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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os integrantes da Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da Terceira Região, por maioria, dar provimento à apelação para declarar a nulidade das interceptações telefônicas e determinar a baixa dos autos ao Juízo de origem para que examine as implicações da nulidade nas demais provas dos autos, nos termos do voto do Juiz Federal Convocado Márcio Mesquita, acompanhado pelo Desembargador Federal Marcelo Saraiva, vencido o Desembargador Federal Luiz Stefanini, que de ofício, reconhecia a prescrição retroativa quanto aos crimes tipificados no artigo 288 do Código Penal e artigo 16 da Lei 7.492/86, estendo a estes autos a r. decisão proferida pelo Colendo STJ, no habeas corpus nº 131.225, e no mérito, negava provimento à apelação.
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VOTO-VISTA
Extrai-se dos autos ter o eminente Relator, Exmo Juiz Federal Convocado Marcio Mesquita, entendido por bem dar provimento à apelação interposta por Claudine Spiero, para declarar a nulidade das interceptações telefônicas realizadas em sede de investigação, na esteira do decidido pelo E. Superior Tribunal de Justiça, que, nos autos referentes à denominada Operação "Credit Suisse" (Ação Penal nº 0007578-03.2005.403.6181), conexa a este feito, reconheceu a nulidade das interceptações telefônicas autorizadas judicialmente em 07 de novembro de 2005, e suas prorrogações, bem como determinou a baixa dos autos ao Juízo de origem para que examine as implicações da nulidade nas demais provas dos autos.
Pedi vista destes autos para analisar a matéria sobre a nulidade decretada pelo eminente Relator, bem como a fim de melhor refletir quanto à possibilidade de esta E. Corte Regional detectar, desde logo, nesta sede de apelação, as suas implicações nas provas dos autos, sobretudo porque a dirimência do assunto por parte do MMº Juízo de primeiro grau restou superada com a prolação de sentença condenatória, esgotando a sua jurisdição.
Da prescrição
Preliminarmente, porém, antes de adentrar na análise das questões supra destacadas, verifico ter ocorrido prescrição retroativa quanto aos crimes do artigo 288 do Código Penal e artigo 16 da Lei nº 7.492/86.
Com efeito, a apelante foi condenada a seis meses de reclusão como incursa no artigo 16 da Lei nº 7.492/86 e a seis meses de reclusão, como incursa no artigo 288 do Código Penal, cujo prazo prescricional é de dois anos, à luz do artigo 109, inciso VI, do Código Penal, com a redação anterior à Lei nº 12.234/2010, não aplicável ao caso por ser mais gravosa à ré.
Assim, verifico que ultrapassados mais de dois anos entre a data do recebimento da denúncia, em 17/12/2007 (fls. 882/900), e a publicação da r. sentença condenatória, em 17/01/2011 (fl. 6082), estando, pois, extinta a punibilidade da apelante quanto àqueles dois crimes, com fundamento no artigo 107, inciso IV, c.c art. 109, VI e 110, § 1º, todos do Código Penal, com a redação anterior à Lei nº 12.234/2010.
Outrossim, analisarei o mérito do presente feito tão somente quanto aos crimes tipificados no artigo 22, "caput", da Lei nº 7.492/86 e artigo 1º, § 1º, inciso II, c.c o art. 1º, inciso VI, ambos da Lei nº 9.613/98.
Da competência deste E. Tribunal Regional Federal para análise do mérito, após ter sido decretada a nulidade das interceptações telefônicas pelo C. Superior Tribunal de Justiça nos autos da Ação Penal nº 0007578-03.2005.403.6181, conexa a este feito
Antes, porém, de analisar o mérito, importante ressaltar que, ao contrário do quanto esposado pelo eminente Relator, entendo ser desta Corte Regional a competência para analisar as consequências da nulidade das interceptações telefônicas decretada pelo C. STJ, nos autos do "Habeas Corpus" nº 131.225/SP, relativo à ação penal nº 0007578-03.2005.403.6181 - operação "Credit Suisse" -, cujo Relator, Ministro Sebastião Reis Júnior, assim decidiu, verbis:
"Ante o exposto, não conheço do habeas corpus . De ofício, declaro a ilicitude das provas produzidas pelas interceptações telefônicas autorizadas em 7/11/2005, bem como as provas produzidas pelas subsequentes prorrogações vinculadas a essa primeira decisão, porque amparada a quebra do sigilo apenas na delação anônima, sem investigação preliminar. Expeço a ordem para que o Juízo Federal da 6ª Vara Criminal da 1ª Subseção Judiciária do Estado de São Paulo examine as implicações da nulidade das interceptações nas demais provas dos autos".
Destaco que esta decisão foi confirmada pelo C. Supremo Tribunal Federal, tendo a Relatora, Ministra Carmem Lúcia, negado seguimento ao Recurso Extraordinário nº 800.991, em decisão datada de 17/04/2014.
Com efeito, referida decisão do C. STJ, datada de 01/10/2013 (fl. 6506) refere-se à ação penal nº 0007578-03.2005.403.6181, ainda em curso perante a E. Sexta Vara Criminal Federal de São Paulo, e, portanto, sequer foi julgada por aquele r. Juízo, de maneira que obviamente só poderia competir ao Juízo de primeira instância a análise das consequências da nulidade decretada por aquele E. Tribunal Superior, estando correta, pois, a determinação do STJ de baixa dos autos àquele r. Juízo.
No caso destes autos, porém, a situação é completamente distinta, pois o Juízo de primeiro grau já esgotou a sua jurisdição ao proferir sentença em janeiro de 2011, estando toda a matéria devolvida a esta Corte para análise do recurso de apelação interposto pela acusada, de sorte que a análise das implicações da nulidade das interceptações nas demais provas dos autos - aqui aplicadas em razão da conexão deste feito com a ação penal nº 0007578-03.2005.403.6181 - deve ser realizada em segundo grau de jurisdição.
Ademais, tampouco há cogitar-se em supressão de instância nesse proceder, porquanto, como dito, toda a matéria de fato está devolvida a este Tribunal diante da apelação interposta, devendo este órgão colegiado, pois, analisar quais provas eventualmente subsistem em face da nulidade das interceptações telefônicas já decretada pelo C. STJ, concluindo pela absolvição ou manutenção da condenação da ré.
Destarte, entendo não fazer qualquer sentido remeter os autos à primeira instância, tampouco decretar a nulidade das interceptações telefônicas, pois já decretadas por aquela E. Corte Superior, cabendo tão somente aqui concluir que tal decreto de nulidade, de fato, estende-se a este feito em razão da conexão existente entre ambos os feitos, iniciados em virtude da denominada "Operação Suíça", que, por sua vez, desencadeou as "Operações Kaspar I e Kaspar II".
Mérito
Da análise da aplicação ao caso da "teoria dos frutos da árvore envenenada", prevista em nosso ordenamento jurídico no artigo 157, § 1º, do Código de Processo Penal , com a redação da Lei nº 11.690/2008
Feitas essas considerações, cabe agora, como visto, a este órgão colegiado analisar quais são as eventuais implicações e consequências da nulidade das interceptações telefônicas, decretada pelo C. STJ.
E, nesse sentido, entendo que as provas subsistentes nos autos são suficientes à manutenção da condenação da apelante, mesmo sendo aplicada a norma do artigo 157, § 1º, do CPP, que prevê a nulidade das provas por derivação.
Com efeito, referida "teoria dos frutos da árvore envenenada", acolhida em nosso ordenamento na norma supracitada, implica, em regra, na nulidade das provas derivadas das provas primárias produzidas ilicitamente.
No caso dos autos, tem-se que as investigações tiveram início por meio de delação anônima, das quais decorreram sucessivos pedidos de interceptações telefônicas, reconhecidas nulas por nossos Tribunais Superiores sob o fundamento de terem sido iniciadas com base em delação apócrifa, sem maiores investigações preliminares pela Polícia Federal, tendo o MMº Juízo "a quo", com parecer favorável do "Parquet" Federal, autorizado as interceptações, portanto, de forma ilícita.
Resta, pois, saber se tais provas, originárias e derivadas, ambas ilícitas, quais sejam, delação anônima originária e interceptações telefônicas, ilícitas por derivação -, têm o condão de macular a confissão integral e detalhada dos fatos, realizada pela ré não apenas em seus interrogatórios policial e judicial, mas especialmente em procedimento incidental de "delação premiada" - autos nº 200861810033860, oportunidade em que a ré também entregou em Juízo farta documentação corroborando suas práticas delitivas.
Em casos como tais, tenho que as declarações da acusada, feitas em juízo em sede de "delação premiada", com base nos artigos 13 e 14 na Lei nº 9.807/1999 e artigo 1º, § 5º, da Lei nº 9.613/98, além dos documentos por ela voluntariamente entregues à Justiça, consubstanciam-se como provas válidas, não contaminadas pela ilicitude das provas precedentes - delações anônimas e interceptações telefônicas -, não se aplicando ao caso em tela a ilicitude por derivação, conforme fundamentos a seguir expostos.
Com efeito, entendo que o artigo 157 do CPP, com a redação da Lei nº 11.690/2008, não há de ser interpretado como se norma absoluta fosse, inclusive, como sói acontecer com todos os direitos e garantias fundamentais, nenhum deles de natureza absoluta, devendo tal norma ser, pois, interpretada com a devida razoabilidade, analisado o caso em concreto.
Deve-se considerar que referido texto normativo veio à lume a fim de limitar as ações do Estado, e, com isso, resguardar os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, conduzindo à nulidade do procedimento quando o Estado, valendo-se de seus instrumentos de investigação, desrespeitar tais princípios e normas constitucionais, bem como as leis que os regulamentam, no caso dos autos, a Lei nº 9.296/96 - interceptações telefônicas.
No caso em testilha, porém, verifico que o Estado Brasileiro, segundo entenderam nossos Tribunais Superiores, desrespeitou a Lei nº 9.296/1996, conduzindo, assim, à nulidade das provas carreadas por meio das interceptações telefônicas.
Mas, reitero, tais provas vieram indevidamente aos autos por meio de ação estatal ilegítima, fato que, segundo entendo, não ocorreu com as declarações minuciosas prestadas pela apelante em sede de "delação premiada", as quais, repito, não foram contaminadas pela ilicitude por derivação, por se tratarem de provas autônomas às primárias ilícitas, o mesmo valendo em relação aos documentos por ela entregues em Juízo.
E isso porque, como é cediço, vige em nosso sistema constitucional o direito do réu ao silêncio, não estando ele obrigado a se manifestar e menos ainda a confessar os fatos imputados na denúncia.
Ocorre que a ré Claudine Spiero não apenas confessou detalhada e integralmente todos os seus crimes, como, muito mais do que isso, trouxe a Juízo elementos novos de provas antes inexistentes nos autos, além de ter delatado o envolvimento de inúmeras outras pessoas, físicas e jurídicas, no esquema criminoso, e o fez sempre de forma espontânea e na presença de seus advogados, em depoimentos e documentos registrados em mais de cem laudas, conforme se observa dos autos em apenso nº 200861810033860 - "delação premiada".
Ora, é evidente que tais elementos probatórios não podem ser tidos como alcançados pela ilicitude por derivação das provas primárias já declaradas ilícitas, pois, como visto, não se tratou de ação estatal ilícita, mas, como dito, de ato voluntário e legítimo da ré, completamente cindido/autônomo das provas ilícitas muito tempo antes carreadas aos autos.
A acusada poderia ter se limitado, simplesmente, a negar os fatos ou a se calar em inquérito e em juízo, sem trazer, ademais, qualquer documentação aos autos que a incriminasse, hipótese em que certamente pouco ou nada subsistiria a dar lastro à sua condenação.
Porém, preferiu ela contar em detalhes toda a trama criminosa, sem pressões ou sem qualquer intervenção prévia de mecanismos estatais, e sempre na presença de advogados, de sorte que não há falar-se que tal depoimento e documentos, ricos em subsídios e informações valiosas e novas à Justiça, estaria maculado pela ilicitude derivada.
Essa, a meu ver, a melhor interpretação do § 1º do artigo 157 do Código de Processo Penal, pois além de não ter se tratado de uma ação estatal, mas sim de um ato voluntário da ré, a acusada não se limitou a narrar em seu interrogatório fatos já antes apurados nas interceptações telefônicas, tendo ela trazido ao conhecimento das autoridades inúmeros outros fatos e circunstâncias novos, que somente viriam à lume por vontade própria da acusada - em face da complexidade dos fatos investigados e da dificuldade de sua apuração pelo Estado -, de maneira que presente o requisito legal, previsto naquela norma, da inexistência do nexo de causalidade entre o narrado pela ré e o apurado nas interceptações telefônicas ilícitas, além da autonomia - fonte independente - de suas declarações ao quanto antes obtido pelas diligências estatais, verbis:
"Art. 157. [...]
§ 1º. São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras" - grifo nosso.
Nesse exato sentido, cito precedente da Suprema Corte dos Estados Unidos da América, que, no caso Wong Sun v. U.S, de 1963, considerou dissipada a ilegalidade existente entre a prisão anterior ilícita e a ação voluntária do acusado de confessar. Transcrevo, nesse aspecto, texto publicado pelo Juiz Federal Paulo Cesar Lopes, na Coleção Jornada de Estudos Esmaf, 6, II Jornada de Direito Processual Penal, sob o tema "Limitação à teoria dos frutos da árvore envenenada e o art. 157 do Código de Processo Penal", verbis:
"[...] No caso Wong Sun v. U.S (1963), policiais da 'delegacia de entorpecentes' entraram num domicílio sem 'causa provável'(indícios probatórios necessários para tal) e prenderam ilegalmente "A", o qual quase imediatamente depois, acusou "B" de ter vendido droga. Os policiais, em seguida, prenderam ilegalmente "B", o qual, por sua vez, implicou "C", que também foi preso ilegalmente. Vários dias mais tarde, depois de "C" ter sido libertado, "C", voluntariamente confessou oralmente aos policiais da delegacia de entorpecentes, durante seu interrogatório policial.
A Suprema Corte excluía a apreensão da droga encontrada com "B" e as declarações de "B", por terem sido 'frutos' da entrada ilegal na sua casa e da sua prisão ilegal. Entretanto, rejeitou que a confissão de "C" fosse fruto da sua prisão ilegal, pois, embora "C" pudesse nunca ter confessado se ele jamais tivesse sido preso ilegalmente, sua ação voluntária de confessar, depois de ter sido solto e alertado de seus direitos, tinha tornado a conexão entre a prisão e a declaração tão atenuada que a 'nódoa' da ilegalidade tinha se dissipado" - grifo nosso.
Acrescenta, ainda, o autor ser este o pensamento do ilustre Jurista e Professor Luiz Flavio Gomes, que leciona:
"que na contaminação expurgada o agente confessa mediante tortura e indica seu co-autor, que também confessa. Essa segunda prova é ilícita por derivação e não vale. Dias depois o co-autor, na presença de seu advogado, delibera confessar livremente o delito perante o juiz. A contaminação precedente fica expurgada. A nova confissão, feita na presença de advogado, possui valor jurídico. Ou seja: expurga a contaminação precedente. Nisso reside a teoria da contaminação expurgada, que não foi acolhida expressamente pelo CPP brasileiro, mas é razoável. Cuida-se, pois, de teoria que pode ser acolhida pelos juízes e tribunais brasileiros" - grifei.
É razoável, pois, o acolhimento da tese supracitada ao caso presente, pois, como visto, a acusada, em momento muito posterior à apuração dos fatos em inquérito, por vontade própria e sempre assistida por advogados, veio a juízo espontaneamente confessar não apenas os crimes que lhe foram imputados, mas trazer fatos novos, estranhos às interceptações telefônicas declaradas ilícitas, e de extrema importância à persecução criminal objeto desses autos, que também possibilitaram a continuidade das investigações, tendo sido instaurados diversos inquéritos policiais em face de várias outras pessoas.
E mais, o depoimento da apelante foi de tanta valia à Justiça que posteriormente foi solicitada a sua colaboração à Polícia Federal na interpretação de fatos apurados no bojo da "Operação Satiagraha" (fls. 453/455 dos autos nº 200861810033860, em apenso).
Forçoso, portanto, concluir que ocorreu a quebra da cadeia da ilicitude das provas primárias declaradas ilícitas, as quais não tiveram o condão de contaminar, por derivação, as declarações voluntárias da ré em sede de "delação premiada", tratando-se de provas autônomas, aplicando-se ao caso o disposto no § 1º do artigo 157 do CPP.
Sobre o tema, preleciona Guilherme de Souza Nucci que se o órgão da persecução penal demonstrar que obteve, legitimamente, novos elementos de informação a partir de uma fonte autônoma de prova - que não guarde qualquer relação de dependência nem decorra da prova originariamente ilícita, com esta não mantendo vinculação causal -, tais dados probatórios revelar-se-ão admissíveis, porque não contaminados pela mácula da ilicitude originária (HC 93.050/RJ, 2ª T, 10/6/2008, v.u, rel. Celso de Melo).
Admite-se, pois, a prova produzida quando ela não tiver sido fruto exclusivo da ilícita, ou seja, pode o juiz valer-se de outros elementos idôneos apurados, desde que ausente ou quebrado o nexo de causalidade com a prova anterior ilícita.
Nesse sentido, nossos Tribunais Superiores já decidiram, verbis:
"Não se aplica à espécie a doutrina 'dos frutos da árvore envenenada' se a escuta telefônica, malgrado tenha sido realizada sem a observância do devido processo legal, não foi a prova decisiva ou única para o indiciamento do paciente. (STJ, HC 16.965-RJ, 6ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 13.11.2001, v.u, DJ 04.02.2002, p. 565).
ILICITUDE DA PROVA DECORRENTE DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. DESENTRANHAMENTO DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. EXISTÊNCIA DE OUTROS ELEMENTOS DE CONVICÇÃO DESVINCULADOS DA PROVA ILÍCITA. CONCESSÃO PARCIAL DA ORDEM. 1. Em que pese não ser lícita a prova obtida por meio das interceptações telefônicas realizadas, não se mostra pertinente pedido de anulação das denúncias e dos atos a elas posteriores, já que das informações prestadas pela autoridade apontada como coatora, percebe-se que a acusação lastreou-se em outros elementos probatórios que não possuem qualquer liame ou nexo de causalidade com a quebra do sigilo telefônico reputada nula, de modo que não é possível considerar-se ausente a falta de justa causa para a persecução criminal em exame. 2. A corroborar a validade das demais provas contidas nos autos, e que dão sustentação à peça vestibular e ao édito repressivo, o § 1º do artigo 157 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.690/2008, excepciona, em matéria de provas ilícitas, a adoção da teoria dos frutos da árvore envenenada quando os demais elementos probatórios não estiverem vinculados àquele cuja ilicitude foi reconhecida. 3. Ordem parcialmente concedida apenas para determinar o desentranhamento dos autos das provas decorrentes das interceptações telefônicas autorizadas com base unicamente em denúncia anônima, e deferidas mediante pronunciamentos judiciais não fundamentados. (HC 200802192162 HC - HABEAS CORPUS - 117437 Relator(a) JORGE MUSSI Sigla do órgão STJ Órgão julgador QUINTA TURMA Fonte DJE DATA:20/10/2011) - grifo nosso.
HABEAS CORPUS. PREFEITO MUNICIPAL. ARTIGO 1º-I DO DECRETO-LEI 201/67. CONDENAÇÃO. PROVA ILÍCITA. QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO. FALTA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. ORDEM DENEGADA. A quebra do sigilo bancário - não observado o disposto no artigo 38-§1º da Lei 4.595/64 - não se traduz em prova ilícita se o réu, corroborando as informações prestadas pela instituição bancária, utiliza-as para sustentar sua defesa.Ordem denegada. (STF, HC nº 74197, Relator: Min. FRANCISCO REZEK, 2a. Turma, julgado em 26.11.96, DJ 25.04.1997, p. 15200, vol 01866-3, pp-00574).
Habeas corpus. Constitucional. Penal e processual penal. Sentença condenatória fundada em provas ilícitas. Inocorrência da aplicação da teoria dos "frutos da árvore envenenada". Provas autônomas. Desnecessidade de desentranhamento da prova ilícita. Impossibilidade de aplicação do art. 580 do CPP à espécie. Inocorrência de ofensa aos artigos 59 e 68 do Código Penal. Habeas corpus indeferido. Liminar cassada. 1. A prova tida como ilícita não contaminou os demais elementos do acervo probatório, que são autônomos, não havendo motivo para a anulação da sentença. 2. Desnecessário o desentranhamento dos autos da prova declarada ilícita, diante da ausência de qualquer resultado prático em tal providência, considerado, ademais que a ação penal transitou em julgado. 3. É Impossível, na espécie, a aplicação da regra contida no art. 580 do Código de Processo Penal, pois há diferença de situação entre o paciente e o co-réu absolvido, certo que em relação ao primeiro existiam provas idôneas e suficientes para respaldar sua condenação. 4. No que se refere aos fundamentos adotados na dosimetria da pena, não se vislumbra ofensa aos artigos 59 e 68 do Código Penal. A motivação dada pelo Juízo sentenciante, além de satisfatória, demonstrou proporcionalidade entre a conduta ilícita e a pena aplicada em concreto, dentre os limites estabelecidos pela legislação de regência. 5. Habeas corpus denegado e liminar cassa, da. (STF, HC 89032 HC - HABEAS CORPUS Relator(a) MENEZES DIREITO, 1ª. Turma, 09.10.2007) - grifo nosso.
Outrossim, concluindo-se pela validade dos depoimentos da acusada, passo a analisar as provas dos autos que a incriminam, excluindo-se, evidentemente, aquelas declaradas ilícitas pelo C. STJ.
Nesse passo, a E. Procuradoria Regional da República enfatizou em parecer que:
"[...] A denúncia encartada às fls. 1334/1373 de volume 7 dos autos traz apenas uma seção de uma página (item VI - fls. 1369/70) destinada às interceptações telefônicas autorizadas por esse Juízo. As demais provas e indícios mencionados na peça acusatória, de natureza testemunhal e documental não têm origem direta e exclusiva no monitoramento telefônico conduzido pela Polícia Federal e, portanto, com relação a elas não pode ser aplicado o princípio dos 'frutos envenenados da árvore envenenada', nem se pode aventar a possibilidade de nulidade por derivação. Com a maior razão ainda, não pode ser atingida pela nulidade equivocadamente acordada pelo STJ a delação premiada de Claudine Spiero, colaboradora da Justiça".
Pois bem, quanto aos crimes não prescritos, de evasão de divisas - art. 22 da Lei nº 7.492/86 -, perpetrado principalmente através de "operações cabo", e lavagem de dinheiro - art. 1º da Lei nº 9.613/98, a r. sentença sopesou, de forma fundamentada, as substanciosas declarações prestadas pela apelante no bojo do Procedimento de Delação Premiada, autos nº 2008.61.81.003386-0, tendo consignado a grande contribuição da acusada no esclarecimento de todos os crimes objeto destes autos, para a identificação de inúmeras outras pessoas integrantes do esquema ilícito, bem como na apuração de fatos investigados na "Operação Satiagraha".
Ademais, a corroborar as declarações verbais prestadas naquele procedimento, a apelante também entregou em Juízo, voluntariamente, uma série de documentos esclarecedores de seus crimes e de todo o esquema criminoso, inclusive, apontando fatos graves a diversas outras pessoas, nos quais descreve a forma de atuação de todas elas, conforme documentação acostada às fls. 165/173, 187/345, 354/365, 448 e 573/611 dos autos do procedimento de "delação premiada" em apenso - autos nº 2008.61.81.003386-0.
Outrossim, não obstante a declaração de nulidade das interceptações telefônicas pelo C. STJ e das provas delas diretamente derivadas, extensíveis a estes autos, claro está que a r. sentença condenatória restou embasada, também, em outros elementos probatórios autônomos às provas primárias ilícitas, os quais, como visto, foram entregues pela acusada em procedimento legal de "delação premiada", tratando-se, pois, de provas autônomas e independentes das primeiras, válidas, assim, a amparar o decreto de condenação da ré.
Concluo, portanto, diante todos os argumentos apresentados, que a condenação da apelante deve ser mantida integralmente, nos exatos termos da r. sentença, mesmo excluindo-se da fundamentação "a quo" as provas declaradas ilícitas.
Dispositivo
Ante todo o exposto, divirjo do eminente Relator a fim de, de ofício, reconhecer a prescrição retroativa da pretensão punitiva estatal quanto aos crimes tipificados no artigo 288 do Código Penal e artigo 16 da Lei nº 7.492/86, com fundamento no artigo 107, inciso IV, c.c art. 109, VI e 110, § 1º, todos do Código Penal, com a redação anterior à Lei nº 12.234/2010. Ainda, em preliminar, estendo a estes autos a r. decisão proferida pelo C. STJ, no habeas corpus nº 131.225, e, com isso, declaro nulas as interceptações telefônicas realizadas em sede de investigação. No mérito, nego provimento à apelação interposta por Claudine Spiero, e, com isso, mantenho a sua condenação como incursa nas penas do artigo 22, "caput", da Lei nº 7.492/86 e artigo 1º, § 1º, inciso II, c.c o art. 1º, inciso VI, ambos da Lei nº 9.613/98, assim como as penas que lhe foram impostas, nos exatos termos da r. sentença "a quo".
É como voto.
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VOTO-VISTA
O Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal MARCELO SARAIVA:
Trata-se de apelação criminal interposta por CLAUDINE SPIERO contra r. sentença proferida pelo MM. Juízo da 6ª Vara Criminal de São Paulo, publicada em 17 de janeiro de 2011, que julgou parcialmente procedente a denúncia, condenando-a à pena de 4 (quatro) anos de reclusão, em regime inicial aberto, bem como ao pagamento de 19 (dezenove) dias-multa, pela prática dos delitos previstos nos artigos 16 e 22, caput, da Lei nº 7.492/1986, no artigo 1º, § 1º, inciso II, combinado com o artigo 1º, inciso VI, da Lei nº 9.613/98, e no artigo 288, do Código Penal, tudo combinado com o artigo 14, da Lei nº 9.807/99, absolvendo-a com relação aos crimes tipificados no artigo 22, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86, e nos artigos 299 e 334 do Código Penal, sob o fundamento do artigo 386, VII, do Código de Processo Penal.
A denúncia foi recebida em 17/12/2007 (fls. 5945) e a sentença foi publicada em 17/01/2011 (fls. 6082).
A ré, nas razões recursais, pretende a reforma da r. sentença e sua absolvição, postulando, preliminarmente: a) a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva retroativa com relação aos delitos tipificados no artigo 16 da Lei nº 7.492/1986 e no artigo 288, do Código Penal; b) a nulidade das interceptações telefônicas , sob a alegação de que a primeira decisão seria nula, ante o não apontamento de indícios razoáveis de autoria ou participação da infração penal pela apelante (art. 2º, I, da Lei nº 9.296/96), tampouco da necessidade da medida (art. 2º, II), bem como pela falta de indicação da qualificação dos alvos da medida (art. 2º, parágrafo único); c) a ocorrência de manifesto excesso de prazo nas ordens de prorrogação das interceptações; d) que as demais provas derivadas da interceptação ilícita também estariam contaminadas, nos termos do artigo 157, §1º, do CPP.
No mérito recursal, sustenta que: a) quanto ao delito do art. 22, caput, da Lei nº 7.492/76, que as operações "dólar cabo" seriam atípicas, bem assim que não haveria prova suficiente da suposta entrega de valores em espécie, originados de internação; b) quanto à imputação pela eventual prática de crime de lavagem de dinheiro do art. 1º, incisos VI, VII e § 1º, inciso I a III, da Lei nº 9.613/86, sustenta que não houve acréscimo ao patrimônio da apelante decorrente do crime, circunstância elementar do tipo penal imputado e que não foi mencionada na sentença, assim como a forma como ocorreu a dissimulação do patrimônio a própria origem ilícita do dinheiro considerado como decorrente da lavagem; c) não foi comprovada a suposta lavagem, tanto que os bens e valores apreendidos já foram restituídos, apresentando justificativas no que concerne os valores em dólar, reais e euros apreendidos.
Pedi vista dos autos para melhor refletir acerca da nulidade do feito por contaminação da prova pela quebra de sigilo bancário pela Receita Federal, sem autorização judicial.
De início, adoto igual entendimento explicitado pelo excelentíssimo Relator quanto ao mérito.
A presente ação penal está eivada de nulidade absoluta, tendo em vista a anulação do processo autuado sob o número 2005.61.81.007578-6, denominado Operação Suíça, da qual a apelante deriva.
Deveras, o egrégio Superior Tribunal de Justiça, através do Habeas Corpus nº 131.225, anulou, por trânsito em julgado, todas as escutas telefônicas feitas pela Polícia Federal na Operação Suíça, em razão de que foram autorizadas com base, exclusivamente, em denúncia anônima, sendo que a operação Kaspar II, na qual a apelante foi investigada, processada e condenada, é derivada da Operação Suíça, como fica evidente da leitura dos autos.
Desse modo, resta evidente a derivação, ainda mais quando se vê que o pedido de interceptação telefônica da apelante, iniciada em 15/07/2007, carregou o número da Operação Suíça (225.61.81.007578-6) até a data da efetiva prisão da apelante. Além disso, os pedidos de interceptação, como também os despachos do Juiz e os ofícios para e das operadoras todos constam claramente identificados com o número processual da Operação Suíça, que restou anulada, tudo conforme se nota dos autos.
Por tudo isso, resta evidente o nexo de causalidade entre o início da interceptação telefônica da apelante, que resultou em sua condenação e as provas oriundas das interceptações telefônicas da operação Suíça, declaradas ilegais e nulas, com a qual impõe-se o reconhecimento da nulidade das provas utilizadas para condenação da apelante, em observância ao princípio da árvore dos frutos envenenados, já consolidado em nosso sistema processual penal.
Ademais, não se cuida aqui de ausência de relação de causalidade entre a prova considerada e a prova obtida por outra fonte independente.
É como voto.
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