Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 04/12/2014
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0003185-53.2006.4.03.6002/MS
2006.60.02.003185-4/MS
RELATORA : Desembargadora Federal CECILIA MELLO
APELANTE : JOSE ELIAS MOREIRA
ADVOGADO : MS011327 FELIPE CAZUO AZUMA e outro
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00031855320064036002 2 Vr DOURADOS/MS

EMENTA

APELAÇÃO CRIMINAL. ARTIGOS 168-A E 337-A DO CÓDIGO PENAL. NATUREZA JURÍDICA. CERCEAMENTO DA DEFESA NÃO CONFIGURADO. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ OBSERVADO. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. DOSIMETRIA REFORMADA. PENA BASE REDUZIDA. CONCURSO MATERIAL AFASTADO. CONTINUIDADE DELITIVA CONFIGURADA. REGIME ABERTO. PENAS RESTRITIVAS DE DIREITO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA DECRETADA DE OFÍCIO.
1 - Para a configuração do delito de apropriação indébita previdenciária basta o dolo genérico. Tratando-se de tipo omissivo, não se exige o "animus rem sibi habendi", sendo suficiente à sua consumação, o efetivo desconto e o não recolhimento do tributo no prazo legal, uma vez que a consumação do delito se dá com a mera ausência de recolhimento dessas contribuições. Desnecessária, portanto, a comprovação da efetiva apropriação do numerário pelo réu, tampouco o seu propósito de fraudar ou de causar dano à Previdência Social. Dentro desse raciocínio, considerando que basta a omissão para a consumação, entende-se que é prescindível o esgotamento da via administrativa. Precedentes.
2 - Por outro lado, o crime previsto no artigo 337-A do Código Penal deve ser considerado crime de natureza material, nos termos da Súmula 24 do Supremo Tribunal Federal. Isso porque, a lei 9.983/2000, que incluiu o crime de sonegação de contribuição previdenciária no artigo 337-A do Código Penal, apenas transmudou a base legal da imputação do crime previsto na lei 8.137/90, sem alterar os seus contornos, sendo mantido, inclusive, o preceito secundário, de reclusão de 02 a 05 anos, e multa, havendo, portanto, continuidade normativo-típica. Assim, a consumação dos delitos previstos no artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90 e no artigo 337-A do Código Penal se dá com a constituição definitiva do crédito tributário, cuidando-se de crime material.
3 - Considerando que não há recurso da acusação e que a pena privativa de liberdade de cada crime pelo qual o réu foi condenado equivale a 02 anos e 04 meses de reclusão (excetuado o cômputo da continuidade delitiva - Súmula 497, STF), o prazo prescricional regula-se pelo preceituado no artigo 109, inciso IV, c/c artigo 115, ambos do Código Penal, ou seja, 04 anos. Assim, tendo em vista que os fatos referem-se ao período compreendido entre 09/02/2003 a 04/2006, verifico que, para o crime do artigo 168-A, do Código Penal, os fatos anteriores a 09/02/2005 em relação à data do recebimento da denúncia (09/02/2009) estão prescritos.
4 - Nulidade do processo em razão da ausência de intimação dos advogados constituídos pelo réu para que oferecessem resposta à acusação, não configurada. Embora se verifique a existência de pequena confusão quanto à necessidade de nomeação de advogado dativo, fato é que o réu foi devidamente intimado para apresentar defesa prévia, na mesma ocasião em que afirmou já possuir advogado próprio. No entanto, deixou transcorrer "in albis" o prazo para apresentação da mencionada peça processual e, apesar de ciente de que havia sido nomeado advogado dativo, não se manifestou a respeito. Posteriormente, a defesa nomeada pelo réu foi intimada para apresentar defesa prévia, e, apesar de requerer algumas diligências, não trouxe aos autos os documentos solicitados pelo Juízo "a quo", o que acabou por inviabilizar seu pedido, não apresentando, de qualquer forma, resposta à acusação. Dessa forma, havendo determinação para apresentação de defesa prévia não cumprida por parte da defesa constituída, não há falar que a constituição de novos advogados por parte do réu obrigaria uma nova determinação para apresentação da peça processual, mormente porque a mesma já havia sido apresentada por advogado dativo.
5 - O Princípio da Identidade Física do Juiz não é absoluto, podendo a sentença penal ser proferida por outro Juiz quando aquele que presidiu a instrução criminal for substituído por força de ato administrativo do Tribunal a que está vinculado. Na hipótese, o magistrado que promoveu a instrução criminal era juiz substituto, o qual foi removido, hipótese excepcionada pelo artigo (artigo 132 do Código de Processo Civil c/c artigo 3º do Código Penal).
6 - As materialidades de ambos os crimes restaram devidamente comprovadas por meio do procedimento administrativo fiscal e documentos que o compõe.
7 - A autoria também está devidamente comprovada, assim como o elemento subjetivo do tipo e a consciência da ilicitude, para ambos os crimes.
8 - O réu atribui o crime a seu contador que suspostamente falsificou as guias de pagamento referente ao recolhimento dos tributos. No entanto, sendo verdade ou não que o réu foi vítima de seu contador, fato é que o réu, incontestavelmente, não repassou ao INSS as contribuições previdenciárias recolhidas de seus empregados, bem como não declarou seus segurados empregados na folha de pagamento da empresa e GFIP. O réu, em nenhum momento, se esquivou desses fatos, atribuindo-os à crise econômica que passava a região da cidade de Dourados/MS, que consequentemente refletiu no faturamento da empresa. Assim, eventual fraude sofrida pela falsificação dos pagamentos em tese realizados para a Autarquia Previdenciária, após as omissões delituosas e constituição definitiva do crédito tributário, não tem o condão de desconstituir os fatos típicos efetivamente consumados.
9 - Dessa forma, o suposto crime cometido entre o contador e o réu não interferem na constituição dos fatos em análise neste processo, muito menos é motivo para excluir o dolo do réu ou isentá-lo de pena.
10 - Ainda com relação ao dolo, conforme já mencionado, para a configuração do delito de apropriação indébita previdenciária basta o dolo genérico, sendo desnecessária a comprovação da efetiva apropriação do numerário pelo réu, ou seu propósito de fraudar ou de causar dano à Previdência Social.
11 - Com relação ao elemento subjetivo do artigo 337-A do Código Penal, embora crime material, dependendo para a sua consumação, da efetiva ocorrência do resultado, também não necessita, para sua caracterização, da presença de dolo específico, ou seja, o dolo exigível, é, também o dolo genérico, como ocorre com o delito de apropriação indébita previdenciária. O tipo não exige nenhum fim especial, bastando a conduta consistente em "suprimir ou reduzir". Portanto, assim como no delito previsto no art. 168-A, não é necessário o animus "rem sibi habendi" para sua caracterização (AP 516, AYRES BRITTO, STF)
12 - As invencíveis dificuldades financeiras não restaram comprovadas. Impende ressaltar que a realidade econômico-financeira da sociedade supostamente em dificuldades precisa ser explicada documentalmente, de forma capaz de comprovar que elas não ocorreram por imprudência ou má condução dos negócios. Embora atribua os fatos à fraude cometida por seu contador, conforme já mencionado, quando do aventado pagamento das parcelas, os fatos criminosos já haviam sido consumados, ou seja, não servem para comprovar as dificuldades financeiras alegadas.
13 - O Juízo "a quo" majorou a pena base dos delitos com fundamento no prejuízo causado à vítima, por ser esta a Previdência Social, a qual cabe o resguardo da velhice e eventual infortúnio dos segurados, e pela habitualidade no crime, já que perdurou por toda atividade empresarial do réu. No entanto, observa-se que o fato da vítima ser a Previdência Social não pode servir como fundamento para majorar a pena, uma vez que se trata de circunstância intrínseca ao tipo penal. Da mesma forma, a qualidade de empresário do réu não pode ensejar uma culpabilidade exacerbada, como fundamentou a sentença, visto que o crime em comento pressupõe um responsável tributário, que no mais das vezes é de fato um empresário. No que diz respeito à habitualidade da conduta bem como ao valor total não recolhido, tais circunstâncias concernem à reiteração delituosa, não podendo ser considerados paralelamente para fins de justificar o aumento da pena-base, na medida em que serão utilizados na terceira fase da dosimetria da pena, por ocasião da causa de aumento, relativa ao artigo 71 do Código Penal. Com efeito, para fins de serem consideradas como negativas as consequências do delito (art.59, do Código Penal), é de ser avaliada a competência (valor) mês a mês de per si, tomando-se como base o maior deles, não se podendo valorar negativamente aquele quantum que a própria Administração declina do direito de cobrar (R$ 20.000,00). Assim sendo, aquele elemento (total da dívida) é avaliado na terceira fase da dosimetria da pena, na fase do art.71, do Código Penal, quando a hipótese assim o requer, - o que acontece no mais das vezes - , e a exasperação da pena imposta é reconhecida pela reiteração da prática criminosa e do total do valor não repassado.
14 - Importa frisar, que no presente caso, o valor omitido pelo crime do artigo 168-A do Código Penal atingiu o montante de R$ 124.318,01, e o crime do artigo 337-A do Código Penal, o montante de R$ 68.809,24, em 12/2010. Considerando que tais valores se referem a 37 competências, verifica-se que o maior valor mensal retido não exasperou o teto da atuação administrativa, elemento que nos autoriza a concluir que o fundamento usado pelo juiz para elevação da pena-base merece ser redimensionado.
15 - Dentro desse contexto, não restando quaisquer outras circunstâncias judiciais desfavoráveis ao réu, é de rigor a redução da pena base, de ambos os delitos, para o mínimo legal, ou seja, 02 anos de reclusão e 10 dias multa.
16 - Na segunda fase, apesar das atenuantes da confissão e maioridade, não há como reduzir a pena, nos termos da Súmula 231 do STJ.
17 - Na terceira fase, porém, deve ser afastado o concurso material decretado pelo Juízo "a quo". O posicionamento majoritário é no sentido de que em casos como o presente, deve-se aplicar a regra da continuidade delitiva e não de concurso material de crimes. Dessa forma, aplica-se a pena base de um só dos crimes, sobre a qual deve incidir a causa de aumento de pena do artigo 71 do Código Penal. Como a quantidade de eventos do artigo 337-A do Código Penal (37 eventos) abrange a quantidade de eventos do artigo 168-A do Código Penal (14 eventos), deve ser mantida a fração adotada na r.sentença, qual seja, 1/3 (um terço), restando, ao final, a pena definitivamente fixada em 02 anos e 08 meses e 13 dias multa.
18 - Nos moldes do art. 33, §2º, "c", do Código Penal, e não havendo circunstância que torne recomendável a fixação em regime mais gravoso, fixa-se o regime inicial aberto para o cumprimento da pena.
19 - Presentes os requisitos dos incisos I, II e III, do art. 44 do Código Penal, deve ser concedida a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, quais sejam, a prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de 10 salários mínimos, face à favorável capacidade econômica do réu, ambas as penas em favor de entidade com destinação social a ser designada pelo Juízo das Execuções Penais.
20 - Considerando que a pena cominada aos delitos, excluído o acréscimo dado pelo artigo 71 do Código Penal (Súmula 497 do STF), foi de 02 anos de reclusão, os quais prescrevem em 02 anos nos termos do artigo 109, inciso V, c/c artigo 115, do Código Penal, impõe-se reconhecer a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva, na modalidade retroativa, entre o recebimento da denúncia (09/02/2009) e a publicação da sentença condenatória (29/10/2012).
21 - Apelação parcialmente provida. Extinção de punibilidade decretada de ofício.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar as preliminares e, por maioria, dar parcial provimento ao recurso para reduzir as penas e fixar o regime inicial aberto, e, de ofício, afastar o concurso material para aplicar a continuidade delitiva entre os crimes do artigo 168-A e 337-A, ambos do Código Penal, resultando a pena de José Elias Moreira definitivamente fixada em 02 anos e 08 meses de reclusão e 13 dias multa, substituída a reprimenda corporal por duas penas restritivas de direitos e, por fim, ainda de ofício, decretar a extinção da punibilidade dos fatos imputados a José Elias Moreira, com fundamento no artigo 107, inciso IV, c.c. artigo 109, inciso V, 110, § 1º, e 115 todos do Código Penal, nos termos do voto da relatora, acompanhada pelo voto do Des. Fed. José Lunardelli, vencido o Des. Fed. Nino toldo que dava parcial provimento ao recurso da defesa de José Elias Moreira, em menor extensão, para reduzir a pena-base, porém reconhecer a existência de concurso material entre os crimes do art. 168-A e do art. 337-A do Código Penal, fixando sua pena definitiva em 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 26 (vinte e seis) dias-multa e estabelecendo o regime semiaberto para início do cumprimento da pena privativa de liberdade, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 25 de novembro de 2014.
CECILIA MELLO
Desembargadora Federal Relatora


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0003185-53.2006.4.03.6002/MS
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VOTO-VISTA

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Inicialmente, consigno que o Juiz Federal Convocado Leonel Ferreira elaborou minudente Relatório acerca das pretensões recursais veiculadas (fl. 449), posteriormente ratificado pela Desembargadora Federal CECILIA MELLO (Relatora), ao qual me reporto nesta manifestação.

Após o voto da Relatora, pedi vista para melhor analisar a discussão da aplicabilidade da continuidade delitiva ao invés da regra do concurso material na hipótese de cometimento dos crimes previstos no artigo 168-A e 337-A, ambos do Código Penal, questão trazida nestes autos.

De fato, os crimes de apropriação indébita previdenciária e sonegação de contribuição previdenciária, embora previstos em tipos penais diferentes, protegem o mesmo bem jurídico (a arrecadação de contribuições destinadas à Previdência Social).

Foram introduzidos no ordenamento jurídico pela mesma lei, de nº 9.983/00, e se assemelham quanto aos elementos objetivos e subjetivos.

Na medida em que são crimes da mesma espécie, a prática desses crimes, mês a mês, autoriza o reconhecimento da continuidade delitiva, devendo ser observada, na dosimetria da pena, a regra do artigo 71 do Código Penal: aplicar a pena de um só dos crimes, aumentada de 1/6 a 2/3.

Assim, analisando detidamente a questão, acompanho integralmente o voto da e. Relatora.

É como voto.


JOSÉ LUNARDELLI


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0003185-53.2006.4.03.6002/MS
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RELATORA : Desembargadora Federal CECILIA MELLO
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No. ORIG. : 00031855320064036002 2 Vr DOURADOS/MS

VOTO-VISTA

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO: Pedi vista dos autos para que melhor pudesse analisar a importante questão da aplicação, ou não, da tese da continuidade delitiva entre os crimes previstos no art. 168-A e 337-A do Código Penal, acolhida no voto da senhora relatora e no que foi acompanhada pelo senhor revisor. Trata-se de questão bastante relevante, com repercussão em processos a este semelhantes.


Pois bem. Relativamente ao tema, a relatora fundamentou seu voto da seguinte forma:


"Na terceira fase, porém, deve ser afastado o concurso material decretado pelo Juízo 'a quo'.
Não obstante entenda que os delitos do artigo 168-A e 337-A do Código Penal sejam diversos, tendo o réu, mediante mais de uma ação ou omissão, praticado dois crimes distintos, situação que se enquadra no artigo 69 do Código Penal, tal entendimento restou vencido no julgamento da Revisão Criminal nº 2009.03.00.018248-6 de relatoria do e. Desembargador Federal José Lunardelli, ocorrido em 06/03/2014.
Assim, com a ressalva do meu entendimento pessoal, acompanho o posicionamento majoritário, no sentido de que em casos como o presente, deve-se aplicar a regra da continuidade delitiva e não de concurso material de crimes.
Dessa forma, aplico a pena base de um só dos crimes, sobre a qual deve incidir a causa de aumento de pena do artigo 71 do Código Penal, de acordo com os parâmetros fixados pela colenda Segunda Turma: 'de dois meses a um ano de omissão no recolhimento das contribuições previdenciárias, o acréscimo é de 1/6 (um sexto); de um a dois anos de omissão, aumenta-se 1/5 (um quinto); de dois a três anos de omissão, ¼ (um quarto); de três a quatro anos de omissão, 1/3 (um terço); de quatro a cinco anos de omissão, ½ (um meio); e acima de cinco anos de omissão, 2/3 (dois terços) de aumento'. (TRF 3ª Região, Segunda Turma, ACR nº 11780, Rel. Des. Fed. Nelton dos Santos)"

O senhor revisor, por sua vez, assim se manifestou:


"Após o voto da Relatora, pedi vista para melhor analisar a discussão da aplicabilidade da continuidade delitiva ao invés da regra do concurso material na hipótese de cometimento dos crimes previstos no artigo 168-A e 337-A, ambos do Código Penal, questão trazida nestes autos.
De fato, os crimes de apropriação indébita previdenciária e sonegação de contribuição previdenciária, embora previstos em tipos penais diferentes, protegem o mesmo bem jurídico (a arrecadação de contribuições destinadas à Previdência Social).
Foram introduzidos no ordenamento jurídico pela mesma lei, de nº 9.983/2000, e se assemelham quanto aos elementos objetivos e subjetivos.
Na medida em que são crimes da mesma espécie, a prática desses crimes, mês a mês, autoriza o reconhecimento da continuidade delitiva, devendo ser observada, na dosimetria da pena, a regra do art. 71 do Código Penal: aplicar a pena de um só dos crimes, aumentada de 1/6 a 2/3."

Com a devida vênia, divirjo do entendimento manifestado nesses votos. Isto porque os delitos previstos no art. 168-A e 337-A do Código Penal, embora tutelem o mesmo bem jurídico (as fontes de custeio da seguridade social ou, resumidamente, a seguridade social), possuem maneira de execução diversa, o que impede a aplicação da ficção do crime continuado.


Com efeito, assim dispõe o art. 71 do Código Penal:


"Art. 71. Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços."

Da leitura desse dispositivo, depreende-se que as ações ou omissões devem caracterizar-se por implicarem crime da mesma espécie, tendo por ponto comum as condições de (i) tempo, (ii) lugar, (iii) maneira de execução e (iv) outras semelhantes, devendo os crimes subsequentes ser entendidos como continuação do primeiro. Só assim, pode haver crime continuado.


Pois bem. No caso dos crimes previstos no art. 168-A (apropriação indébita previdenciária) e 337-A (sonegação de contribuição previdenciária) do Código Penal, embora estejam previstos em lugares diversos no Código (crime contra o patrimônio e crime contra a Administração Pública, respectivamente), não há dúvida de que são da mesma espécie por tutelarem ambos o mesmo bem jurídico, ou seja, a seguridade social.


Por essa razão, encontram-se julgados, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, no sentido da possibilidade de a eles ser aplicada a ficção do crime continuado.


No entanto, penso que sejam crimes diferentes pela sua maneira de execução, o que impede essa aplicação, sob pena de perpetrar-se injustiça.


Explico.


O crime previsto no art. 168-A, mal posicionado e mal denominado crime de apropriação indébita previdenciária, é um crime omissivo próprio, que se perfaz pela simples falta de recolhimento, pelo substituto tributário, das contribuições recolhidas (ou descontadas) dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional.


Já no crime do art. 337-A, a conduta é comissiva, ou seja, o agente pratica, deliberadamente, uma ou mais das condutas descritas nos incisos que levam à supressão ou redução de contribuição social previdenciária.


Veja-se que são maneiras de execução completamente diferentes. Uma é a mera omissão, que não necessariamente decorre da intenção de fraudar a seguridade social; outra, bem diversa, é a conduta comissiva que tem, como pressuposto, fraudar a seguridade social.


Um exemplo contribuirá para aclarar meu raciocínio.


Imagine-se que a empresa A escriture corretamente sua folha de salários, desconte o valor da contribuição previdenciária dos empregados (os verdadeiros contribuintes do tributo), mas que, por uma circunstância financeira adversa, deixe de efetuar o pagamento dessas contribuições. Pela dicção do art. 168-A do Código Penal, no momento em que houve a falta de recolhimento, o crime consumou-se, ainda que não tenha havido a intenção de fraude.


Numa outra situação, a empresa B omite da folha de pagamento determinado número de empregados ou deixa de lançar as quantias descontadas dos empregados, visando, com isso, diminuir o montante de tributo que tenha de pagar. Nessa hipótese, houve evidente intenção de fraude.


As situações são semelhantes e devem ter o mesmo tratamento?


Penso que não. Embora as penas cominadas a esses delitos sejam idênticas (reclusão, de dois a cinco anos, e multa), vejo entre ambos uma significativa diferença, especialmente quanto à sua maneira de execução, o que impede que se dê ao agente o tratamento mais benéfico do crime continuado.


Na primeira hipótese acima exemplificada, pode haver um agente que não tenha tido a intenção de fraudar o fisco, mas que apenas não tenha recolhido a contribuição por falta de disponibilidade financeira. Isso é até comum ocorrer.


Na segunda hipótese, necessariamente há um agente que teve a intenção de fraudar a seguridade social, sonegando tributos mediante omissão de informações relevantes e, em razão disso, distorcendo o fato gerador.


A aplicar-se a continuidade delitiva, dar-se-á o mesmo tratamento a um mero inadimplente e a um sonegador, sendo este beneficiado - injustamente a meu sentir - por uma interpretação mais elástica da figura do crime continuado.


Para mim, essa injustiça não ocorre se essas situações forem entendidas como concurso material, que, ao meu ver, é a interpretação correta, com a devida vênia dos pensamentos contrários.


Os crimes do art. 168-A e do 337-A são crimes diversos e, como tais, quando ocorrem simultaneamente, como no caso em exame, caracterizam concurso material.


Observo, por oportuno, que na Revisão Criminal a que se referiu a Relatora (2009.03.00.018248-6/SP), filiar-me-ia à tese vencida, mas naquela ocasião não participei do julgamento, além do que, com a criação da Quarta Seção, especializada em matéria criminal, o tema poderá ser reexaminado.


Além disso, embora ciente de precedentes do Superior Tribunal de Justiça na linha de conclusão da aplicação da continuidade delitiva entre os crimes do art. 168-A e 337-A do Código Penal (REsp nº 1.212.911/RS, Sexta Turma, v.u., Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 20.03.2012, DJe 09.04.2012; REsp nº 859.050/RS, Sexta Turma, v.u., Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, j. 03.12.2013, DJe 13.12.2013), o fato é que há importante precedente do Supremo Tribunal Federal em sentido contrário.


Com efeito, ao julgar a AP nº 516/DF, de relatoria do Min. Ayres Britto, o Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária e por unanimidade de votos, julgou procedente a ação penal originária e reconheceu a existência de concurso material entre os crimes do art. 168-A e 337-A do Código Penal.


Por ser longa a ementa, transcreverei apenas as partes dela que interessam ao raciocínio desenvolvido neste voto:


AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. CRIMES DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA E SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA (INCISO I DO § 1º DO ART. 168-A E INCISO III DO ART. 337-A, AMBOS DO CÓDIGO PENAL). CONTINUIDADE DELITIVA E CONCURSO MATERIAL. ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO. DOLO ESPECÍFICO. NÃO-EXIGÊNCIA PARA AMBAS AS FIGURAS TÍPICAS. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS EM RELAÇÃO AO CO-RÉU DETENTOR DO FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. PRECÁRIA CONDIÇÃO FINANCEIRA DA EMPRESA. EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. NÃO-COMPROVAÇÃO. INAPLICABILIDADE AO DELITO DE SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. PROCEDÊNCIA DA ACUSAÇÃO. ABSOLVIÇÃO DA CO-RÉ . INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. PENA DE 3 (TRÊS) ANOS E 6 (SEIS) MESES DE RECLUSÃO E 30 (TRINTA) DIAS-MULTA, PARA CADA DELITO, TOTALIZANDO 7 (SETE) ANOS DE RECLUSÃO E 60 (SESSENTA) DIAS-MULTA, FIXADOS EM ½ (UM MEIO) SALÁRIO MÍNIMO. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DA PENA. SEMI-ABERTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. SURSIS. DESCABIMENTO.
(...)
11. A continuidade delitiva se configura pela sucessão de crimes autônomos de idêntica espécie - praticados nas mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução - e que se considera um só crime por fictio iuris (ficção de direito).
(...)
13. Réu condenado à pena-base de 3 (três) anos de reclusão e 30 (trinta) dias-multa, para cada delito, que, na ausência de circunstâncias atenuantes e agravantes e aumentada de 1/6 (um sexto) ante a continuidade delitiva, foi tornada definitiva em 3 (três) anos e 6 (seis) meses e 30 (trinta) dias-multa. Pena que, somada, devido ao concurso material, totalizou 7 (sete) anos de reclusão e 60 (sessenta) dias-multa, fixados no valor unitário de ½ (um meio) salário mínimo, vigente em agosto de 2002 (término da continuidade delitiva), atualizados monetariamente desde então. Fixação do regime semi-aberto para o início do cumprimento da pena, seguido do reconhecimento da impossibilidade de conversão das penas privativas de liberdade por restritivas de direitos ou da falta de direito ao sursis da pena. 14. Co-ré absolvida por insuficiência de provas, nos termos do inciso V do art. 386 do Código de Processo Penal.
(AP 516, Pleno, v.u., Rel. Min. Ayres Britto, j. 27.09.2010, DJe-235 DIVULG 03-12-2010 PUBLIC 06-12-2010 REPUBLICAÇÃO: DJe-180 DIVULG 19-09-2011 PUBLIC 20-09-2011 EMENT VOL-02590-01 PP-00001; destaquei)

É importante frisar que, na dosimetria da pena, o Supremo Tribunal Federal considerou a continuidade delitiva em cada um dos crimes (art. 168-A e art. 337-A do Código Penal) e, ao final, somou as penas aplicadas em razão do concurso material. Isso é significativo porque a continuidade delitiva caracterizou-se para cada um dos crimes, isoladamente.


Penso, enfim, que essa seja a melhor solução.


Portanto, no caso em exame, acompanho a relatora na rejeição das questões preliminares e, no mérito, quanto à materialidade e autoria. Na dosimetria da pena, também a acompanho na fixação da pena-base no mínimo legal, porém considero o seu cálculo para cada um dos crimes - com o aumento de 1/3 (um terço) a cada um dos delitos (CP, art. 71), visto que igual o número de competências - e, levando-se em conta o concurso material, procedo à soma das penas aplicadas para cada um deles (2 anos e 8 meses de reclusão e 13 dias-multa), totalizando a pena definitiva em 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 26 (vinte e seis) dias-multa. Mantenho o regime semiaberto para início do cumprimento da pena privativa da liberdade, como fixado na sentença.


Posto isso, rejeito as preliminares e, no mérito, DOU PARCIAL provimento ao recurso da defesa de JOSÉ ELIAS MOREIRA para reduzir a pena-base, porém reconhecer a existência de concurso material entre os crimes do art. 168-A e do art. 337-A do Código Penal, fixando sua pena definitiva em 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 26 (vinte e seis) dias-multa e estabelecendo o regime semiaberto para início do cumprimento da pena privativa de liberdade.


É o voto.


NINO TOLDO
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0003185-53.2006.4.03.6002/MS
2006.60.02.003185-4/MS
RELATOR : Juiz Federal Convocado LEONEL FERREIRA
APELANTE : JOSE ELIAS MOREIRA
ADVOGADO : MS011327 FELIPE CAZUO AZUMA e outro
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00031855320064036002 2 Vr DOURADOS/MS

RELATÓRIO


EXMO. SR. JUIZ FEDERAL CONVOCADO LEONEL FERREIRA:

Trata-se de apelação criminal interposta por JOSÉ ELIAS MOREIRA, contra a r. sentença de fls. 359/369 (publicada em 29/10/2012 - fls. 370), que o condenou, em concurso material, pela prática dos crimes previstos no artigo 168-A, §1º, inciso I, e artigo 337-A, incisos I e III, ambos c/c artigo 71 do Código Penal, à pena total de 06 anos, 02 meses e 20 dias de reclusão em regime inicial semiaberto e 292 dias multa, no valor unitário de 01 salário mínimo. Vedada a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito.

Narra a denúncia (recebida e publicada em 09/02/2009 - fls. 87) que JOSÉ ELIAS MOREIRA, na qualidade de sócio proprietário e responsável pela administração da empresa Rádio Dourados do Sul, localizada na cidade de Dourados/MS, deixou de recolher aos cofres públicos as contribuições previdenciárias descontadas de seus empregados, no período compreendido entre 08/1998 a 04/2006, com exceção das competências referentes aos meses 02/1999, 05/2000, 07/2001, 08/2001, 09/2001 e 10/2001, no valor total de R$ 55.917,05 (atualizado com juros e multa até 10/11/2006), conforme consta da Notificação Fiscal de Lançamento de Débito - NFLD de nº 35.402.346-2 (fls. 96). Narra, também, que o denunciado suprimiu e reduziu contribuições previdenciárias devidas aos cofres previdenciários ao não declarar os respectivos fatos geradores em GPIF - Guia de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência Social, omitindo, nesse caso, segurados empregados em sua folha de pagamento, nas competências de 08/1998 a 04/2006, com exceção das competências referentes aos meses 02/1999, 03/2000, 04/2000, 05/2000, 06/2000, 03/2002, 01/2003 e 02/2003, no valor total de R$ 125.471,93 (atualizado com juros e multa até 10/11/2006), conforme consta da Notificação Fiscal de Lançamento de Débito - NFLD de nº 35.402.345-4 (fls. 46).

Os créditos tributários referentes às NFLD's mencionadas foram inscritos na Dívida Ativa da União em 29/09/2006 e não foram objeto de quitação ou parcelamento até a data de 17/12/2010, nos termos das informações prestadas pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional de Dourados/MS (fls. 173/176).

O Juízo "a quo" declarou extinta a punibilidade do réu em relação aos crimes previstos nos artigos 168-A, §1º e 337, A, incisos I e III, ambos do Código Penal, referente às competências anteriores a 09/02/2003, pelo advento da prescrição da pretensão punitiva estatal (fls. 178/180).

Nas razões de apelação, a defesa requer, preliminarmente, a nulidade absoluta do processo, após a citação do réu, em razão da ausência de intimação dos seus advogados constituídos para que oferecessem resposta à acusação, bem como a nulidade da sentença por ofensa ao Princípio da Identidade Física do Juiz. No mérito, protesta pela absolvição do réu, nos termos do artigo 386, incisos V e VI, do Código de Processo Penal, diante da ausência de provas de autoria e dolo, uma vez que o réu foi induzido em erro pelo seu ex-contador, situação, aliás, que lhe isenta de pena, nos termos do artigo 20, §1º, do Código Penal. Requer, ainda, o reconhecimento do Estado de Necessidade e da tese de Inexigibilidade de Conduta Diversa. Com relação ao crime do artigo 337-A, inciso I, do Código Penal, acrescenta que o Magistrado não levou em consideração os pagamentos já realizados. Subsidiariamente, requer a redução de suas penas bases, inclusive pena de multa, o aumento da fração de redução das atenuantes, a diminuição da fração de aumento referente à continuidade delitiva e o reconhecimento da causa de diminuição de pena referente ao Estado de Necessidade (fls. 398/431).

Contrarrazões apresentadas (fls. 433/437).

Nesta Corte, a Procuradoria Regional da República opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 440/448).

É relatório.

À revisão.


LEONEL FERREIRA
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0003185-53.2006.4.03.6002/MS
2006.60.02.003185-4/MS
RELATORA : Desembargadora Federal CECILIA MELLO
APELANTE : JOSE ELIAS MOREIRA
ADVOGADO : MS011327 FELIPE CAZUO AZUMA e outro
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00031855320064036002 2 Vr DOURADOS/MS

VOTO

EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL CECILIA MELLO:

Ratifico o Relatório.

Inicialmente, observo que o réu requereu às fls. 452/463 a extinção de sua punibilidade, ou subsidiariamente, a suspensão da pretensão punitiva estatal, diante de sua adesão ao parcelamento dos débitos previdenciários.

Observo, no entanto, que os documentos comprobatórios juntados não comprovam efetivamente a quais débitos se referem o parcelamento.

Diante disso, tendo em vista que nada obsta que tal comprovação seja feita "a posteriori", deixo de converter o feito em diligência e prossigo no julgamento.

Preliminarmente, ainda, retifico meu posicionamento acerca da natureza jurídica do crime do artigo 168-A do Código Penal.

Como é sabido, filiava-me ao entendimento de que o crime de apropriação indébita previdenciária era de natureza material, ou seja, somente se aperfeiçoava com a constituição definitiva do crédito tributário.

No entanto, curvo-me ao entendimento majoritário firmado pela novel C. 11ª Turma desta Corte Regional, que considera tal crime de natureza formal.

Com efeito, para a configuração do delito de apropriação indébita previdenciária basta o dolo genérico. Tratando-se de tipo omissivo, não se exige o "animus rem sibi habendi", sendo suficiente à sua consumação, o efetivo desconto e o não recolhimento do tributo no prazo legal, uma vez que a consumação do delito se dá com a mera ausência de recolhimento dessas contribuições.

Desnecessária, portanto, a comprovação da efetiva apropriação do numerário pelo réu, tampouco o seu propósito de fraudar ou de causar dano à Previdência Social.

Dentro desse raciocínio, considerando que basta a omissão para a consumação, entende-se que é prescindível o esgotamento da via administrativa (Precedentes: RHC 17.018, STJ, Rel. Min. Arnaldo Esteves de Lima, 5ª Turma, DJ. 20.06.2005; HC 21994, TRF/3ª Região, Rel. Des. Fed. Vesna Kolmar, 2007.61.23.000641-0/SP, DJ 13/12/2011).

Por outro lado, vale ressaltar que o crime previsto no artigo 337-A do Código Penal deve ser considerado crime de natureza material, nos termos da Súmula 24 do Supremo Tribunal Federal, que assim dispõe:

"Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo."

Isso porque, a lei 9.983/2000, que incluiu o crime de sonegação de contribuição previdenciária no artigo 337-A do Código Penal, apenas transmudou a base legal da imputação do crime previsto na lei 8.137/90, sem alterar os seus contornos, sendo mantido, inclusive, o preceito secundário, de reclusão de 02 a 05 anos, e multa, havendo, portanto, continuidade normativo-típica.

Assim, a consumação dos delitos previstos no artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90 e no artigo 337-A do Código Penal se dá com a constituição definitiva do crédito tributário, cuidando-se de crime material.

Pois bem.

Feita essa introdução, anoto que se trata de réu maior de 70 anos de idade, conforme prova o documento de identidade acostado às fls. 54, indicando a data de seu nascimento em 20/07/1940.

Considerando que não há recurso da acusação e que a pena privativa de liberdade de cada crime pelo qual o réu foi condenado equivale a 02 anos e 04 meses de reclusão (excetuado o cômputo da continuidade delitiva - Súmula 497, STF), o prazo prescricional regula-se pelo preceituado no artigo 109, inciso IV, c/c artigo 115, ambos do Código Penal, ou seja, 04 anos.

Assim, tendo em vista que os fatos referem-se ao período compreendido entre 09/02/2003 a 04/2006, verifico que, para o crime do artigo 168-A, do Código Penal, os fatos anteriores a 09/02/2005 em relação à data do recebimento da denúncia (09/02/2009) estão prescritos.

Reconheço, portanto, de ofício, a extinção de punibilidade referente ao crime do artigo 168-A do Código Penal, dos fatos anteriores a 09/02/2005, nos termos dos artigos 107, inciso IV, 109, inciso IV, c/c 115, todos do Código Penal.

Remanesce, portanto, para o crime de apropriação indébita previdenciária, a persecução penal relativa somente ao período posterior a 09/02/2005 e até 04/2006 (14 eventos).

Para o crime do artigo 337-A do Código Penal, no entanto, como o crédito tributário se aperfeiçoou definitivamente em 29/06/2006 (fls. 173/176), verifica-se que não transcorreu lapso temporal superior a 04 anos entre quaisquer dos marcos interruptivos da prescrição, restando a persecução penal relativa a esse crime para o período de 03/2003 a 04/2006 - 37 eventos (já que o mês de fevereiro de 2003 foi excluído na denúncia).

Passo, então, à análise das preliminares arguidas.

Inicialmente, o réu protesta pela nulidade do processo em razão da ausência de intimação dos seus advogados constituídos para que oferecessem resposta à acusação.

Sem razão, contudo.

Observo que o Juízo "a quo", ao receber a denúncia, em 09/02/2009, determinou a citação do réu para apresentar defesa prévia ou exceções, no prazo de 10 dias, bem como declarar se necessitava ou não da nomeação de advogado dativo (fls. 87).

O réu foi citado/intimado dessa decisão em 15/07/2009, tendo, na ocasião, declarado ao oficial executante de mandados, que não desejava a nomeação de advogado dativo, pois já possuía advogado (fls. 104/105).

Em 05/04/2010, equivocadamente, o Juízo "a quo" nomeou advogado dativo para a defesa do réu, intimando-o para apresentar defesa prévia em 10 dias (fls. 118), sendo o réu intimado dessa decisão em 04/06/2010 (fls. 128).

A advogada dativa nomeada, atentando para o equívoco, alertou o Juízo "a quo", apresentando, porém, a defesa prévia do réu (fls. 124/126).

O Juízo "a quo", então, determinou nova intimação do réu, para que se manifestasse acerca do interesse na constituição de defensor próprio, sendo alertado de que a ausência de manifestação acarretaria a manutenção de sua defesa por advogado dativo (fls. 130).

O réu constituiu advogado próprio em 19/07/2010 (fls. 131/132).

A defesa constituída pelo réu foi intimada para apresentar defesa prévia, e a advogada dativa, representante do réu até então, foi destituída (fls. 133).

A defesa, então, apesar de não juntar qualquer documento, alegou que o réu já havia quitado os créditos tributários pelo qual estava sendo processado, apresentando receio de que seu cliente estava sendo vítima de seu contador, que estava sendo processado por falsificação de recibos de pagamento de impostos em outro processo. Requereu, assim, a expedição de ofício para as instituições bancárias constantes dos recibos de quitação dos créditos tributários em questão, a fim de que esclarecessem sobre a autenticidade dos mesmos (fls. 137/138).

Intimada para que apresentasse em 10 dias os documentos e informações mencionados na petição de fls. 137/138 (fls. 139), a defesa trouxe aos autos a representação criminal efetuada pela Radio Dourados do Sul Ltda, bem como o auto de prisão em flagrante e denúncia em face do indigitado contador, protestando pelo regular andamento desse feito (fls. 143/165).

Deferido o pedido formulado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional em Dourados informou que os débitos previdenciários constantes das NFLD's de nº 35.402.345-4 e 35.402.346-2 não foram objetos de parcelamento ou quitação, sendo inscritos na Dívida Ativa da União em 20/09/2006 (fls. 173/176).

Com base nesse cenário, o Juízo "a quo", em 14/02/2011 (data da publicação em secretaria) indeferiu o pedido de expedição de ofícios às instituições bancárias, diante da não indicação de quais recibos de quitação se buscava averiguar a autenticidade, atentando para o fato de que os que estavam acostados aos autos (fls. 24/27 e 61 - IPL) diziam respeito a competências posteriores e estranhas aos fatos em apreço, determinando, assim, o prosseguimento da ação para oitiva de testemunhas e interrogatório do réu (fls. 179/180).

Aos 29/03/2011, o réu trouxe aos autos a revogação de mandado de seu advogado até então constituído, constituindo novo patrono (fls. 183/189).

Como se vê, nenhuma irregularidade ocorreu no desenrolar dessa fase processual.

Embora se verifique a existência de pequena confusão quanto à necessidade de nomeação de advogado dativo, fato é que o réu foi devidamente intimado para apresentar defesa prévia, na mesma ocasião em que afirmou já possuir advogado próprio. No entanto, deixou transcorrer "in albis" o prazo para apresentação da mencionada peça processual e, apesar de ciente de que havia sido nomeado advogado dativo, não se manifestou a respeito.

Posteriormente, a defesa nomeada pelo réu foi intimada para apresentar defesa prévia, e, apesar de requerer algumas diligências, não trouxe aos autos os documentos solicitados pelo Juízo "a quo", o que acabou por inviabilizar seu pedido, não apresentando, de qualquer forma, resposta à acusação.

Dessa forma, havendo determinação para apresentação de defesa prévia não cumprida por parte da defesa constituída, não há falar que a constituição de novos advogados por parte do réu obrigaria uma nova determinação para apresentação da peça processual, mormente porque a mesma já havia sido apresentada por advogado dativo (fls. 124/126).

Assim, tendo em vista que a defesa constituída pelo réu não apresentou defesa prévia, sendo esta regularmente apresentada pela advogada dativa que representava o réu naquele momento processual, não há que se falar em nulidade do processo, muito menos em prejuízo para a defesa.

Preliminar rejeitada.

A defesa requer, também, a nulidade da sentença por ofensa ao Princípio da Identidade Física do Juiz.

Tal princípio está previsto no artigo 399, §2º, do Código de Processo Penal e reza que o Juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença.

No entanto, esse princípio não é absoluto, podendo a sentença penal ser proferida por outro Juiz quando aquele que presidiu a instrução criminal for substituído por força de ato administrativo do Tribunal a que está vinculado.

Na hipótese, o magistrado que promoveu a instrução criminal era juiz substituto, o qual foi removido (fls. 435v), hipótese excepcionada pelo artigo (artigo 132 do Código de Processo Civil c/c artigo 3º do Código Penal).

Nesse sentido:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. RECORRENTES S ENTENCIADOS POR MAGISTRADO DIVERSO DAQUELE QUE PRESIDIU A INSTRUÇÃO CRIMINAL. V IOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. NÃO OCORRÊNCIA. APLICAÇÃO AN ALÓGICA DO ART. 132 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. CONCLUSÃO DOS AUTOS QUANDO O JUIZ TITULAR ENCO NTRAVA-SE EM GOZO DE FÉRIAS. RECURSO IMPROVIDO. I - O princípio da identidade física do juiz (art. 399, § 2º, do CPP) deve ser aplicado com temperamentos, de modo que a sentença só deverá ser anulada no s casos em que houver um prejuízo flagrante para o réu ou uma incompatibilidade entre aquilo que foi colhido na instrução e o que foi decidido. Precedentes. II - Os autos foram conclusos para sentença quando o magistrado titular enc ontrava-se em gozo de férias, situação que se enquadra na expressão "afastado p or qualquer motivo" disposta no art. 132 do Código de Processo Civil, que deve ser aplicado por analogia ao processo penal (art. 3º do CPP). III - Recurso ordinário improvido.(RHC 116205, RICARDO LEWANDOWSKI, STF.)

Rejeitadas as preliminares arguidas, passo ao exame do mérito do recurso.

Em virtude de fiscalização realizada pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS realizada em face da empresa Rádio Dourados do Sul, constatou-se que a empresa havia efetuado retenção de contribuições descontadas dos seguros empregados, deixando de efetuar os recolhimentos de tais valores nos prazos legais. Os fatos foram apurados com base no confronto entre as folhas de pagamento da empresa e a falta de repasse dos valores retidos para a autarquia previdenciária (artigo 168-A, do Código Penal).

Nessa mesma fiscalização, constatou-se, também, que a empresa omitiu total e parcialmente das Guias de Recolhimento ao Fundo de Garantia e Informações à Previdência Social - GFIP, empregados e respectivas remunerações, o que redundou na supressão (competências 01 a 04/2006) e na redução (nas demais competências) da contribuição previdenciária. Tais constatações foram feitas no curso da Auditoria Fiscal, através do exame das folhas de pagamento, fichas financeiras dos empregados, das GFIPs e consulta aos sistemas internos da Previdência Social, nos quais ficou comprovada a ausência de dados, bem como dados não correspondentes aos fatos geradores de todas as contribuições previdenciárias (artigo 337-A do Código Penal).

A NFLD de nº 35.402.345-4 diz respeito à conduta do artigo 168-A, §1º, do Código Penal.

A NFLD de nº 35.402.346-2 diz respeito à conduta do artigo 337-A, do Código Penal.

As materialidades de ambos os crimes restaram devidamente comprovadas por meio do procedimento administrativo fiscal e documentos que o compõe constantes do apenso I, notadamente, pelas cópias das NFLD's de nº 35.402.345-4, consolidada em 05/05/2006, no valor principal de R$ 62.371,56 (fls. 46) e NFLD de nº 35.402.346-2, consolidada na mesma data, no valor principal de R$ 26.767,17 (fls. 96); relação de segurados e contribuições não declaradas (fls. 10/20); bem como, pela constituição definitiva e ausência de discussão administrativa, quitação ou parcelamento dos créditos tributários (fls. 45/49 e 173/176 autos principais).

Caracterizadas, portanto, as materialidades delitivas dos crimes em comento.

A autoria também está devidamente comprovada, assim como o elemento subjetivo do tipo e a consciência da ilicitude, para ambos os crimes.

A empresa foi constituída em 10/07/1978 (fls. 21/38-apenso) e desde sua constituição o réu já participava de seu quadro societário.

Em seu interrogatório policial e judicial, assumiu a responsabilidade exclusiva pela administração da empresa, bem como a responsabilidade pelo pagamento das contribuições previdenciárias, atribuindo sua conduta à grande dificuldade financeira atravessada pela empresa (fls. 20/21, 56/57 e 219/220-áudio).

Os sócios Walter Banedito Carneiro e Lidiane Carneiro Moreira negaram qualquer ato de gestão na empresa, afirmando que era o réu quem sempre esteve à frente dos negócios (fls. 22 e 42/41).

Inicialmente, em 09/2006, o réu declarou que a NFLD nº 35402345-4 havia sido parcelada em 130 meses e a NFLD 35402346-2 estava sendo paga na ordem de R$ 10.000,00 por mês, tendo já pagado R$ 40.0000,00, faltando apenas uma parcela que seria paga em 30 dias (fls. 20/21)

Para provar tais pagamentos e parcelamentos juntou aos autos os documentos de fls. 24/33, 43 e 61.

No entanto, a Procuradoria Federal Especializada -INSS informou, em 11/2006, que ambas as NFLD's em questão estavam inscritas na dívida ativa, sem registro de pagamento total ou parcial. Asseverou que os créditos encontravam-se parcelados pela Lei 10.684/2003, sento tal parcelamento rescindido em 04/10/2006, inexistindo parcelamento em vigor para empresa, restando, ainda, além dos citados, outros débitos pendentes (fls. 45/49).

Posteriormente, em 11/2006, a Procuradoria complementou suas informações, asseverando que a empresa Radio Dourados do Sul Ltda apresentou pedido de parcelamento de nº 36736.003048/2006.16, 3736.003059/2006-04, 36736.003049/2006-61, que foram indeferidos pela Receita Previdenciária de Dourados, uma vez que a empresa não comprovou os recolhimentos da 1ª e 2ª parcelas (fls. 51/54).

Às fls. 137/165, a defesa informou que o réu provavelmente estava sendo vítima de seu contador (Wilson Fernando de Lima), que teria falsificado os recibos de pagamentos de impostos que realizou até então.

Tal pessoa foi presa em flagrante no dia 15/04/2010, após denúncia do réu às autoridades policiais, quando o contador simulou o pagamento de uma "Darf", em nome da Rádio Dourado do Sul Ltda, sendo o mesmo denunciado pela prática do crime previsto no artigo 293, inciso V, e §1º, inciso I, e artigo 171, caput, do Código Penal (autos de nº 0001658-27.2010.403.6002 - 1ª Vara Federal de Dourados/MS).

Em consulta processual junto ao "site" da Justiça Federal de Mato Grosso do Sul, observo que em 10/04/2013, o processo pelo qual responde Wilson Fernando de Lima foi encaminhado para a Justiça Estadual, face ao reconhecimento de inexistência de lesão à autarquia previdenciária, sendo declinada a incompetência da Justiça Federal.

Em seu interrogatório judicial, o réu, então, apesar de afirmar que de fato não recolheu as contribuições previdenciárias, preferindo outros pagamentos em detrimento dos tributos, em virtude das dificuldades financeiras da empresa, declarou que foi induzido a erro pelo contador da empresa, uma vez que chegou a efetuar os pagamentos dos parcelamentos requeridos junto à Autarquia Previdenciária, entregando o dinheiro a tal pessoa, que falsificou as GRPs dos recolhimentos.

Colaciono a transcrição de seu interrogatório judicial feita na sentença (fls. 362/363):

"(...) que tem conhecimento da acusação dos autos. A acusação é verdadeira em parte, porque tinha ciência que o não recolhimento seria crime. Em contrapartida, uma emissora de rádio, funcionando, sobretudo aqui em Dourados, é uma empresa que não são como as outras (...) são pessoas muito especializadas. Então a rádio numa dificuldade econômica que passava a região de Dourados, houve quatro anos seguidos na safra colheu-se 30% e houve uma queda na economia da região. Depois entrou a febre aftosa, veio a gripe aviária e assim por diante, então as empresas que anunciavam pararam de anunciar. E outra coisa, começaram a abrir várias outras empresas de rádio, de FM e a do interrogado é AM, então caiu muito o faturamento da empresa e determinou dentro da rádio que em primeiro lugar se pagasse os funcionários da rádio, porque se não pagasse sairia um e são pessoas especializada e custaria mais para contratar outro, porque aqui em Dourados não teria esse tipo de pessoa qualificada. Então, em primeiro lugar paga-se os funcionários. Em segundo lugar paga luz elétrica, porque sem luz... e em terceiro recolha as contribuições obrigatórias, FGTS, INSS e assim por diante. Ocorre que o não faturamento da rádio, foi passando por muitos momentos difíceis e o interrogado ficou pensando se parava, fechava, e pensou nos funcionários que iriam perder os salários. E depois pensou como é difícil achar pessoa especializada e também difícil achar emprego na cidade. E ficou segurando, colocando recursos de fora da rádio para poder segurar um pouco essa situação para poder mantê-la. Mas tinha ciência que tinha que recolher. (...) A crise começou em 1994 até 2005, aqui na região foi muito grande, depois da falta de água, entrou na crise da aftosa... A crise da emissora está com dificuldade até hoje, por outros motivos, por ser emissora AM, o governo estuda para passar tudo para FM, uma linha só, porque quando passa por faixa da FM não muda para entrar em AM e isso causa uma queda no faturamento, muito grande, e a despesa da AM é maior, a despesa de uma AM é maior que a FM, e assim encontrou umas sérias de dificuldade para poder mantê-la. E precisa acertar as contas para depois ver o que faz com a rádio. Tentou parcelar a dívida. E teve duas fazes, tinha um contador, na qual depositava inteira confiança, repassava os recursos para ele para ele pagar e este não pagou, a ponto de ir até a Polícia Federal em duas oportunidades, uma delas disse o que esta declarando aqui, e que queria pagar se fosse parcelado. E quando fez as quatro prestações voltou a falar a ele, levou os comprovantes das quatro recolhidas, e faltava mais uma, e mostrou que tinha entrado no REFIS que totalizada em quinhentos reais mensais todos os débitos que tinha. O que deu um alívio muito grande, e apesar de estar disposto a vender a rádio, mas depois desse pagamento já não queria mais vender, porque daria para ficar com rádio, pagando quinhentos reais, pensou, agora tem condição de manter a rádio. (...) que foi à agência da CEF e mostrou as guias autenticadas e o gerente após análise informou que era falsa, dizendo que tinha que enviar para a polícia federal. Na hora levou um susto e pensou que era gente da caixa ou da receita, jamais desconfiou que foi o contador. Foi a polícia federal e informou o ocorrido e depois foi apurado que ele estava falsificando as notas da rádio, há quantos anos, e levou quase 200mil do depoente e foi ver o patrimônio dele e não tem nada. E agora vai ter que pagar de novo. Nomeou um novo contador e foi na receita para saber outros débitos... para saber sobre outros débitos, se existe, para negociar com o governo federal. (...) e o contador foi com o interrogado no delegado federal entregar as notas e até estas estão falsificadas. (...) a falsificação era de tudo, não só do parcelamento. Está fazendo o levantamento, a própria polícia federal ajudou bastante para poder saber o que recolheu e o que não foi recolhido. Ele foi contador por 10 anos, até ser preso. Soube que depois desse caso soube que ele tinha outro processo... Em 2003 ele era contador e foi quem efetuou todos os pagamentos. (...) Que ele também não solicitou o último refis, que iria pagar aproximadamente cem reais. (...) houve um parcelamento cujas guias foram falsificadas e o interrogado repassou o recurso. Em relação a esse débito de R$ 55mil repassou e o contador pegou os comprovantes e repassou para o interrogado e levou ao Delegado Federal e Wilson estava junto. Então esse débito não foi pago porque o contador praticou esse desvio (...). Na época em que houve esse débito muitas vezes teve que por dinheiro do bolso na rádio e também para pagar a receita. Vendeu vaca, até vaca prenha e teve prejuízo. O Sr. Wilson era o responsável pelo parcelamento das dívidas. Era pessoa de dentro da casa do interrogado, de almoçar. (...) O interrogado foi político e quando teve o crédito negado de pagar, em primeiro momento jamais desconfiou do contador, pensou que fosse alguém da caixa ou de um órgão federal qualquer... porque estavam com carimbo, os números da receita federal e não sabe de onde ele falsificou, a ponto de um gerente da caixa de início não ver nenhuma irregularidade, pessoa que trabalho com isso, imagine pessoas como o interrogado que não está acostumado... Pensou também que fosse represália política e foi até o governador e foi na agência para ver e quase foi preso porque estava mentindo para Receita há quantos anos.

De tudo isso, concluo, sendo verdade ou não que o réu foi vítima de seu contador, fato é que o réu, incontestavelmente, não repassou ao INSS as contribuições previdenciárias recolhidas de seus empregados, bem como não declarou seus segurados empregados na folha de pagamento da empresa e GFIP.

O réu, em nenhum momento, se esquivou desses fatos, atribuindo-os à crise econômica que passava a região da cidade de Dourados/MS, que consequentemente refletiu no faturamento da empresa.

Assim, eventual fraude sofrida pela falsificação dos pagamentos em tese realizados para a Autarquia Previdenciária, após as omissões delituosas e constituição definitiva do crédito tributário, não tem o condão de desconstituir os fatos típicos efetivamente consumados.

Ademais, conforme bem reconheceu o Juízo da 1ª Vara Federal de Dourados/MS, nos autos de nº 0001658-27.2010.403.6002, a falsificação de guias de arrecadação de tributos federais (DARFs) tinha como objetivo comprovar à empresa privada o recolhimento dos valores que o contador se apropriara, não existindo prejuízo direto à União ou a ente federal.

Dessa forma, o suposto crime cometido entre o contador e o réu não interferem na constituição dos fatos em análise neste processo, muito menos é motivo para excluir o dolo do réu ou isentá-lo de pena.

Ainda com relação ao dolo, conforme já mencionado, para a configuração do delito de apropriação indébita previdenciária basta o dolo genérico, sendo desnecessária a comprovação da efetiva apropriação do numerário pelo réu, ou seu propósito de fraudar ou de causar dano à Previdência Social.

Com relação ao elemento subjetivo do artigo 337-A do Código Penal, embora crime material, dependendo para a sua consumação, da efetiva ocorrência do resultado, também não necessita, para sua caracterização, da presença de dolo específico, ou seja, o dolo exigível, é, também o dolo genérico, como ocorre com o delito de apropriação indébita previdenciária. O tipo não exige nenhum fim especial, bastando a conduta consistente em "suprimir ou reduzir". Portanto, assim como no delito previsto no art. 168-A, não é necessário o animus "rem sibi habendi" para sua caracterização (AP 516, AYRES BRITTO, STF)

Relativamente ao Estado de Necessidade consubstanciado na inexigibilidade de conduta diversa, é necessário questionar se nesta hipótese o réu estava efetivamente impossibilitado de recolher os valores descontados dos empregados, ou seja, se as dificuldades financeiras suportadas pela empresa eram de ordem a colocar em risco a sua própria existência, incumbindo ao réu a prova da alegação, consoante o artigo 156 do Código de Processo Penal.

Para provar as dificuldades financeiras, a defesa colacionou aos autos ação de cobrança movida pelo HSBC Bank Brasil S/A em face do réu, no qual é cobrado por um crédito agrícola que lhe foi concedido no ano de 1994 (fls. 312/320); quatro Ações de Execução Fiscal movida pela Prefeitura Municipal de Dourados/MS no ano de 2010, referentes à cobrança de IPTU dos exercícios de 2006 a 2009, bem como uma referente aos exercícios de 2004 a 2008 (fls.321/322).

Como se vê, as invencíveis dificuldades financeiras não restaram comprovadas.

A exclusão da culpabilidade invocada requer a existência de elementos seguros, aptos a comprovar a absoluta impossibilidade do recolhimento das contribuições devidas à Previdência, porquanto, a simples ocorrência de dificuldades financeiras, por si só, não elide a responsabilidade penal do agente.

Os documentos juntados pelo réu não dizem respeito aos fatos, tampouco as datas se referem às das suas condutas.

Note-se que as execuções fiscais para cobrança de IPTU indicam que o réu possui capacidade econômica favorável, já que se referem a 04 imóveis em seu nome.

Não consta, também, que o réu tenha vendido bens particulares em prol da empresa, conforme mencionou. Ao contrário, sua opção foi a de honrar os pagamentos dos bancos e fornecedores, em detrimento dos tributos, no caso, os relativos à contribuição social de seus empregados, conforme declarou.

Ademais, não há mínimos esclarecimentos sobre os funcionários que não constam da folha de pagamento no período.

Impende ressaltar que a realidade econômico-financeira da sociedade supostamente em dificuldades precisa ser explicada documentalmente, de forma capaz de comprovar que elas não ocorreram por imprudência ou má condução dos negócios.

Embora atribua os fatos à fraude cometida por seu contador, conforme já mencionado, quando do aventado pagamento das parcelas, os fatos criminosos já haviam sido consumados, ou seja, não servem para comprovar as dificuldades financeiras alegadas.

Soma-se a isso, relativamente ao crime do artigo 337-A do Código Penal, o trecho do precedente do Superior Tribunal Federal que colacionei acima, no sentido de que "não é possível a aplicação da referida excludente de culpabilidade ao delito do art. 337-A do Código Penal, porque a supressão ou redução da contribuição social e quaisquer acessórios são implementadas por meio de condutas fraudulentas - incompatíveis com a boa-fé - instrumentais à evasão, descritas nos incisos do caput da norma incriminadora."

Dessa forma, ausentes outros elementos seguros para comprovar que o réu não tinha outros recursos para continuar operando, a não ser o de se apropriar das contribuições recolhidas de seus funcionários ou deixar de registrá-los para fugir às obrigações tributárias, a excludente em comento não pode ser reconhecida.

Em resumo, a defesa não acostou provas suficientes capazes de fundamentar satisfatoriamente quais seriam as circunstâncias imprevisíveis ou invencíveis que comprometeram a vida financeira da empresa, restando, assim, a conduta do réu sem justificativa.

E, tratando-se de excludente de culpabilidade, o ônus da prova é da defesa, vez que essa é a parte processual interessada em produzi-la em seu favor.

Afigura-se, portanto, inquestionável que o réu praticou os delitos descritos na denúncia, devendo ser mantido o decreto condenatório proferido em seu desfavor.

Insurge-se a defesa, contra a dosimetria da pena, pleiteando o abrandamento do regime inicial de seu cumprimento.

Verifico que o Juízo "a quo" fixou a pena base de ambos os delitos em 03 anos de reclusão e 141 dias multa. Na segunda fase, foram reduzidas em 08 meses pelas atenuantes da confissão e maioridade. Na terceira fase, foram majoradas em 1/3, em razão da continuidade delitiva, resultando, ao final, cada pena fixada definitivamente em 03 anos, 01 mês e 10 dias de reclusão e 146 dias multa, que somadas equivalem a 06 anos, 02 meses e 20 dias de reclusão, a ser cumprida no regime semiaberto, e 292 dias multa, no valor unitário de 01 salário mínimo.

Pois bem, a pena base de ambos os delitos foi majorada pelos seguintes motivos (fls. 367-v/368):

"As circunstâncias judiciais demonstram que a culpabilidade do réu se insere em grau médio. Em análise aos antecedentes do acusado, este não responde a nenhum outro processo penal além do presente (fl. 65/67, IPL 0120/2006), razão pela qual se conclui que o réu não ostenta antecedentes. As consequências do crime foram expressivas, uma vez que os valores indevidamente apropriados pelo réu alcançam grandes cifras (NFLD n. 35.402.345-4 - R$ 124.318,01, atualizado até 12/2010 - fl. 181), merecendo uma maior reprimenda estatal, além do fato de o prejuízo ser imposto à Previdência Social, a qual cabe o resguardo da velhice e eventual infortúnio dos segurados. As circunstâncias também devem ser sopesadas negativamente, considerando que as apropriações perduraram por quase toda a atividade empresarial do acusado, mostrando-se uma prática habitual de atuação administrativa de gestão. O comportamento da vítima em nada contribuiu para a prática do delito. O motivo alegado pelo réu foi dificuldades econômicas, o que repercute de forma neutra neste momento. Por fim, registro que não há nos autos elementos que permitam a formação de juízo concreto sobre a conduta social ou personalidade do agente (Súmula n. 444 do STJ).
(...)
As circunstâncias judiciais demonstram que a culpabilidade do réu se insere no grau médio. O réu não apresenta antecedentes (fl. 65/67, IPL 0120/2006). As consequências do crime foram expressivas, uma vez que os valores indevidamente sonegados pelo réu alcançam grandes cifras (R$ 68.809,24 - NFLD n. 35.402.345-4, atualizado até 12/2010 - fl. 181), merecendo uma maior reprimenda estatal. As circunstâncias extrapolaram a normalidade do tipo, considerando que as omissões e sonegações perduraram por toda a atuação administrativa do acusado na empresa. O comportamento da vítima em nada contribuiu para a prática do delito. O motivo alegado pelo réu foi dificuldades econômicas, o que repercute de forma neutra neste momento. Por fim, registro que não há nos autos elementos que permitam a formação de juízo concreto sobre a conduta social ou personalidade do agente (Súmula n. 444 do STJ).
(...)"

Como se vê, o Juízo "a quo" majorou a pena base dos delitos com fundamento no prejuízo causado à vítima, por ser esta a Previdência Social, a qual cabe o resguardo da velhice e eventual infortúnio dos segurados, e pela habitualidade no crime, já que perdurou por toda atividade empresarial do réu.

Inicialmente observo que o fato da vítima ser a Previdência Social não pode servir como fundamento para majorar a pena, uma vez que se trata de circunstância intrínseca ao tipo penal.

Da mesma forma, a qualidade de empresário do réu não pode ensejar uma culpabilidade exacerbada, como fundamentou a sentença, visto que o crime em comento pressupõe um responsável tributário, que no mais das vezes é de fato um empresário.

No que diz respeito à habitualidade da conduta bem como ao valor total não recolhido, tais circunstâncias, a meu ver, concernem à reiteração delituosa, não podendo ser considerados paralelamente para fins de justificar o aumento da pena-base, na medida em que serão utilizados na terceira fase da dosimetria da pena, por ocasião da causa de aumento, relativa ao artigo 71 do Código Penal.

Em reforço, observo que a própria União Federal vem declinando do direito de cobrar em juízo as dívidas aos cofres públicos que não alcançam o patamar consolidado de até R$20.000,00 (artigo 1º, inciso II, Portaria MF nº 75, de 22 de Março de 2012).

Tal condição já foi discutida judicialmente, quando ainda sob a égide da Lei 10.522/02, que previa limite de R$10.000,00, dando-se destaque ao recurso especial repetitivo representativo de controvérsia (Resp nº 1.112.748 - TO), julgado pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça em 09 de setembro de 2009, a seguir colacionado:

"RECURSO ESPECIAL. PENAL. CONTRABANDO OU DESCAMINHO. TIPICIDADE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. DÉBITO INFERIOR A R$ 10.000,00 (DEZ MIL REAIS). APLICABILIDADE. ORIENTAÇÃO FIRMADA PELO STF. RECURSO DESPROVIDO.
I - O entendimento da aplicabilidade do princípio da insignificância ao crime de descaminho nos casos em que o débito seja inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais) foi fixada por esta Corte no julgamento do recurso especial repetitivo representativo de controvérsia nº 1.112.748 / TO.
II - Recurso especial desprovido.
(REsp 1154346/MG, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 16/12/2010, DJe 01/02/2011)"

Após, manifestou-se o E. Supremo Tribunal Federal, corroborando a tese:

"PENAL. HABEAS CORPUS. OMISSÃO NO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS (ART. 95, "D", DA LEI N 8.212/91, ATUALMENTE PREVISTO NO ART. 168 -A DO CÓDIGO PENAL). PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. REQUISITOS AUSENTES. REPROVABILIDADE DO COMPORTAMENTO. DELITO QUE TUTELA A SUBSISTÊNCIA FINANCEIRA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL, BEM JURÍDICO DE CARÁTER SUPRAINDIVIDUAL. ORDEM DENEGADA. 1. O princípio da insignificância incide quando presentes, cumulativamente, as seguintes condições objetivas: (a) mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma periculosidade social da ação, (c) grau reduzido de reprovabilidade do comportamento, e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. Precedentes: HC 104403/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, 1ª Turma, DJ de 1/2/2011; HC 104117/MT, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, DJ de 26/10/2010; HC 96757/RS, rel. Min. Dias Toffoli, 1ª Turma, DJ de 4/12/2009; HC 97036/RS, rel. Min. Cezar Peluso, 2ª Turma, DJ de 22/5/2009; HC 93021/PE, rel. Min. Cezar Peluso, 2ª Turma, DJ de 22/5/2009; RHC 96813/RJ, rel. Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, DJ de 24/4/2009. 2. In casu, os pacientes foram denunciados pela prática do crime de apropriação indébita de contribuições previdenciárias no valor de R$ 3.110,71 (três mil, cento e dez reais e setenta e um centavos). 3. Deveras, o bem jurídico tutelado pelo delito de apropriação indébita previdenciária é a "subsistência financeira à Previdência Social", conforme assentado por esta Corte no julgamento do HC 76.978/RS, rel. Min. Maurício Corrêa ou, como leciona Luiz Regis Prado, "o patrimônio da seguridade social e, reflexamente, as prestações públicas no âmbito social" (Comentários ao Código Penal, 4. ed. - São Paulo: RT, 2007, p. 606). 4. Consectariamente, não há como afirmar-se que a reprovabilidade da conduta atribuída ao paciente é de grau reduzido, porquanto narra a denúncia que este teria descontado contribuições dos empregados e não repassado os valores aos cofres do INSS, em prejuízo à arrecadação já deficitária da Previdência Social, configurando nítida lesão a bem jurídico supraindividual. O reconhecimento da atipicidade material in casu implicaria ignorar esse preocupante quadro. Precedente: HC 98021/SC, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, DJ de 13/8/2010. 5. Parecer do MPF pela denegação da ordem. 6. Ordem denegada.
(HC 102550, Relator(a):  Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 20/09/2011, DJe-212 DIVULG 07-11-2011 PUBLIC 08-11-2011 EMENT VOL-02621-01 PP-00041)"

E, nesse ponto, entendo esse ser o parâmetro objetivo ao qual se deve recorrer para a avaliação do valor retido de molde a justificar a elevação da pena-base.

Com efeito, para fins de serem consideradas como negativas as consequências do delito (art.59, do Código Penal), é de ser avaliada a competência (valor) mês a mês de per si, tomando-se como base o maior deles, não se podendo valorar negativamente aquele quantum que a própria Administração declina do direito de cobrar.

Assim sendo, aquele elemento (total da dívida) é avaliado na terceira fase da dosimetria da pena, na fase do art.71, do Código Penal, quando a hipótese assim o requer, - o que acontece no mais das vezes - , e a exasperação da pena imposta é reconhecida pela reiteração da prática criminosa e do total do valor não repassado.

Importa frisar, que no presente caso, o valor omitido pelo crime do artigo 168-A do Código Penal atingiu o montante de R$ 124.318,01, e o crime do artigo 337-A do Código Penal, o montante de R$ 68.809,24, em 12/2010. Considerando que tais valores se referem a 37 competências, verifica-se que o maior valor mensal retido não exasperou o teto da atuação administrativa, elemento que nos autoriza a concluir que o fundamento usado pelo juiz para elevação da pena-base merece ser redimensionado.

Dentro desse contexto, não restando quaisquer outras circunstâncias judiciais desfavoráveis ao réu, reduzo a pena base, de ambos os delitos, para o mínimo legal, ou seja, 02 anos de reclusão e 10 dias multa.

Na segunda fase, apesar das atenuantes da confissão e maioridade, não há como reduzir a pena, nos termos da Súmula 231 do STJ.

Na terceira fase, porém, deve ser afastado o concurso material decretado pelo Juízo "a quo".

Não obstante entenda que os delitos do artigo 168-A e 337-A do Código Penal sejam diversos, tendo o réu, mediante mais de uma ação ou omissão, praticado dois crimes distintos, situação que se enquadra no artigo 69 do Código Penal, tal entendimento restou vencido no julgamento da Revisão Criminal nº 2009.03.00.018248-6 de relatoria do e. Desembargador Federal José Lunardelli, ocorrido em 06/03/2014.

Assim, com a ressalva do meu entendimento pessoal, acompanho o posicionamento majoritário, no sentido de que em casos como o presente, deve-se aplicar a regra da continuidade delitiva e não de concurso material de crimes.

Dessa forma, aplico a pena base de um só dos crimes, sobre a qual deve incidir a causa de aumento de pena do artigo 71 do Código Penal, de acordo com os parâmetros fixados pela colenda Segunda Turma: "de dois meses a um ano de omissão no recolhimento das contribuições previdenciárias, o acréscimo é de 1/6 (um sexto); de um a dois anos de omissão, aumenta-se 1/5 (um quinto); de dois a três anos de omissão, ¼ (um quarto); de três a quatro anos de omissão, 1/3 (um terço); de quatro a cinco anos de omissão, ½ (um meio); e acima de cinco anos de omissão, 2/3 (dois terços) de aumento". (TRF 3ª Região, Segunda Turma, ACR nº 11780, Rel. Des. Fed. Nelton dos Santos).

Como a quantidade de eventos do artigo 337-A do Código Penal (37 eventos) abrange a quantidade de eventos do artigo 168-A do Código Penal (14 eventos), mantenho a fração adotada na r.sentença, qual seja, 1/3 (um terço), restando, ao final, a pena definitivamente fixada em 02 anos e 08 meses e 13 dias multa.

Nessa trilha:

RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. ARTS. 71, 168-A E 337-A, III, DO CP. SUPRESSÃO OU REDUÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO SOCIAL PREVIDENCIÁRIA. EMPRESAS PERTENCENTES AO MESMO GRUPO EMPRESARIAL. CONTINUIDADE DELITIVA. POSSIBILIDADE. INQUÉRITOS E AÇÕES PENAIS EM CURSO NÃO CONFIGURAM PERSONALIDADE NEGATIVA DO AGENTE. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO. PRECEDENTES DO STJ E DO STF.
1. Para o reconhecimento da continuidade delitiva, é necessária a prática sucessiva de ações criminosas de semelhante espécie que guardem, entre si, vínculos em relação ao tempo, ao lugar e à forma de execução, de modo a revelar homogeneidade de condutas típicas, evidenciando serem as últimas ações desdobramentos da primeira (art. 71 do CP).
2. No caso, o réu responde por delitos descritos nos arts. 168-A e 337-A, ambos do Código Penal - em continuidade delitiva -, nas Apelações Criminais n. 2004.71.038480-8, 2003.71.00.042734-7 e 2004.71.00.021296-7.
3. Em função da melhor hermenêutica, os crimes descritos nos arts.
168-A e 337-A, apesar de constarem em títulos diferentes no Código Penal e serem, por isso, topograficamente díspares, refletem delitos que guardam estreita relação entre si, portanto cabível o instituto da continuidade delitiva (art. 71 do CP).
4. O agente cometeu delitos análogos, descritos nos arts. 168-A e 337-A do Código Penal, na administração de empresas diversas, mas de idêntico grupo empresarial, durante semelhante período, no mesmo espaço geográfico (cidade de Porto Alegre/RS) e mediante similar maneira de execução, portanto tem lugar a ficção jurídica do crime continuado (art. 71 do CP).
5. Precedentes deste Tribunal e do Supremo Tribunal Federal.
6. O acórdão regional firmou-se em sentido contrário à jurisprudência deste Tribunal ao considerar os inquéritos e as ações penais em andamento como aspectos desfavoráveis à personalidade do réu.
7. Recurso especial improvido. De ofício, habeas corpus concedido para afastar a majoração da pena-base em razão do juízo negativo sobre a circunstância da personalidade do recorrido.
(REsp 1212911/RS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 20/03/2012, DJe 09/04/2012)
PENAL. PROCESSO PENAL. REVISÃO CRIMINAL. ARTIGO 621, INCISO I, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. ARTIGOS 168-A,§1º, INCISO I, E 337-A, AMBOS DO CÓDIGO PENAL. PRESCRIÇÃO PARCIAL. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. DOLO. DOSIMETRIA.
1. Cuida-se de revisão criminal ajuizada com fulcro no artigo 621, inciso I, do Código de Processo Penal, objetivando desconstituir sentença que transitara em julgado, proferida pelo Juízo Federal da 3ª Vara Federal de Marília/SP, nos autos da Ação Penal nº. 2007.61.11.001767-1, condenando o requerente à pena de 07 (sete) anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, bem como ao pagamento de 370 dias-multa, no valor unitário mínimo legal, pelo cometimento dos crimes descritos nos artigos 168-A, §1º, inciso I, e 337-A, inciso I, ambos do Código Penal, em concurso material e continuidade delitiva.
2. Prescrição retroativa parcial da pretensão punitiva que se reconhece e declara, de ofício, quanto ao período delitivo de janeiro de 1996 a setembro de 2003, remanesce, porém, o período de outubro de 2003 a agosto de 2006, em relação aos quais não ocorreu a prescrição.
3. Os elementos de cognição demonstram o dolo na conduta do requerente, consubstanciado na vontade livre e consciente no sentido de deixar de repassar as contribuições previdenciárias, bem como de sonegá-las.
4. O tipo penal da apropriação indébita exige apenas o dolo genérico consistente na conduta omissiva de deixar de recolher, no prazo legal, as contribuições destinadas à Previdência Social, que tenham sido descontadas de pagamentos efetuados, não exigindo do agente o animus rem sibi habendi dos valores descontados e não repassados, uma vez que a consumação do delito se dá com a mera ausência de recolhimento dessas contribuições.
5. Não comprovada a causa supralegal de exclusão de ilicitude caracterizadora da inexigibilidade de conduta diversa em razão de dificuldades financeiras, as quais, além de não serem contemporâneas aos fatos, não foram tão graves a ponto de colocar em risco a própria existência da empresa e não divergem daquelas que são comuns a qualquer atividade de risco.
6. A Lei nº 9.983/00 não excluiu a ilicitude dos fatos praticados anteriormente à sua entrada em vigor, pois o crime de omissão de recolhimento de contribuições previdenciárias passou a ser previsto no artigo 168-A do Código Penal. Cuida-se de sucessão de leis, uma vez que não houve descriminalização da conduta anteriormente prevista na Lei 8.212/91.
7. O requerente pede a redução da pena-base privativa de liberdade ao argumento de sê-la excessiva. O Juízo "a quo", entendendo tratar-se de concurso de crimes, calculara separadamente as reprimendas.
8. A pena-base foi fixada acima do mínimo legal considerando-se a culpabilidade intensa do requerente, bem assim ante a gravidade das conseqüências do crime, consubstanciadas no vultoso prejuízo sofrido pela autarquia previdenciária com a ausência do repasse das contribuições descontadas pela empresa (aproximadamente R$ 250.000,00), não merecendo, portanto, neste ponto, nenhum reparo.
9. Tratando-se de continuidade delitiva, e não de concurso material de crimes, a pena comporta adequação. Desta forma, excluindo da pena fixada na sentença o concurso material de delitos, e aplicando a regra da continuidade delitiva, cuidando-se de sanções corporais idênticas cominadas em concreto aos delitos definidos nos artigos 168-A, §1º, inciso I e 337-A, ambos do Código Penal, aplico a pena de um só dos crimes - 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão, aumentada de 1/6 (um sexto), resultando na pena definitiva de 04 (quatro) anos e 01 (um) mês de reclusão, em regime inicial semiaberto, bem como ao pagamento de 23 (vinte e três) dias-multa, no valor unitário mínimo legal.
10. O quantum cominado obsta a suspensão condicional da pena, nos moldes do artigo 77, §2º, do Código Penal.
11. Reconhecida e declarada, de ofício, extinta a punibilidade do requerente com relação ao período delitivo de janeiro de 1996 a setembro de 2003. Revisão criminal julgada parcialmente procedente no tocante ao período delitivo remanescente tão somente para adequar a pena, diminuindo - a ante o reconhecimento da continuidade delitiva.
(TRF3ª Região; Rvc 2009.03.00.018248-6/SP; Des. Fed. Rel. JOSÉ LUNARDELLI; DJ 06/03/2014)
PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ARTIGOS 168-A, §1º, I e 337-A, I e II c/c art. 71 do CP. CONHECIMENTO PARCIAL ADSTRITO AO CRIME DO ART. 168-A DO CP. MATERIALIDADE E AUTORIA. CONDENAÇÃO. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA NÃO ATESTADA. NÃO CABIMENTO DE CONCURSO MATERIAL NA HIPÓTESE. I - Recurso ministerial contra sentença absolutória conhecido unicamente em relação ao crime do art. 168-A do CP. Apelo que não enfrentou especificamente a fundamentação absolutória da sentença em relação ao crime do art. 337A do CP. II - Aquilo que constava dos livros com registro e falta de repasse era alcançável aos réus, mas o que fraudulentamente não constou dos registros demandaria indicação de sua participação e consciência na atuação fraudulenta. A sentença fundamenta esse aspecto atribuindo a fraude a terceiros e o recurso ministerial não confronta essa linha de análise. III - Materialidade e autoria atestadas em relação ao crime de apropriação indébita previdenciária. Tese de inexigibilidade de conduta diversa que não encontra esteio em prova documental mais consistente como demanda. Sentença absolutória reformada. Pena base no mínimo legal e acréscimo da continuidade delitiva igualmente no patamar mínimo. IV - Não cabe na hipótese concurso material entre os artigos 168-A e 337-A do CP. Os crimes em questão tutelam o mesmo bem jurídico: a previdência social. Portanto, apesar de constarem em títulos diferentes do código, topograficamente díspares, refletem delitos que guardam estreita relação entre si, considerados da mesma espécie, o que significa dizer que, se praticados sob semelhantes condições de tempo, lugar e modo de execução, atendendo as diretrizes do art. 71 do CP e não caracterizando habitualidade, podem configurar uma cadeia de continuidade. É esse exatamente o caso dos autos, envolvendo uma mesma pessoa jurídica e contribuições atinentes ao 2º semestre de 2004. Precedentes do Eg. STJ. V - Recurso ministerial parcialmente conhecido e nessa parte provido.(ACR 200950010163152, Desembargador Federal ABEL GOMES, TRF2 - PRIMEIRA TURMA ESPECIALIZADA, E-DJF2R - Data::14/01/2013.)
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA (ARTIGO 168-A DO CÓDIGO PENAL) E SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA (ARTIGO 337-A DO CÓDIGO PENAL). CRIME CONTINUADO E CONCURSO MATERIAL.PRELIMINARES DE NULIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. AUSÊNCIA DE CONSIDERAÇÃO DA PROVA TESTEMUNHAL DE DEFESA E INVERSÃO DA APRESENTAÇÃO DAS ALEGAÇÕES FINAIS.PRESCRIÇÃO RETROATIVA.MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. PENA-BASE. AFASTADO O CONCURSO MATERIAL DE DELITOS. INCIDÊNCIA DA REGRA ESTABELECIDA NO ARTIGO 71 DO CÓDIGO PENAL. PENA DE UM SÓ DOS CRIMES MAJORADA DE 1/6 (UM SEXTO). PENA REDUZIDA. RECURSO A QUE SE DÁ PARCIAL PROVIMENTO. (...) 13.Tratando-se da prática reiterada de delitos da mesma espécie, importa considerar deva ser observada a regra da continuidade delitiva, aplicando-se a pena de um só dos crimes, majorada de 1/6 a 2/3, sem a incidência do concurso material de delitos e somatória de penas que dele deriva. 14.Excluindo da pena fixada na sentença o concurso material de delitos, e aplicando a regra da continuidade delitiva, cuidando-se de sanções corporais idênticas cominadas em abstrato aos delitos definidos nos artigos 168-A e 337-A, ambos do Código Penal, aplico a pena de um só dos crimes 02 (dois) anos de reclusão, aumentada de 1/6 (um sexto), resultando na pena definitiva de 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e pagamento de 11 ( onze) dias-multa, mantidos o valor unitários dos dias-multa e regime inicial de cumprimento de pena estabelecidos na sentença. 15. Reconhecida e declarada, de ofício, a extinção parcial da punibilidade do apelante declarada de ofício com relação à prática delitiva referente aos períodos posteriores a 1995 até 24 de maio de 2003, pela prescrição retroativa da pretensão punitiva, verificada entre a data dos fatos e a do recebimento da denúncia. 16. Apelação a que se dá parcial provimento tão-somente para reduzir a pena aplicada para 02 (dois) anos, 04 (quatro) de reclusão, a ser cumprida em regime inicial aberto, e ao pagamento de 11 (onze) dias-multa, mantido o valor unitário estabelecido na sentença recorrida, excluindo-se o concurso material de delitos e aplicando a regra da continuidade delitiva inserta no artigo 71 do Código Penal. 17. Substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos: prestação de serviços à comunidade ou entidade pública pelo prazo da sanção substituída, e prestação pecuniária consistente no pagamento mensal de 01 (um) salário mínimo durante o período de 01 (um) ano, nas condições do Juízo das Execuções Penais.(ACR 00103354120044036104, DESEMBARGADOR FEDERAL HENRIQUE HERKENHOFF, TRF3 - SEGUNDA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:19/11/2009 PÁGINA: 374

Nos moldes do art. 33, §2º, "c", do Código Penal, e não havendo circunstância que torne recomendável a fixação em regime mais gravoso, estabeleço o regime inicial aberto para o cumprimento da pena.

Presentes os requisitos dos incisos I, II e III, do art. 44 do Código Penal, deve ser concedida a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, que se apresenta recomendável para a recomposição ético-social do acusado.

Desta forma, substituo a reprimenda corporal imposta ao réu por duas penas restritivas de direitos, quais sejam, a prestação de serviços à comunidade pelo período da condenação, na forma do art. 46, §3º, do Código Penal, e prestação pecuniária no valor de 10 salários mínimos, face à favorável capacidade econômica do réu, ambas as penas em favor de entidade com destinação social a ser designada pelo Juízo das Execuções Penais.

Por economia processual, caso esta C. Turma acompanhe o voto relator, passo a analisar, desde já, a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal.

Considerando que a pena cominada aos delitos, excluído o acréscimo dado pelo artigo 71 do Código Penal (Súmula 497 do STF), foi de 02 anos de reclusão, os quais prescrevem em 02 anos nos termos do artigo 109, inciso V, c/c artigo 115, do Código Penal, impõe-se reconhecer a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva, na modalidade retroativa, entre o recebimento da denúncia (09/02/2009) e a publicação da sentença condenatória (29/10/2012).

Nesse diapasão, decreto a extinção da punibilidade dos fatos imputados a JOSÉ ELIAS MOREIRA, com fundamento no artigo 107, inciso IV, c.c. artigo 109, inciso V, 110, § 1º, e 115 todos do Código Penal.

Ante o exposto, rejeito as preliminares arguidas; dou parcial provimento ao recurso para reduzir as penas e fixar o regime inicial aberto, e, de ofício, afasto o concurso material para aplicar a continuidade delitiva entre os crimes do artigo 168-A e 337-A, ambos do Código Penal, resultando a pena de JOSÉ ELIAS MOREIRA definitivamente fixada em 02 anos e 08 meses de reclusão e 13 dias multa, substituída a reprimenda corporal por duas penas restritivas de direitos. Por fim, ainda de ofício, decreto a extinção da punibilidade dos fatos imputados a JOSÉ ELIAS MOREIRA, com fundamento no artigo 107, inciso IV, c.c. artigo 109, inciso V, 110, § 1º, e 115 todos do Código Penal.

É o voto.


CECILIA MELLO
Desembargadora Federal


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