Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 03/10/2014
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0008274-51.2011.4.03.6109/SP
2011.61.09.008274-5/SP
RELATOR : Juiz Convocado MÁRCIO MESQUITA
APELANTE : ROSA VALQUIRIA MORETTI JOOS
ADVOGADO : SP291391 ALVARO HENRIQUE EL-TAKACH DE SOUZA SANCHES e outro
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00082745120114036109 3 Vr PIRACICABA/SP

EMENTA

PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ESTELIONATO CONTRA A PREVIDÊNCIA. DÚVIDA QUANTO A OCORRÊNCIA DO FATO CRIMINOSO. ALTERAÇÃO DO FUNDAMENTO DA ABSOLVIÇÃO. RECURSO DESPROVIDO.
1. Apelação criminal interposta pela Defesa contra sentença que absolveu a ré da imputada prática do artigo 171, §3º, c.c. o artigo 14, II, do Código Penal, com fundamento no artigo 386, II, do Código de Processo Penal.
2. No caso, há o confronto direto entre o depoimento de algumas testemunhas, no sentido de que havia união estável entre a apelante e o falecido, e o depoimento de outras testemunhas e o recibo de prestação de serviços, no sentido de que a acusada trabalhava apenas como empregada doméstica.
3. Trata-se da hipótese de dúvida quanto a ocorrência ou não do crime, não tendo sido comprovada cabalmente a inexistência do delito, devendo-se se aplicar o inciso II do artigo 386 do Código de Processo Penal.
4. Apelação desprovida.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os integrantes da Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.



São Paulo, 23 de setembro de 2014.
MARCIO MESQUITA
Juiz Federal Convocado


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0008274-51.2011.4.03.6109/SP
2011.61.09.008274-5/SP
RELATOR : Juiz Convocado MÁRCIO MESQUITA
APELANTE : ROSA VALQUIRIA MORETTI JOOS
ADVOGADO : SP291391 ALVARO HENRIQUE EL-TAKACH DE SOUZA SANCHES e outro
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00082745120114036109 3 Vr PIRACICABA/SP

RELATÓRIO

O Juiz Federal Convocado MARCIO MESQUITA (Relator):


O Ministério Público Federal, em 23/08/2011, denunciou ROSA VALQUIRIA MORETTI JOOS, qualificada nos autos, nascida aos 27/04/1970, como incursa nos artigos 171, §3º, c/c 14, inciso II, todos do Código Penal. Consta da denúncia:

... Consta dos inclusos autos de inquérito policial que na data de 27 de agosto de 2010, na agência da Previdência Social de Piracicaba, ROSA VALQUIRIA MORETTI 300S, agindo de forma livre e consciente, tentou obter, para si, vantagem ilícita, em prejuízo da Previdência Social, mediante fraude, pois apresentou ao INSS escritura de declaração contendo informações falsas acerca da suposta união estável mantida entre a denunciada e o segurado falecido Luiz Alberto Colina , sendo que o delito só não se consumou por circunstâncias alheias à sua vontade, eis que a autarquia previdenciária identificou a fraude.
Segundo consta na escritura de declaração lavrada em 06 de julho de 2010, junto ao 1º Tabelião de Notas de Piracicaba, a denunciada ROSA VALQUIRIA MORETTI JOOS e o segurado Luiz Alberto Colinas residiriam sob o mesmo teto havia (08) oito anos, vivendo maritalmente, como se casados fossem. No referido documento, figuravam como testemunhas Elza Schincariol e Vanderlei Antônio Bortolazo (fls. 19).
Em 27 de agosto de 2010, em posse do referido documento, três dias após o falecimento de Luiz Alberto Colinas, a denunciada ROSA protocolou requerimento para obtenção de benefício previdenciário de pensão por morte, alegando a dependência em relação ao segurado falecido (fls. 27).
Pela carta de exigência de fls. 23, para fins de comprovação da união estável declarada, o INSS exigiu a apresentação de provas documentais. A denunciada ROSA requereu a realização de justificação administrativa, apontando diversas testemunhas dos fatos (fls. 25/26),
Ocorre que, em 24 de setembro de 2010, Nilton Gilber Colinas e Érica Cristina Pedro, respectivamente, na qualidade de filho e nora do segurado falecido Luiz Alberto Colinas, apresentaram na agência do INSS de Piracicaba, denúncia noticiando a fraude envolvendo o pedido do benefício de pensão por morte pretendido pela denunciada ROSA, o qual estaria lastreado em documento ideologicamente falso (fls. 28). Na oportunidade, esclareceram que a requerente ROSA, na verdade, era apenas faxineira na casa de Luiz Alberto Colinas. Nilton informou que na sua ausência, ROSA, valendo-se do estado delicado de saúde do segurado Luiz, na companhia do mesmo, foi até. b cartório para fins de lavratura da aludida escritura.
Nilton indicou diversas testemunhas para comprovar a inexistência de qualquer relação conjugal entre o seu pai e a denunciada sendo que, dentre as testemunhas indicadas por ele, constavam exatamente os mesmos indivíduos que figuravam como testemunhas naquela escritura de união estável.
Em análise de todos os documentos apresentados por Nilton, verificou-se a certidão de óbito de Duzolina Pratta Colinas (fls. 82), esposa de Luiz Alberto Colinas, falecida aos 19/07/2002. Entretanto, consta na referida declaração de união estável que o vínculo conjugal entre Luiz e ROSA tivera início oito anos antes, período que faria coincidir a união estável com a união matrimonial entre Luiz e sua legítima esposa Duzolina.
Assim, além dê utilizar o documento fraudulento como instrumento na tentativa de ludibriar a autarquia previdenciária, ao indicar o período acima mencionado, ao ponto do mesmo retroagir ao tempo em que Luiz ainda não tinha completado 60 anos (seu nascimento ocorrera em 21/06/1944), ROSA afastaria o regime da separação obrigatória de bens, com a consequente meação em todos os bens adquiridos no período, em prejuízo do espólio.
As diligências empreendidas pelo INSS, bem como a cópia do recibo referente à prestação de serviços domésticos (fls. 30) confirmaram que a denunciada ROSA era apenas empregada doméstica do segurado Luiz (fls. 88/89), razão pela qual, o pedido de concessão do benefício de pensão por morte restou indeferido (fls. 93).
Diante de tais fatos, ouviram-se diversas testemunhas, ambas vizinhas do segurado falecido Luiz Alberto Colina, as quais foram unânimes em afirmar que ROSA era conhecida apenas como empregada doméstica, sendo que nunca souberam de qualquer relacionamento conjugal, como sustentado pela denunciada (fls. 106/107, 129/130, 143/147, 151/161). Da mesma forma, as testemunhas Nilton Gilber Colina e Érica Cristina Pedro ratificaram os termos da denúncia de fls. 28/29.
Em sede policial, as testemunhas que figuraram na lavratura da declaração de união estável, Vanderlei Antônio Bortolazo e Elza Schincariol, aduziram que foram enganados por ROSA, pois acompanharam a denunciada e o segurado até o cartório para fins de elaboração de documento destinado à autorização de saque do benefício de aposentadoria de Luiz Alberto Colina (fls. 132/136). Ambos salientaram que a relação conjugal constante da declaração de união estável seria falsa.
Embora a denunciada tenha ratificado o teor da declaração constante às fls. 19, afirmando que efetivamente viveu em união estável com o falecido Luiz Alberto Colina, o conjunto probatório dos presentes autos restou incontroverso, revelando, assim; a tentativa de obtenção de benefício previdenciário embasado em documento ideologicamente falso.
Dessa forma, a autoria e o dolo restaram comprovados pelos depoimentos das testemunhas, as quais confirmaram que ROSA VALQUIRIA MORETTI JOOS pretendia obter benefício previdenciário mediante fraude.
A materialidade do delito também restou demonstrada pelos documentos de fls. 08/110, em especial, pela escritura de declaração de fls. 19-19vº, que instruem o procedimento levado a efeito pela autarquia previdenciária, detectando a fraude na fase probatória da aludida união estável.
Assim agindo, ROSA, consciente e voluntariamente, tentou obter vantagem ilícita para si, em prejuízo da Previdência Social, mediante fraude, pois mesmo tendo conhecimento de que não fazia jus ao benefício previdenciário, protocolou requerimento administrativo embasado em documento ideologicamente falso, tentando induzir a Autarquia Previdenciária em erro, sendo que o crime somente não se consumou por circunstâncias alheias a sua vontade, pois o INSS identificou a fraude...

A denúncia foi recebida em 08/02/2012 (fls. 235/236).

Após instrução, sobreveio sentença, da lavra do MM. Juiz Federal Miguel Florestano Neto e publicada em 07/03/2013 (fls. 348/349 e 350), que absolveu a ré com fundamento no artigo 386, inciso II, do Código de Processo Penal.

O Ministério Público Federal tomou ciência da sentença e não recorreu (fl. 351).

Apela a acusada ROSA VALQUIRIA (fls. 352 e 355/358) requerendo a reforma da sentença para modificar o fundamento da absolvição para o inciso I do artigo 386 do Código de Processo Penal, por estar provada a inexistência de fato criminoso.

Sustenta que as provas constantes nos autos são no sentido da demonstração da existência de união estável da acusada com o falecido, não havendo que se falar em dúvida.

Contrarrazões do Ministério Público Federal pugnando pelo provimento do recurso, com a modificação da sentença, como pede a apelante (fls. 361/363).

A Procuradoria Regional da República, em parecer da lavra da DD. Procuradora Regional da República Dra. Sonia Maria Curvello, opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 365/366).


É o relatório.

À MM. Revisora.



MARCIO MESQUITA
Juiz Federal Convocado


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Data e Hora: 17/07/2014 18:09:47



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0008274-51.2011.4.03.6109/SP
2011.61.09.008274-5/SP
RELATOR : Juiz Convocado MÁRCIO MESQUITA
APELANTE : ROSA VALQUIRIA MORETTI JOOS
ADVOGADO : SP291391 ALVARO HENRIQUE EL-TAKACH DE SOUZA SANCHES e outro
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00082745120114036109 3 Vr PIRACICABA/SP

VOTO

O Juiz Federal Convocado MÁRCIO MESQUITA (Relator):


O recurso não comporta provimento.


É certo que as testemunhas Kátia Carina Resendo e Vera Lucia Leonilda Colina afirmaram categoricamente que a apelante Rosa vivia em união estável com o falecido Luiz Alberto (mídia de fl. 344). E a escritura pública de fl. 19, registrou a declaração do casal no sentido de que viviam maritalmente por 8 anos.

No entanto, as testemunhas constantes da escritura, ao serem ouvidas em juízo, sob o crivo do contraditório e ampla defesa, na qualidade de testemunhas de acusação (Vanderlei Antonio Bortolato) e defesa (Elza Shincariol Bernardo), aduziram ter acompanhado a acusada ao cartório para fins de elaboração de documento destinado à autorização de saque do beneficio de aposentadoria de Luiz Alberto Colina, desconhecendo a existência de relação conjugal entre eles (mídia de fl. 344 e depoimento de fl. 345).

Ademais, os depoimentos das testemunhas de acusação Joana Aparecida de Moraes e Nilton Giber Colina, colhidos sob o crivo do contraditório e ampla defesa, são no sentido de que a apelante era empregada doméstica de Luiz Alberto, inclusive morando em residência diversa.

Consoante as declarações das testemunhas, as fotos de viagens apenas retratam as excursões que a mãe da acusada organizava com toda a vizinhança. Ademais, o recibo de prestação de serviços domésticos datado de 05.09.2010 (fl. 30) indica a existência de relação de trabalho.

Dessa forma, há o confronto direto entre o depoimento de algumas testemunhas, no sentido de que havia união estável entre a apelante e o falecido, e o depoimento de outras testemunhas e o recibo de prestação de serviços, no sentido de que a acusada trabalhava apenas como empregada doméstica.

Assim, trata-se da hipótese de dúvida quanto a ocorrência ou não do crime, não tendo sido comprovada cabalmente a inexistência do delito.

Dessa forma, segundo doutrina de Professor Guilherme de Souza Nucci, in Código de Processo Penal Comentado, Ed.RT, 13a ed., 2014, pg.794, tratando-se da hipótese de dúvida quanto à ocorrência do crime, deve se aplicar o inciso II do artigo 386 do CPP:


38. Inexistência do fato: é hipótese das mais seguras para a absolvição, pois a prova colhida está a demonstrar não ter ocorrido o fato sobre o qual se baseia a imputação feita pela acusação. Assim, desfaz-se o juízo de tipicidade, uma vez que o fato utilizado para a subsunção ao modelo legal de conduta proibida não existiu (...)
39. Inexistência de prova da ocorrência do fato: não com a mesma intensidade e determinação do primeiro caso (estar provada a inexistência do fato), neste caso falecem provas suficientes e seguras de que o fato tenha, efetivamente, ocorrido.(...)

No mesmo sentido anota Fernando da Costa Tourinho Filho, in Código de Processo Penal Comentado, vol. 1, Ed.Saraiva, 13a ed., 2010, pg.966/967:

I- Estar provada a inexistência do fato. Não havendo a infração penal, obviamente o acusado não pode responder por um fato que não existiu. Se Mévio é acusado de furto, e depois a própria vítima decla-ra ter havido um equívoco, pois achara a pretensa res furtiva em sua própria casa, o Juiz proferirá decreto absolutório, com fulcro no in-ciso I do art. 386. Ficou provada a inexistência do fato.
II - Não haver prova da existência do fato. A hipótese, aqui, é diferente. É até possível que o fato tenha ocorrido, mas nenhuma prova da sua materialidade foi levada para os autos. Nesse caso, o Juiz profere decreto absolutório, porquanto a condenação exige prova da materialidade do fato e prova da autoria. Se o Juiz não encontra nos autos nenhuma prova indicativa de que o fato efetivamente tenha existido, outro caminho não lhe resta senão o da absolvição.

E nesse mesmo sentido aponto precedente deste Tribunal Regional Federal da 3ª Região:


PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. ART. 168-A DO CÓDIGO PENAL. PROVA ILÍCITA. ALTERAÇÃO DE INCISO DA ABSOLVIÇÃO. AUSÊNCIA DE PROVA DA EXISTÊNCIA DO FATO.
1. De acordo com o que ficou consignado na sentença, conclui-se que não ficou evidenciada a inexistência do fato. O que ocorreu foi um lançamento efetuado com base em prova colhida por meio ilícito, a qual não pode ser utilizada no âmbito do processo criminal para fins de condenação.
2. A absolvição com base no inc. I do art. 386 somente poderia se dar se estivesse comprovada nos autos "a inexistência do fato", o que não se verifica no caso em exame.
3. Se não há nos autos outras provas (não ilícitas) da existência do fato descrito na denúncia, a absolvição deve se dar com base no inciso II do mesmo art. 386 do CPP - "não haver prova da existência do fato".
4. Se não há prova, sequer, da existência do fato, fica prejudicado o exame da autoria delitiva.
5. Apelação parcialmente provida a fim de alterar o fundamento da absolvição para o artigo 386, II, do CPP.
(TRF 3ª Região, SEGUNDA TURMA, ACR 0102976-26.1995.4.03.6181, Rel. JUIZ CONVOCADO SOUZA RIBEIRO, julgado em 12/01/2010, e-DJF3 Judicial 1 DATA:21/01/2010 PÁGINA: 239)

Pelo exposto, nego provimento ao recurso.

É o voto.



MARCIO MESQUITA
Juiz Federal Convocado


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): MARCIO SATALINO MESQUITA:10125
Nº de Série do Certificado: 24FC7849A9A6D652
Data e Hora: 18/09/2014 14:53:10