Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 20/10/2014
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0004271-20.2001.4.03.6104/SP
2001.61.04.004271-0/SP
RELATOR : Juiz Convocado MÁRCIO MESQUITA
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : IVONETE MENEZES DE OLIVEIRA
ADVOGADO : SP215259 LUCIANO APARECIDO LEAL (Int.Pessoal)

EMENTA

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO. PROTOCOLO ADMINISTRATIVO DA CAPITANIA DOS PORTOS. FALSIFICAÇÃO GROSSEIRA: INOCORRÊNCIA. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. RECURSO PROVIDO.
1. Apelação interposta pela Acusação contra sentença que absolveu a ré à pena de dos fatos narrados na denúncia, com fundamento no artigo 386, III do Código de Processo Penal.
2. Materialidade comprovada pelo laudo de exame documentoscópico. Em que pese o laudo pericial não esclarecer acerca da qualidade da falsificação, a tese de falsidade grosseira não prospera.
3. Não se pode afirmar que os únicos destinatários do documento em questão sejam os servidores da Capitania dos Portos. Como esclarecido pela própria ré, a intenção foi primeiramente iludir o comprador da embarcação, e a proprietária da agência de despachante na qual a ré trabalhava, fazendo-os crer que a documentação havia sido regularmente protocolada no prazo perante a repartição pública.
4. E isso foi perfeitamente obtido pelo documento falso, dado que o comprador apenas tomou conhecimento da falsidade quando procurou a Capitania munido do protocolo falso, a fim de obter informações sobre o andamento da transferência. Da mesma forma foi iludida a proprietária da agência de despachos.
5. Ainda que se entenda que os únicos destinatários do documentos seriam os servidores da Capitania dos Portos, não há como se chegar à conclusão de crime impossível. A falsidade não foi identificada de imediato quando o documento fora apresentado na Capitania dos Portos de São Paulo, sendo, inclusive, necessária a realização de buscas e pesquisas para a localização dos documentos relativos à embarcação Netuno V. Até mesmo o Sargento de quem a rubrica fora forjada não percebeu de pronto que assinatura aposta no documento não era sua.
7. Autoria demonstrada através dos elementos carreados aos autos. Em Juízo, a ré afirmou que ter mandado confeccionar os carimbos, com o intuito de facilitar a entrada de determinada documentação junto à Capitania dos Portos.
8. Acondenação da ré é de rigor, como incursa no crime previsto no artigo 297 do Código Penal.
10. Recurso provido.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os integrantes da Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação, para condenar a ré como incursa no artigo 297 do Código Penal, à pena de 02 anos de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por duas restritivas de direito, na forma especificada, e 10 dias-multa, no valor unitário mínimo, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.



São Paulo, 07 de outubro de 2014.
MARCIO MESQUITA
Juiz Federal Convocado


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0004271-20.2001.4.03.6104/SP
2001.61.04.004271-0/SP
RELATOR : Juiz Convocado MÁRCIO MESQUITA
APELANTE : Justica Publica
APELADO : IVONETE MENEZES DE OLIVEIRA
ADVOGADO : LUCIANO APARECIDO LEAL (Int.Pessoal)

RELATÓRIO

O Juiz Federal Convocado MÁRCIO MESQUITA (Relator):


O Ministério Público Federal, em 08/03/2004, denunciou IVONETE MENEZES DE OLIVEIRA, qualificada nos autos, nascida aos 11/07/1978, como incursa no artigo 304, c/c art. 297, ambos do Código Penal. Consta da denúncia (02/03):


...Segundo restou apurado em Sindicância efetuada pela Capitania dos Portos desta cidade, a denunciada, no exercício de suas funções de funcionária da Despachante Marítima Maria Zita da Silva, ciente que agia com infração à lei, falsificou e fez uso de documento público consistente no recibo do pedido de entrada de transferência da propriedade da embarcação "NETUNO V", cuja emissão é de responsabilidade da Marinha do Brasil, conforme processo de sindicância de fls. 14/44.
Conforme consta nos autos, o representante do comprador da embarcação "NETUNO V" (de propriedade da BV LEASING - Arrendamento Mercantil S/A, inscrita sob o n° 401-080122-1), Sr. Sander Rio Branco Pontes, compareceu na Capitania dos Portos e solicitou informações sobre o andamento do processo de transferência de propriedade da embarcação em comento, cuja entrada teria sido efetuada em 10 de outubro de 2000, conforme protocolo n° 119174 (fl.18).
Ocorre, no entanto, que os funcionários da Capitania lograram descobrir, após buscas no sistema, que o processo solicitado não havia sido localizado, nem tampouco seu registro de entrada no livro de protocolo da Seção. Descobriu-se, ainda, que os carimbos constantes no protocolo apresentado não correspondiam aos utilizados pela Seção; bem como as assinaturas existentes no documento não haviam sido apostas pelo funcionário responsável.
Em vista de tais fatos, apurou-se que o protocolo havia sido entregue ao representante do comprador pelo arrendatário da embarcação (Contrato de Leasing Financeiro n° 00017163/99), Sr. Mario Campos Pallazini, que tinha como procuradora a Sra. Maria Zita da Silva, Despachante Marítima.
Ouvida, a Maria Zita declarou que havia entregue o processo de transferência da E/R "NETUNO V" a sua funcionária Ivonete, no início de agosto de 2000, assim que o título de Inscrição Inicial da embarcação, em nome da BV LEASING - Arrendamento Mercantil S/A foi recebido em 08 de agosto de 2000.
A acusada confessou a prática da falsidade, bem como seu uso, conforme fls. 75/76...

A denúncia foi recebida em 24/03/2004 (fls.138).

Processado o feito, sobreveio sentença da lavra do MM. Juiz Federal Herbert Cornélio Pieter de Bruyn Jr., publicada em 27/02/2007 (fls.318/324 e 325), que absolveu a ré, com fundamento no artigo 386, III, do Código de Processo Penal.

Apela o Ministério Público Federal (fls. 326 e 328/332) pretendendo a reforma da sentença para que a ré seja condenada nas penas do artigo 297, nos termos da denúncia. Sustenta que o documento falso produzido não pode ser considerado grosseiro, pois após passar por várias mãos, foi apresentado à Capitania dos Portos, que não identificou, de imediato, a falsidade, e que este representou potencial dano à Administração Pública e dano concreto a terceiros, que restaram enganados.

Contrarrazões da Defesa pela manutenção da r. sentença absolutória (fls. 342/347).

A Procuradoria Regional da República, em parecer da lavra da Dra. Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, opinou pelo provimento do recurso (fls.361/369).


É o relatório.

À MM. Revisora.



MARCIO MESQUITA
Juiz Federal Convocado


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0004271-20.2001.4.03.6104/SP
2001.61.04.004271-0/SP
RELATOR : Juiz Convocado MÁRCIO MESQUITA
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : IVONETE MENEZES DE OLIVEIRA
ADVOGADO : SP215259 LUCIANO APARECIDO LEAL (Int.Pessoal)

VOTO

O Juiz Federal Convocado MÁRCIO MESQUITA (Relator):


O recurso ministerial comporta provimento.


A r. sentença apelada absolveu a ré por entender não haver capacidade ilusória no documento falsificado, nos seguintes termos:


... Desse modo, observada, desde logo, por parte dos servidores públicos, haver discrepância nos documentos de maneira a ensejar o comparecimento da despachante à repartição para prestar explicações, descabe afirmar que, em algum momento, o documento teve potencialidade para enganar a Administração. Ao contrário, a única consequência capaz de advir da aceitação desse documento - caso isso viesse a acontecer, aparentemente impossível, em face da familiariedade dos funcionários do setor com o documento - seria apenas a de se considerar o eventual extravio do pedido, o que não acarretaria prejuízo para a União, e a necessidade de renovação do procedimento.
Nesses circunstâncias, nota-se que a par da inviabilidade do documento enganar o público alvo ao qual é destinado - o servidor militar da Marinha - sua adulteração não vem acarretar maior dano à Administração, salvo o de se procurar processo inexistente. Semelhante situação apoxima-se, assim, do crime impossível...

Com a devida vênia, entendo que restou comprovada a potencialidade lesiva do documento em questão.

A materialidade restou comprovada pelo laudo de exame documentoscópico (grafotécnico) nº 03406/03-SR/SP, de fls. 255/259, que concluiu pela adulteração do documento intitulado "FOLHA N.º 5, acompanhado por formulário com timbre MINISTÉRIO DA MARINHA, PROTOCOLO n.º 119174" (fls. 260).

Em que pese o laudo pericial de fls. 255/259 não esclarecer acerca da qualidade da falsificação, a tese de falsidade grosseira, a ensejar a atipicidade da conduta, não merece prosperar.

Em primeiro lugar, não se pode afirmar, com a devida vênia, que os únicos destinatários do documento em questão sejam os servidores da Capitania dos Portos. Como esclarecido pela própria ré, notadamente em seu depoimento na fase administrativa, em linhas gerais corroborado em Juízo, a intenção foi primeiramente iludir o comprador da embarcação, e a proprietária da agência de despachante na qual a ré trabalhava, fazendo-os crer que a documentação havia sido regularmente protocolada no prazo perante a repartição pública.

E isso foi perfeitamente obtido pelo documento falso, dado que o comprador apenas tomou conhecimento da falsidade quando procurou a Capitania munido do protocolo falso, a fim de obter informações sobre o andamento da transferência. Da mesma forma foi iludida a proprietária da agência de despachos.

E, ainda que se entenda, como assentando na r.sentença apelada, que os únicos destinatários do documentos seriam os servidores da Capitania dos Portos, não há como se chegar à conclusão de crime impossível.

Com efeito, consoante se depreende dos depoimentos prestados, a falsidade não foi identificada de imediato quando o documento fora apresentado na Capitania dos Portos de São Paulo, sendo, inclusive, necessária a realização de buscas e pesquisas para a localização dos documentos relativos à embarcação Netuno V.

Até mesmo o Sargento de quem a rubrica fora forjada, Paulo Roberto Oliveira da Silveira, não percebeu de pronto que assinatura aposta no documento não era sua, consoante se depreende de seu depoimento prestado em Juízo (fls. 282/283), o qual ratifica as declarações prestadas nas esferas administrativa e policial:

... que entre 2000 e 2001 trabalhou no setor de Capitania dos Portos de São Paulo responsável pelos documentos de transferência e propriedade de embarcações; que em determinada ocasião a despachante compareceu ao local com intenção de retirar os documentos pertinentes à embarcação NETUNO V; contudo, mesmo após procurarem em todos os lugares, inclusive em outros setores, os funcionários não lograram localizar esses documentos; foi apresentado, então, pela despachante o protocolo, o qual o depoente levou ao encarregado do setor; nele estava contido o carimbo da Capitania e, em seu inteiro, uma rubrica em nome do depoente; numa primeira verificação, nem o depoente percebeu que a rubrica que a rubrica não era sua, em virtude da semelhança, da simplicidade do sinal e dos inúmeros documentos por ele assinados; no entanto, o carimbo apresentava-se diferente do usualmente utilizado à época, em face da diversidade das letras; o encarregado, após frustrada a localização, chamou a despachante para uma reunião, a qual se realizou com a presença de sua funcionária, ora acusada, ao término da qual ele mencionou ao depoente que o processo não tinha dado entrada na repartição; em seguida foi determinada de sindicância pela autoridade competente, com o que, ao final, constatou-se não pertencer ao depoente a rubrica colocada no carimbo; a conclusão da sindicância, em virtude da falsidade da assinatura e do carimbo, foi a de que o processo nunca deu entrada na repartição.

Sendo assim, não há como se concluir que a falsificação do documento é grosseira a ponto de afastar o crime.

A autoria igualmente restou demonstrada através dos elementos carreados aos autos, sob o crivo do contraditório e ampla defesa.

Em Juízo, a ré afirmou que ter mandado confeccionar os carimbos, com o intuito de facilitar a entrada de determinada documentação junto à Capitania dos Portos (fls. 173).

Outrossim, a testemunha Paulo César Torres, ouvida em Juízo às fls. 223, reiterou o depoimento prestado tanto na sindicância instaurada na Capitania dos Portos (fls. 11), qual seja:

que manteve contato com a Sra. Ivonete num dia em que a mesma nesta Capitania, tendo o depoente verificado que a mesma demonstrava um estado de tensão anormal, quando perguntou-lhe se havia algum problema. Que a Sra. Ivonete afirmou-lhe que havia falsificado uma documentação que apresentou a Capitania, tendo para isso mandado confeccionar carimbos e falsificado a assinatura do SG Paulo, revelando-lhe que não sabia como sair dessa situação. Que o depoente perguntou-lhe se havia feito isso sozinha, tendo a mesma afirmado que sim. Perguntado se tem suspeita da participação de outras pessoas nesse episódio, respondeu que não. Perguntado o que você atribui ao fato da Sra. Ivonete ter lhe contado o ocorrido, respondeu que naquele momento necessitava desabafar, demonstrando que estava desorientada e nervosa, sem saber o que fazer, segundo ela. Perguntado se mantem algum vínculo de amizade com a Sra. Ivonete, respondeu que apenas conhece a citada senhora e tem contato natural, à semelhança das demais pessoas que rotineiramente procuram esta Capitania. Perguntado se a Sra. Ivonete comentou sobre a ocorrência de fatos semelhantes havido nesta Capitania, respondeu que não. Perguntado se tem conhecimento da ocorrência de "favorecimentos" praticados militares da seção de cadastro, respondeu que não. Perguntado se a Sra. Ivonete comentou-lhe o por que de ter falsificado o protocolo, respondeu que não, acreditando o depoente que o fez para se safar de uma documentação não apresentada quando devida. Perguntado se tem conhecimento e alguma pessoa que mantenha forte laço amizade com a Sra. Ivonete, respondeu que não. (...)

Destarte, a condenação da ré é de rigor, como incursa no crime previsto no artigo 297 do Código Penal.


Passo à dosimetria da pena.

Fixo a pena-base no mínimo legal, em 2 anos de reclusão e 10 dias-multa, em razão de não haver qualquer circunstância desfavorável. Na segunda fase não existem circunstâncias agravantes ou atenuantes. Na terceira fase também não se verificam causas de aumento ou diminuição de pena. Resta, portanto, a pena definitiva fixada em 02 anos de reclusão e 10 dias-multa.

Fixo o valor do dia-multa no mínimo legal de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos, em razão da alegada situação financeira da ré, e à míngua de outras informações.

Quanto ao regime inicial de cumprimento da pena deve ser o aberto, em função da quantidade da pena, e nos termos do artigo 33, §2º, "c", do Código Penal.

Cabível também a substituição da pena por restritivas de direito, diante do preenchimento dos requisitos do artigo 44 do Código Penal. Assim, substituo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, sendo uma de prestação de serviços à comunidade, na forma a ser estabelecida pelo Juízo das Execuções, e uma pena de prestação pecuniária no valor de 01 salário mínimo.


Pelo exposto, dou provimento à apelação, para condenar a ré como incursa no artigo 297 do Código Penal, à pena de 02 anos de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por duas restritivas de direito, na forma especificada, e 10 dias-multa, no valor unitário mínimo.

É o voto.



MARCIO MESQUITA
Juiz Federal Convocado


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Data e Hora: 01/10/2014 18:09:08