Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 03/12/2014
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000854-04.2007.4.03.6119/SP
2007.61.19.000854-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal MARCELO SARAIVA
APELANTE : ADAM ABRAHAM ILIOVITS
ADVOGADO : SP138175 MAURICIO DE CARVALHO ARAUJO e outro
APELADO(A) : Justica Publica

EMENTA

APELAÇÃO EM INCIDENTE DE RESTITUIÇÃO. INDEPENDÊNCIA DAS ESFERAS ADMINISTRATIVA E PENAL. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE NO ÂMBITO CRIMINAL. AUTONOMIA DA RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA.
1. A independência das esferas administrativa e penal implica a adoção em paralelo das medidas indispensáveis à tutela dos interesses inseridos dentro do respectivo âmbito de proteção, sem qualquer ingerência de uma na outra, respeitadas as ressalvas previstas na lei.
2. A ulterior declaração da extinção da punibilidade (art. 107 do CP) torna insubsistente o efeito derivado da sentença penal condenatória atinente à perda dos instrumentos e do produto oriundos da atividade criminosa, prevista no art. 91, II, do CP.
3. A virtualidade de responsabilização administrativa do agente por ilícito acobertado pela prescrição no âmbito penal não obsta a concessão da medida de restituição pelo juízo criminal, observando-se que a efetiva liberação da coisa depende da inexistência de medida impeditiva de cunho administrativo, expedida por autoridade competente e conforme o devido processo legal.
4. Apelação parcialmente provida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação para determinar a restituição integral dos valores apreendidos na ação penal n. 1999.61.19.000330-0, correspondente à quantia de US$ 20.940,00 (vinte mil e novecentos e quarenta dólares americanos), atualmente custodiada no Banco Central, ressalvada a hipótese de medida de ordem administrativa, expedida por autoridade competente, determinando a manutenção da custódia ou a aplicação da pena de perdimento, atendido o devido processo legal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

São Paulo, 25 de novembro de 2014.
MARCELO SARAIVA
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000854-04.2007.4.03.6119/SP
2007.61.19.000854-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal MARCELO SARAIVA
APELANTE : ADAM ABRAHAM ILIOVITS
ADVOGADO : SP138175 MAURICIO DE CARVALHO ARAUJO e outro
APELADO(A) : Justica Publica

RELATÓRIO

O Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal MARCELO SARAIVA (Relator):

Trata-se de incidente de restituição de coisa promovido por Adam Abraham Iliovits visando à devolução de valores apreendidos em sede investigativa, à vista da suposta prática do crime tipificado no art. 22 da Lei n. 7.492/1996 (fl. 02).

O pedido é fundamentado em decisão proferida por esta Corte, a qual julgou extinta a punibilidade pela prescrição (fls. 14/16).

O Ministério Público Federal opinou pela disponibilização do numerário apreendido na Alfândega de Guarulhos, para seguimento do processo administrativo (fl. 23).

Por fim, o pedido restou indeferido pelo Juízo de primeiro grau, o qual assinalou que a análise da pretensão deduzida incumbiria à autoridade administrativa competente, à vista do disposto no art. 65 da Lei n. 9.069/1995 (fls. 24/26).

Consta interposição de apelação pelo requerente (fl. 37), sustentando, em suas razões recursais, a inexistência de processo administrativo pela Secretaria da Receita Federal, conforme informação contida às fls. 31/32, não havendo fundamento legal para a permanência da retenção e para a aventada possibilidade de declaração de perdimento do numerário (fls. 43/49).

Com contrarrazões (fls. 56/60), os autos subiram a esta Corte.

O Ministério Público Federal manifestou-se pelo provimento da apelação interposta, de modo a determinar-se a restituição dos valores apreendidos, à vista da extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva (fls. 63/68).

É o relatório.



MARCELO SARAIVA
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000854-04.2007.4.03.6119/SP
2007.61.19.000854-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal MARCELO SARAIVA
APELANTE : ADAM ABRAHAM ILIOVITS
ADVOGADO : SP138175 MAURICIO DE CARVALHO ARAUJO e outro
APELADO(A) : Justica Publica

VOTO

O Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal MARCELO SARAIVA (Relator):

A questão suscitada no presente recurso consiste em determinar se a virtualidade da responsabilização administrativa do agente por ilícito acobertado pela prescrição no âmbito penal pode constituir impedimento para a restituição de coisa apreendida no curso da persecução criminal.

Anote-se, de início, encontrar-se consagrada na jurisprudência o princípio da independência e autonomia das esferas penal e administrativa, com a ressalva da hipótese de sentença penal absolutória em razão da inexistência do fato ou negativa de autoria, caso em que o julgamento da autoridade administrativa se vincula ao proferido pelo juízo penal. A esse respeito, confira-se o seguinte julgado do E. Supremo Tribunal Federal:


"RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL. 1. TRÂNSITO EM JULGADO DO ACÓRDÃO PROFERIDO NO JULGAMENTO DO RECURSO DE APELAÇÃO DA DEFESA. IMPETRAÇÃO DE HABEAS CORPUS NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA APÓS O TRANSCURSO DO PRAZO RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DE HABEAS CORPUS COMO SUCEDÂNEO DE REVISÃO CRIMINAL. 2. INDEPENDÊNCIA RELATIVA DAS ESFERAS PENAL E ADMINISTRATIVA. 3. INEXISTÊNCIA DE AMEAÇA A DIREITO DE LOCOMOÇÃO. 1. Trânsito em julgado do acórdão objeto da impetração no Superior Tribunal de Justiça. Nos termos da jurisprudência deste Supremo Tribunal, o habeas corpus não pode ser utilizado como sucedâneo de revisão criminal. 2. É pacífica a jurisprudência deste Supremo Tribunal no sentido da independência relativa das esferas penal e administrativa, havendo repercussão apenas em se tratando de absolvição no juízo penal por inexistência do fato ou negativa de autoria. Precedentes. 3. Seja o ora Recorrente absolvido por insuficiência de provas ou por atipicidade da conduta, essas duas situações não repercutiriam na punição imposta na via administrativa. 4. Recorrente absolvido por insuficiência de provas. Pretensão de rever a punição imposta administrativamente. Inexistência de ameaça ao direito de locomoção. 5. Recurso ao qual se nega provimento. (o grifo não consta no original).
(RHC 116204, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 16/04/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-081 DIVULG 30-04-2013 PUBLIC 02-05-2013).

Outrossim, a independência de instâncias em análise implica a atuação paralela da autoridade administrativa e dos órgãos encarregados da persecução penal para, cada qual dentro do seu âmbito de atribuição, praticar os atos necessários destinados à apuração do ilícito praticado e, por conseguinte, à eventual aplicação das penalidades previstas na respectiva legislação de regência.

Por outro lado, conquanto as atividades administrativa e jurisdicional visem à mesma conduta, vislumbrada sob os diferentes prismas das responsabilidades administrativa e penal, é imperioso que seja assegurada em ambas as esferas a observância do devido processo legal, e, por consequência, o atendimento aos princípios da ampla defesa e do contraditório, consoante o disposto nos incisos LIV e LV do artigo 5º da Constituição Federal.

Disso resulta que cumpre a cada uma dessas esferas a adoção das medidas indispensáveis à tutela dos interesses inseridos dentro do respectivo âmbito de proteção, sem qualquer ingerência de uma na outra, observadas as ressalvas legais.

Cuidando do tema, esta Corte tem se manifestado pela impossibilidade do juízo penal deliberar sobre a restituição de bens apreendidos em sede administrativa, à vista da independência das instâncias, como ilustram os seguintes julgados:


"PROCESSUAL PENAL - PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DE BEM APREENDIDO - SENTENÇA PENAL - LIBERAÇÃO DO BEM MEDIANTE RESSALVA - PENA DE PERDIMENTO EM SEDE ADMINISTRATIVA - INDEPENDÊNCIA ENTRE AS INSTÂNCIAS ADMINISTRATIVA E PENAL - PLEITO QUE DEVE SER FORMULADO PELA VIA JUDICIAL PRÓPRIA - IMPROVIMENTO DO RECURSO.
1. Havendo apreensão de bens em sede administrativa, eventual discussão acerca da sua legalidade e legitimidade deve ser feita por meio de ação específica, na via civil, não sendo possível o deferimento do pedido pelo juízo criminal, em razão da independência das instâncias.
2. Atribuição que é, in casu, da esfera administrativa, porquanto o bem apreendido está à disposição da Receita Federal e não do Poder Judiciário. Precedentes desta Corte.
3.Improvimento da apelação."
(TRF 3ª Região, QUINTA TURMA, ACR 0003128-84.2010.4.03.6005, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL LUIZ STEFANINI, julgado em 29/04/2013, e-DJF3 Judicial 1 DATA:07/05/2013).
"PROCESSUAL PENAL. RESTITUIÇÃO DE COISAS APREENDIDAS.
1. O bem deve permanecer com a Secretaria da Receita Federal até decisão administrativa definitiva em respeito a independência entre as esferas administrativa e judicial. A liberação do bem por não mais interessar ao processo penal implica na liberação deste somente na esfera criminal, devendo permanecer sob guarda da Secretaria da Receita Federal.
2. Conforme preceitua o art. 118 do Código de Processo Penal, antes de transitar em julgado a sentença final, as coisas apreendidas não poderão ser restituídas enquanto interessarem ao processo.
3. Apelação provida."
(TRF 3ª Região, QUINTA TURMA, ACR 0000874-42.2003.4.03.6181, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL ANDRÉ NEKATSCHALOW, julgado em 30/01/2006, DJU DATA:21/03/2006).

No caso em apreço, consta que foi apreendida pela Polícia Federal a quantia em espécie de US$ 20.940,00 (vinte mil e novecentos e quarenta dólares americanos), encontrada em poder do apelante no Aeroporto Internacional de Guarulhos durante embarque com destino ao exterior (fls. 03/13 e 21/22). A diligência em pauta motivou a instauração de ação penal nº 1999.61.19.000330-0, pela qual o ora apelante foi condenado pela prática do crime tipificado no artigo 22, parágrafo único, da Lei nº 7.492/1986 (fls. 03/13). Entretanto, ulteriormente, esta Corte, em grau de apelação, reconheceu a extinção da punibilidade em razão da prescrição da pretensão punitiva.

Note-se que, no âmbito penal, a perda em favor da União dos instrumentos e do produto oriundos da atividade criminosa constitui efeito derivado da condenação, nos termos do artigo 91, inciso II, do Código Penal. Isso significa que aludido efeito não subsiste na hipótese de extinção da punibilidade do agente, cabendo a devolução da coisa ao seu titular. A propósito, confira-se o seguinte julgado do E. Superior Tribunal de Justiça:


"RECURSO ESPECIAL. PERDA DE BENS E OBJETOS DO CRIME. ART. 91, II DO CÓDIGO PENAL. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. EFEITOS DA CONDENAÇÃO. MANUTENÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.
1. Extinta a condenação, pelo reconhecimento da extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva, impossível a manutenção de seus efeitos, incluindo a perda de bens.
2. Recurso desprovido."
(REsp 679.253/DF, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 12/04/2005, DJ 20/06/2005, p. 361).

De outro lado, a teor da manifestação da Inspetoria da Alfândega do Aeroporto Internacional de São Paulo, não consta a adoção de qualquer medida pela autoridade fiscal tendente à responsabilização administrativa do apelante em razão da aludida infração.

Cumpre observar que a conduta descrita nos autos se ajusta à infração administrativa prevista no artigo 65 da Lei nº 9.069/1995, cuja redação primitiva, vigente à época do fato, estabelecia:


"Art. 65. O ingresso no País e a saída do País, de moeda nacional e estrangeira serão processados exclusivamente através de transferência bancária, cabendo ao estabelecimento bancário a perfeita identificação do cliente ou do beneficiário.
§ 1º Excetua-se do disposto no caput deste artigo o porte, em espécie, dos valores:
I - quando em moeda nacional, até R$ 10.000,00 (dez mil reais);
II - quando em moeda estrangeira, o equivalente a R$ 10.000,00 (dez mil reais);
III - quando comprovada a sua entrada no País ou sua saída do País, na forma prevista na regulamentação pertinente.
§ 2º O Conselho Monetário Nacional, segundo diretrizes do Presidente da República, regulamentará o disposto neste artigo, dispondo, inclusive, sobre os limites e as condições de ingresso no País e saída do País da moeda nacional."

A penalidade administrativa prevista para a aludida conduta encontra-se prevista no § 3º do dispositivo em análise:


"§ 3º A não observância do contido neste artigo, além das sanções penais previstas na legislação específica, e após o devido processo legal, acarretará a perda do valor excedente dos limites referidos no § 1º deste artigo, em favor do Tesouro Nacional."

Por sua vez, sobre o processo administrativo para a imposição da responsabilidade administrativa do infrator, assim dispõe o artigo 89 da Medida Provisória nº 2.158-35, de 24/08/2001:


"Art. 89. Compete à Secretaria da Receita Federal aplicar a penalidade de que trata o § 3º do art. 65 da Lei nº 9.069, de 29 de junho de 1995.
§ 1º O processo administrativo de apuração e aplicação da penalidade será instaurado com a lavratura do auto de infração, acompanhado do termo de apreensão e, se for o caso, do termo de guarda.
§ 2º Feita a intimação, pessoal ou por edital, a não apresentação de impugnação no prazo de vinte dias implica revelia.
§ 3º Apresentada a impugnação, a autoridade preparadora terá prazo de quinze dias para a remessa do processo a julgamento.
§ 4º O prazo mencionado no § 3º poderá ser prorrogado quando houver necessidade de diligências ou perícias.
§ 5º Da decisão proferida pela autoridade competente, no âmbito da Secretaria da Receita Federal, não caberá recurso.
§ 6º Relativamente às retenções realizadas antes de 27 de agosto de 2001:
I - aplicar-se-á o disposto neste artigo, na hipótese de apresentação de qualquer manifestação de inconformidade por parte do interessado;
II - os valores retidos serão convertidos em renda da União, nas demais hipóteses.".

Assim, diante da ausência de imposição de penalidade administrativa pela Secretaria da Receita Federal, em princípio, não remanesce obstáculo ao pleito de restituição integral dos valores apreendidos na esfera penal.

Por sua pertinência, cabe transcrever o seguinte trecho do parecer ofertado pelo Ministério Público Federal:


"... 13. Ocorre que, com a declaração de extinção da punibilidade do crime imputado ao apelante, devido à ocorrência da prescrição retroativa da pretensão punitiva, atinge-se o próprio direito de punir do Estado, razão pela qual não podem remanescer quaisquer efeitos da sentença condenatória. Assim, o perdimento da quantia apreendida por ela decretado resta igualmente sem efeito, devendo, por isso, ser devolvida integralmente ao apelante. (...) 15. Situação diferente seria se a apreensão e retenção dos valores tivessem sido processadas perante instância administrativa, pois desta é que decorreria decisão no sentido de mante-los retidos, de modo que a perda de efeitos da sentença judicial em nada alteraria aquela determinação, em observância à separação de instâncias. ..."

Entretanto, à vista da independência das esferas administrativa e penal, cumpre neste feito tão somente o reconhecimento do direito do apelante à devolução do numerário em tela, contanto que não haja impedimento no âmbito administrativo veiculado por meio de medida expedida pela autoridade fazendária competente.

Diante do exposto, dou parcial provimento à apelação para determinar a restituição integral dos valores apreendidos na ação penal nº 1999.61.19.000330-0, correspondente à quantia de US$ 20.940,00 (vinte mil e novecentos e quarenta dólares americanos), atualmente custodiada no Banco Central, ressalvada a hipótese de medida de ordem administrativa, expedida por autoridade competente, determinando a manutenção da custódia ou a aplicação da pena de perdimento, atendido o devido processo legal.

É como voto.



MARCELO SARAIVA
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): MARCELO MESQUITA SARAIVA:10071
Nº de Série do Certificado: 45AC01C590943FBB
Data e Hora: 27/11/2014 18:49:04