Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 05/12/2014
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002174-65.2006.4.03.6106/SP
2006.61.06.002174-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
APELANTE : DONIZETTI APARECIDO DA SILVA
ADVOGADO : SP264287 VANDERLEIA CARDOSO DE MORAES e outro
APELANTE : ROSA MARIA ARID ALVES
ADVOGADO : SP070481 DIONEZIO APRIGIO DOS SANTOS e outro
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00021746520064036106 2 Vr SAO JOSE DO RIO PRETO/SP

EMENTA

PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. CRIME DE ESTELIONATO. RECEBIMENTO DE PARCELAS DE SEGURO-DESEMPREGO. DELITO PERMANENTE. CRIME DE OMISSÃO DE CONTRATO DE TRABALHO EM CTPS DO EMPREGADO. "EMENDATIO LIBELLI". PROCEDIDA "EX OFFICIO". MATERIALIDADES E AUTORIAS DELITIVAS COMPROVADAS. DOLOS EVIDENCIADOS. PENAS MANTIDAS. RECURSOS IMPROVIDOS.
1. Inocorrência de prescrição da pretensão punitiva do acusado, em face do prazo prescricional decorrente da pena fixada na sentença, já desconsiderado o acréscimo relativo à continuidade delitiva (Súmula n° 497, do STF), não ter transcorrido entre a data do recebimento da última parcela do seguro-desemprego e a data do recebimento da denúncia ou entre esta e a data da publicação da sentença condenatória.
2. A conduta de omitir contrato de trabalho em Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS de empregado, viabilizado o recebimento indevido de seguro desemprego, enquadra-se na figura típica prevista no artigo 297, §3º, inciso II, c/c §4º, do Código Penal, em razão da aludida norma penal ser especial em relação ao delito previsto no artigo 171, §3º, do Código Penal, bem como não ter exaurido sua potencialidade no estelionato, tendo ensejado o não pagamento de parcelas remuneratórias, o não recolhimento de tributos resultantes de tal vínculo jurídico, além de lesionar a fé pública.
3. Não há qualquer vedação para a aplicação da denominada emendatio libelli pelo Tribunal, pois a desclassificação, operada sem qualquer outra providência, não resultará em ofensa ao princípio da correlação entre a acusação e a decisão final ou ao direito de ampla defesa, pois não haverá surpresa para o acusado, que se defendeu amplamente dos fatos que lhe foram imputados na denúncia.
4. Materialidades delitivas comprovadas em razão do acusado ter recebido 5 (cinco) parcelas de seguro-desemprego relativo ao período compreendido entre fevereiro a junho de 2003, em que ele não estava desempregado, conforme declarado pelo próprio quando ouvido como testemunha em reclamação trabalhista.
5. Autorias delitivas incontestáveis, pois a ré era empregadora do ora réu, tendo ela a obrigação legal de anotar o contrato de trabalho celebrado entre eles em sua CTPS, enquanto ele efetivamente recebeu as parcelas do seguro desemprego relativos aos meses de fevereiro a junho de 2003.
6. As provas constantes nos autos revelam que todos os requisitos da relação trabalhista - empregado pessoa física, não eventualidade, onerosidade e subordinação - restaram comprovados pelo conjunto probatório, tendo havido conluio entre os réus para que ela deixasse de anotar na CTPS dele o contrato de trabalho, viabilizando assim a percepção indevida de parcelas do seguro-desemprego.
7. Dolos evidenciados, vez que a acusada, com consciência e vontade, omitiu contrato de trabalho na CTPS do acusado, que, por sua vez, anuiu com tal situação com o fim específico de receber indevidamente parcelas do seguro desemprego.
8. Condenações mantidas.
9. A decisão a quo não merece quaisquer reparos quanto à pena do acusado, pois, além de inexistir qualquer insurgência a respeito, sua pena-base foi fixada no mínimo legal, não incidindo qualquer agravante ou atenuante, mas apenas, na terceira fase, as causas de aumento previstas nos artigos 71 e 171, §3º, ambos do Código Penal.
10. Quanto à acusada, considerando que a pena mínima decorrente da prática do crime pelo qual está sendo condenada é maior que a pena aplicada na sentença pela prática de estelionato, e não havendo recurso ministerial, sendo vedada a reformatio in pejus, sua pena deve-se limitar àquela fixada em primeira instância, nos termos do artigo 617, do Código de Processo Penal.

11. Emendatio libelli procedida ex officio, classificando a conduta da acusada no delito tipificado no artigo 297, §3º, inciso II, c/c §4º, do Código Penal; e apelações improvidas.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, proceder, ex officio, à emendatio libelli, na forma do artigo 383, do Código de Processo Penal, para enquadrar a conduta da acusada Rosa Maria Arid Alves no delito tipificado no artigo 297, §3º, inciso II, c/c §4º, do Código Penal, e negar provimento às apelações, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.



São Paulo, 25 de novembro de 2014.
Antonio Cedenho
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002174-65.2006.4.03.6106/SP
2006.61.06.002174-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
APELANTE : DONIZETTI APARECIDO DA SILVA
ADVOGADO : SP264287 VANDERLEIA CARDOSO DE MORAES e outro
APELANTE : ROSA MARIA ARID ALVES
ADVOGADO : SP070481 DIONEZIO APRIGIO DOS SANTOS e outro
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00021746520064036106 2 Vr SAO JOSE DO RIO PRETO/SP

RELATÓRIO


O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO:


Trata-se de apelações criminais interpostas pelos réus Donizetti Aparecido da Silva e Rosa Maria Arid Alves contra sentença que os condenaram como incursos nas penas do artigo 171, §3°, c/c artigos 29 e 71, todos do Código Penal.


Narra a denúncia que:


"Consta dos presentes autos que o ora denunciado Donizetti Aparecido da Silva, nos autos da reclamatória trabalhista n.° 1926/2003-6, que tramitou perante a 2° Vara do Trabalho de São José do Rio Preto, proposta por Sandro Rodrigues Gaia em face da ora denunciada Rosa Maria Arid Alves, afirmou, na qualidade de testemunha do reclamante, ter trabalhado para a reclamada sem o devido registro em CTPS e ter recebido, durante esse período, seguro-desemprego, sendo posteriormente registrado pela mesma (fls. 06).
Ouvido nos presentes autos às fls. 24, o acusado confirmou que trabalhou sem registro em carteira na fazenda da acusada durante o período aproximado de dezembro de 2002 a setembro de 2003, tendo recebido durante esse período cerca de sete parcelas do seguro-desemprego. Afirmou, ainda, que foi a acusada quem propôs ao declarante não efetuar o registro para que ele pudesse receber as parcelas do seguro-desemprego, tendo-lhe, ainda, afirmado que não haveria nenhum problema em receber os dois.
As informações da Caixa Econômica Federal de fls. 126/129 comprovam que, durante o período em que trabalhou para a denunciada Rosa Maria Arid Alves sem registro em carteira o denunciado Donizetti Aparecido da Silva recebeu, indevidamente, seis parcelas do seguro-desemprego.
O recebimento indevido dessas parcelas só foi possível em razão do conluio entre Donizetti Aparecido da Silva e Rosa Maria Arid Alves, através da manutenção de relação de emprego sem o devido registro em CTPS, induzindo em erro o órgão pagador do benefício do seguro-desemprego, no caso a Caixa Econômica Federal.
A cópia da CTPS do acusado, acostada às fls. 152 dos presentes autos, registrando um contrato de trabalho entre as partes no período de 01 de julho de 2003 a 10 de setembro de 2003, com início exatamente um mês após o recebimento da última parcela do seguro-desemprego, divergindo do anteriormente afirmado pelo acusado, corrobora o conluio existente entre eles.
Assim agindo, Donizetti Aparecido da Silva obteve vantagem ilícita, em prejuízo do Ministério do Trabalho e do Emprego, mediante acordo fraudulento com sua empregadora Rosa Maria Arid Alves, alterando a verdade sobre fato juridicamente relevante.
Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL denuncia Donizetti Aparecido da Silva e Rosa Maria Arid Alves como incursos nas penas do artigo 171. § 3°, c/c art. 29, ambos do Código Penal, requerendo suas citações para responderem aos termos da presente até final condenação."
(fls. 02/04)

A denúncia foi recebida em 26 de março de 2007 (fl. 197).


Após regular instrução, sobreveio sentença, publicada em 24 de março de 2011 (fl. 391), que julgou procedente da ação penal para condenar Donizetti Aparecido da Silva e Rosa Maria Arid Alves ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por duas penas restritivas de direitos, e 15 (quinze) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) e 1/2 (metade) do salário mínimo vigente ao tempo da infração, respectivamente, pela prática do crime previsto no artigo 171, §3°, c/c artigos 29 e 71, ambos do Código Penal (fls. 383/390).


Em razões recursais, a defesa de Rosa Maria Arid Alves pugna por sua absolvição em razão da inexistência de materialidade e autoria delitivas decorrente da inexistência de relação de emprego durante o período em que Donizetti Aparecido da Silva recebeu o seguro-desemprego, bem como ausência de dolo em sua conduta (fls. 411/418).


A seu turno, a defesa de Donizettti Aparecido da Silva alega, inicialmente, que sua punibilidade encontra-se extinta em face da prescrição da pretensão punitiva e, no mérito, pugna pela absolvição sob os mesmos argumentos da acusada (fls. 439/452).


Foram apresentadas contrarrazões pelo Parquet (fls. 454v/457v).


A Procuradoria Regional da República da 3ª Região opina, em parecer, pelo improvimento dos recursos (fls. 459/464).


É o relatório.


À revisão.


Antonio Cedenho
Desembargador Federal Relator


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Data e Hora: 14/09/2014 20:27:09



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002174-65.2006.4.03.6106/SP
2006.61.06.002174-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
APELANTE : DONIZETTI APARECIDO DA SILVA
ADVOGADO : SP264287 VANDERLEIA CARDOSO DE MORAES e outro
APELANTE : ROSA MARIA ARID ALVES
ADVOGADO : SP070481 DIONEZIO APRIGIO DOS SANTOS e outro
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00021746520064036106 2 Vr SAO JOSE DO RIO PRETO/SP

VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO:


Inicialmente, não há que se falar em extinção da punibilidade do acusado pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal.


Não havendo recurso ministerial, ocorreu o trânsito em julgado para a acusação, não sendo possível a majoração da pena por este E. Tribunal, sob pena de se incorrer em reformatio in pejus, tornando perfeitamente possível a análise da prescrição da pretensão punitiva com base na sanção penal concreta imposta pelo Juízo a quo ao denunciado, nos termos do artigo 110, § 1º, do Código Penal.


Quanto ao delito de estelionato, é pacífico na Suprema Corte o entendimento da necessidade de se diferenciar a situação jurídica daquele que comete a falsificação para permitir que terceiro receba o benefício fraudulento, caso em que o crime é instantâneo de efeitos permanentes, daquela em que a fraude é perpetrada pelo próprio beneficiário, caso em que o crime é permanente, atraindo a incidência do artigo 111, inciso III, do Código Penal:


HABEAS CORPUS. PENAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. ESTELIONATO PRATICADO CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL (ART. 171, § 3º, DO CÓDIGO PENAL). CRIME INSTANTÂNEO DE EFEITOS PERMANENTES QUANDO SUPOSTAMENTE PRATICADO POR TERCEIRO NÃO BENEFICIÁRIO. PRESCRIÇÃO. OCORRÊNCIA. 1. A Paciente não é segurada do INSS, mas funcionária do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de João Lisboa/MA, a quem se imputa a prática do delito de estelionato previdenciário. 2. Este Supremo Tribunal Federal assentou que o crime de estelionato previdenciário praticado por terceiro não beneficiário tem natureza de crime instantâneo de efeitos permanentes, e, por isso, o prazo prescricional começa a fluir da percepção da primeira parcela. Precedentes. 3. Considerando que o recebimento da primeira parcela pela Paciente ocorreu em 24.11.1995 e que a pena máxima em abstrato do delito a ela imputado é de seis anos e oito meses, o prazo prescricional é de doze anos e, não havendo nenhuma causa interruptiva, se implementou em 24.11.2007, conforme preceituam os arts. 107, inc. IV, e 109, inc. III, do Código Penal. 4. Ordem concedida.
(HC 112095, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 16/10/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-220 DIVULG 07-11-2012 PUBLIC 08-11-2012)
PENAL. HABEAS CORPUS. ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO. ART. 171, § 3º, DO CÓDIGO PENAL. CRIME PERMANENTE. BENEFICIÁRIO. PRAZO PRESCRICIONAL. INÍCIO DA CONTAGEM. CESSAÇÃO DA PERMANÊNCIA. ORDEM DENEGADA. 1. O agente que perpetra a fraude contra a Previdência Social recebe tratamento jurídico-penal diverso daquele que, ciente da fraude, figura como beneficiário das parcelas. O primeiro pratica crime instantâneo de efeitos permanentes; já o segundo pratica crime de natureza permanente, cuja execução se prolonga no tempo, renovando-se a cada parcela recebida da Previdência. 2. Consectariamente, em se tratando de crime praticado pelo beneficiário, o prazo prescricional começa a fluir da cessação da permanência. Precedentes: HC nº 99.112, rel. Min. Marco Aurélio, j. 20/4/2010, 1ª Turma; HC 101.481, rel. min. Dias Toffoli, j. 26/4/2011, 1ª Turma; HC 102.774/RS, rel. Min. Ellen Gracie, j. 14/12/2010, 2ª Turma, DJ de 7/2/2011. 3. In casu, narra a denúncia que o paciente participou não apenas da fraude à entidade de Previdência Social, por meio de conluio com servidor do INSS, mas figurou como destinatário dos benefícios previdenciários, que recebeu até 30/10/2006. 4. Dessa forma, forçoso reconhecer que o prazo prescricional teve início apenas na referida data, em que cessada a permanência. 5. Ordem denegada.
(HC 102049, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 22/11/2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-234 DIVULG 09-12-2011 PUBLIC 12-12-2011 RT v. 101, n. 918, 2012, p. 680-684)
HABEAS CORPUS. CRIME MILITAR. ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO. BENEFICIÁRIO DAS PARCELAS INDEVIDAS. CRIME PERMANENTE. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. HIGIDEZ DA PRETENSÃO PUNITIVA. ORDEM INDEFERIDA.
1. Em tema de estelionato previdenciário, o Supremo Tribunal Federal tem uma jurisprudência firme quanto à natureza binária da infração. Isso porque é de se distinguir entre a situação fática daquele que comete uma falsidade para permitir que outrem obtenha a vantagem indevida, daquele que, em interesse próprio, recebe o benefício ilicitamente. No primeiro caso, a conduta, a despeito de produzir efeitos permanentes no tocante ao beneficiário da indevida vantagem, materializa, instantaneamente, os elementos do tipo penal. Já naquelas situações em que a conduta é cometida pelo próprio beneficiário e renovada mensalmente, o crime assume a natureza permanente, dado que, para além de o delito se protrair no tempo, o agente tem o poder de, a qualquer tempo, fazer cessar a ação delitiva. Precedentes.
2. No caso, o paciente, indevidamente, sacou os valores depositados na conta-corrente de sua falecida irmã no período de janeiro de 2000 a maio de 2005. É falar: em proveito próprio, ele cometeu a fraude contra a Administração Militar. Donde ressai a natureza permanente da infração, a atrair a incidência do inciso III do art. 111 do Código Penal.
3. Habeas corpus indeferido.
(HC 104880, Relator Min. AYRES BRITTO, Segunda Turma, DJe 22-10-2010)

Por sua vez, o C. Superior Tribunal de Justiça vem proferindo reiteradamente decisões a corroborar a orientação do Pretório Excelso, verbis:


HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DE RECURSO ORDINÁRIO. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. ESTELIONATO. INDEVIDO RECEBIMENTO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA NO CASO CONCRETO. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE PATENTE. NÃO CONHECIMENTO.
1. É imperiosa a necessidade de racionalização do emprego do habeas corpus, em prestígio ao âmbito de cognição da garantia constitucional, e, em louvor à lógica do sistema recursal. In casu, foi impetrada indevidamente a ordem como substitutiva de recurso ordinário. Além disso, após esta impetração, a matéria aqui controvertida foi decidida por duas vezes, na sentença e na apelação, estando o processo, atualmente, no aguardo da admissão, na origem, do recurso especial da ora paciente, o que só avulta a impropriedade deste habeas corpus.
2. Em sede de estelionato previdenciário, a jurisprudência passou a distinguir as hipóteses entre o crime praticado pelo próprio segurado que recebe mês a mês o benefício indevido, e o crime praticado pelo servidor da autarquia previdenciária ou por terceiro não beneficiário, que comete a fraude inserindo os dados falsos.
3. O ilícito praticado pelo segurado da previdência é de natureza permanente e se consuma apenas quando cessa o recebimento indevido do benefício, iniciando-se daí a contagem do prazo prescricional, e o ilícito praticado pelo servidor do INSS ou por terceiro não beneficiário é instantâneo de efeitos permanentes e sua consumação se dá no pagamento da primeira prestação do benefício indevido, a partir de quando se conta o prazo de prescrição da pretensão punitiva.
4. Em consequência, ressalvando meu entendimento, curvo-me à orientação firmada no âmbito deste Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal para reconhecer a natureza permanente do crime de estelionato previdenciário quando praticado pelo próprio beneficiário, reafirmando, contudo, a natureza instantânea de efeitos permanentes do crime quando praticado por não-beneficiário.
5. In casu, trata-se de delito praticado pelo beneficiário, cuja cessação do pagamento indevido deu-se em junho de 2010, não se operando, portanto, o prazo prescricional de 8 anos, relativo à pena concretamente aplicada (02 anos e 8 meses de reclusão).
6. Writ não conhecido.
(HC 190.071/RJ, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 02/05/2013, DJe 15/05/2013)
PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ESTELIONATO CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL. PRESCRIÇÃO AFASTADA. CRIME PERMANENTE EM RELAÇÃO AO BENEFICIÁRIO. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. A natureza do crime de estelionato contra a Previdência Social daquele que aufere a vantagem indevida é permanente, cujo lapso inicial do prazo prescricional coincide com o recebimento da última parcela do benefício previdenciário. Precedentes.
2. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, faz distinção da natureza do estelionato previdenciário a partir de quem o pratica: se o próprio beneficiário for o autor do fato, a infração penal terá natureza permanente; se a fraude for implementada por terceiro para que outrem obtenha o benefício, tratar-se-á de crime instantâneo de efeitos permanentes.
3. In casu, nos termos dos arts. 109, IV, 111, III, e 117 do CP, o prazo prescricional do ilícito em comento só teve início em 28/3/2003, quando cessou o pagamento indevido do benefício previdenciário indevidamente percebido pelo agravante, de modo que não decorreu o período de tempo entre os marcos interruptivos apto ao reconhecimento da prescrição.
4. Agravo regimental não provido.
(AgRg no REsp 1264903/SE, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 26/06/2012, DJe 01/08/2012)

Nesse mesmo sentido, a Primeira Seção desta Corte coaduna com o entendimento dos Tribunais Superiores:


PENAL. PROCESSUAL PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES EM APELAÇÃO CRIMINAL. ESTELIONATO CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL. ART. 171, § 3º, CP. FRAUDE PRATICADA PELO PRÓPRIO BENEFICIÁRIO. CRIME PERMANENTE. FRAUDE PRATICADA POR TERCEIRO. CRIME INSTANTÂNEO DE EFEITOS PERMANENTES. PRESCRIÇÃO RECONHECIDA. EMBARGOS INFRINGENTES A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1- A jurisprudência dos Tribunais havia se consolidado no sentido de que o crime de estelionato previdenciário era crime permanente e, portanto, a prescrição somente começaria a correr do dia em que cessou a permanência, nos termos do artigo 111, inciso III, do Código Penal, ou seja, do término do recebimento do benefício previdenciário.
2- O Supremo Tribunal Federal, a partir do julgamento do HC nº 86.467/RS (Tribunal Pleno, de relatoria do E. Ministro Marco Aurélio, DJ de 22/06/2007), alterou o entendimento no sentido de que o crime de estelionato previdenciário seria instantâneo de efeitos permanentes, iniciando-se o prazo prescricional com o recebimento da primeira prestação do benefício.
3- Recentemente, a Suprema Corte alterou novamente o entendimento, passando a diferenciar a situação jurídica daquele que comete a falsificação para permitir que terceiro receba o benefício fraudulento, caso em que o crime é instantâneo de efeitos permanentes, da situação em que a fraude é perpetrada pelo próprio beneficiário, caso em que o crime é permanente, atraindo a incidência do artigo 111, inciso III, do Código Penal (HC 104880 e RHC 105761).
4- Na presente hipótese, a fraude foi também praticada pela própria beneficiária e, portanto, o crime praticado tem natureza permanente e, como consequência, a prescrição somente começa a correr do dia em que cessou a permanência, nos termos do artigo 111, inciso III, do Código Penal, ou seja, do término do recebimento do benefício previdenciário.
5- A pena máxima cominada ao delito de estelionato contra a Previdência Social, acrescida da causa de aumento prevista no § 3º, do artigo 171, do Código Penal, é de 06 (seis) anos e 08 (oito) meses de reclusão. Verifica-se, portanto, que não transcorreram mais de 12 (doze) anos (art. 109, III, CP) entre a data do término do recebimento do benefício previdenciário e a data do julgamento do recurso pela 2ª Turma desta E. Corte, que recebeu a denúncia.
6- Embargos infringentes a que se nega provimento.
(TRF 3ª Região, PRIMEIRA SEÇÃO, EIFNU 0012670-83.2010.4.03.6181, julgado em 17/01/2013, e-DJF3 Judicial 1 DATA:28/01/2013)
ESTELIONATO QUALIFICADO - FRAUDE CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL - ART. 171, § 3º, DO CÓDIGO PENAL - DELITO INSTANTÂNEO, DE EFEITOS PERMANENTES, PARA O TERCEIRO, QUE ATUOU NA CONSECUÇÃO DO DELITO - PRECEDENTES DO STF, DO STJ E DO TRF1ª REGIÃO - EMBARGOS PROVIDOS 1. Consoante entendimento jurisprudencial reiterado pelo C. Supremo Tribunal Federal, há distinção fática entre aquele que recebe indevidamente o benefício e aquele ou aqueles que propiciaram a sua percepção indevida. Para o primeiro, que recebeu as parcelas de pagamento, a consumação persiste até a cessação do pagamento, tratando-se de benefício de natureza permanente, incidindo o prazo prescricional naquela data (cessação), conforme dispõe o art. 111, inc. III, do Código Penal. 2. Já para os meros intermediadores, ou seja, aqueles que participaram na forma de propiciar a outrem a percepção do benefício fraudulento, o entendimento consolidado é o de que a conduta se materializa instantaneamente, com o requerimento do benefício, não obstante produzir efeitos permanentes no tocante ao beneficiário da indevida vantagem. 3. No caso dos autos, o embargante foi acusado de ter intermediado e obtido, para José Marco Pavan, vantagem ilícita consistente em benefício previdenciário no período compreendido entre 24 de julho de 1998 e maio de 2004, mediante fraude ao INSS. 4. Portanto, neste caso, o termo inicial da prescrição é a data do recebimento da primeira parcela, em 24 de julho de 1998 (fl. 32). O artigo 171, § 3º, do Código Penal, tem pena máxima de seis anos e oito meses de reclusão, o que implica no prazo prescricional de doze anos (art. 109, III, CP), prazo este efetivamente ultrapassado entre a data do fato (24/07/1998) e a do oferecimento da denúncia, em 14/07/2011, a ensejar a consumação da prescrição da pretensão punitiva estatal. 5. Embargos providos.
(EIFNU 09003869120054036181, DESEMBARGADOR FEDERAL LUIZ STEFANINI, TRF3 - PRIMEIRA SEÇÃO, e-DJF3 Judicial 1 DATA:19/06/2013 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)

Segundo a denúncia, os acusados teriam acordado entre si que Rosa Maria não registraria o contrato de trabalho de Donizetti Aparecido em CTPS para que ele recebesse parcelas do seguro-desemprego, as quais foram pagas entre fevereiro a junho de 2003 (fls. 133/137).


Portanto, considerando a natureza binária do crime de estelionato, o delito, em relação ao acusado se trata de delito permanente.


Assim, considerando que a decisão recorrida fixou a pena definitiva pouco acima de 1 (um) ano de reclusão para ambos os acusados, o que enseja prazo prescricional de 4 (quatro) anos, nos termos do artigo 109, inciso V, do Código Penal, não transcorrido entre a data do recebimento da última parcela do seguro-desemprego (18.06.2003) e a data do recebimento da denúncia (26.03.2007) ou entre esta e a data da publicação da sentença condenatória (24.03.2011), mesmo desconsiderando o acréscimo decorrente da continuidade delitiva, nos termos da Súmula nº 497, do Supremo Tribunal Federal.


Assim, não há que se falar em extinção da punibilidade decorrente da prescrição da pretensão punitiva do acusado.


Ainda, antes de analisar o mérito recursal, cabe proceder ao reenquadramento da conduta praticada pela acusada Rosa Maria Arid Alves na figura típica prevista no artigo 297, §3º, inciso II, c/c §4º, do Código Penal, in verbis:


"Falsificação de documento público
Art. 297 - Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro:
Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa.
(...)
§ 3o Nas mesmas penas incorre quem insere ou faz inserir: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
(...)
II - na Carteira de Trabalho e Previdência Social do empregado ou em documento que deva produzir efeito perante a previdência social, declaração falsa ou diversa da que deveria ter sido escrita; (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
(...)
§4o Nas mesmas penas incorre quem omite, nos documentos mencionados no § 3o, nome do segurado e seus dados pessoais, a remuneração, a vigência do contrato de trabalho ou de prestação de serviços. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)"

Conclui-se que a citada norma penal é especial em relação ao delito previsto no artigo 171, §3º, do Código Penal, razão pela qual é de rigor aplicar o disposto no artigo 383, do Código de Processo Penal para alterar a definição jurídica dada aos fatos pela denúncia, classificando a conduta da acusada na figura típica prevista no artigo 297, §3º, inciso II, c/c §4º, do Código Penal.


Outrossim, a conduta ilícita da acusada não exauriu sua potencialidade lesiva apenas no estelionato, pois a omissão do contrato de trabalho na Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS enseja o não pagamento de parcelas remuneratórias, o não recolhimento de tributos resultantes de tal vínculo jurídico, além de lesionar a fé pública.


Não há qualquer vedação para a aplicação da denominada emendatio libelli pelo Tribunal, pois a desclassificação, operada sem qualquer outra providência, não resultará em ofensa ao princípio da correlação entre a acusação e a decisão final ou ao direito de ampla defesa, pois não haverá surpresa para o acusado, que se defendeu amplamente dos fatos que lhe foram imputados na denúncia, conforme julgados do Superior Tribunal de Justiça:


"PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. OPERAÇÃO DIAMANTE. LAVAGEM DE DINHEIRO. LEI N.° 9.613/98. NULIDADE DA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA. MUTATIO LIBELLI NÃO CONFIGURADA. MERA EMENDATIO LIBELLI - DESNECESSIDADE DE PROVIDÊNCIAS PRELIMINARES. ORDEM DENEGADA.
1-O princípio da correlação entre a peça vestibular e a sentença é um dos pilares do nosso processo penal, entretanto, tal princípio deve coexistir com o da livre dicção do direito, jura novitcuria, isto é, o juiz conhece o direito, é ele quem cuida do direito, expresso na regra narra mihi factum dabotibi jus (narra-me o fato e te darei o direito).
2- Se o fato criminoso está descrito na denúncia, ainda que não tenha ali sido capitulado, pode o Juiz por ele condenar o acusado, posto que a defesa é contra os fatos e não contra a capitulação do delito.
3- A emendatio libelli é procedida de ofício, tanto em primeiro como em segundo grau de jurisdição, sem qualquer formalidade prévia.
4 - Ordem denegada."
(HC 47.838/GO, Rel. Ministra Jane Silva (Desembargadora Convocada do TJ/MG), 6ª Turma, DJe 14.4.2008)
"PENAL E PROCESSUAL PENAL. ART. 19, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 7.492/86. VIOLAÇÃO AO ART. 619 DO CPP INEXISTENTE. DENÚNCIA. ADITAMENTO. EMENDATIO LIBELLI. MEDIDA DISPENSÁVEL. NARRATIVA ABRANGENTE QUE PERMITE OUTRA ADEQUAÇÃO TÍPICA. ART. 171, § 3º, DO CP E ART. 19, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 7.492/86. CONDUTAS DIVERSAS. COOPERAÇÃO DOLOSAMENTE DISTINTA. SÚMULA Nº 7/STJ.
(...)
II - Se a imputatiofacti, explícita ou implicitamente, permite definição jurídica diversa daquela indicada na denúncia, tem-se a possibilidade de emendatiolibelli (art. 383 do CPP).
III - Não há, pois, nulidade decorrente da inobservância do mecanismo da mutatiolibelli (art. 384 do CPP) se a exordial acusatória apresenta narrativa abrangente que admite outra adequação típica (Precedentes do Pretório Excelso e do STJ).
(...)"
(REsp 761.354/PR, Rel. Ministro Felix Fischer, 5ª Turma, DJ 16.10.2006, p. 421)
"HABEAS CORPUS. ESTUPRO. ALTERAÇÃO DA CLASSIFICAÇÃO DO DELITO. HIPÓTESE DE EMENDATIO LIBELLI. ART. 383 DO CPP.
1. O réu se defende dos fatos que são descritos na peça acusatória e não da definição jurídica dada na denúncia.
2. A adequação típica pode ser alterada tanto pela sentença quanto em segundo grau, via emendatiolibelli.
3. Se a nova classificação jurídica dada aos fatos, adequando a capitulação, nenhum dano trouxe ao paciente, já que se defendeu amplamente da narrativa inicial, não refletindo a conclusão do decisum em alteração na pena ou no regime carcerário, nenhuma nulidade há que se corrigir.
4. Ordem denegada."
(HC 41.527/SP, Rel. Ministro Hélio Quaglia Barbosa, 6ª Turma, DJ 06.02.2006, p. 347)

Com tais considerações, passo ao exame das materialidades e autorias delitivas.


As materialidades delitivas restaram comprovadas através do ofício expedido pelo Ministério do Trabalho e Emprego (fls. 132/137) o qual demonstra que o acusado Donizetti Aparecido da Silva recebeu 5 (cinco) parcelas de seguro-desemprego relativo ao período compreendido entre fevereiro a junho de 2003, em que ele não estava desempregado, conforme declarado pelo próprio acusado quando ouvido como testemunha na reclamação trabalhista n° 1926/2003-6, tramitada na 2ª Vara do Trabalho de São José do Rio Preto/SP, proposta pelo reclamante Sandro Rodrigues Gaia contra a outrora reclamada Rosa Maria Arid Alves, ora ré, verbis:


"(...) que quando o reclamante trabalhava na reclamada o depoente trabalhava na Fazenda Santa Rosa; (...) que o depoente saiu da Santa Rosa em setembro/2003; que a reclamada queria que o depoente mentisse na delegacia que o reclamante tinha roubado o gado e como ele se recusou, foi dispensado; que não teve registro em período integral na Santa Rosa porque estava recebendo seguro-desemprego (...)"
(fl. 12)

Tal versão apresentada no Juízo Trabalhista foi corroborada pelas declarações do acusado em sede policial:


"(...) Informa que foi ouvido como testemunha em audiência trabalhista na 2ª Vara do Trabalho de São José do Rio Preto/SP, em reclamação trabalhista movida por SANDRO RODIGUES GAIA contra ROSA MARIA ARID ALVES. Que tal audiência ocorreu em 06 de julho do corrente ano. Que quando de sua oitiva, o declarante mencionou e foi consignado, que trabalhava na Fazenda Santa Rosa, de propriedade de ROSA MARIA ARID ALVES, tendo saído de referida propriedade em setembro de 2.003. Que referente a esse período o declarante não teve registro em sua carteira de trabalho, pelo fato de estar recebendo seguro-desemprego. Sobre o constante da Carta Precatória n° 167/2004, oriunda do 2° Distrito Policial de São José do Rio Preto/SP, tem a esclarecer que já havia trabalhado anteriormente para ROSA ARID com registro em carteira, no período de 01 de agosto de 2.000 a 03 de Outubro de 2.001. Que depois desse período trabalhou para GILMAR DE DOMINGOS e OUTRO (De 04/10/2001 a 01/01/2002) e para JOSÉ CARLOS CIAN e OUTRO (De 08/04/2002 a 30/11/2002), estando ambos os contratos registrados em sua Carteira de Trabalho. Que logo que saiu do serviço do Sr. JOSÉ CARLOS CIAN, começou novamente a prestar serviços para D. ROSA ARID, na Fazenda Santa Rosa, tendo lá ficado, como dito anteriormente até o mês de setembro de 2.003. Que o declarante deseja esclarecer que não pretendia abandonar o serviço na propriedade do Sr. JOSÉ CARLOS CIAN, somente tendo tomado tal decisão, de tanto a Sra. ROSA ARID insistir para que fosse trabalhar com ela, para olhar o gado. Que salienta que ROSA ARID propôs e foi aceito pelo declarante que não se efetivasse registro em carteira, como de fato, seu último registro consta como sendo o da propriedade de JOSÉ CARLOS CIAN. Que ROSA disse para o declarante que, não tendo registro em carteira, poderia receber o seguro-desemprego, bem como o salário que ela lhe pagava. Que salvo engano, durante o período em que trabalhou sem registro para ROSA ARID, recebeu sete parcelas do seguro-desemprego no valor de R$256,00 (Duzentos e cinqüenta e seis reais) cada parcela. Que nessa época, ROSA ARID lhe pagava R$360,00 (Trezentos e sessenta reais), mais leite e uma cesta básica mensais. Que foi demitido por ROSA ARID pelo fato de não concordar em mentir em depoimento na polícia, alegando que sabia que o autor do furto do gado no qual ROSA fora vítima era o também funcionário SANDRO RODRIGUES GAIA, alegando desconhecer a autoria de furto. (...)"
(fl. 30)
"(...) Que ratifica integralmente as declarações anteriormente prestadas às folhas 24, desejando ainda consignar que somente cursou até a 6a série primária e que somente aceitou trabalhar para ROSA ARID, para quem inicialmente disse que não iria aceitar o trabalho porque iria ficar recebendo o seguro desemprego, em razão da insistência dela em querer seus serviços, alegando que o interrogando poderia trabalhar para ela, que não o registraria enquanto estivesse recebendo o seguro-desemprego, e que somente o registraria após cessado tal benefício. Que ROSA ARID lhe "garantiu" que se o interrogando fosse trabalhar para ela sem registro em carteira, poderia continuar a receber o seguro-desemprego normalmente, bem como o salário que ela lhe pagaria sem qualquer problema. Como o interrogado é pessoa "semi-analfabeta", acabou confiando e aceitando tal proposta, acreditando que não estaria incorrendo em nenhum crime, tendo em vista a "orientação" recebida por parte de ROSA ARID. Que após cessado o seguro-desemprego, o interrogando foi registrado por ROSA ARID, permanecendo no trabalho por mais dois meses, sendo demitido após essa data, visto não ter concordado em depor na Justiça do Trabalho em desfavor de outro funcionário que ROSA ARID teve, o qual supostamente estava envolvido em um furto de gado ocorrido em uma propriedade de ROSA ARID, sendo que o interrogando não poderia acusá-lo como suspeito do furto, como ROSA ARID queria, pois nada sabia sobre o furto, bem como trabalhava em outra propriedade rural distante da que sofreu o furto. (...)"
(fl. 93)

Assim restou demonstrado que, além de residir na Fazenda Santa Rosa, de propriedade da denunciada Rosa, o acusado Donizetti recebia salário mensal, leite e cesta básica em contrapartida aos trabalhos executados na aludida propriedade rural, concomitantemente ao período em que recebia seguro-desemprego.


A corroborar tal vínculo empregatício, consta na Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS do acusado Donizetti como penúltimo contrato de trabalho anotado o celebrado com o empregador "José Carlos Cian e Outro", com admissão em 08.04.2002 e saída em 30.11.2002, inexistindo qualquer anotação entre essa última data e 01.07.2003, quando foi contratado novamente por Rosa Maria Arid Alves em 01.07.2003 (fls. 158/160).


As autorias delitivas são igualmente incontestáveis, pois a ré Rosa Maria Arid Alves era a proprietária da Fazenda Santa Rosa e empregadora de Donizetti Aparecido da Silva, ora réu, tendo ela a obrigação legal de anotar o contrato de trabalho celebrado entre eles em sua CTPS, enquanto ele efetivamente recebeu as parcelas do seguro desemprego relativos aos meses de fevereiro a junho de 2003.


Não há como prevalecer a tese defensiva no sentido de que durante os meses de fevereiro a junho de 2003, o acusado Donizetti estava apenas residindo de favor na fazenda da acusada Rosa, pois as provas constantes nos autos revelam que todos os requisitos da relação trabalhista - empregado pessoa física, não eventualidade, onerosidade e subordinação - restaram comprovados pelo conjunto probatório, tendo havido conluio entre os réus para que ela deixasse de anotar na CTPS dele o contrato de trabalho, viabilizando assim a percepção indevida de parcelas do seguro-desemprego.


Constata-se que as últimas versões apresentadas pelo acusado (fls. 146/147), inclusive em Juízo (fls. 232/2324), convergem com as declarações da acusada no sentido de que ele não trabalhava na Fazenda Santa Rosa, mas apenas residia lá por favor da acusada Rosa (fls. 148/149 e 235/237), em nítido descompasso com os depoimentos prestados anteriormente, até que não apresentou nenhuma razão a justificar tais divergências, o que revela o único propósito de induzir o julgador à atipicidade penal da conduta, pois seria uma das poucas teses defensivas possíveis, senão a única, a culminar na absolvição.


Quanto ao elemento subjetivo, por residir apenas na mente do agente, não pode ser demonstrado diretamente, devendo ser analisados os elementos colhidos nos autos como um todo, de forma a demonstrar sua vontade em pratica a conduta descrita no tipo penal.

In casu, os dolos nas condutas restaram evidenciados, vez que a acusada Rosa, com consciência e vontade, omitiu contrato de trabalho na CTPS do acusado Donizetti, que, por sua vez, anuiu com tal situação com o fim específico de receber indevidamente parcelas do seguro desemprego.


Destarte, a condenação dos réus Donizetti Aparecido da Silva e Rosa Maria Arid Alves pela prática dos delitos previstos nos artigos 171, §3º, e 297, §3º, inciso II, c/c §4º, ambos do Código Penal, respectivamente, é medida de rigor.


No tocante às penas, a decisão a quo não merece quaisquer reparos, pois, além de inexistir qualquer insurgência a respeito, a pena-base do acusado Donizetti Aparecido da Silva foi fixada no mínimo legal, em 1 (um) ano de reclusão e 10 (dez) dias-multa, não incidindo qualquer agravante ou atenuante, mas apenas, na terceira fase, as causas de aumento previstas nos artigos 71 e 171, §3º, ambos do Código Penal.


Quanto à ré Rosa Maria Arid Alves, considerando que a pena mínima decorrente da prática do crime pelo qual está sendo condenada (dois anos) é maior que a pena aplicada na sentença pela prática de estelionato (um ano e seis meses) e a inexistência de recurso ministerial, sua pena deve-se limitar àquela fixada em primeira instância, em respeito ao princípio non reformatio in pejus, nos termos do artigo 617, do Código de Processo Penal.


Nesse sentido é a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça:


"HABEAS CORPUS. AÇÃO PENAL. CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. DENÚNCIA POR INFRAÇÃO AOS ARTS. 4º E 5º DA LEI 7.492/86. CONDENAÇÃO. RECURSO EXCLUSIVO DA DEFESA. APLICAÇÃO DO ART. 383 DO CPP. AFASTAMENTO DO DELITO DE GESTÃO FRAUDULENTA DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA E DESCLASSIFICAÇÃO EM RELAÇÃO À APROPRIAÇÃO INDEVIDA DE VALORES. INCURSÃO NO ART. 312, § 1º, DO CP. PENA ELEVADA. IMPOSSIBILIDADE. REFORMATIO IN PEJUS. OFENSA AO ART. 617 DO CPP. COAÇÃO ILEGAL EVIDENCIADA. 1. Perfeitamente possível, segundo entendimento pacificado nesse Superior Tribunal, a aplicação da emendatiolibelli - permitida pelo art. 383 do CPP - em segundo grau, mas desde que nos limites do art. 617 do CPP, que proíbe a reformatio in pejus. 2. Evidenciado que o Tribunal, julgando recurso exclusivo da defesa, ao desclassificar a conduta do art. 5º da Lei 7.492/86 para aquela do art. 312, § 1º, do CP, aplicou finalmente pena mais severa do que aquela fixada em primeira instância pela mesma conduta, resta evidenciada a reforma a pior nesse ponto - dosimetria da pena - e ofensa ao art. 617 do CPP. 3. Ordem concedida para anular o acórdão tão-somente no ponto em que agravou a situação do paciente, qual seja, na parte referente à dosimetria da pena, devendo outro ser proferido, obedecendo-se aos limites previstos no art. 617 do CPP."
(HC 200801059614, JORGE MUSSI, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:25/05/2009)
"PROCESSO PENAL - HABEAS CORPUS - EMENDATIO LIBELLI - POSSIBILIDADE NA SEGUNDA INSTÂNCIA, DESDE QUE OBEDECIDO O LIMITE IMPOSTO NO ARTIGO 617 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, EM SE TRATANDO DE RECURSO EXCLUSIVO DA DEFESA - NOVA CAPITULAÇÃO QUE PARTIU DE PENA MÍNIMA CONSISTENTE EM QUANTITATIVO NO DOBRO DA PENA MÍNIMA ANTERIOR - IMPOSSIBILIDADE - PENA FINAL QUE RESULTOU NO DOBRO DA PENA DEVIDA - ORDEM CONCEDIDA PARA ANULAR A EMENDATIO LIBELLI E REESTRUTAR A PENA IMPOSTA. É possível, por ocasião da sentença, dar aos fatos narrados na denúncia nova capitulação, mesmo que esta venha a resultar em pena mais grave, pois a defesa é feita quanto aos fatos, logo, não ocorre quebra do princípio da correlação entre a acusação e a sentença. É possível ao Tribunal efetuar a emendatio libelli, mas o legislador lhe impôs, em caso de recurso exclusivo da defesa, uma limitação: a pena não pode ser agravada. Se feita a emendatio libelli em segunda instância, a pena mínima do novo crime é o dobro daquela prevista na capitulação contida na sentença e se o acórdão modifica o entendimento quanto à análise das circunstâncias judiciais, considerando-as totalmente favoráveis ao réu, fixando-lhe pena mínima, impossível efetuar-se a emendatio, pois resultará em pena maior que a devida em face do novo entendimento sobre tais circunstâncias. Ordem concedida para restabelecer a capitulação feita na sentença e reestruturar a pena conforme a análise das circunstâncias judiciais feita pelo Tribunal a quo."(HC 200802323085, JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), STJ - SEXTA TURMA, DJE DATA:02/03/2009)

Por fim, o valor unitário do dia-multa, o regime inicial de cumprimento de penas e a substituição das penas privativas de liberdade por restritivas de direitos devem ser mantidos nos termos da r. sentença.


Diante do exposto, procedo, ex officio, à emendatio libelli, na forma do artigo 383, do Código de Processo Penal, para enquadrar a conduta da acusada Rosa Maria Arid Alves no delito tipificado no artigo 297, §3º, inciso II, c/c §4º, do Código Penal, e nego provimento às apelações.


É o voto.






Antonio Cedenho
Desembargador Federal


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