D.E. Publicado em 04/12/2014 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar as preliminares e, por maioria, dar parcial provimento ao recurso para reduzir as penas e fixar o regime inicial aberto, e, de ofício, afastar o concurso material para aplicar a continuidade delitiva entre os crimes do artigo 168-A e 337-A, ambos do Código Penal, resultando a pena de José Elias Moreira definitivamente fixada em 02 anos e 08 meses de reclusão e 13 dias multa, substituída a reprimenda corporal por duas penas restritivas de direitos e, por fim, ainda de ofício, decretar a extinção da punibilidade dos fatos imputados a José Elias Moreira, com fundamento no artigo 107, inciso IV, c.c. artigo 109, inciso V, 110, § 1º, e 115 todos do Código Penal, nos termos do voto da relatora, acompanhada pelo voto do Des. Fed. José Lunardelli, vencido o Des. Fed. Nino toldo que dava parcial provimento ao recurso da defesa de José Elias Moreira, em menor extensão, para reduzir a pena-base, porém reconhecer a existência de concurso material entre os crimes do art. 168-A e do art. 337-A do Código Penal, fixando sua pena definitiva em 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 26 (vinte e seis) dias-multa e estabelecendo o regime semiaberto para início do cumprimento da pena privativa de liberdade, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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VOTO-VISTA
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:
Inicialmente, consigno que o Juiz Federal Convocado Leonel Ferreira elaborou minudente Relatório acerca das pretensões recursais veiculadas (fl. 449), posteriormente ratificado pela Desembargadora Federal CECILIA MELLO (Relatora), ao qual me reporto nesta manifestação.
Após o voto da Relatora, pedi vista para melhor analisar a discussão da aplicabilidade da continuidade delitiva ao invés da regra do concurso material na hipótese de cometimento dos crimes previstos no artigo 168-A e 337-A, ambos do Código Penal, questão trazida nestes autos.
De fato, os crimes de apropriação indébita previdenciária e sonegação de contribuição previdenciária, embora previstos em tipos penais diferentes, protegem o mesmo bem jurídico (a arrecadação de contribuições destinadas à Previdência Social).
Foram introduzidos no ordenamento jurídico pela mesma lei, de nº 9.983/00, e se assemelham quanto aos elementos objetivos e subjetivos.
Na medida em que são crimes da mesma espécie, a prática desses crimes, mês a mês, autoriza o reconhecimento da continuidade delitiva, devendo ser observada, na dosimetria da pena, a regra do artigo 71 do Código Penal: aplicar a pena de um só dos crimes, aumentada de 1/6 a 2/3.
Assim, analisando detidamente a questão, acompanho integralmente o voto da e. Relatora.
É como voto.
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VOTO-VISTA
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO: Pedi vista dos autos para que melhor pudesse analisar a importante questão da aplicação, ou não, da tese da continuidade delitiva entre os crimes previstos no art. 168-A e 337-A do Código Penal, acolhida no voto da senhora relatora e no que foi acompanhada pelo senhor revisor. Trata-se de questão bastante relevante, com repercussão em processos a este semelhantes.
Pois bem. Relativamente ao tema, a relatora fundamentou seu voto da seguinte forma:
O senhor revisor, por sua vez, assim se manifestou:
Com a devida vênia, divirjo do entendimento manifestado nesses votos. Isto porque os delitos previstos no art. 168-A e 337-A do Código Penal, embora tutelem o mesmo bem jurídico (as fontes de custeio da seguridade social ou, resumidamente, a seguridade social), possuem maneira de execução diversa, o que impede a aplicação da ficção do crime continuado.
Com efeito, assim dispõe o art. 71 do Código Penal:
Da leitura desse dispositivo, depreende-se que as ações ou omissões devem caracterizar-se por implicarem crime da mesma espécie, tendo por ponto comum as condições de (i) tempo, (ii) lugar, (iii) maneira de execução e (iv) outras semelhantes, devendo os crimes subsequentes ser entendidos como continuação do primeiro. Só assim, pode haver crime continuado.
Pois bem. No caso dos crimes previstos no art. 168-A (apropriação indébita previdenciária) e 337-A (sonegação de contribuição previdenciária) do Código Penal, embora estejam previstos em lugares diversos no Código (crime contra o patrimônio e crime contra a Administração Pública, respectivamente), não há dúvida de que são da mesma espécie por tutelarem ambos o mesmo bem jurídico, ou seja, a seguridade social.
Por essa razão, encontram-se julgados, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, no sentido da possibilidade de a eles ser aplicada a ficção do crime continuado.
No entanto, penso que sejam crimes diferentes pela sua maneira de execução, o que impede essa aplicação, sob pena de perpetrar-se injustiça.
Explico.
O crime previsto no art. 168-A, mal posicionado e mal denominado crime de apropriação indébita previdenciária, é um crime omissivo próprio, que se perfaz pela simples falta de recolhimento, pelo substituto tributário, das contribuições recolhidas (ou descontadas) dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional.
Já no crime do art. 337-A, a conduta é comissiva, ou seja, o agente pratica, deliberadamente, uma ou mais das condutas descritas nos incisos que levam à supressão ou redução de contribuição social previdenciária.
Veja-se que são maneiras de execução completamente diferentes. Uma é a mera omissão, que não necessariamente decorre da intenção de fraudar a seguridade social; outra, bem diversa, é a conduta comissiva que tem, como pressuposto, fraudar a seguridade social.
Um exemplo contribuirá para aclarar meu raciocínio.
Imagine-se que a empresa A escriture corretamente sua folha de salários, desconte o valor da contribuição previdenciária dos empregados (os verdadeiros contribuintes do tributo), mas que, por uma circunstância financeira adversa, deixe de efetuar o pagamento dessas contribuições. Pela dicção do art. 168-A do Código Penal, no momento em que houve a falta de recolhimento, o crime consumou-se, ainda que não tenha havido a intenção de fraude.
Numa outra situação, a empresa B omite da folha de pagamento determinado número de empregados ou deixa de lançar as quantias descontadas dos empregados, visando, com isso, diminuir o montante de tributo que tenha de pagar. Nessa hipótese, houve evidente intenção de fraude.
As situações são semelhantes e devem ter o mesmo tratamento?
Penso que não. Embora as penas cominadas a esses delitos sejam idênticas (reclusão, de dois a cinco anos, e multa), vejo entre ambos uma significativa diferença, especialmente quanto à sua maneira de execução, o que impede que se dê ao agente o tratamento mais benéfico do crime continuado.
Na primeira hipótese acima exemplificada, pode haver um agente que não tenha tido a intenção de fraudar o fisco, mas que apenas não tenha recolhido a contribuição por falta de disponibilidade financeira. Isso é até comum ocorrer.
Na segunda hipótese, necessariamente há um agente que teve a intenção de fraudar a seguridade social, sonegando tributos mediante omissão de informações relevantes e, em razão disso, distorcendo o fato gerador.
A aplicar-se a continuidade delitiva, dar-se-á o mesmo tratamento a um mero inadimplente e a um sonegador, sendo este beneficiado - injustamente a meu sentir - por uma interpretação mais elástica da figura do crime continuado.
Para mim, essa injustiça não ocorre se essas situações forem entendidas como concurso material, que, ao meu ver, é a interpretação correta, com a devida vênia dos pensamentos contrários.
Os crimes do art. 168-A e do 337-A são crimes diversos e, como tais, quando ocorrem simultaneamente, como no caso em exame, caracterizam concurso material.
Observo, por oportuno, que na Revisão Criminal a que se referiu a Relatora (2009.03.00.018248-6/SP), filiar-me-ia à tese vencida, mas naquela ocasião não participei do julgamento, além do que, com a criação da Quarta Seção, especializada em matéria criminal, o tema poderá ser reexaminado.
Além disso, embora ciente de precedentes do Superior Tribunal de Justiça na linha de conclusão da aplicação da continuidade delitiva entre os crimes do art. 168-A e 337-A do Código Penal (REsp nº 1.212.911/RS, Sexta Turma, v.u., Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 20.03.2012, DJe 09.04.2012; REsp nº 859.050/RS, Sexta Turma, v.u., Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, j. 03.12.2013, DJe 13.12.2013), o fato é que há importante precedente do Supremo Tribunal Federal em sentido contrário.
Com efeito, ao julgar a AP nº 516/DF, de relatoria do Min. Ayres Britto, o Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária e por unanimidade de votos, julgou procedente a ação penal originária e reconheceu a existência de concurso material entre os crimes do art. 168-A e 337-A do Código Penal.
Por ser longa a ementa, transcreverei apenas as partes dela que interessam ao raciocínio desenvolvido neste voto:
É importante frisar que, na dosimetria da pena, o Supremo Tribunal Federal considerou a continuidade delitiva em cada um dos crimes (art. 168-A e art. 337-A do Código Penal) e, ao final, somou as penas aplicadas em razão do concurso material. Isso é significativo porque a continuidade delitiva caracterizou-se para cada um dos crimes, isoladamente.
Penso, enfim, que essa seja a melhor solução.
Portanto, no caso em exame, acompanho a relatora na rejeição das questões preliminares e, no mérito, quanto à materialidade e autoria. Na dosimetria da pena, também a acompanho na fixação da pena-base no mínimo legal, porém considero o seu cálculo para cada um dos crimes - com o aumento de 1/3 (um terço) a cada um dos delitos (CP, art. 71), visto que igual o número de competências - e, levando-se em conta o concurso material, procedo à soma das penas aplicadas para cada um deles (2 anos e 8 meses de reclusão e 13 dias-multa), totalizando a pena definitiva em 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 26 (vinte e seis) dias-multa. Mantenho o regime semiaberto para início do cumprimento da pena privativa da liberdade, como fixado na sentença.
Posto isso, rejeito as preliminares e, no mérito, DOU PARCIAL provimento ao recurso da defesa de JOSÉ ELIAS MOREIRA para reduzir a pena-base, porém reconhecer a existência de concurso material entre os crimes do art. 168-A e do art. 337-A do Código Penal, fixando sua pena definitiva em 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 26 (vinte e seis) dias-multa e estabelecendo o regime semiaberto para início do cumprimento da pena privativa de liberdade.
É o voto.
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RELATÓRIO
Trata-se de apelação criminal interposta por JOSÉ ELIAS MOREIRA, contra a r. sentença de fls. 359/369 (publicada em 29/10/2012 - fls. 370), que o condenou, em concurso material, pela prática dos crimes previstos no artigo 168-A, §1º, inciso I, e artigo 337-A, incisos I e III, ambos c/c artigo 71 do Código Penal, à pena total de 06 anos, 02 meses e 20 dias de reclusão em regime inicial semiaberto e 292 dias multa, no valor unitário de 01 salário mínimo. Vedada a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito.
Narra a denúncia (recebida e publicada em 09/02/2009 - fls. 87) que JOSÉ ELIAS MOREIRA, na qualidade de sócio proprietário e responsável pela administração da empresa Rádio Dourados do Sul, localizada na cidade de Dourados/MS, deixou de recolher aos cofres públicos as contribuições previdenciárias descontadas de seus empregados, no período compreendido entre 08/1998 a 04/2006, com exceção das competências referentes aos meses 02/1999, 05/2000, 07/2001, 08/2001, 09/2001 e 10/2001, no valor total de R$ 55.917,05 (atualizado com juros e multa até 10/11/2006), conforme consta da Notificação Fiscal de Lançamento de Débito - NFLD de nº 35.402.346-2 (fls. 96). Narra, também, que o denunciado suprimiu e reduziu contribuições previdenciárias devidas aos cofres previdenciários ao não declarar os respectivos fatos geradores em GPIF - Guia de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência Social, omitindo, nesse caso, segurados empregados em sua folha de pagamento, nas competências de 08/1998 a 04/2006, com exceção das competências referentes aos meses 02/1999, 03/2000, 04/2000, 05/2000, 06/2000, 03/2002, 01/2003 e 02/2003, no valor total de R$ 125.471,93 (atualizado com juros e multa até 10/11/2006), conforme consta da Notificação Fiscal de Lançamento de Débito - NFLD de nº 35.402.345-4 (fls. 46).
Os créditos tributários referentes às NFLD's mencionadas foram inscritos na Dívida Ativa da União em 29/09/2006 e não foram objeto de quitação ou parcelamento até a data de 17/12/2010, nos termos das informações prestadas pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional de Dourados/MS (fls. 173/176).
O Juízo "a quo" declarou extinta a punibilidade do réu em relação aos crimes previstos nos artigos 168-A, §1º e 337, A, incisos I e III, ambos do Código Penal, referente às competências anteriores a 09/02/2003, pelo advento da prescrição da pretensão punitiva estatal (fls. 178/180).
Nas razões de apelação, a defesa requer, preliminarmente, a nulidade absoluta do processo, após a citação do réu, em razão da ausência de intimação dos seus advogados constituídos para que oferecessem resposta à acusação, bem como a nulidade da sentença por ofensa ao Princípio da Identidade Física do Juiz. No mérito, protesta pela absolvição do réu, nos termos do artigo 386, incisos V e VI, do Código de Processo Penal, diante da ausência de provas de autoria e dolo, uma vez que o réu foi induzido em erro pelo seu ex-contador, situação, aliás, que lhe isenta de pena, nos termos do artigo 20, §1º, do Código Penal. Requer, ainda, o reconhecimento do Estado de Necessidade e da tese de Inexigibilidade de Conduta Diversa. Com relação ao crime do artigo 337-A, inciso I, do Código Penal, acrescenta que o Magistrado não levou em consideração os pagamentos já realizados. Subsidiariamente, requer a redução de suas penas bases, inclusive pena de multa, o aumento da fração de redução das atenuantes, a diminuição da fração de aumento referente à continuidade delitiva e o reconhecimento da causa de diminuição de pena referente ao Estado de Necessidade (fls. 398/431).
Contrarrazões apresentadas (fls. 433/437).
Nesta Corte, a Procuradoria Regional da República opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 440/448).
É relatório.
À revisão.
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VOTO
Ratifico o Relatório.
Inicialmente, observo que o réu requereu às fls. 452/463 a extinção de sua punibilidade, ou subsidiariamente, a suspensão da pretensão punitiva estatal, diante de sua adesão ao parcelamento dos débitos previdenciários.
Observo, no entanto, que os documentos comprobatórios juntados não comprovam efetivamente a quais débitos se referem o parcelamento.
Diante disso, tendo em vista que nada obsta que tal comprovação seja feita "a posteriori", deixo de converter o feito em diligência e prossigo no julgamento.
Preliminarmente, ainda, retifico meu posicionamento acerca da natureza jurídica do crime do artigo 168-A do Código Penal.
Como é sabido, filiava-me ao entendimento de que o crime de apropriação indébita previdenciária era de natureza material, ou seja, somente se aperfeiçoava com a constituição definitiva do crédito tributário.
No entanto, curvo-me ao entendimento majoritário firmado pela novel C. 11ª Turma desta Corte Regional, que considera tal crime de natureza formal.
Com efeito, para a configuração do delito de apropriação indébita previdenciária basta o dolo genérico. Tratando-se de tipo omissivo, não se exige o "animus rem sibi habendi", sendo suficiente à sua consumação, o efetivo desconto e o não recolhimento do tributo no prazo legal, uma vez que a consumação do delito se dá com a mera ausência de recolhimento dessas contribuições.
Desnecessária, portanto, a comprovação da efetiva apropriação do numerário pelo réu, tampouco o seu propósito de fraudar ou de causar dano à Previdência Social.
Dentro desse raciocínio, considerando que basta a omissão para a consumação, entende-se que é prescindível o esgotamento da via administrativa (Precedentes: RHC 17.018, STJ, Rel. Min. Arnaldo Esteves de Lima, 5ª Turma, DJ. 20.06.2005; HC 21994, TRF/3ª Região, Rel. Des. Fed. Vesna Kolmar, 2007.61.23.000641-0/SP, DJ 13/12/2011).
Por outro lado, vale ressaltar que o crime previsto no artigo 337-A do Código Penal deve ser considerado crime de natureza material, nos termos da Súmula 24 do Supremo Tribunal Federal, que assim dispõe:
Isso porque, a lei 9.983/2000, que incluiu o crime de sonegação de contribuição previdenciária no artigo 337-A do Código Penal, apenas transmudou a base legal da imputação do crime previsto na lei 8.137/90, sem alterar os seus contornos, sendo mantido, inclusive, o preceito secundário, de reclusão de 02 a 05 anos, e multa, havendo, portanto, continuidade normativo-típica.
Assim, a consumação dos delitos previstos no artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90 e no artigo 337-A do Código Penal se dá com a constituição definitiva do crédito tributário, cuidando-se de crime material.
Pois bem.
Feita essa introdução, anoto que se trata de réu maior de 70 anos de idade, conforme prova o documento de identidade acostado às fls. 54, indicando a data de seu nascimento em 20/07/1940.
Considerando que não há recurso da acusação e que a pena privativa de liberdade de cada crime pelo qual o réu foi condenado equivale a 02 anos e 04 meses de reclusão (excetuado o cômputo da continuidade delitiva - Súmula 497, STF), o prazo prescricional regula-se pelo preceituado no artigo 109, inciso IV, c/c artigo 115, ambos do Código Penal, ou seja, 04 anos.
Assim, tendo em vista que os fatos referem-se ao período compreendido entre 09/02/2003 a 04/2006, verifico que, para o crime do artigo 168-A, do Código Penal, os fatos anteriores a 09/02/2005 em relação à data do recebimento da denúncia (09/02/2009) estão prescritos.
Reconheço, portanto, de ofício, a extinção de punibilidade referente ao crime do artigo 168-A do Código Penal, dos fatos anteriores a 09/02/2005, nos termos dos artigos 107, inciso IV, 109, inciso IV, c/c 115, todos do Código Penal.
Remanesce, portanto, para o crime de apropriação indébita previdenciária, a persecução penal relativa somente ao período posterior a 09/02/2005 e até 04/2006 (14 eventos).
Para o crime do artigo 337-A do Código Penal, no entanto, como o crédito tributário se aperfeiçoou definitivamente em 29/06/2006 (fls. 173/176), verifica-se que não transcorreu lapso temporal superior a 04 anos entre quaisquer dos marcos interruptivos da prescrição, restando a persecução penal relativa a esse crime para o período de 03/2003 a 04/2006 - 37 eventos (já que o mês de fevereiro de 2003 foi excluído na denúncia).
Passo, então, à análise das preliminares arguidas.
Inicialmente, o réu protesta pela nulidade do processo em razão da ausência de intimação dos seus advogados constituídos para que oferecessem resposta à acusação.
Sem razão, contudo.
Observo que o Juízo "a quo", ao receber a denúncia, em 09/02/2009, determinou a citação do réu para apresentar defesa prévia ou exceções, no prazo de 10 dias, bem como declarar se necessitava ou não da nomeação de advogado dativo (fls. 87).
O réu foi citado/intimado dessa decisão em 15/07/2009, tendo, na ocasião, declarado ao oficial executante de mandados, que não desejava a nomeação de advogado dativo, pois já possuía advogado (fls. 104/105).
Em 05/04/2010, equivocadamente, o Juízo "a quo" nomeou advogado dativo para a defesa do réu, intimando-o para apresentar defesa prévia em 10 dias (fls. 118), sendo o réu intimado dessa decisão em 04/06/2010 (fls. 128).
A advogada dativa nomeada, atentando para o equívoco, alertou o Juízo "a quo", apresentando, porém, a defesa prévia do réu (fls. 124/126).
O Juízo "a quo", então, determinou nova intimação do réu, para que se manifestasse acerca do interesse na constituição de defensor próprio, sendo alertado de que a ausência de manifestação acarretaria a manutenção de sua defesa por advogado dativo (fls. 130).
O réu constituiu advogado próprio em 19/07/2010 (fls. 131/132).
A defesa constituída pelo réu foi intimada para apresentar defesa prévia, e a advogada dativa, representante do réu até então, foi destituída (fls. 133).
A defesa, então, apesar de não juntar qualquer documento, alegou que o réu já havia quitado os créditos tributários pelo qual estava sendo processado, apresentando receio de que seu cliente estava sendo vítima de seu contador, que estava sendo processado por falsificação de recibos de pagamento de impostos em outro processo. Requereu, assim, a expedição de ofício para as instituições bancárias constantes dos recibos de quitação dos créditos tributários em questão, a fim de que esclarecessem sobre a autenticidade dos mesmos (fls. 137/138).
Intimada para que apresentasse em 10 dias os documentos e informações mencionados na petição de fls. 137/138 (fls. 139), a defesa trouxe aos autos a representação criminal efetuada pela Radio Dourados do Sul Ltda, bem como o auto de prisão em flagrante e denúncia em face do indigitado contador, protestando pelo regular andamento desse feito (fls. 143/165).
Deferido o pedido formulado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional em Dourados informou que os débitos previdenciários constantes das NFLD's de nº 35.402.345-4 e 35.402.346-2 não foram objetos de parcelamento ou quitação, sendo inscritos na Dívida Ativa da União em 20/09/2006 (fls. 173/176).
Com base nesse cenário, o Juízo "a quo", em 14/02/2011 (data da publicação em secretaria) indeferiu o pedido de expedição de ofícios às instituições bancárias, diante da não indicação de quais recibos de quitação se buscava averiguar a autenticidade, atentando para o fato de que os que estavam acostados aos autos (fls. 24/27 e 61 - IPL) diziam respeito a competências posteriores e estranhas aos fatos em apreço, determinando, assim, o prosseguimento da ação para oitiva de testemunhas e interrogatório do réu (fls. 179/180).
Aos 29/03/2011, o réu trouxe aos autos a revogação de mandado de seu advogado até então constituído, constituindo novo patrono (fls. 183/189).
Como se vê, nenhuma irregularidade ocorreu no desenrolar dessa fase processual.
Embora se verifique a existência de pequena confusão quanto à necessidade de nomeação de advogado dativo, fato é que o réu foi devidamente intimado para apresentar defesa prévia, na mesma ocasião em que afirmou já possuir advogado próprio. No entanto, deixou transcorrer "in albis" o prazo para apresentação da mencionada peça processual e, apesar de ciente de que havia sido nomeado advogado dativo, não se manifestou a respeito.
Posteriormente, a defesa nomeada pelo réu foi intimada para apresentar defesa prévia, e, apesar de requerer algumas diligências, não trouxe aos autos os documentos solicitados pelo Juízo "a quo", o que acabou por inviabilizar seu pedido, não apresentando, de qualquer forma, resposta à acusação.
Dessa forma, havendo determinação para apresentação de defesa prévia não cumprida por parte da defesa constituída, não há falar que a constituição de novos advogados por parte do réu obrigaria uma nova determinação para apresentação da peça processual, mormente porque a mesma já havia sido apresentada por advogado dativo (fls. 124/126).
Assim, tendo em vista que a defesa constituída pelo réu não apresentou defesa prévia, sendo esta regularmente apresentada pela advogada dativa que representava o réu naquele momento processual, não há que se falar em nulidade do processo, muito menos em prejuízo para a defesa.
Preliminar rejeitada.
A defesa requer, também, a nulidade da sentença por ofensa ao Princípio da Identidade Física do Juiz.
Tal princípio está previsto no artigo 399, §2º, do Código de Processo Penal e reza que o Juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença.
No entanto, esse princípio não é absoluto, podendo a sentença penal ser proferida por outro Juiz quando aquele que presidiu a instrução criminal for substituído por força de ato administrativo do Tribunal a que está vinculado.
Na hipótese, o magistrado que promoveu a instrução criminal era juiz substituto, o qual foi removido (fls. 435v), hipótese excepcionada pelo artigo (artigo 132 do Código de Processo Civil c/c artigo 3º do Código Penal).
Nesse sentido:
Rejeitadas as preliminares arguidas, passo ao exame do mérito do recurso.
Em virtude de fiscalização realizada pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS realizada em face da empresa Rádio Dourados do Sul, constatou-se que a empresa havia efetuado retenção de contribuições descontadas dos seguros empregados, deixando de efetuar os recolhimentos de tais valores nos prazos legais. Os fatos foram apurados com base no confronto entre as folhas de pagamento da empresa e a falta de repasse dos valores retidos para a autarquia previdenciária (artigo 168-A, do Código Penal).
Nessa mesma fiscalização, constatou-se, também, que a empresa omitiu total e parcialmente das Guias de Recolhimento ao Fundo de Garantia e Informações à Previdência Social - GFIP, empregados e respectivas remunerações, o que redundou na supressão (competências 01 a 04/2006) e na redução (nas demais competências) da contribuição previdenciária. Tais constatações foram feitas no curso da Auditoria Fiscal, através do exame das folhas de pagamento, fichas financeiras dos empregados, das GFIPs e consulta aos sistemas internos da Previdência Social, nos quais ficou comprovada a ausência de dados, bem como dados não correspondentes aos fatos geradores de todas as contribuições previdenciárias (artigo 337-A do Código Penal).
A NFLD de nº 35.402.345-4 diz respeito à conduta do artigo 168-A, §1º, do Código Penal.
A NFLD de nº 35.402.346-2 diz respeito à conduta do artigo 337-A, do Código Penal.
As materialidades de ambos os crimes restaram devidamente comprovadas por meio do procedimento administrativo fiscal e documentos que o compõe constantes do apenso I, notadamente, pelas cópias das NFLD's de nº 35.402.345-4, consolidada em 05/05/2006, no valor principal de R$ 62.371,56 (fls. 46) e NFLD de nº 35.402.346-2, consolidada na mesma data, no valor principal de R$ 26.767,17 (fls. 96); relação de segurados e contribuições não declaradas (fls. 10/20); bem como, pela constituição definitiva e ausência de discussão administrativa, quitação ou parcelamento dos créditos tributários (fls. 45/49 e 173/176 autos principais).
Caracterizadas, portanto, as materialidades delitivas dos crimes em comento.
A autoria também está devidamente comprovada, assim como o elemento subjetivo do tipo e a consciência da ilicitude, para ambos os crimes.
A empresa foi constituída em 10/07/1978 (fls. 21/38-apenso) e desde sua constituição o réu já participava de seu quadro societário.
Em seu interrogatório policial e judicial, assumiu a responsabilidade exclusiva pela administração da empresa, bem como a responsabilidade pelo pagamento das contribuições previdenciárias, atribuindo sua conduta à grande dificuldade financeira atravessada pela empresa (fls. 20/21, 56/57 e 219/220-áudio).
Os sócios Walter Banedito Carneiro e Lidiane Carneiro Moreira negaram qualquer ato de gestão na empresa, afirmando que era o réu quem sempre esteve à frente dos negócios (fls. 22 e 42/41).
Inicialmente, em 09/2006, o réu declarou que a NFLD nº 35402345-4 havia sido parcelada em 130 meses e a NFLD 35402346-2 estava sendo paga na ordem de R$ 10.000,00 por mês, tendo já pagado R$ 40.0000,00, faltando apenas uma parcela que seria paga em 30 dias (fls. 20/21)
Para provar tais pagamentos e parcelamentos juntou aos autos os documentos de fls. 24/33, 43 e 61.
No entanto, a Procuradoria Federal Especializada -INSS informou, em 11/2006, que ambas as NFLD's em questão estavam inscritas na dívida ativa, sem registro de pagamento total ou parcial. Asseverou que os créditos encontravam-se parcelados pela Lei 10.684/2003, sento tal parcelamento rescindido em 04/10/2006, inexistindo parcelamento em vigor para empresa, restando, ainda, além dos citados, outros débitos pendentes (fls. 45/49).
Posteriormente, em 11/2006, a Procuradoria complementou suas informações, asseverando que a empresa Radio Dourados do Sul Ltda apresentou pedido de parcelamento de nº 36736.003048/2006.16, 3736.003059/2006-04, 36736.003049/2006-61, que foram indeferidos pela Receita Previdenciária de Dourados, uma vez que a empresa não comprovou os recolhimentos da 1ª e 2ª parcelas (fls. 51/54).
Às fls. 137/165, a defesa informou que o réu provavelmente estava sendo vítima de seu contador (Wilson Fernando de Lima), que teria falsificado os recibos de pagamentos de impostos que realizou até então.
Tal pessoa foi presa em flagrante no dia 15/04/2010, após denúncia do réu às autoridades policiais, quando o contador simulou o pagamento de uma "Darf", em nome da Rádio Dourado do Sul Ltda, sendo o mesmo denunciado pela prática do crime previsto no artigo 293, inciso V, e §1º, inciso I, e artigo 171, caput, do Código Penal (autos de nº 0001658-27.2010.403.6002 - 1ª Vara Federal de Dourados/MS).
Em consulta processual junto ao "site" da Justiça Federal de Mato Grosso do Sul, observo que em 10/04/2013, o processo pelo qual responde Wilson Fernando de Lima foi encaminhado para a Justiça Estadual, face ao reconhecimento de inexistência de lesão à autarquia previdenciária, sendo declinada a incompetência da Justiça Federal.
Em seu interrogatório judicial, o réu, então, apesar de afirmar que de fato não recolheu as contribuições previdenciárias, preferindo outros pagamentos em detrimento dos tributos, em virtude das dificuldades financeiras da empresa, declarou que foi induzido a erro pelo contador da empresa, uma vez que chegou a efetuar os pagamentos dos parcelamentos requeridos junto à Autarquia Previdenciária, entregando o dinheiro a tal pessoa, que falsificou as GRPs dos recolhimentos.
Colaciono a transcrição de seu interrogatório judicial feita na sentença (fls. 362/363):
De tudo isso, concluo, sendo verdade ou não que o réu foi vítima de seu contador, fato é que o réu, incontestavelmente, não repassou ao INSS as contribuições previdenciárias recolhidas de seus empregados, bem como não declarou seus segurados empregados na folha de pagamento da empresa e GFIP.
O réu, em nenhum momento, se esquivou desses fatos, atribuindo-os à crise econômica que passava a região da cidade de Dourados/MS, que consequentemente refletiu no faturamento da empresa.
Assim, eventual fraude sofrida pela falsificação dos pagamentos em tese realizados para a Autarquia Previdenciária, após as omissões delituosas e constituição definitiva do crédito tributário, não tem o condão de desconstituir os fatos típicos efetivamente consumados.
Ademais, conforme bem reconheceu o Juízo da 1ª Vara Federal de Dourados/MS, nos autos de nº 0001658-27.2010.403.6002, a falsificação de guias de arrecadação de tributos federais (DARFs) tinha como objetivo comprovar à empresa privada o recolhimento dos valores que o contador se apropriara, não existindo prejuízo direto à União ou a ente federal.
Dessa forma, o suposto crime cometido entre o contador e o réu não interferem na constituição dos fatos em análise neste processo, muito menos é motivo para excluir o dolo do réu ou isentá-lo de pena.
Ainda com relação ao dolo, conforme já mencionado, para a configuração do delito de apropriação indébita previdenciária basta o dolo genérico, sendo desnecessária a comprovação da efetiva apropriação do numerário pelo réu, ou seu propósito de fraudar ou de causar dano à Previdência Social.
Com relação ao elemento subjetivo do artigo 337-A do Código Penal, embora crime material, dependendo para a sua consumação, da efetiva ocorrência do resultado, também não necessita, para sua caracterização, da presença de dolo específico, ou seja, o dolo exigível, é, também o dolo genérico, como ocorre com o delito de apropriação indébita previdenciária. O tipo não exige nenhum fim especial, bastando a conduta consistente em "suprimir ou reduzir". Portanto, assim como no delito previsto no art. 168-A, não é necessário o animus "rem sibi habendi" para sua caracterização (AP 516, AYRES BRITTO, STF)
Relativamente ao Estado de Necessidade consubstanciado na inexigibilidade de conduta diversa, é necessário questionar se nesta hipótese o réu estava efetivamente impossibilitado de recolher os valores descontados dos empregados, ou seja, se as dificuldades financeiras suportadas pela empresa eram de ordem a colocar em risco a sua própria existência, incumbindo ao réu a prova da alegação, consoante o artigo 156 do Código de Processo Penal.
Para provar as dificuldades financeiras, a defesa colacionou aos autos ação de cobrança movida pelo HSBC Bank Brasil S/A em face do réu, no qual é cobrado por um crédito agrícola que lhe foi concedido no ano de 1994 (fls. 312/320); quatro Ações de Execução Fiscal movida pela Prefeitura Municipal de Dourados/MS no ano de 2010, referentes à cobrança de IPTU dos exercícios de 2006 a 2009, bem como uma referente aos exercícios de 2004 a 2008 (fls.321/322).
Como se vê, as invencíveis dificuldades financeiras não restaram comprovadas.
A exclusão da culpabilidade invocada requer a existência de elementos seguros, aptos a comprovar a absoluta impossibilidade do recolhimento das contribuições devidas à Previdência, porquanto, a simples ocorrência de dificuldades financeiras, por si só, não elide a responsabilidade penal do agente.
Os documentos juntados pelo réu não dizem respeito aos fatos, tampouco as datas se referem às das suas condutas.
Note-se que as execuções fiscais para cobrança de IPTU indicam que o réu possui capacidade econômica favorável, já que se referem a 04 imóveis em seu nome.
Não consta, também, que o réu tenha vendido bens particulares em prol da empresa, conforme mencionou. Ao contrário, sua opção foi a de honrar os pagamentos dos bancos e fornecedores, em detrimento dos tributos, no caso, os relativos à contribuição social de seus empregados, conforme declarou.
Ademais, não há mínimos esclarecimentos sobre os funcionários que não constam da folha de pagamento no período.
Impende ressaltar que a realidade econômico-financeira da sociedade supostamente em dificuldades precisa ser explicada documentalmente, de forma capaz de comprovar que elas não ocorreram por imprudência ou má condução dos negócios.
Embora atribua os fatos à fraude cometida por seu contador, conforme já mencionado, quando do aventado pagamento das parcelas, os fatos criminosos já haviam sido consumados, ou seja, não servem para comprovar as dificuldades financeiras alegadas.
Soma-se a isso, relativamente ao crime do artigo 337-A do Código Penal, o trecho do precedente do Superior Tribunal Federal que colacionei acima, no sentido de que "não é possível a aplicação da referida excludente de culpabilidade ao delito do art. 337-A do Código Penal, porque a supressão ou redução da contribuição social e quaisquer acessórios são implementadas por meio de condutas fraudulentas - incompatíveis com a boa-fé - instrumentais à evasão, descritas nos incisos do caput da norma incriminadora."
Dessa forma, ausentes outros elementos seguros para comprovar que o réu não tinha outros recursos para continuar operando, a não ser o de se apropriar das contribuições recolhidas de seus funcionários ou deixar de registrá-los para fugir às obrigações tributárias, a excludente em comento não pode ser reconhecida.
Em resumo, a defesa não acostou provas suficientes capazes de fundamentar satisfatoriamente quais seriam as circunstâncias imprevisíveis ou invencíveis que comprometeram a vida financeira da empresa, restando, assim, a conduta do réu sem justificativa.
E, tratando-se de excludente de culpabilidade, o ônus da prova é da defesa, vez que essa é a parte processual interessada em produzi-la em seu favor.
Afigura-se, portanto, inquestionável que o réu praticou os delitos descritos na denúncia, devendo ser mantido o decreto condenatório proferido em seu desfavor.
Insurge-se a defesa, contra a dosimetria da pena, pleiteando o abrandamento do regime inicial de seu cumprimento.
Verifico que o Juízo "a quo" fixou a pena base de ambos os delitos em 03 anos de reclusão e 141 dias multa. Na segunda fase, foram reduzidas em 08 meses pelas atenuantes da confissão e maioridade. Na terceira fase, foram majoradas em 1/3, em razão da continuidade delitiva, resultando, ao final, cada pena fixada definitivamente em 03 anos, 01 mês e 10 dias de reclusão e 146 dias multa, que somadas equivalem a 06 anos, 02 meses e 20 dias de reclusão, a ser cumprida no regime semiaberto, e 292 dias multa, no valor unitário de 01 salário mínimo.
Pois bem, a pena base de ambos os delitos foi majorada pelos seguintes motivos (fls. 367-v/368):
Como se vê, o Juízo "a quo" majorou a pena base dos delitos com fundamento no prejuízo causado à vítima, por ser esta a Previdência Social, a qual cabe o resguardo da velhice e eventual infortúnio dos segurados, e pela habitualidade no crime, já que perdurou por toda atividade empresarial do réu.
Inicialmente observo que o fato da vítima ser a Previdência Social não pode servir como fundamento para majorar a pena, uma vez que se trata de circunstância intrínseca ao tipo penal.
Da mesma forma, a qualidade de empresário do réu não pode ensejar uma culpabilidade exacerbada, como fundamentou a sentença, visto que o crime em comento pressupõe um responsável tributário, que no mais das vezes é de fato um empresário.
No que diz respeito à habitualidade da conduta bem como ao valor total não recolhido, tais circunstâncias, a meu ver, concernem à reiteração delituosa, não podendo ser considerados paralelamente para fins de justificar o aumento da pena-base, na medida em que serão utilizados na terceira fase da dosimetria da pena, por ocasião da causa de aumento, relativa ao artigo 71 do Código Penal.
Em reforço, observo que a própria União Federal vem declinando do direito de cobrar em juízo as dívidas aos cofres públicos que não alcançam o patamar consolidado de até R$20.000,00 (artigo 1º, inciso II, Portaria MF nº 75, de 22 de Março de 2012).
Tal condição já foi discutida judicialmente, quando ainda sob a égide da Lei 10.522/02, que previa limite de R$10.000,00, dando-se destaque ao recurso especial repetitivo representativo de controvérsia (Resp nº 1.112.748 - TO), julgado pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça em 09 de setembro de 2009, a seguir colacionado:
Após, manifestou-se o E. Supremo Tribunal Federal, corroborando a tese:
E, nesse ponto, entendo esse ser o parâmetro objetivo ao qual se deve recorrer para a avaliação do valor retido de molde a justificar a elevação da pena-base.
Com efeito, para fins de serem consideradas como negativas as consequências do delito (art.59, do Código Penal), é de ser avaliada a competência (valor) mês a mês de per si, tomando-se como base o maior deles, não se podendo valorar negativamente aquele quantum que a própria Administração declina do direito de cobrar.
Assim sendo, aquele elemento (total da dívida) é avaliado na terceira fase da dosimetria da pena, na fase do art.71, do Código Penal, quando a hipótese assim o requer, - o que acontece no mais das vezes - , e a exasperação da pena imposta é reconhecida pela reiteração da prática criminosa e do total do valor não repassado.
Importa frisar, que no presente caso, o valor omitido pelo crime do artigo 168-A do Código Penal atingiu o montante de R$ 124.318,01, e o crime do artigo 337-A do Código Penal, o montante de R$ 68.809,24, em 12/2010. Considerando que tais valores se referem a 37 competências, verifica-se que o maior valor mensal retido não exasperou o teto da atuação administrativa, elemento que nos autoriza a concluir que o fundamento usado pelo juiz para elevação da pena-base merece ser redimensionado.
Dentro desse contexto, não restando quaisquer outras circunstâncias judiciais desfavoráveis ao réu, reduzo a pena base, de ambos os delitos, para o mínimo legal, ou seja, 02 anos de reclusão e 10 dias multa.
Na segunda fase, apesar das atenuantes da confissão e maioridade, não há como reduzir a pena, nos termos da Súmula 231 do STJ.
Na terceira fase, porém, deve ser afastado o concurso material decretado pelo Juízo "a quo".
Não obstante entenda que os delitos do artigo 168-A e 337-A do Código Penal sejam diversos, tendo o réu, mediante mais de uma ação ou omissão, praticado dois crimes distintos, situação que se enquadra no artigo 69 do Código Penal, tal entendimento restou vencido no julgamento da Revisão Criminal nº 2009.03.00.018248-6 de relatoria do e. Desembargador Federal José Lunardelli, ocorrido em 06/03/2014.
Assim, com a ressalva do meu entendimento pessoal, acompanho o posicionamento majoritário, no sentido de que em casos como o presente, deve-se aplicar a regra da continuidade delitiva e não de concurso material de crimes.
Dessa forma, aplico a pena base de um só dos crimes, sobre a qual deve incidir a causa de aumento de pena do artigo 71 do Código Penal, de acordo com os parâmetros fixados pela colenda Segunda Turma: "de dois meses a um ano de omissão no recolhimento das contribuições previdenciárias, o acréscimo é de 1/6 (um sexto); de um a dois anos de omissão, aumenta-se 1/5 (um quinto); de dois a três anos de omissão, ¼ (um quarto); de três a quatro anos de omissão, 1/3 (um terço); de quatro a cinco anos de omissão, ½ (um meio); e acima de cinco anos de omissão, 2/3 (dois terços) de aumento". (TRF 3ª Região, Segunda Turma, ACR nº 11780, Rel. Des. Fed. Nelton dos Santos).
Como a quantidade de eventos do artigo 337-A do Código Penal (37 eventos) abrange a quantidade de eventos do artigo 168-A do Código Penal (14 eventos), mantenho a fração adotada na r.sentença, qual seja, 1/3 (um terço), restando, ao final, a pena definitivamente fixada em 02 anos e 08 meses e 13 dias multa.
Nessa trilha:
Nos moldes do art. 33, §2º, "c", do Código Penal, e não havendo circunstância que torne recomendável a fixação em regime mais gravoso, estabeleço o regime inicial aberto para o cumprimento da pena.
Presentes os requisitos dos incisos I, II e III, do art. 44 do Código Penal, deve ser concedida a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, que se apresenta recomendável para a recomposição ético-social do acusado.
Desta forma, substituo a reprimenda corporal imposta ao réu por duas penas restritivas de direitos, quais sejam, a prestação de serviços à comunidade pelo período da condenação, na forma do art. 46, §3º, do Código Penal, e prestação pecuniária no valor de 10 salários mínimos, face à favorável capacidade econômica do réu, ambas as penas em favor de entidade com destinação social a ser designada pelo Juízo das Execuções Penais.
Por economia processual, caso esta C. Turma acompanhe o voto relator, passo a analisar, desde já, a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal.
Considerando que a pena cominada aos delitos, excluído o acréscimo dado pelo artigo 71 do Código Penal (Súmula 497 do STF), foi de 02 anos de reclusão, os quais prescrevem em 02 anos nos termos do artigo 109, inciso V, c/c artigo 115, do Código Penal, impõe-se reconhecer a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva, na modalidade retroativa, entre o recebimento da denúncia (09/02/2009) e a publicação da sentença condenatória (29/10/2012).
Nesse diapasão, decreto a extinção da punibilidade dos fatos imputados a JOSÉ ELIAS MOREIRA, com fundamento no artigo 107, inciso IV, c.c. artigo 109, inciso V, 110, § 1º, e 115 todos do Código Penal.
Ante o exposto, rejeito as preliminares arguidas; dou parcial provimento ao recurso para reduzir as penas e fixar o regime inicial aberto, e, de ofício, afasto o concurso material para aplicar a continuidade delitiva entre os crimes do artigo 168-A e 337-A, ambos do Código Penal, resultando a pena de JOSÉ ELIAS MOREIRA definitivamente fixada em 02 anos e 08 meses de reclusão e 13 dias multa, substituída a reprimenda corporal por duas penas restritivas de direitos. Por fim, ainda de ofício, decreto a extinção da punibilidade dos fatos imputados a JOSÉ ELIAS MOREIRA, com fundamento no artigo 107, inciso IV, c.c. artigo 109, inciso V, 110, § 1º, e 115 todos do Código Penal.
É o voto.
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