incluir Beni Diatuka no polo passivo, pela prática das condutas previstas nos artigos 288 e 297 c.c. o artigo 29, todos do Código Penal, por duas vezes. Consta do aditamento que à época da prisão não eram conhecidos os dados qualificativos do acusado, razão pela qual foi determinado à autoridade policial que assim o diligenciasse. Assim, no bojo do inquérito policial n. 21.0516/09 e do Pedido de Quebra de Sigilo Telefônico e de Dados n. 2009.61.19.009771-5, logrou-se a identificação do acusado, que não apenas foi identificado em uma das conversas interceptadas como "MOTO", como no dia 01.11.2009 recebeu ligação telefônica de Restom Simon, pedindo que ajudasse a esposa deste último (fls. 1.552/1.560).

O MM. Juiz a quo recebeu o aditamento da denúncia em 15.03.2010 (fls. 1.561).

Tendo em vista que somente o réu Restom Simon encontrava-se preso, em 23.05.2011 foi determinado o desmembramento do feito em relação aos demais réus (fls. 1.876/1.878).

Entretanto, o desmembramento foi mantido apenas para o réu Beni Diatuka (fl. 1919vº).

Em 21.09.2011 o MM. Juízo a quo desmembrou o feito no tocante aos réus Asmeron Goitom Tewelde, Amanuel Gebretnsae Kusmu e Mekonen Gebremedhin Yihdego (fl. 2.042).

Em sentença publicada em 04.05.2012 (fl. 2.300), o MM. Juízo a quo rejeitou a preliminar de ilegalidade das interceptações telefônicas e, no mérito, julgou procedente o pedido formulado na denúncia para condenar o réu Restom Simon nas penas dos artigos 288, 333, parágrafo único, 304 c.c. o artigo 29 do Código Penal e artigo 297 c.c. o artigo 29, todos do Código Penal, por duas vezes, a 11 (onze) anos e 10 (dez) dias de reclusão em regime inicialmente fechado e 485 (quatrocentos e oitenta e cinco) dias-multa, e os réus Edilson Monteiro de Souza, Letícia Pessoa de Almeida e André Luiz dos Santos Feitosa, nas penas dos artigos 288, 317, § 1º e 297 c.c. o artigo 29 do Código Penal, por duas vezes, a 07 (sete) anos de reclusão em regime inicialmente fechado e 250 (duzentos e cinquenta) dias-multa. Cada dia multa foi fixado em 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo à época dos fatos (fls. 2.256/2.299).

André Luiz dos Santos Feitosa interpôs recurso de apelação, postulando sua absolvição, com fundamento no artigo 386, VIII, do Código de Processo Penal. Sustenta que a denúncia fundou-se tão somente nas interceptações realizadas em diversas linhas telefônicas que ultrapassaram o prazo de 15 (quinze) dias previsto na Lei n. 9.296/96. Aduz que seu número de telefone não foi interceptado, bem como que não há provas de que tivesse feito ou recebido ligações dos demais réus, além de desconhecer qualquer irregularidade relativa ao envio de passageiros ao exterior. Nega o envolvimento com os demais acusados, afirmando que seu nome foi mencionado nos diálogos entre os corréus apenas para incriminá-lo e que fez o check in do estrangeiro Mekonen a pedido de Letícia, de modo que não há provas suficientes de sua autoria e participação. Alega, ainda, que não há prova nos autos de que tenha solicitado ou recebido qualquer vantagem indevida. Outrossim, sustenta a impossibilidade da condenação pelo crime de quadrilha ou bando, pois apenas conhece Edilson e Letícia e Restom Simon afirmou perante a magistrada de primeira instancia não conhecê-lo, não tendo restado demonstradas, assim, a estabilidade e a permanência necessárias para a configuração do delito. Aduz, por fim, que não houve razoabilidade na aplicação da pena, tendo em vista que o artigo 349 do Código Penal prevê 01 (um) ano de detenção e multa e foi aplicada a pena prevista no artigo 317, parágrafo único, do Código Penal, ou seja, 03 (três) anos de reclusão e multa, aumentada de 1/3 (um terço), perfazendo o total de 04 (quatro) anos para o crime previsto no artigo 333 do Código Penal (fls. 2.345/2.355).

Restom Simon apresentou razões de apelação alegando em preliminar a nulidade do feito, ante a ilegalidade da interceptação telefônica, por não ter sido demonstrado ser este o único meio de prova, o que demonstra a ausência da real necessidade da medida cautelar, bem como em razão de sua duração, pois ultrapassou o lapso temporal admitido pela lei. Aduz que não foi oportunizada vista dos autos à defesa para que se manifestasse acerca do deferimento da medida cautelar, nem mesmo após o encerramento da diligência, traduzindo, assim, cerceamento de defesa. Alega a nulidade da prova ora contestada, o que conduz à nulidade de todas as provas acostadas aos autos que dela derivaram, devendo ser desentranhadas, em observância ao artigo 157, caput e § 1º, do Código Penal. Insurge-se, ainda, contra a tradução da sentença mediante a utilização da ferramenta Google Translator, requerendo a declaração de nulidade do feito, por violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa ou, subsidiariamente, que seja determinada a tradução da sentença por tradutor habilitado para tanto. No mérito, postula sua absolvição, sustentando que a condenação não pode subsistir em relação aos crimes de uso de documento falso, pois não fez uso dos passaportes falsos, e de corrupção ativa, na medida em os funcionários de empresas de transporte aéreo de passageiros não podem ser enquadrados no conceito de funcionários públicos para fins penais. Caso não seja esse o entendimento, requer a redução da pena-base aplicada a referidos delitos, bem da aplicada ao crime de quadrilha ou bando, de modo que seja aplicada a pena mínima. Pugna pelo afastamento da circunstância agravante prevista no inciso IV do artigo 62 do Código Penal, uma vez que a obtenção de lucro é o único motivo para a prática do delito previsto no artigo 304 c.c. o artigo 297, ambos do Código Penal, sendo circunstância judicial valorada na fase do artigo 59 do aludido diploma legal. Requer a extensão da diminuição da pena decorrente da confissão às penas de multa, que se mantiveram inalteradas após a incidência da minorante, o cumprimento inicial da pena em regime diverso do fechado, a substituição das penas privativas de liberdade por restritivas de direitos e a revogação da prisão cautelar. Postula, ao final, a concessão dos benefícios da justiça gratuita. Suscita, ainda, o prequestionamento legal para a interposição dos recursos cabíveis à espécie (fls. 2.356/2.365).

Com contrarrazões às apelações de Restom Simon (fls. 2.371/2.378) e de André Luiz dos Santos Feitosa (fls. 2.379/2.383), subiram os autos a esta Corte.

Edilson Monteiro de Souza e Letícia Pessoa de Almeida apresentaram razões de apelação, requerendo preliminarmente a declaração de nulidade da ação penal desde o oferecimento da denúncia, tendo em vista a ilegalidade das interceptações telefônicas, porquanto excederam o tempo previsto na Lei n. 9.296/96 e por não ter restado comprovada a sua imprescindibilidade. No mérito, pugnam por sua absolvição, aduzindo que sua participação não foi devidamente comprovada e que a prova é frágil, baseando-se tão somente nos interrogatórios, em presunções e nas aludidas interceptações telefônicas. Quanto ao crime de quadrilha, alegam a inexistência de dolo específico dos quatro acusados e a necessidade de uma associação estável e permanente para a caracterização do delito, o que não ocorreu, in casu. No tocante à corrupção passiva, sustentam que o valor de R$ 9.000,00 (nove mil reais) depositado por Restom na conta de Edilson referia-se a compras de passagens aéreas intermediadas pelo ora apelante, o qual recebia comissão pelas vendas e que em relação à Letícia, seu nome não foi mencionado nas conversas telefônicas, não havendo motivos para a condenação. Caso não seja esse o entendimento, pugnam pela fixação da pena no mínimo legal. Insurgem-se, por fim, contra a condenação pelos crimes de falsificação e uso de documento falso, pois não realizaram a conduta descrita no tipo penal (fls. 2.404/2.413).

A Procuradoria Regional da República apresentou contrarrazões à apelação de Edilson Monteiro de Souza e Letícia Pessoa de Almeida e parecer em peça única, opinando pelo desprovimento dos recursos (fls. 2.416/2.444).

É o relatório.

À revisão.




DENISE AVELAR
Juíza Federal Convocada


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Nº de Série do Certificado: 2176A168DC6E9ADE
Data e Hora: 30/07/2014 17:56:42



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0006151-21.2009.4.03.6119/SP
2009.61.19.006151-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal WILSON ZAUHY
APELANTE : RESTOM SIMON reu/ré preso(a)
ADVOGADO : SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELANTE : EDILSON MONTEIRO DE SOUZA
: LETICIA PESSOA DE ALMEIDA
ADVOGADO : RJ130715 LUCIANA BARBOSA PIRES e outro(a)
APELANTE : ANDRE LUIZ DOS SANTOS FEITOSA
ADVOGADO : RJ072539 DENISE DE SANT ANNA LEONARDO e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
EXCLUIDO(A) : MEKONEN GEBREMEDHIN YIHDEGO (desmembramento)
: ASMERON GOITOM TEWELDE (desmembramento)
: AMANUEL GEBRETNSAE KUSMU (desmembramento)
: BENI DIATUKA (desmembramento)
No. ORIG. : 00061512120094036119 1 Vr GUARULHOS/SP

VOTO

Das preliminares.

Da nulidade da interceptação telefônica.


O Ministério Público Federal requereu autorização judicial para quebra de sigilo telefônico e do fluxo de informações em sistema de informática e telemática de Restom Simon, bem como dos dados cadastrais referentes aos interlocutores de tais conversas e comunicações eletrônicas (fls. 02/32).

Registre-se, inicialmente, a imprescindibilidade da medida, por se tratar de investigação de organização criminosa com atuação na África, América do Sul e América Central, cuja finalidade era viabilizar o ingresso ilegal de imigrantes estrangeiros provenientes de países africanos em território norte-americano, mediante o fornecimento de passaportes e vistos falsificados.

Com efeito, em 21.01.2009, foi determinada a instauração do IPL n. 21.001/09 (processo n. 2009.61.19.002186-3), objetivando investigar um estrangeiro de nome Solomon que, de acordo com ofício encaminhado pelo Consulado dos Estados Unidos, possibilitaria o ingresso e permanência de estrangeiros naquele país, mediante a utilização de documentos falsos.

Restom Simon, cidadão etíope refugiado no Brasil, foi preso em 27.02.2009 na posse de documentos falsos, atuando de modo a facilitar o embarque de terceiro, tendo sido oferecida denúncia nos autos do processo n. 2009.61.19.002193-0.

Após o recebimento de informações adicionais do Consulado Americano, a autoridade policial efetuou uma série de diligências, chegando à conclusão da identidade entre as pessoas de Restom Simon e Solomon.

O MM. Juízo a quo, ao deferir a medida, ressaltou (fls. 327/333):

"Trata-se requerimento de autorização judicial para QUEBRA DE SIGILO TELEFÔNICO E TELEMÁTICO, formulado pelo Ministério Público Federal (...)
A ligação de SIMON com os demais falsificadores, segundo o MPF, restou evidenciada por trechos extraídos das cópias que acompanham a presente representação, em tradução juramentada, efetuada com base nos documentos fornecidos pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos.
A polícia norte-americana ainda obteve mandado de busca e apreensão junto ao Juízo Distrital dos Estados Unidos do Distrito da Columbia, por meio do qual, mediante acesso ao endereço eletrônico restom66@yahoo.com.br, foi possível obter uma série de diálogos entre SIMON e os sujeitos para os quais providenciava a documentação falsa, além de contratos mantidos em outros países (fls. 164).
ALEX ROMERO, destinatário de várias mensagens, é remetente de uma série de correios eletrônicos, em cujos anexos observa-se vistos brasileiros falsos, supostamente expedidos pelo Consulado da República da África do Sul em São Paulo, a pedido de SIMON (fl. 172).
Há, inclusive, depoimentos de funcionários do Aeroporto de Guarulhos, mais precisamente uma funcionária da empresa aérea GOL que, inquirida pelas autoridades policiais, informou a frequência com que SIMON efetuava vôos por aquela companhia, e que era visto em embarque em vôos de outras companhias aéreas, bem como o fato de que geralmente era o último passageiro a embarcar - isso quando embarcava efetivamente - efetuando check in sem bagagens e, posteriormente, saindo de posse delas, o que despertou a suspeita de que sua presença no aeroporto tivesse por desiderato a realização de alguma atividade ilícita.
Diversas diligências foram efetuadas, sem obtenção de êxito. Pretende o MPF que providências mais contundentes sejam tomadas, no sentido de descortinar se SIMON continua a facilitar a imigração ilegal de estrangeiros, e quem são os autores das contrafações por ele utilizadas, uma vez que há suficientes indícios de que SIMON RESTOM seja membro de uma organização criminosa voltada à falsificação de documentos públicos e ao envio ilegal de imigrantes aos Estados Unidos, havendo a possibilidade ainda, de que a contrafação de documentos seja obtida mediante a intervenção de algum servidos do Consulado da República da África do Sul no Brasil.
(...)
É a síntese do necessário.
Entendo que o requerimento deve ser deferido. De fato, os autos em epígrafe cuidam de investigações de delitos de relevante gravidade, com grande número de potenciais envolvidos, revelando-se imprescindíveis para a continuidade da atividade policial as providências almejadas, em homenagem à repressão criminal dos delitos ora investigados, todos apenados com reclusão. Entendo, outrossim, que de fato há fortes indícios de autoria e participação em prática penal do envolvido, de quem se quer a quebra de sigilo telefônico e telemático, seja no que tange aos delitos com relação aos quais o investigado já foi denunciado, seja com relação aos crimes cuja apuração se pretende obter com a medida ora requerida.
Entendo presente, também, os requisitos do artigo 4º da Lei n. 9.296/96, uma vez que todos os meios até aqui empenhados pelas autoridades policiais se mostraram inócuos; assim, a quebra dos sigilos aqui requerida se revela necessária no sentido da identificação da autoria delitiva bem como para possibilitar a colheita de elementos necessários à configuração da materialidade dos delitos investigados.
Da mesma forma, o procedimento servirá para dar ciência à autoridade policial da atuação do investigado, sendo necessário para tal, o fornecimento das senhas para acesso aos dados cadastrais das linhas apontadas como aquelas pelas quais se mantém contato com os envolvidos, bem como a localização de partida das chamadas efetuadas." (grifos nossos).

Desse modo, a interceptação foi realizada mediante autorização judicial e em obediência ao artigo 5º, inciso XII, da Constituição da República e à Lei n. 9.296/96.


Prazo da interceptação.

No tocante à alegação de prazo excessivo das interceptações, do mesmo modo, não assiste razão aos apelantes.

Dispõe o artigo 5º da Lei n. 9.296/96:

"A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova."

Observe-se que o Ministério Público Federal formulou o pedido em 04.06.2009 (fl. 02/32), o qual foi deferido em 18/06/2009, pelo prazo de 15 (quinze) dias (fls. 327/334).

Em 06.07.2009, foi deferido o pleito de prorrogação do procedimento por mais 15 (quinze) dias, em decisão devidamente fundamentada (fls. 376/380).

Depreende-se, assim, que a interceptação perdurou pelo tempo necessário para que fosse apurado o modus operandi da organização.

Registre-se que os Tribunais Superiores firmaram entendimento no sentido da possibilidade de sucessivas prorrogações enquanto úteis à colheita da prova, como é o caso dos autos, que trata de investigação complexa:

"Ementa: PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. INTEMPESTIVIDADE. RECURSO ORDINÁRIO RECEBIDO COMO HABEAS CORPUS ORIGINÁRIO. INSTRUÇÃO CRIMINAL. INTERCEPTAÇÃO DAS COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS. DECRETAÇÃO. ILEGALIDADE. ALEGAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA. NECESSIDADE DA MEDIDA. DEMONSTRAÇÃO. INDÍCIOS DE AUTORIA. EXISTÊNCIA. APURAÇÃO DA PRÁTICA DOS CRIMES DE FORMAÇÃO DE QUADRILHA E DE CORRUPÇÃO PASSIVA. LEI 9.296/1996. REQUISITOS. PREENCHIMENTO. PROVA PERICIAL. INDEFERIMENTO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. ORDEM DENEGADA. I - O recurso é intempestivo, uma vez que o acórdão impugnado foi publicado em 28/8/2013 e o recurso foi protocolizado em 4/11/2013, fora, portanto, do prazo de cinco dias previsto no art. 310 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Contudo, em homenagem aos princípios da fungibilidade e da economia processual, bem como à firme orientação desta Turma, que admite a impetração de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário, o caso é de receber este recurso como impetração originária de habeas corpus. II - Consoante assentado pelas instâncias antecedentes, não merece acolhida a alegação de ilicitude da interceptação telefônica realizada e, por conseguinte, das provas por meio dela obtidas. III - A necessidade da medida foi devidamente demonstrada pelo decisum questionado, bem como a existência de indícios suficientes de autoria de crimes punidos com reclusão, tudo em conformidade com o disposto no art. 2º da Lei 9.296/1996. IV - Improcedência da alegação de que a decisão que decretou a interceptação telefônica teria se baseado unicamente em denúncia anônima, pois decorreu de procedimento investigativo prévio. V - Este Tribunal firmou o entendimento de que "as decisões que autorizam a prorrogação de interceptação telefônica sem acrescentar novos motivos evidenciam que essa prorrogação foi autorizada com base na mesma fundamentação exposta na primeira decisão que deferiu o monitoramento" (HC 92.020/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa). VI - O Plenário desta Corte já decidiu que "é possível a prorrogação do prazo de autorização para a interceptação telefônica, mesmo que sucessivas, especialmente quando o fato é complexo, a exigir investigação diferenciada e contínua. Não configuração de desrespeito ao art. 5º, caput, da Lei 9.296/1996"(HC 83.515/RS, Rel. Min. Nelson Jobim). VII - O indeferimento da diligência pelo magistrado de primeiro grau não configura cerceamento de defesa, uma vez que o próprio Código de Processo Penal prevê, no § 1º do art. 400, a possibilidade de o juiz indeferir as provas consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias, sem que isso implique em nulidade da respectiva ação penal. VIII - Recurso ordinário recebido como habeas corpus originário e, na sequência, denegada a ordem."
(STF, 2ª Turma, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, RHC 120551/MT, julgado em 08.04.2014, DJe-079 divulg. 25.-04.2014, publ. 28.04.2014). O grifo não está no original
"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. DENÚNCIA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. MEDIDA FUNDAMENTADA.
NULIDADE DA SENTENÇA. NÃO OCORRÊNCIA. SÚMULA N. 7 DO STJ. PRORROGAÇÃO DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. POSSIBILIDADE. SÚMULA N. 83 DO STJ.
1. O Tribunal de origem ao receber a denúncia, determinar a interceptação telefônica e proferir o acórdão, o fez de forma fundamentada e com base no acervo fático-probatório delineado nos autos. Incidência da Súmula n. 7 do STJ.
2. A jurisprudência desta Corte de Justiça há muito consignou que "o prazo de duração da interceptação telefônica pode ser seguidamente prorrogado, quando a complexidade da investigação assim o exigir, desde que em decisão devidamente fundamentada (...)." (RHC n. 28.794/RJ, Relatora Ministra Laurita Vaz, 5ª.T., DJe 16.3.2007).
3. Agravo regimental não provido."
(STJ, 6ª Turma, Relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, AgRg no AREsp 94065/ SC, julgado em 22.04.2014, DJe 02/05/2014). O grifo não está no original

Cerceamento de defesa.

Restom Simon aduz que não foi oportunizada vista dos autos à defesa para que se manifestasse acerca do deferimento da medida cautelar, nem mesmo após o encerramento da diligência, traduzindo, assim, cerceamento de defesa.

Cumpre esclarecer, inicialmente, que o sigilo foi decretado na data da distribuição da medida (fl. 02).

Ademais, quando do deferimento do pedido, a eminente magistrada de 1ª instância consignou que em razão do sigilo já decretado, o acesso aos autos estaria restrito apenas às autoridades, agentes e servidores diretamente afetos à condução da investigação (fl. 333vº).

À época, o sigilo se justificava, na medida em que o acesso aos autos poderia prejudicar o andamento das investigações, conduzindo à ineficácia da prova a ser produzida.

Neste sentido, o entendimento adotado no Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. ALEGADA NULIDADE DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. NÃO OCORRÊNCIA. MEDIDAS REALIZADAS MEDIANTE DECISÕES DEVIDAMENTE FUNDAMENTADAS. EIVA NÃO CARACTERIZADA.
1. 1. O sigilo das comunicações telefônicas é garantido no inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal, e para que haja o seu afastamento exige-se ordem judicial que, também por determinação constitucional, precisa ser fundamentada (artigo 93, inciso IX, da Carta Magna).
2. No caso em exame, ao contrário do que sustentado pelo patrono do recorrente, as interceptações telefônicas foram autorizadas judicialmente, consoante se depreende das diversas decisões acostadas ao feito.
3. Ademais, dos pronunciamentos judiciais anexados aos autos, verifica-se que os magistrados que permitiram as escutas telefônicas
motivaram, adequada e suficientemente, a indispensabilidade da medida, restando integralmente atendidos os comandos do artigo 5º da Lei 9.296/1996 e do artigo 93, IX, da Constituição Federal.
INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. PRORROGAÇÕES SUCESSIVAS. DILIGÊNCIAS QUE ULTRAPASSAM O LIMITE DE 30 (TRINTA) DIAS PREVISTO NO ARTIGO 5º DA LEI 9.296/1996. POSSIBILIDADE DE RENOVAÇÕES. DECISÕES
FUNDAMENTADAS. MÁCULA INEXISTENTE.
1. Embora a interceptação telefônica deva perdurar, via de regra, por 15 (quinze) dias, prorrogáveis por mais 15 (quinze), excepcionalmente admite-se que tal lapso temporal seja ultrapassado, exigindo-se, para tanto, que a imprescindibilidade da medida seja justificada em decisão devidamente fundamentada. Doutrina. Precedentes.
2. Na hipótese em apreço, do teor dos pronunciamentos judiciais referentes à quebra de sigilo das comunicações telefônicas constantes dos autos, constata-se que as prorrogações das interceptações sempre foram devidamente fundamentadas, justificando-se, essencialmente, nas informações coletadas pela autoridade policial em monitoramentos anteriores, motivo pelo qual não se vislumbra qualquer ilegalidade a ser reparada por este Sodalício.
AVENTADO CERCEAMENTO DE DEFESA. NEGATIVA DE VISTA DOS AUTOS DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. DEFERIMENTO DE ACESSO AOS AUTOS APENAS APÓS A CONCLUSÃO DAS DILIGÊNCIAS. PROCEDIMENTO REGULAR. ILEGALIDADE NÃO CARACTERIZADA.
1. O direito de vista dos autos dos advogados não é ilimitado, sendo certo que o acesso dos acusados à cautelar de interceptação telefônica antes mesmo da sua realização certamente frustraria a medida, motivo pelo qual apenas após o cumprimento das diligências autorizadas judicialmente é que se pode falar em publicidade para os réus e seus patronos. Precedente.
(...)
5. Recurso improvido.
(STJ, 5ª Turma, Relator Ministro Jorge Mussi, RHC 38590/MG, julgado em 22.10.2013, DJe 29.10.2013). Os grifos não estão no original

Em 15.07.2009, foi decretada a prisão preventiva dos acusados, com a determinação de ser dada ciência à Defensoria Pública da União (fls. 482/487), a qual foi intimada em 21.07.2009 (fl. 528).

Em 22.07.2009, foi determinado o cancelamento dos procedimentos relativos à interceptação telefônica, à vista da prisão dos investigados (fls. 554/559). Na mesma ocasião, foi deferido o pleito de quebra de sigilo de correspondência de Restom Simon formulado à fl. 514, restando consignado que em razão do sigilo já decretado, o acesso aos autos estaria restrito apenas às autoridades, agentes e servidores diretamente afetos à condução da investigação, bem como aos defensores constituídos nos autos (fls. 554/559).

Após o encerramento das investigações policiais, foi concedido prazo para a defesa de Restom Simon (fl. 935).

Desse modo, inexistente o cerceamento de defesa apontado, pois a defesa de Restom Simon teve oportunidade de se manifestar nos autos antes do oferecimento da denúncia.

Nulidade das provas derivadas da interceptação telefônica.

Como já explicitado, a interceptação telefônica observou o disposto no artigo 5º, inciso XII, da Constituição da República e na Lei n. 9.296/96, não havendo qualquer vício ou ilegalidade.

Assim, não há que se falar em nulidade da interceptação, nem tampouco das demais provas produzidas nos autos.

Da utilização da ferramenta "Google Tradutor" para a tradução da sentença.

Restom Simon insurge-se contra a tradução da sentença mediante a utilização da ferramenta "Google Translator", requerendo a declaração de nulidade do feito, por violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa ou, subsidiariamente, que seja determinada a tradução da sentença por tradutor habilitado para tanto.

A preliminar deve ser rejeitada.

O MM. Juízo a quo, considerando a decisão proferida pela Exma. Desembargadora Corregedora no Expediente Administrativo n. 2011.01.0218 COGE, determinou que a Secretaria providenciasse a tradução da sentença para o idioma do réu Restom Simon através do "Google Tradutor" (fl. 2.299).

Ressalte-se que eventual deficiência na tradução não causou prejuízo ao réu, na medida em que a Defensoria Pública da União apresentou razões de apelação pormenorizadas e abrangentes.

Passo à análise do mérito.


Crimes de uso e falsificação de documento público (arts. 304 c.c 297 do Código Penal).

Da materialidade

A materialidade delitiva restou devidamente comprovada nos autos por meio do Auto de Prisão em Flagrante de fls. 843/850, do Laudo de Exame Documentoscópico de fls. 1094/1098 que analisou o passaporte francês em nome de Mekonen Gebrededhin Yihdego e atestou a falsidade e boa qualidade da contrafação. Da mesma forma, os Laudos de Exame Documentoscópico de fls. 1099/1103 e 1104/1108 confirmaram a falsidade dos passaportes holandeses emitidos em nome de Amanuel Ghebretnsae Kusmu e Asmeron Goitom Tewelde, respectivamente.

Corroboram os laudos as informações prestadas pelo Ministério do Interior da França e da Embaixada do Reino dos Países Baixos noticiando a inexistência de cidadãos francês e holandeses com esses nomes, evidenciando a contrafação do documento (fls. 459/460 e 838).

Da autoria

Conforme teor obtido pelas interceptações telefônicas, RESTOM SIMON e EDILSON MONTEIRO DE SOUZA conversaram a respeito da compra das passagens aéreas, momento em que EDILSON confirma estar em posse dos passaportes, bem como ter feito web check-in, evidenciando o uso dos documentos falsificados tanto por RESTOM SIMON quanto por EDILSON MONTEIRO DE SOUZA para compra e emissão de bilhetes aéreos:

"EDILSON: o Odorico tá fechando o negócio da Copa, amanhã e pra depois de amanhã, os passaportes tão comigo entendeu, ai eu queria saber se eu mando pela Letícia amanhã pro André, como é que você vai fazer?
SIMON: como é que é... explica pra mim...
EDILSON: ...os passaportes tão aqui, os três, certo, comigo, eu ia tirar xerox, mandar pra Letícia levar amanhã pro menino lá... ia te entregar hoje os passaportes..." (fl. 876).
"EDILSON: mandei já emitir o bilhete e vou fazer o web check-in dos três hoje tá... amanhã, você tem que tá aqui hoje para levar os camaradas amanhã lá.." (fl. 878).

Acresça-se a isso as declarações de RESTOM SIMON perante o Juízo a quo atestando a veracidade dos fatos narrados na exordial acusatória, revelando ter como meio de sobrevivência o fornecimento de passaportes falsificados para algumas nacionalidades do continente africano, já tendo inclusive sido preso pela prática do mesmo delito em ocasião anterior (mídias de fls. 2102/2103).

Outrossim, em seu interrogatório judicial, ANDRÉ LUIZ DOS SANTOS FEITOSA confessou ter confirmado o web check-in de um dos passageiros portadores dos passaportes falsificados, sem a presença dele (mídia de fl. 2104), logo, em desacordo com as normas da companhia aérea, que detém a obrigação de fiscalizar a documentação dos passageiros. Tal fato é corroborado pelo depoimento da testemunha, a agente da polícia federal RENATA CAETANO PEREIRA DA SILVA FUGA que monitorava as atividades do grupo, afirmou constar nas filmagens do aeroporto do Galeão o momento em que ANDRÉ realizou a confirmação do web check-in de Mekonem, com a aposição do selo de embarque no tíquete eletrônico, mesmo ele não estando presente no balcão da empresa aérea, em realidade Mekonem estava na praça de alimentação em companhia de RESTOM e dos demais passageiros (mídia de fl. 1922).

As versões de ANDRÉ, LETÍCIA e EDILSON de desconhecimento da falsificação não encontram guarida nos elementos contidos nos autos, pois os réus chegam a discutir questões operacionais a respeito da possibilidade de descoberta pela companhia aérea da utilização de passaportes falsificados, bem como, posteriormente, travam um diálogo a respeito da desconfiança que a empresa aérea teria da autenticidade dos documentos, informação repassada por LETÍCIA a EDILSON, observe-se:

"Simon: S e E: Edílson
S: Esses caras trabalham na imigração, né! Ele ligou pra mim, ele perguntou, se eu tenho certeza, é... supervisor do COPA! Ele não avisa lá em Panamá que 3 passageiros com passaporte do Holandês e passaporte do... França, se ele não avisa!
E: Não pô, não tem como avisar, como que ele vai saber!
S: Oi!
E: Como vai saber que tem!
S: Não sei não, não sei não, por isso ele perguntar pra mim! Quando ele avisa em Panamá é muito difícil falar, é muito difícil falar, por isso ele avisou pra mim agora! Eu precisa, pergunta, ter certeza ou não?
E: Claro que não! Quando a LETÍCIA chegar aí, cê pergunta pra ela!
S: Não, não tenho como perguntar pra ele, aqui eu não tenho como! Eu não perguntei pra ele um monte de coisa, eu não perguntei pra ela!
E: Claro, porque que a supervisora ia avisar no Panamá que ia 3 passaportes holandês?
S: Então, porque sabe, né! Precisamos fazer essas coisas... Web check-in!
E: Entendi, entendi!
S: Então Web Check-in! Depois quando os passageiros se embarquem, né! O supervisor ele analisa né, todas as coisas!
E: Quem faz isso é... nem fez hoje, é o pessoal do Check-out, mas não vai, não tem como ela.. pô esses daqui estão suspeitos, vou ligar pro Panamá!" - fls. 879/880
"Simon: S e Edilson: E
S: Alô!
E: Oi! Olha só! Eu perguntei pra ela, ela falou assim: "É o seguinte, se passou pela Polícia Federal não tem porque ela ligar pro Panamá, entendeu!
S: Ahnhan!
E: Se passou por ali, tudo certinho, não tem porque ligar pro Panamá não! Não é procedimento não!
S: Só pra confirmar cara!
E: Tá certo! Tá certo! Eu falei pra ela, se tiver alguma coisa que acha que não vai dar certo. Aborta a missão! Acabou, não vai ninguém, entendeu! Pra não atrapalhar ninguém! Eu falei pra ela!" - fl. 880.
"E: Edílson e S: Simon
E: Alô, Simon?
S: Oi
E: O ANDRÉ te ligou, não?
S: Não.
E: Olha só, não sei o que aconteceu lá não, porque se alguém tava de olho lá...
S: Oi
E: É... LETÍCIA falou pra você não aparecer por enquanto não, que ia esperar o ANDRÉ ligar. Que fizeram alguma coisa errada lá.
S: Você acha certo hoje, ou não?
E: Quê?
S: Você acha que tá certo hoje ou não?
E: Eu acho que não, porque a LETÍCIA ouviu uma menina falando com uma outra lá: "Ah os 3 não apareceram ainda não, aqueles 3 não apareceram ainda não", ou seja, pode ser os seus 03 passageiros, então o ANDRÉ, como a LETÍCIA não tá no check-in, esperar o ANDRÉ definir alguma coisa, o ANDRÉ vai ligar pra você, viu, o ANDRÉ vai ligar pra você. Espera mais aí, mas não aparece enquanto o ANDRÉ não te chamar não. Tá bom." - fl. 885.
"E: Edílson e S: Simon
E: Oi só! Letícia falou que chegou ligação do consulado francês, dizendo que tem passageiro que ta com passaporte roubado!
S: ahan!
E: Entendeu! E aí já estavam verificando os 3 nomes. Por isso falou para não embarcar, algum de vocês tá com cartão de embarque aí?
S: Mas como ele descobriu, como essas o pessoal descobriu!
E: O consulado não sei, não sei mesmo! (...)" - fl. 887.

Ainda pelas interceptações telefônicas é possível constatar a ansiedade e nervosismo de LETÍCIA ao alertar o réu a respeito da dificuldade de embarque, conforme trecho transcrito a seguir:

"L: Letícia e S: Simon
S: Oi Letícia.
L: Oi Simon, olha só, deixa eu falar com você rápido, eu acho que não vai dar para embarcar.
S: Oi?
L: Não vai dar para embarcar, porque eles já tinham detectado ali um passaporte holandês e francês, entendeu? Então agora eu ouvi uns meninos falando ali, há acho que eles não vão passar, eles perceberam que não vai dar. Então, assim, fica em cima, sabe. Aí, depois que (inaudível) eu ligo para você.
S: Tá bom então.
L: É porque eu não tô no check-in, então eu não vou poder falar com ANDRÉ, mas não vai dar, nem aparece aqui, tá.
S: Tá bom.
L: (inaudível) tchau, depois a gente se fala." - fl. 884.

De tais trechos é possível aferir a consciência dos réus da falsificação dos passaportes, ao contrário do sustentado pelas defesas, carece de lógica a alegação de mero favor prestado por EDILSON, ANDRÉ e LETÍCIA a RESTOM, tendo em vista o teor das conversas no sentido de "abortar a missão", "não tem como descobrir", incompatíveis com a conduta de somente comprar passagens aéreas e realizar embarque prioritário, sem ciência de irregularidade da documentação.

O próprio réu RESTOM SIMON em seu interrogatório judicial confessou ter como meio de vida a falsificação de passaportes e o arranjo de viagens para africanos com destino aos Estados Unidos, com escala em diversos países na América Central, tendo inclusive já sido preso pela prática do mesmo delito (mídia de fl. 2102/2103).

Ainda concernente a RESTOM SIMON, o réu foi condenado corretamente pelo uso de documento falsificado, pois a contrafação tinha como finalidade o uso, por conseguinte, há absorção do delito do artigo 297, de menor potencial lesivo, pelo do artigo 304, ambos do Código Penal. Nessa toada é o entendimento consolidado dos Tribunais Pátrios consoante arestos colacionados a seguir:

"CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PENAL. USO DE PASSAPORTE IDEOLOGICAMENTE FALSIFICADO. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. CRIME DE USO ABSORVIDO PELO DE FALSIFICAÇÃO.
1. É de se reconhecer a ocorrência de consunção, quando o uso do documento falso constitui exaurimento do crime de falsidade ideológica.
2. O uso de documento falso pelo próprio autor da falsificação configura um só crime, qual seja, o de falsificação, devendo a competência ser definida pelo lugar onde este delito se consumou.
Precedentes do STF.
3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 9ª Vara da Seção Judiciária do Estado de Minas Gerais, suscitante.
(CC 31.571/MG, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Terceira Seção, julgado em 13/12/2001, DJ 18/02/2002, p. 233)".
"PENAL. PROCESSUAL PENAL. USO DE DOCUMENTO FALSO. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. ERRO DE TIPO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. FALSIFICAÇÃO GROSSEIRA. CRIME IMPOSSÍVEL. DESCLASSIFICAÇÃO. DOSIMETRIA. ABSORÇÃO DA FALSIDADE DOCUMENTAL PELO DELITO DE USO DE DOCUMENTO FALSO. APELAÇÕES DESPROVIDAS. 1. Autoria e materialidade delitivas comprovadas mediante prova documental e testemunhal. 2. É inaplicável o princípio da insignificância aos delitos de falso, os quais tutelam a fé pública e independem de dano, não sendo possível quantificar o prejuízo suportado pela prática do crime, a exemplo do que ocorre nos delitos de moeda falsa. 3. A falsificação do passaporte do réu mostrou-se apta a ensejar a entrada do réu no País, não sendo grosseira. 4. O delito do art. 308 do Código Penal é expressamente subsidiária e incide nos casos em que o documento de identidade de terceiro é usado como próprio, o que não se coaduna com o caso dos autos. 5. A falsificação de documento público para posterior uso é considerada crime-meio e, portanto, não punível, devendo o agente responder somente pelo delito de uso de documento falso. A majoração da pena-base pela prática dos dois delitos equivale a reconhecer o concurso material de crimes, entendimento que não encontra respaldo na doutrina e na jurisprudência. 6. Mantida a dosimetria da pena e o regime inicial semiaberto, tendo em vista que as circunstâncias judiciais são desfavoráveis ao réu. 6. Apelações desprovidas." (ACR 00044360220134036119, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, TRF3 - Quinta Turma, e-DJF3 Judicial 1 de 10/11/2014).

Com efeito, não há que se falar em absolvição do réu RESTOM SIMON em relação ao delito do artigo 304 do Código Penal, uma vez que o acusado fez uso conscientemente de passaportes falsificados para obter passagens aéreas para auxiliar no ingresso irregular de imigrantes africanos em território estadunidense.

De se consignar, por fim, em relação à LETÍCIA e a ANDRÉ que, a despeito de não terem efetivamente feito uso dos passaportes falsos como os demais co-réus, tinham pleno conhecimento da contrafação dos documentos, bem como de seu uso para envio irregular de imigrantes, logo concorreram para a conduta criminosa, nos termos do artigo 29 do Código Penal. Extrai-se das degravações telefônicas inclusive que a ré LETÍCIA iria realizar a confirmação do web check-in no balcão da companhia aérea, em conjunto com ANDRÉ, porém, em razão de designação de tarefas pela empresa Copa Airlines, foi determinado que permanecesse em trabalhos administrativos internos.

Por conseguinte, demonstradas a autoria, a materialidade e a plena consciência da utilização de passaportes falsos para aquisição de passagens aéreas com intuito de enviar irregularmente estrangeiros aos Estados Unidos, a conduta dos acusados amolda-se ao tipo incriminador previsto pelo artigo 304 c.c. artigo 297 do Código Penal, mantendo-se a condenação da r. sentença.


Crime de corrupção ativa (art. 333 do Código Penal)

Primeiramente, concernente à alegação de que não se poderia imputar tal conduta ao acusado tendo em vista os demais réus não serem funcionários públicos ou equiparados, não assiste razão ao recorrente.

O dispositivo do artigo 327 do Código Penal traz previsão de equiparação de funcionário público do indivíduo que trabalhe para empresa contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública, in verbis:

"Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.
        § 1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública."     

Logo, EDILSON, LETÍCIA e ANDRÉ ao trabalharem em empresa aérea autorizada pelo Poder Público a realizar atividade típica da União (navegação aérea, artigo 21, XII, 'c' da Constituição Federal), são equiparados a funcionários públicos para efeitos penais.

Nesse sentido, colaciono arestos dos Tribunais pátrios:

APELAÇÃO CRIMINAL - CORRUPÇÃO ATIVA - CRIME IMPOSSÍVEL - INOCORRÊNCIA - POSSE DE VALORES POR CONTA DO RÉU PARA CARACTERIZAÇÃO DO DELITO - IRRELEVÂNCIA - AUTORIA, MATERIALIDADE E DOLO COMPROVADOS - PRESENÇA DE TESTEMUNHAS OU AUTORIDADES EM LOCAL PÚBLICO ONDE O CRIME FOI COMETIDO - DESNECESSIDADE - CONDENAÇÃO MANTIDA - RESIGNAÇÃO QUANTO A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E A SUA SUBSTITUIÇÃO POR PENAS RESTRITIVAS DE DIREITO - MANUTENÇÃO - RECURSO DA DEFESA DESPROVIDO - SENTENÇA MANTIDA. 1. A primeira questão a ser enfrentada é a qualificação, ou não, do réu como funcionário público. Segundo o preceito contido no parágrafo primeiro do artigo 327 do Código Penal, é equiparado a funcionário público quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública. Assim, sendo a vítima contratada para prestar serviço em atividades típicas da Administração, indubitável sua qualificação como funcionário público. 2. Restou comprovado nos autos que, à época do cometimento do delito, o processo para liberação dos passaportes funcionava como uma linha de produção, em que formulários e documentos eram, por ordem de chegada, enviados à próxima etapa por ação de um dos participantes do processo. Não há dúvidas, portanto, de que Davi poderia, se quisesse, passar o formulário do acusado na frente dos demais, cometendo, então, o desvio funcional que o réu intentava. 3. O crime de corrupção ativa se consuma com o oferecimento ou promessa de vantagem indevida, não havendo a necessidade do autor do delito ter como honrar sua promessa. O fato de o apelante trazer consigo, ou não, dinheiro no momento do cometimento do delito não interfere na consumação deste, que se deu no momento do oferecimento ou promessa, significando a entrega do quanto prometido mero exaurimento.
(...)
9. Recurso desprovido. Sentença mantida.(ACR 00081047620064036102, Rel. Juíza Fed. Convocada Raquel Perrini, TRF3 - Quinta Turma, e-DJF3 Judicial 1 DATA:05/05/2015).
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. PECULATO-FURTO. CONTÊINERES COM MERCADORIA APREENDIDA PELA ALFÂNDEGA. ART. 312, PARÁGRAFO 1º, DO CÓDIGO PENAL. CORRUPÇÃO PASSIVA. ART. 317, PARÁGRAFO 1º, DO CÓDIGO PENAL. CORRUPÇÃO ATIVA. ART. 333, PAR. ÚNICO, DO CÓDIGO PENAL. FUNCIONÁRIO PÚBLICO. EQUIPARAÇÃO. FALSO. ABSORÇÃO. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. CRIME DE QUADRILHA. NÃO OCORRÊNCIA. 1. O apelante ANTÔNIO MAGNO WANDERLEY DE MELO foi condenado pelos crimes de peculato-furto tentado, previsto no art. 312, parágrafo 1º, c/c art. 14, II, todos do Código Penal e de corrupção ativa, por três vezes, em concurso formal - art. 333, parágrafo único (duas vezes) e art. 333, caput, do CP -, às penas de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de reclusão em regime inicialmente fechado e 180 dias multa, sendo o dia multa à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos; 2. Os apelantes SEVERINO ANTÔNIO SALES e MOISÉS JOSÉ GOMES DE LIMA foram condenados pelo cometimento do crime de peculato-furto tentado, art. 312, parágrafo 1º, c/c 14, II, todos do CP, corrupção passiva qualificada, art. 317, parágrafo 1º, do CP e art. 333, caput, do CP-, às penas de 5 (cinco) anos, 1 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão e multa de 180 dias multa, sendo o dia multa à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos 3. A materialidade do delito do peculato-furto, afigura-se revelada nos autos de prisão e de apresentação e apreensão constantes do IPL, dando conta da tentativa de subtração dos contêineres nº CNTR 40' - GATU8590427; CNTR 40'-TTNU4007172 e CNTR 40'-SUDU4901367, que se encontravam sob a guarda da União, resultando na prisão em flagrante dos acusados em 23 de junho de 2003. 4. Corroboram a materialidade e autoria outros elementos de prova, a exemplo da reportagem do jornal Diário de Pernambuco de 24/06/2003, do depoimento do acusado ANTÔNIO MAGNO WANDERLEY DE MELO e das testemunhas do processo arroladas pela acusação. 5. A esses elementos de prova, somam-se os procedimentos administrativo-fiscais determinantes do perdimento em favor da União das mercadorias contidas nos contêineres. 6. Os autos denotam a existência de uma sociedade de fato formada por ANTÔNIO MAGNO WANDERLEY DE MELO e ANTÔNIO AUGUSTO SILVA CASTRO, que se dedicava à exploração ilegal do comércio exterior. 7. Os acusados ANTÔNIO MAGNO WANDERLEY DE MELO e ANTÔNIO AUGUSTO SILVA CASTRO, livre e conscientemente, tentaram subtrair os contêineres que continham mercadorias sob a guarda da União, com o auxílio dos funcionários da Tecon Suape S/A, SEVERINO ANTÔNIO SALES e MOISÉS JOSÉ GOMES DE LIMA. 8. Irreparável, também, a decisão em relação à condenação imposta a ANTÔNIO MAGNO WANDERLEY DE MELO pelo crime de corrupção ativa, por incidir duas vezes no art. 333, caput, e por três vezes no art. 333, parágrafo único, ambos do CP e, em relação a SEVERINO ANTÔNIO SALES e MOISÉS JOSÉ GOMES DE LIMA por corrupção ativa e art. 333, caput, do CP. Em relação aos últimos, como funcionários públicos equiparados, houve a aceitação da vantagem pecuniária de R$ 3.000,00 (três mil reais) incidindo, também, a hipótese prevista no art. 317, parágrafo 1º, do CP - corrupção passiva - condutas que se revela nos depoimentos dos autos. 9. Em sendo a motivação principal dos acusados, exatamente, a retirada dos contêineres do terminal portuário, tanto a falsificação quanto o uso das Declarações de Trânsito Aduaneiro, foram apenas meio em relação à prática do peculato-furto, motivo pelo qual deve ser rejeitada a alegação de não ocorrência da consunção. 10. Sem sucesso a insurgência contra a absolvição de FLÁVIO JORGE BEZERRA AMORIM e ALEXANDRE MANO DE LIMA, à míngua da existência de provas seguras das suas atuações no evento delituoso, devendo ser mantido, em consequência o tópico do comando sentencial que afastou a prática do crime de quadrilha - Art. 288 do CP -, haja vista o não cumprimento do elemento objetivo do tipo: "mais de três pessoas". 11. Despicienda a alegação de necessidade de decretação judicial de perda do cargo ou função pública, como efeito da condenação penal - art. 92, I, "a", do CP -, além se serem funcionário públicos apenas para fins penais, consta dos autos que os dois acusados foram desligados de seus empregos no terminal de contêineres. 12. Rechaça-se a preliminar comum à defesa de todos os acusados, qual seja, não enquadramento das condutas ao crime de peculato por não se tratar de funcionários públicos, no caso de SEVERINO ANTÔNIO SALES e MOISÉS JOSÉ GOMES DE LIMA, apesar de terem laborado em empresa terceirizada, exerciam suas atividades numa área aduaneira, pública, o que justifica a possibilidade de condenação por peculato. 13. Não resta dúvida que a atividade desempenhada pela empresa operadora portuária Tecon Suape S/A é pública, decorrendo o seu funcionamento de autorização, concessão ou permissão, exclusiva da União, restando que seus empregados são considerados funcionários públicos para os efeitos penais, a teor do art. 327, parágrafo 1º, do CP. 14. Em face do concurso desses agentes com ANTÔNIO MAGNO WANDERLEY DE MELO, exsurge correta a tipificação do crime de peculato em seu desfavor, sendo certo que os elementos de autoria e materialidade acima discutidos afastam a tese de insuficiência de provas. 15. Na análise das razões de apelação de SEVERINO ANTÔNIO SALES e MOISÉS JOSÉ GOMES DE LIMA, não subsiste a preliminar de incompetência da Justiça Federal,haja vista que o material objeto do crime estava sob guarda da União e o farto material coletado na instrução processual afasta a alegação de inexistência de provas, estando bem definidas as atuações de cada um dos acusados na prática criminosa. Apelações criminais improvidas.(ACR 200383000256573, Rel. Desembargador Federal José Maria Lucena, TRF5 - Primeira Turma, DJE - Data::03/04/2012 - Página::316.).

Caracterizada a condição de funcionário público dos sujeitos passivos, passo à análise dos demais elementos constantes dos autos em relação ao delito de corrupção ativa.

Da materialidade

O réu RESTOM SIMON confessou quando de sua prisão e em seu interrogatório judicial ter prometido vantagem aos demais co-réus por meio de acordo realizado com EDILSON, versão que encontra arrimo nos diálogos interceptados, confira-se:

"SIMON: escuta, você não tá entendeu o que eu tô falando.... eu tenho comigo, eu quero dar...
EDILSON: ah tá, que horas?
SIMON: então, esse dinheiro é do banco, eu quero tirar agora.
EDILSON: agora?
SIMON: claro, eu não tenho como andar com esse dinheiro, cara.
EDILSON: ce tá aonde, assim que eu for liberado eu passo aí e pego o negócio (dinheiro) contigo então.
SIMON: é aqui em hotel, cara.
EDILSON: tá, assim que eu for liberado, antes disso aí... eu pego com você, tá bom?
SIMON: que horas?
EDILSON: eu não sei...
SIMON: antes de fechar Edilson, antes.
EDILSON: antes do banco fechar eu pego contigo.
SIMON: por que quando eu não tirar hoje não tem jeito segunda-feira, por isso eu falei quero deixar esse dinheiro, já confirmar essas passagens.
EDILSON: porque você não pega o dinheiro e deposita na minha conta?
SIMON: qual?
EDILSON: na conta do Itaú, vai lá no banco agora, pega e deposita na minha conta... eu te passo uma mensagem agora com o número da minha conta.
SIMON: você sabe dinheiro quanto?
EDILSON: quanto?
SIMON: quase nove mil reais, não tem problema?
EDILSON: não, não tem não, bota lá, depois eu tiro devagar, tá bom... eu vou te passar a mensagem agora." - fls. 868/869.

Indubitável, portanto, o intento de RESTOM SIMON em oferecer valores a funcionários de empresas aéreas a fim de obter emissão de passagens e confirmação de check-in de passageiros portadores de passaportes falsificados.

Da autoria

Da mesma forma, restou fartamente demonstrada a autoria delitiva imputada ao acusado, tanto pelo interrogatório judicial do réu RESTOM SIMON como pelo depoimento da testemunha de acusação RENATA CAETANO e pelas gravações telefônicas.


Crime de corrupção passiva (art. 317 do Código Penal)

Da materialidade

A materialidade restou comprovada pelo Auto de Prisão em Flagrante de fls. 843/850 e pelo teor das interceptações telefônicas, pois foi registrado o pedido de EDILSON a respeito de valores que se referiam à compra dos bilhetes aéreos adquiridos para os passageiros portadores de passaporte falso.

Da autoria

Em diálogos interceptados, EDILSON informa o valor devido a todos os envolvidos, evidenciando a solicitação de vantagem para comprar e auxiliar no embarque passageiros portadores de passaportes falsificados, observe-se:

"EDILSON: Consegui os três pra amanhã, tá bom?
SIMON: Três?
EDILSON: É.
SIMON: Copa né.
EDILSON: ISSO. Só tem que conversar com o André e com a Leticia pra ver se um atende um e outro atende dois, entendeu
SIMON: beleza.
EDILSON: ... Deu 1.150 cada um (dólares) cada um já com o do Odorico... mais tarde quando eu falar com a Letícia e com o André eu fecho o bilhete e imprimo, aí eles levam... mais tarde a gente combina como vai ser, tá bom, tá legal" - fl. 877.
"EDILSON: eu vou fazer o web check-in de tarde... eu vou lá na loja do Odorico por volta de umas cinco horas da tarde... porque ele vai almoçar agora, vai emitir o bilhete ai eu já levo o dinheiro pra ele lá, pra fazer o web check-in, eu já pago a comissão dele e tudo o mais, se você quiser levar tudo hoje eu já entrego tudo hoje." - fl. 878

A alegação da defesa de EDILSON de que o valor de R$9.000,00 seria somente o montante devido pelos bilhetes aéreos não encontra respaldo no conjunto probatório trazido nos autos, nem tampouco apresenta plausibilidade, tendo em vista que não se vislumbraria qualquer vantagem econômica para o réu SIMON adquirir três passagens com destino ao Panamá por esse valor, não justificando a escolha pela compra de bilhete aéreo por EDILSON.

Não obstante não haja áudio de LETÍCIA e ANDRÉ especificamente em relação ao recebimento de pagamento, é evidente que ambos recebiam comissão para realizar a facilitação de embarque, o que incluía deixar de verificar a regularidade dos documentos dos passageiros, com aposição de selo de embarque da INFRAERO. O próprio RESTOM SIMON perante as autoridades policiais, quando da prisão em flagrante, atestou que ANDRÉ recebera de LETÍCIA montante como pagamento pelo auxílio no embarque (fl. 846).

Destarte, deve ser mantida a condenação por corrupção passiva de LETÍCIA, ANDRÉ e EDILSON.


Crime de formação de quadrilha (art. 288 do Código Penal)

Da materialidade:

A materialidade delitiva restou devidamente comprovada pelos documentos acostados aos autos, isto é, o Auto de Prisão em Flagrante de fls. 843/850, as informações fornecidas pelo consulado norte-americano, pelo teor das conversas telefônicas interceptadas, pelos passaportes falsificados apreendidos e pelos laudos de exame documentoscópico de fls. 1094/1098, 1099/1103 e 1104/1108.

De se destacar que o próprio EDILSON em outro trecho procura tranquilizar SIMON, reiterando que o próximo embarque seria organizado de forma mais calma, consoante se denota pelo trecho do áudio de fl. 880: "Calma vai dar tudo certo, depois você come, toma café! Vamor ver se hoje dá tudo certinho, cara! Pra semana que vem fazer o negócio com 2, com mais calma". Comprovado, portanto, o vínculo associativo permanente.

Da autoria

A presente ação penal originou-se a partir de operação da Polícia Federal denominada "Operação Coiote" que, por sua vez, teve início a partir de notícia do Consulado dos Estados Unidos a respeito de estrangeiro de nome "SOLOMON" (codinome do réu RESTOM SIMON) que estaria atuando no Brasil agenciando estrangeiros de origem africana, com fornecimento de hospedagem, passagem aérea, passaporte e visto para ingresso em território norte-americano.

Consoante depoimento colhido pelas autoridades norte-americanas de dois estrangeiros, um nacional da Eritréia e outro da Etiópia, RESTOM SIMON era responsável pelo trecho brasileiro da viagem de imigração, providenciando desde a hospedagem a documentos falsificados, auxiliando no embarque a países da América Central, onde os imigrantes encontrariam outros membros da organização criminosa, responsáveis pelo ingresso dos estrangeiros nos Estados Unidos.

À título ilustrativo, transcrevo trechos dos depoimentos (fls. 108/109):

"Gebretatios Azmati Asmelash:
(...)
2. Entre junho de 2003 e agostos de 2007, fui contrabandeado da África para os Estados Unidos por uma rede de imigração ilegal localizada na África, América do Sul, América Central e América do Norte. Esta rede contrabando incluía um homem de nome "Solomon" no Brasil, o qual, com a ajuda de seus cúmplices, me contrabandeou para o Estados Unidos em 23 de agosto de 2007. (...)
6. Ao chegar à estação de ônibus em São Paulo, encontrei Solomon, que me disse que por US$ 3.500,00 (três mil e quinhentos dólares americanos) obteria um visto falso para a América Central, me contrabandearia para a América Central, e me poria em contato com outros contrabandistas que me levariam pelo restante do caminho até os Estados Unidos. Paguei US$ 3.500,00 (três mil e quinhentos dólares americanos) a Solomon em dinheiro, na estação de ônibus, e ele me indicou um hotel onde ficar enquanto ele preparava os documentos e arranjos de viagem.
7. Fiquei em São Paulo por cerca de dois meses e meio, depois do que novamente me encontrei com Solomon, que me deu o visto e a passagem aérea para Honduras. Solomon disse-me que um contrabandista chamado Rudy, na Guatemala, poderia me levar até o México, e que um contrabandista chamado James poderia me levar pelo resto do caminho até os Estados Unidos."
"Ephrem Mehreteab:
(...)
2. Entre 1999 e agosto de 2006 fui contrabandeado da África para os Estados Unidos por uma rede de imigração ilegal localizada na África, América do Sul, América Central e América do Norte. Esta rede de contrabando incluía um homem de nome "Solomon" no Brasil, o qual, com a ajuda de seus cúmplices, me contrabandeou para a Guatemala em complementação à entrada ilegal nos Estados Unidos em 24 de agosto de 2006. (...)
6. Ao chegar a São Paulo, Brasil, encontrei Solomon no aeroporto. Solomon concordou em me contrabandear para a Guatemala por US$1.800,00 (hum mil e oitocentos dólares americanos). Solomon sabia que meu destino final era os Estados Unidos, então me disse que poria em contato com outros contrabandistas que me levariam pelo restante do caminho da Guatemala até os Estados Unidos. Solomon me recomendou um hotel em São Paulo, enquanto ele providenciava minha passagem e documentos para que eu viajasse para a Guatemala. Fiquei em São Paulo por cerca de quarenta e cinco dias, depois do que novamente me encontrei com Solomon, que me disse que eu deveria tomar um avião para Guatemala no dia seguinte. Paguei a Solomon em dinheiro. (...) Solomon disse-me que, quando eu chegasse à Guatemala, um contrabandista chamado Rudy poderia me contrabandear para o México. Solomon também disse que depois de chegar ao México, eu poderia entrar em contato com um contrabandista chamado Hakim, que me contrabandearia pelo resto do caminho até os Estados Unidos."

Para desempenhar sua função no esquema de envio de imigrantes ilegais, RESTOM SIMON precisava providenciar documentos falsos e passagens aéreas, além de assegurar o embarque, dessa forma, trabalhava com dois núcleos aqui no Brasil, um responsável pela contrafação e outro composto por funcionários de empresas aéreas, que deixavam de realizar o controle dos passaportes falsificados para auxiliar no embarque, sendo o réu o elo entre os dois núcleos.

Pelo conteúdo dos diálogos interceptados, RESTOM SIMON mantinha contato com EDILSON, sendo este o responsável por adquirir os bilhetes aéreos e acertar os detalhes com os demais funcionários das companhias aéreas participantes do esquema de facilitação de embarque. É indiscutível o conhecimento e participação de LETÍCIA e ANDRÉ, cuja função era deixar de comunicar à empresa aérea e às autoridades competentes os sinais de falsificação dos documentos.

De se ressaltar que, conforme depoimento em juízo da agente da polícia federal RENATA CAETANO DA SILVA FUGA, os passageiros apresentavam os passaportes falsificados perante a companhia aérea, porém junto às autoridades brasileiras de imigração, exibiam os passaportes originais para evitar problemas e até mesmo prisão ainda em território brasileiro, já que na imigração do Panamá, RESTOM SIMON deu indícios de ter um contato facilitador do ingresso dos estrangeiros. Aliás, nos passaportes falsificados apreendidos já constavam carimbos falsos de entrada e saída do Brasil, sem que os documentos tivessem sido utilizados pelos passageiros.

Assim, evidente que para o sucesso da empreitada era necessária a concordância dos funcionários das empresas aéreas, como restou cristalino pelas conversas telefônicas, transcrevo outros trechos além dos já supra citados:

"EDILSON: ... os passaporte tão aqui, os três, certo, comigo, eu ia tirar xerox, mandar pra Letícia levar amanhã pro menino lá... e ia te entregar hoje os passaportes...
SIMON: isso é pra quando?
EDILSON: pra amanhã, cara, tem um amanhã e dois pra quinta-feira. O Odorico tá fechando a compra pra mim.
SIMON: mas eu quero sair todo mundo no mesmo dia, senão a gente combinou...
....
SIMON: Melhor a gente mandar todos três no mesmo dia.
EDILSON: todos os três amanhã cara, o André não vai querer, o Odorico a mesma coisa.
SIMON: ... por que a gente esses dois Taca e um Avianca, mesmo dia.
EDILSON: Avianca, eu não to na Avianca, to a semana toda em casa... eu to com problema na coluna, eu não posso trabalhar.
SIMON: então deixa, qual o nome dele?
EDILSON: André.
SIMON: Não.
EDILSON: Serginho? ... Serginho não ta mais de manhã. O Serginho não ta mais de manhã lá. A gente pode mandar pra lá também, não tem problema, o pessoal vai atender de qualquer maneira... lá na Avianca mesmo... eu vou ligar pro André. Se puder mandar os três amanhã. Eu vou ver se mando os três amanhã... ou pelo menos os outros dois." - fl. 876
"S: Simon L: Letícia
L: Oi Simon.
S: Oi Letícia.
L: Oi, olha só, pode ficar tranquilo, que os bilhetes, que os bilhetes eu peguei, ali tem volta deles, dele ,entendeu, a volta e os impostos que foram pagos, no caso (inaudível) eu peguei para confirmar, mas quando o André te entregar os cartões de embarque ele vai entregar tudo junto.
S: Beleza.
L: tá bom?
S: Tá bom.
L: É só você esperar (inaudível) eu não to no voo, (inaudível).
S: Tá bom, obrigado.
L: Aí o André quando tiver saindo ele vai te ligar para te entregar.
S: Tá bom então.
L: Tá bom?
S: Tá bom, obrigado" - fls. 883/884

Tais trechos demonstram que cada réu desempenhava um papel pré-determinado para assegurar o embarque dos passageiros, Edilson com a reserva das passagens, Letícia e André garantindo o embarque sem que houvesse checagem dos passaportes, como fica claro no diálogo em que Letícia diz que André irá encontrar Simon após a confirmação do check-in com aporte do selo de embarque, sem que ele e os passageiros comparecessem no balcão da companhia aérea.

Por conseguinte, restou devidamente comprovada a participação dos réus em associação criminosa com intento de cometer delitos, com vínculo permanente que não se confunde com o concurso de pessoas.

Assim, de se manter a condenação dos réus pela prática do delito preconizado pelo artigo 288 do Código Penal.

Mantidas as condenações da r. sentença passo à análise da dosimetria da pena.

Dosimetria da pena

A r. sentença condenou:

I) RESTOM SIMON:

a) pelo delito do artigo 304 c.c. artigo 297, ambos do Código Penal: pena-base foi exasperada considerando as consequências, a personalidade do réu e a culpabilidade para 04 anos e 180 dias-multa, na segunda fase foi aplicada a agravante de prática do crime mediante paga, em consonância com o artigo 62, IV do Código Penal, restando a pena de 04 anos e 08 meses e 210 dias-multa, foi ainda reconhecida a atenuante de confissão espontânea, reduzida a pena para 04 anos e 02 meses e 210 dias-multa, não havendo outras causas de aumento ou diminuição, foi aplicada a incidência da continuidade delitiva em razão da falsificação de dois documentos públicos, tornando definitiva a pena em 04 anos, 10 meses e 10 dias e 245 dias-multa;

b) pela prática do crime do artigo 288 do Código Penal: a pena-base foi exasperada considerando a personalidade do réu voltada para o crime para 02 anos, na segunda e terceira fases, aplicou-se somente a atenuante de confissão espontânea, diminuindo a pena para 01 ano e 06 meses, tornada definitiva.

c) pela prática do delito previsto no artigo 333 do Código Penal: a pena-base foi exasperada em razão da personalidade do réu voltada para o crime e pelas consequências do delito para 04 anos e 180 dias-multa, na segunda fase, restou caracterizada a atenuante de confissão espontânea, com redução da pena para 03 anos e 06 meses de reclusão e 180 dias-multa, na terceira fase, reconhecida a causa de aumento no patamar de 1/3 tendo em vista a prática do crime ter resultado em violação a dever funcional, restando a pena em 04 anos e 08 meses e 240 dias-multa, tornada definitiva.

O somatório das penas totaliza em 11 anos e 10 dias de reclusão e 485 dias-multa.

II) EDILSON MONTEIRO DE SOUZA:

a) pela prática do crime do artigo 304 c.c artigo 297, ambos do Código Penal: a pena-base foi fixada no mínimo em 02 anos e 10 dias-multa, sem agravantes, atenuantes ou causas de aumento e diminuição, foi tornada definitiva.

b) pela prática do delito previsto no artigo 288, do Código Penal: a pena-base foi mantida no mínimo legal, ausentes agravantes, atenuantes, causas de aumento ou diminuição, ficou definitiva em 01 ano.

c) pela prática do crime do artigo 317, §1º do Código Penal: a pena-base foi exasperada em razão das consequências do crime e pelo envolvimento de organização criminosa para 03 anos e 180 dias-multa, sem agravantes ou atenuantes, foi reconhecida a incidência da causa de aumento do §1º no patamar de 1/3, majorando a pena para 04 anos e 240 dias-multa, tornada definitiva.

A soma das penas perfaz o total de 07 anos de reclusão e 250 dias-multa.

III) LETICIA PESSOA DE ALMEIDA:

a) pela prática do crime do artigo 304 c.c. artigo 297, ambos do Código Penal: a pena-base foi fixada no mínimo legal, ausentes agravantes, atenuantes, causas de aumento e de diminuição, foi tornada definitiva em 02 anos e 10 dias-multa.

b) pela prática do delito do artigo 288 do Código Penal: a pena-base foi mantida no mínimo e tornada definitiva em 01 ano de reclusão, ante a ausência de agravantes, atenuantes, causas de aumento e de diminuição.

c) pela prática do crime do artigo 317, §1º do Código Penal: pena-base exasperada em razão das consequências do crime e envolvimento de organização criminosa (03 anos e 180 dias-multa), causa de aumento do §1º no patamar de 1/3 (04 anos e 240 dias-multa), tornada definitiva.

O somatório das penas resulta em 07 anos de reclusão e 250 dias-multa.

IV) ANDRÉ LUIZ DOS SANTOS FEITOSA:

a) pela prática do crime do artigo 304 c.c. artigo 297, ambos do Código Penal: a pena-base foi fixada no mínimo legal e tornada definitiva em 02 anos de reclusão e 10 dias-multa, tendo em vista não haver agravantes, atenuantes, causas de aumento e de diminuição.

b) pela prática do delito do artigo 288 do Código Penal: pena-base mantida no mínimo (01 ano de reclusão), que, sem atenuantes, agravantes e causas de aumento ou diminuição, tornou-se definitiva.

c) pela prática do crime do artigo 317,§1º do Código Penal: a pena-base foi exasperada em razão das consequências do crime e do envolvimento de organização criminosa para 03 anos e 180 dias-multa, reconhecida a incidência de causa de aumento do §1º no patamar de 1/3, resultando no aumento da pena para 04 anos e 240 dias-multa, tornada definitiva.

A soma das penas perfaz o total de 07 anos de reclusão e 250 dias-multa.

Em razões de apelação, a defesa do réu SIMON pugna pela redução das penas-base afixadas acima do mínimo legal. Requer o afastamento da agravante prevista no artigo 62, IV do Código Penal em relação aos delitos dos artigos 304 c.c artigo 297, ambos do Código Penal, em razão da obtenção de lucro ser a única motivação da prática desses crimes, logo, faz parte do tipo penal. Pleiteia ainda a aplicação da atenuante da confissão espontânea sobre as penas de multa, que não sofreram redução.

Por sua vez, a defesa dos réus EDILSON e LETÍCIA pugna pela fixação da pena no mínimo legal concernente ao crime de corrupção passiva. A defesa de ANDRÉ insurge-se igualmente contra a pena aplicada pelo crime do artigo 317, §1º do Código Penal, por ser desproporcional e pouco razoável.

De se analisar a dosimetria da pena em relação a cada um dos réus.


DOSIMETRIA DA PENA

A r. sentença condenou:

I) RESTOM SIMON:

a) pelo delito do artigo 304 c.c. artigo 297, ambos do Código Penal: pena-base foi exasperada considerando as consequências, a personalidade do réu e a culpabilidade para 04 anos e 180 dias-multa, na segunda fase foi aplicada a agravante de prática do crime mediante paga, em consonância com o artigo 62, IV do Código Penal, restando a pena de 04 anos e 08 meses e 210 dias-multa, foi ainda reconhecida a atenuante de confissão espontânea, reduzida a pena para 04 anos e 02 meses e 210 dias-multa, não havendo outras causas de aumento ou diminuição, foi aplicada a incidência da continuidade delitiva em razão da falsificação de dois documentos públicos, tornando definitiva a pena em 04 anos, 10 meses e 10 dias e 245 dias-multa;

b) pela prática do crime do artigo 288 do Código Penal: a pena-base foi exasperada considerando a personalidade do réu voltada para o crime para 02 anos, na segunda e terceira fases, aplicou-se somente a atenuante de confissão espontânea, diminuindo a pena para 01 ano e 06 meses, tornada definitiva.

c) pela prática do delito previsto no artigo 333 do Código Penal: a pena-base foi exasperada em razão da personalidade do réu voltada para o crime e pelas consequências do delito para 04 anos e 180 dias-multa, na segunda fase, restou caracterizada a atenuante de confissão espontânea, com redução da pena para 03 anos e 06 meses de reclusão e 180 dias-multa, na terceira fase, reconhecida a causa de aumento no patamar de 1/3 tendo em vista a prática do crime ter resultado em violação a dever funcional, restando a pena em 04 anos e 08 meses e 240 dias-multa, tornada definitiva.

O somatório das penas totaliza em 11 anos e 10 dias de reclusão e 485 dias-multa.

II) EDILSON MONTEIRO DE SOUZA:

a) pela prática do crime do artigo 304 c.c artigo 297, ambos do Código Penal: a pena-base foi fixada no mínimo em 02 anos e 10 dias-multa, sem agravantes, atenuantes ou causas de aumento e diminuição, foi tornada definitiva.

b) pela prática do delito previsto no artigo 288, do Código Penal: a pena-base foi mantida no mínimo legal, ausentes agravantes, atenuantes, causas de aumento ou diminuição, ficou definitiva em 01 ano.

c) pela prática do crime do artigo 317, §1º do Código Penal: a pena-base foi exasperada em razão das consequências do crime e pelo envolvimento de organização criminosa para 03 anos e 180 dias-multa, sem agravantes ou atenuantes, foi reconhecida a incidência da causa de aumento do §1º no patamar de 1/3, majorando a pena para 04 anos e 240 dias-multa, tornada definitiva.

A soma das penas perfaz o total de 07 anos de reclusão e 250 dias-multa.

III) LETICIA PESSOA DE ALMEIDA:

a) pela prática do crime do artigo 304 c.c. artigo 297, ambos do Código Penal: a pena-base foi fixada no mínimo legal, ausentes agravantes, atenuantes, causas de aumento e de diminuição, foi tornada definitiva em 02 anos e 10 dias-multa.

b) pela prática do delito do artigo 288 do Código Penal: a pena-base foi mantida no mínimo e tornada definitiva em 01 ano de reclusão, ante a ausência de agravantes, atenuantes, causas de aumento e de diminuição.

c) pela prática do crime do artigo 317, §1º do Código Penal: pena-base exasperada em razão das consequências do crime e envolvimento de organização criminosa (03 anos e 180 dias-multa), causa de aumento do §1º no patamar de 1/3 (04 anos e 240 dias-multa), tornada definitiva.

O somatório das penas resulta em 07 anos de reclusão e 250 dias-multa.

IV) ANDRÉ LUIZ DOS SANTOS FEITOSA:

a) pela prática do crime do artigo 304 c.c. artigo 297, ambos do Código Penal: a pena-base foi fixada no mínimo legal e tornada definitiva em 02 anos de reclusão e 10 dias-multa, tendo em vista não haver agravantes, atenuantes, causas de aumento e de diminuição.

b) pela prática do delito do artigo 288 do Código Penal: pena-base mantida no mínimo (01 ano de reclusão), que, sem atenuantes, agravantes e causas de aumento ou diminuição, tornou-se definitiva.

c) pela prática do crime do artigo 317,§1º do Código Penal: a pena-base foi exasperada em razão das consequências do crime e do envolvimento de organização criminosa para 03 anos e 180 dias-multa, reconhecida a incidência de causa de aumento do §1º no patamar de 1/3, resultando no aumento da pena para 04 anos e 240 dias-multa, tornada definitiva.

A soma das penas perfaz o total de 07 anos de reclusão e 250 dias-multa.

Em razões de apelação, a defesa do réu SIMON pugna pela redução das penas-base afixadas acima do mínimo legal. Requer o afastamento da agravante prevista no artigo 62, IV do Código Penal em relação aos delitos dos artigos 304 c.c artigo 297, ambos do Código Penal, em razão da obtenção de lucro ser a única motivação da prática desses crimes, logo, faz parte do tipo penal. Pleiteia ainda a aplicação da atenuante da confissão espontânea sobre as penas de multa, que não sofreram redução.

Por sua vez, a defesa dos réus EDILSON e LETÍCIA pugna pela fixação da pena no mínimo legal concernente ao crime de corrupção passiva. A defesa de ANDRÉ insurge-se igualmente contra a pena aplicada pelo crime do artigo 317, §1º do Código Penal, por ser desproporcional e pouco razoável.

De se analisar a dosimetria da pena em relação a cada um dos réus.

I) RESTOM SIMON

a) crime do artigo 304 c.c. artigo 297:

Na primeira fase, a pena-base foi exasperada pelo MM. Juízo a quo em razão da culpabilidade, da personalidade do réu, das consequências e dos motivos.

Com efeito, a pena-base deve ser exacerbada tendo em vista o próprio réu ter assumido que se dedicava a prática criminosa de falsificação e uso de documentos como meio de sustento próprio e de sua família, evidenciando elevada culpabilidade. Outrossim, as consequências do delito são graves, pois o escopo é burlar a fiscalização de imigração não só no Brasil mas em outros países, notadamente, nos Estados Unidos.

Por outro lado, cabe afastar o reconhecimento de circunstância judicial referente à personalidade do réu, eis que já se encontra pacificado no âmbito do E. STJ que o processo em curso não pode ser utilizado na fase dos exames das circunstâncias judiciais para exasperar a pena-base, sob pena de afrontar o princípio da presunção de não culpabilidade. É o teor do enunciado sumular, n.º 444 do E. STJ: "É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base".

HABEAS CORPUS. PEDIDO DE EXTENSÃO. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DE CARÁTER PESSOAL. ART. 30 DO CP. EXTENSÃO A CORRÉU. IMPOSSIBILIDADE. DOSIMETRIA DA PENA. FIXAÇÃO DA PENA-BASE. CONSIDERAÇÃO DE MAUS ANTECEDENTES BASEADA EM INQUÉRITOS E PROCESSOS EM CURSO. IMPOSSIBILIDADE. PEDIDO PARCIALMENTE DEFERIDO.
(...).
3. Inquéritos policiais ou ações penais em andamento, sem o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, não podem ser utilizados para caracterizar maus antecedentes, qualificar negativamente a conduta social do agente ou para atestar personalidade voltada para o crime, configurando maus antecedentes. Inteligência da Súmula nº 444/STJ.
4. Pedido de extensão parcialmente deferido.
(PExt nos EDcl no HC 137.414/RJ, Rel. Ministro CAMPOS MARQUES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PR), QUINTA TURMA, julgado em 27/08/2013, REPDJe 23/04/2014, DJe 03/09/2013)

Dessa feita, os processos em curso não podem ser utilizados para atestar a personalidade voltada para o crime, pelo que deve ser afastada essa circunstância judicial.

Por fim, em relação aos motivos do crime, isto é, o recebimento de pagamento, tal circunstância foi considerada posteriormente para incidência de agravante, portanto, há de ser afastada para que não haja bis in idem.

Ante a existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis, a pena-base deve ser majorada na proporção de ½, resultando em 03 anos de reclusão e 15 dias-multa.

Na segunda fase, deve ser mantida a incidência da agravante disposta no artigo 62, IV do Código Penal, no patamar de 1/6, considerando que o réu praticava a falsificação e uso de documento falso em troca de pagamento dos imigrantes, restando a pena em 03 anos e 06 meses de reclusão e 17 dias-multa. Deve ainda ser reduzida a pena em 06 meses, nos termos da r. sentença, em razão da atenuante da confissão espontânea, o que perfaz a pena de 03 anos de reclusão e 14 dias-multa.

Na terceira fase, não há causas de aumento e de diminuição.

De se reconhecer a continuidade delitiva, pois foram usados dois documentos públicos falsos (passaporte e visto) por três vezes. À míngua de recurso da acusação, mantenho o aumento de 1/6, resultando na pena de 03 anos e 06 meses de reclusão e 16 dias-multa, que torno definitiva.

b) crime do artigo 288 do Código Penal:

Na primeira fase, a pena-base foi exasperada pelo MM. Juízo a quo pelas mesmas razões do crime anterior, mormente a personalidade desabonadora do réu.

Como já acima explanado, inquéritos e ações penais em curso não são suficientes para se exasperar a pena-base em observância ao princípio da presunção de não culpabilidade, logo, a pena-base deve ser majorada considerando-se apenas as consequências e a culpabilidade do réu, o qual era o elo entre os dois núcleos da associação criminosa. Fixo a pena-base, assim em ½ acima do mínimo legal, perfazendo o total de 01 ano e 06 meses de reclusão.

Na segunda fase, incide a atenuante da confissão espontânea, com redução da pena em 06 meses para 01 ano de reclusão, a qual torno definitiva à míngua de circunstâncias agravantes e causas de aumento ou de diminuição da pena.

c) crime do artigo 333, do Código Penal:

Na primeira fase, o Magistrado a quo exasperou a pena-base considerando as consequências do crime, por envolver uma organização criminosa de amplo alcance.

Com efeito, a pena-base deve ser majorada ante o papel proeminente do réu na organização criminosa, porém em patamar menor que o afixado pela r. sentença. Assim fixo a pena-base em ½ acima do mínimo legal, resultando em pena de 03 anos de reclusão e 15 dias-multa.

Na segunda fase, de reconhecer a atenuante da confissão espontânea, para reduzir a pena em 06 meses, perfazendo o total de 02 anos e 06 meses de reclusão e 12 dias-multa. Ausentes circunstâncias agravantes.

Na terceira fase, deve ser aplicada a causa de aumento prevista pelo § 1º do artigo 333 do Código Penal, pois os funcionários das companhias aéreas deixaram de realizar o dever funcional de fiscalização de documentação dos passageiros, impedindo a ação das autoridades imigratórias para obstar a realização de viagens irregulares. Com o aumento de 1/3, a pena resta definitiva em 03 anos e 04 meses de reclusão e 16 dias-multa.

O somatório final das penas é de 07 anos e 10 meses de reclusão e 32 dias-multa.

De se ressaltar que a dosimetria da pena da multa deve ser pautada pela proporcionalidade, assim, as reduções e aumentos da pena privativa de liberdade devem ser observadas nos mesmos patamares.

II) EDILSON MONTEIRO DE SOUZA

a) crime do artigo 304 c.c. artigo 297, ambos do Código Penal:

Na primeira fase, a pena-base foi fixada no mínimo legal, considerando as circunstâncias judiciais favoráveis em relação ao réu, ante a ausência de recurso da acusação assim deve ser mantida.

Nas segunda e terceira fases, não se vislumbram circunstâncias agravantes ou atenuantes e causas de diminuição ou de aumento, assim, resta definitiva a pena em 02 anos de reclusão e 10 dias-multa.

b) crime do artigo 288 do Código Penal:

Na primeira fase, o Juízo a quo afixou a pena-base no mínimo legal, ausentes circunstâncias agravantes, atenuantes e causas de diminuição ou de aumento, a pena restou definitiva em 01 ano de reclusão, a qual deve ser mantida.

c) crime do artigo 317 do Código Penal:

Na primeira fase, o Magistrado a quo exasperou a pena-base considerando as consequências do crime, por envolver uma organização criminosa.

Com efeito, a pena-base deve ser majorada, porém em patamar menor que o afixado pela r. sentença, por se tratar de somente uma circunstância judicial desfavorável, assim, aumento a pena em 1/3, resultando em pena de 02 anos e 08 meses de reclusão e 13 dias-multa.

Na segunda fase, não se verificam agravantes ou atenuantes.

Já na terceira fase, deve ser aplicada a causa de aumento prevista pelo §1º do artigo 317 do Código Penal, pois o réu violou dever funcional de fiscalização de documentação dos passageiros, logo, com o aumento de 1/3, a pena resta definitiva em 03 anos, 06 meses e 20 dias de reclusão e 17 dias-multa.

O somatório final das penas é de 06 anos, 06 meses e 20 dias de reclusão e 27 dias-multa.

III) LETÍCIA PESSOA DE ALMEIDA

a) crime do artigo 304 c.c. artigo 297, ambos do Código Penal:

Na primeira fase, a pena-base foi fixada no mínimo legal, considerando as circunstâncias judiciais favoráveis em relação à ré, ante a ausência de recurso da acusação assim deve ser mantida.

Nas segunda e terceira fases, não se vislumbram circunstâncias agravantes ou atenuantes e causas de diminuição ou de aumento, assim, resta definitiva a pena em 02 anos de reclusão e 10 dias-multa.

b) crime do artigo 288 do Código Penal:

Na primeira fase, o Juízo a quo afixou a pena-base no mínimo legal, ausentes circunstâncias agravantes, atenuantes e causas de diminuição ou de aumento, a pena restou definitiva em 01 ano de reclusão, a qual deve ser mantida.

c) crime do artigo 317 do Código Penal:

Na primeira fase, o Magistrado a quo exasperou a pena-base considerando as consequências do crime, por envolver uma organização criminosa.

Com efeito, a pena-base deve ser majorada, porém em patamar menor que o afixado pela r. sentença, por se tratar de somente uma circunstância judicial desfavorável, assim, aumento a pena em 1/3, resultando em pena de 02 anos e 08 meses de reclusão e 13 dias-multa.

Na segunda fase, não se verificam agravantes ou atenuantes.

Já na terceira fase, deve ser aplicada a causa de aumento prevista pelo §1º do artigo 317 do Código Penal, pois a ré violou dever funcional de fiscalização de documentação dos passageiros, logo, com o aumento de 1/3, a pena resta definitiva em 03 anos, 06 meses e 20 dias de reclusão e 17 dias-multa.

O somatório final das penas é de 06 anos, 06 meses e 20 dias de reclusão e 27 dias-multa.

IV) ANDRÉ LUIZ DOS SANTOS FEITOSA

a) crime do artigo 304 c.c. artigo 297, ambos do Código Penal:

Na primeira fase, a pena-base foi fixada no mínimo legal, considerando as circunstâncias judiciais favoráveis em relação ao réu, ante a ausência de recurso da acusação assim deve ser mantida.

Nas segunda e terceira fases, não se vislumbram circunstâncias agravantes ou atenuantes e causas de diminuição ou de aumento, assim, resta definitiva a pena em 02 anos de reclusão e 10 dias-multa.

b) crime do artigo 288 do Código Penal:

Na primeira fase, o Juízo a quo fixou a pena-base no mínimo legal, ausentes circunstâncias agravantes, atenuantes e causas de diminuição ou de aumento, a pena restou definitiva em 01 ano de reclusão, a qual deve ser mantida.

c) crime do artigo 317 do Código Penal:

Na primeira fase, o Magistrado a quo exasperou a pena-base considerando as consequências do crime, por envolver uma organização criminosa.

Com efeito, a pena-base deve ser majorada, porém em patamar menor que o afixado pela r. sentença, por se tratar de somente uma circunstância judicial desfavorável, assim, aumento a pena em 1/3, resultando em pena de 02 anos e 08 meses de reclusão e 13 dias-multa.

Na segunda fase, não se verificam agravantes ou atenuantes.

Já na terceira fase, deve ser aplicada a causa de aumento prevista pelo §1º do artigo 317 do Código Penal, pois o réu violou dever funcional de fiscalização de documentação dos passageiros, logo, com o aumento de 1/3, a pena resta definitiva em 03 anos, 06 meses e 20 dias de reclusão e 17 dias-multa.

O somatório final das penas é de 06 anos, 06 meses e 20 dias de reclusão e 27 dias-multa.

REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA

A sentença fixou regime inicial fechado para cumprimento de pena. A defesa requer a fixação do regime inicial em semiaberto ou aberto.

Na hipótese dos autos, as circunstâncias judiciais desfavoráveis, mormente por se tratar de envio irregular de estrangeiros para os Estados Unidos, organizado por associação criminosa com ramificações em diversos países, aconselham o início do cumprimento da pena em regime fechado, nos termos do artigo 33, caput e §3º c. c. o artigo 59, caput, III, ambos do Código Penal.

Em função do exposto, de rigor a manutenção da r. sentença no que toca ao regime inicial de cumprimento de pena fechado.

SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. IMPOSSIBILIDADE.

No caso dos autos, também é incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, à conta do não preenchimento dos requisitos do art. 44 do Código pena l, uma vez que o somatório das penas é superior a 04 anos.

Confira-se a jurisprudência:

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. CRIME PRATICADO NO INTERIOR DE ESTABELECIMENTO PRISIONAL. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA S DE DIREITO S. VEDAÇÃO LEGAL. ART. 44 DA NOVA LEI DE DROGAS. AFASTAMENTO. ART. 44 DO CP. REQUISITOS SUBJETIVOS. AUSÊNCIA DE PREENCHIMENTO. GRAVIDADE DA CONDUTA. ILEGALIDADE NÃO DEMONSTRADA. 1. Considerando-se a declaração de inconstitucionalidade pelo STF das expressões da Lei de Drogas que vedavam a permuta de pena s e observada a suspensão, pelo Senado Federal, da execução de parte destes dispositivos legais, entendeu-se possível, em princípio, a substituição de pena privativa de liberdade por restritiva s de direito s aos condenados por crime de tráfico de drogas, mesmo que cometido na vigência da novel Lei Antidrogas. 2. Inviável acoimar de ilegal o acórdão no ponto em que cassou a permuta deferida pelo Juízo das Execuções quando, a despeito do preenchimento do requisito objetivo - pena igual ou inferior a 4 (quatro) anos de reclusão -, a agente não preenchia os subjetivos. 3. A gravidade da conduta delituosa perpetrada, dadas as circunstâncias em que cometida - introdução de expressiva quantidade de substância entorpecente (4 porções de maconha) - dentro de estabelecimento prisional, demonstram que, na espécie, a negativa de conversão da sanção reclusiva se encontra justificada, pois não se mostraria suficiente para a prevenção e repressão do delito denunciado. 4. Ordem denegada. ..EMEN:(HC 201200220326, JORGE MUSSI, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:21/09/2012 ..DTPB:.) (g.n.)

DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE

Ao denegar o Habeas Corpus (HC) 126292, o Plenário do Supremo Tribunal Federal entendeu que a possibilidade de início da execução da pena condenatória após a confirmação da sentença em segundo grau não ofende o princípio constitucional da presunção da inocência. Para o relator do caso, ministro Teori Zavascki, a manutenção da sentença penal pela segunda instância encerra a análise de fatos e provas que assentaram a culpa do condenado, o que autoriza o início da execução da pena.

A decisão indica mudança no entendimento da Corte que, desde 2009, no julgamento do HC 84078, condicionava a execução da pena ao trânsito em julgado da condenação, mas ressalvava a possibilidade de prisão preventiva. Até 2009, o STF entendia que a presunção da inocência não impedia a execução de pena confirmada em segunda instância.

O relator do caso, ministro Teori Zavascki, ressaltou em seu voto que, até que seja prolatada a sentença penal, confirmada em segundo grau, deve-se presumir a inocência do réu. Mas, após esse momento, exaure-se o princípio da não culpabilidade, até porque os recursos cabíveis da decisão de segundo grau, ao STJ ou STF, não se prestam a discutir fatos e provas, mas apenas matéria de direito.

Portanto, o réu RESTOM SIMON não tem direito a recorrer em liberdade.

Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação do réu RESTOM SIMON para reduzir a pena-base em relação aos crimes do artigo 304 c.c. artigo 297, do artigo 288 e do artigo 333, §1º, todos do Código Penal, tornando a pena definitiva em 07 anos e 10 meses de reclusão, em regime inicial fechado e 32 dias-multa, no valor de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos corrigidos monetariamente; dou parcial provimento ao recurso de EDILSON MONTEIRO DE SOUZA, LETÍCIA PESSOA DE ALMEIDA e ANDRÉ LUIZ DOS SANTOS FEITOSA para reduzir a pena-base no tocante ao delito do artigo 317, §1º, do Código Penal, restando a pena definitiva em 06 anos, 06 meses e 20 dias de reclusão, em regime inicial fechado, e 27 dias-multa no valor de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos corrigidos monetariamente.

Expeça-se mandado de prisão com validade até 03/05/2028, nos termos do que restou decidido pelo STF no HC n. 126.292.

Por derradeiro, para fins do art. 387, §2º, do Código de Processo Penal, de rigor seja comunicado prontamente o Juízo da Execução Penal, com cópias do v. acórdão.

É o voto.


WILSON ZAUHY
Desembargador Federal


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