Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 02/12/2014
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000817-26.2010.4.03.6004/MS
2010.60.04.000817-8/MS
RELATOR : Desembargador Federal NINO TOLDO
APELANTE : RONALDO IZIDORO
ADVOGADO : MS015390 JOAO CARLOS VEIGA JUNIOR
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00008172620104036004 1 Vr CORUMBA/MS

EMENTA

APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ACESSÓRIO DE ARMA DE FOGO. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOSIMETRIA DA PENA. REINCIDÊNCIA E CONFISSÃO. COMPENSAÇÃO. POSSIBILIDADE.
1. Materialidade e autoria suficientemente comprovadas pelo auto de prisão em flagrante e de apresentação e apreensão, pelo boletim de ocorrência, pelo laudo pericial, bem como pelos diversos depoimentos colhidos ao longo das investigações e em juízo.
2. A suposta ausência de consciência da ilicitude do fato colide frontalmente com as declarações prestadas pelo policial militar responsável pela prisão do acusado.
3. Além de ter sido confrontada pela prova testemunhal, a versão apresentada pelo réu não se mostra crível, pois não é razoável que alguém se dispusesse a trazer de outro país um apetrecho de arma de fogo, a pedido de um mero conhecido, sem ao menos informar-se sobre os trâmites legais que envolvem a importação desse produto.
4. O réu assumidamente reconheceu que a luneta por ele importada seria acoplada a uma arma de fogo, sendo irrelevante, portanto, a afirmação da defesa de que ela poderia ser utilizada para outras finalidades.
5. A lei exige que o ingresso no território nacional desse acessório de arma de fogo seja precedido de autorização da autoridade competente, o que não se verifica nos autos.
6. Não afasta o perfazimento do delito o fato de ter sido importada apenas uma luneta, pois a quantidade de arma de fogo, acessório ou munição não é elementar do tipo penal previsto no art. 18 da Lei nº 10.826/03.
7. O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento, em recurso representativo da controvérsia, no sentido da possibilidade de compensação da atenuante da confissão com a agravante da reincidência.
8. Correta a aplicação da causa de aumento prevista no art. 19 da Lei nº 10.826/2003, pois a luneta apreendida classifica-se como de uso restrito (Decreto n.º 3.665/2000, art. 16, XVII).
9. Apelação parcialmente provida.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso, para reconhecer a compensação entre a agravante da reincidência e a atenuante da confissão, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 25 de novembro de 2014.
NINO TOLDO
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000817-26.2010.4.03.6004/MS
2010.60.04.000817-8/MS
RELATOR : Desembargador Federal NINO TOLDO
APELANTE : RONALDO IZIDORO
ADVOGADO : MS015390 JOAO CARLOS VEIGA JUNIOR
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00008172620104036004 1 Vr CORUMBA/MS

VOTO

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Trata-se de apelação interposta pelo réu RONALDO IZIDORO, em face da sentença proferida pela 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Corumbá/MS, que o condenou pela prática do crime previsto no art. 18, c.c. o art. 19, ambos da Lei nº 10.826, de 22.12.2003.

Os fundamentos que levaram à condenação do réu foram claramente expostos pela magistrada sentenciante, não merecendo qualquer reparo a afirmação de que RONALDO praticou, de maneira livre e consciente, o delito de tráfico internacional de acessório de arma de fogo.

Materialidade e autoria

A materialidade e a autoria do delito foram devidamente comprovadas. Essa constatação resulta, notadamente, do auto de prisão em flagrante e de apresentação e apreensão (fls. 02/11), do boletim de ocorrência de fls. 22/23, do laudo pericial de fls. 64/68 e dos diversos depoimentos colhidos ao longo das investigações e em juízo.

Segundo ficou apurado, o réu importou da Bolívia um acessório de arma de fogo de uso restrito - uma luneta telescópica -, tendo sido preso em flagrante em 27 de julho de 2010, já em território nacional. As características de tal acessório estão detalhadamente relacionadas no laudo pericial anexado a fls. 64/68, que indica, dentre outros dados, a sua capacidade de ampliação de três a doze vezes, bem como a sua classificação como sendo de uso restrito, nos termos do Decreto nº 3.665, de 20.11.2000 (art. 16, XVII).

Ao ser interrogado, o acusado admitiu a compra da luneta encontrada nos pertences de sua esposa. Disse que a adquiriu, na Bolívia, a pedido de um policial militar conhecido seu. Negou que tivesse ciência de que a importação desse acessório fosse proibida (cf. depoimento registrado em CD - fls. 275).

A suposta ausência de consciência da ilicitude do fato colide frontalmente com as declarações prestadas por Luiz de Almeida Padilha, policial militar responsável pela prisão do acusado. Durante as investigações, Luiz afirmou que "foi perguntado ao passageiro se o mesmo tinha conhecimento de que portar acessórios para armas era proibido no Brasil e o passageiro RONALDO respondeu que sabia que era proibido" (destaquei). Em juízo, na qualidade de testemunha, mais uma vez afirmou que o réu "admitiu que sabia da ilegalidade" (cf. depoimento registrado em CD - fls. 157) (destaquei).

Além de ter sido confrontada pela prova testemunhal, a versão apresentada pelo réu não se mostra crível, pois não é razoável que alguém se dispusesse a trazer de outro país um apetrecho de arma de fogo, a pedido de um mero conhecido, sem ao menos informar-se sobre os trâmites legais que envolvem a importação desse produto. Ainda mais considerando-se que RONALDO já havia sido condenado pela prática de outro delito por ocasião da aquisição da luneta, e que teria, em princípio, pleno interesse em não se envolver novamente com a Justiça. Noutras palavras, não pode ser acolhida a tese de que, por ingenuidade, RONALDO tivesse incorrido na prática do crime em análise.

Anote-se que, em tese, o sujeito que teria encomendado a luneta poderia corroborar a versão apresentada pelo acusado. Todavia, a defesa, em momento algum, requereu sua oitiva e sequer o seu nome foi revelado nos autos.

O réu assumidamente reconheceu que a luneta por ele importada seria acoplada a uma arma de fogo, sendo irrelevante, portanto, a afirmação da defesa de que ela poderia ser utilizada para outras finalidades. É igualmente inócua a alegação de que essa luneta é facilmente encontrada no comércio brasileiro, pois a lei exige que o ingresso no território nacional desse acessório de arma de fogo seja precedido de autorização da autoridade competente, o que não se verifica nos autos.

Também não afasta o perfazimento do delito o fato de ter sido importada apenas uma luneta, pois a quantidade de arma de fogo, acessório ou munição não é elementar do tipo penal previsto no art. 18 da Lei nº 10.826/03.

Assim, certa a materialidade e a autoria, passo ao reexame da dosimetria da pena.

Dosimetria da pena: 1ª fase

Fica mantida a pena-base no mínimo legal, ou seja, em 4 (quatro) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, pois, conforme consignou o juízo de primeiro grau, as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal não são desfavoráveis ao réu.

Dosimetria da pena: 2ª fase

Na segunda fase, o juízo sentenciante reconheceu a existência da circunstância atenuante da confissão e da circunstância agravante da reincidência, atribuindo a esta efeito preponderante em relação à confissão, razão pela qual majorou a pena em 1/6 (um sexto).

O art. 67 do Código Penal dispõe que, "[n]o concurso de agravantes e atenuantes, a pena deve aproximar-se do limite indicado pelas circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais as que resultam dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e da reincidência".

O Superior Tribunal de Justiça, porém, em recurso representativo da controvérsia, firmou entendimento no sentido da possibilidade de compensação da atenuante da confissão com a agravante da reincidência:

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA (ART. 543-C DO CPC). PENAL. DOSIMETRIA. CONFISSÃO ESPONTÂNEA E REINCIDÊNCIA. COMPENSAÇÃO. POSSIBILIDADE.
1. É possível, na segunda fase da dosimetria da pena, a compensação da atenuante da confissão espontânea com a agravante da reincidência.
2. Recurso especial provido.
(REsp nº 1341370/MT, Terceira Seção, v.u., Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 10.04.2013, DJe 17.04.2013)
Assim, no caso em exame, a reincidência e a confissão devem ser igualmente valoradas, de modo que a pena do réu, nessa fase, deve ser mantida em 4 (quatro) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa.

Dosimetria da pena: 3ª fase

Na terceira fase, foi correta a aplicação da causa de aumento prevista no art. 19 da Lei nº 10.826/2003, pois a luneta apreendida classifica-se como de uso restrito (Decreto nº 3.665/2000, art. 16, XVII), o que impõe a elevação da pena provisória em metade.

Assim, em face da ausência de outras causas de aumento ou diminuição a serem consideradas, a pena fica definitivamente fixada em 6 (seis) anos de reclusão e 15 (quinze) dias-multa, ficando mantida, ainda, a fixação do valor de cada dia-multa no mínimo legal.

Regime de cumprimento da pena privativa de liberdade

O regime cabível para o início do cumprimento da pena permanece o fechado, conforme determinado pelo juízo sentenciante, considerando-se o quantum da pena privativa de liberdade imposta e o fato de o réu ser reincidente (CP, art. 33, §§ 2º e 3º).

Substituição da pena

Não há que se falar em eventual substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, pois, em virtude do quantum da pena aplicada ao réu, não se encontra preenchido o requisito objetivo previsto no art. 44, I, do Código Penal.

Detração

A Lei nº 12.736, de 30.11.2012, ao inserir o § 2º no art. 387 do Código de Processo Penal, determinou ao juiz que, ao proferir a sentença condenatória, proceda à detração, ou seja, desconte da pena aplicada o período de prisão provisória cumprida pelo condenado, para fins de determinação do regime inicial de cumprimento. A sentença que se examina é anterior à vigência dessa Lei, de modo que o juízo de primeiro grau não estava obrigado a fazer esse cálculo.

Considerando, porém, que o acusado está preso provisoriamente desde 27.07.2010 (data da prisão em flagrante), não havendo notícia de alteração nesse estado, o réu já teria direito a regime mais brando, nos termos do art. 33, § 2º, do Código Penal.

Dessa forma, o Juízo das Execuções responsável pela fiscalização do cumprimento da pena imposta ao acusado deverá ser imediatamente comunicado acerca do teor deste julgamento, a fim de que proceda às verificações necessárias quanto ao regime de cumprimento.

Conclusão

Posto isso, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação da defesa, para reconhecer a compensação entre a agravante da reincidência e a atenuante da confissão. Em razão disso, a pena definitiva fica fixada em 6 (seis) anos de reclusão e 15 (quinze) dias-multa.

É o voto.


NINO TOLDO
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): NINO OLIVEIRA TOLDO:10058
Nº de Série do Certificado: 4E280B4612C2E3B1
Data e Hora: 25/11/2014 14:26:02