D.E. Publicado em 02/12/2014 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, conhecer parcialmente do recurso interposto por Amarildo Sena Dornelles e na parte conhecida, negar-lhe provimento, e dar provimento à apelação do Ministério Público Federal para condenar o réu JOSÉ VITORINO GONÇALVES SOBRINHO pela prática do delito previsto no art. 33, § 1º, I, c.c o art. 40, I, ambos da Lei nº 11.343/2006; elevar a pena-base dos réus AMARILDO SENA DORNELLES e CARLOS MIGUEL DUTRA; aplicar a atenuante da confissão aos réus AMARILDO SENA DORNELLES e CARLOS MIGUEL DUTRA no patamar de 1/6 (um sexto) e afastar a causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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VOTO
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Trata-se de apelações do Ministério Público Federal e do réu AMARILDO SENA DORNELLES em face da sentença da 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Dourados/MS, que condenou esse acusado e CARLOS MIGUEL DUTRA pelo crime previsto no art. 33, § 1º, I, c.c o art. 40, I, ambos da Lei nº 11.343/2006 e absolveu o réu JOSÉ VITORINO GONÇALVES SOBRINHO dessa imputação. Ainda, na mesma sentença, os três réus foram absolvidos do delito de associação para o tráfico.
Inicialmente, por ausência de interesse, não conheço do recurso de AMARILDO no que concerne ao pedido de absolvição pela prática do delito de associação para o tráfico (Lei nº 11.343/2006, art. 35) e de aplicação da causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06, visto que em conformidade com o que foi decidido na sentença.
No mérito, embora não seja objeto deste recurso, registro que a conduta de transportar lidocaína se amolda ao tipo previsto no art. 33, § 1º, I, da Lei nº 11.343/2006, visto que essa substância química, apesar de não estar relacionada na Portaria nº 344, da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, é normalmente utilizada na preparação da cocaína para aumentar o seu peso e volume, processo vulgarmente chamado de "batismo". Essa destinação, inclusive, consta do laudo pericial: "em exames de amostras encaminhadas a este Setor Técnico Científico, é comum a identificação de lidocaína associada à cocaína" (fls. 155).
A propósito, confira-se o seguinte julgado:
PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. LIDOCAÍNA. ARTIGO 33, § 1º C/C 40, I, DA LEI Nº 11.343/06. TIPICIDADE. MATERIALIDADE. AUTORIA. TRANSNACIONALIDADE. DOLO. DOSIMETRIA DA PENA. Enquadra-se no tipo penal insculpido no artigo 33, §1º, da Lei nº 11.343/06, a conduta do agente que importa lidocaína, substância comumente utilizada no preparo da cocaína. Precedentes. Comprovados a materialidade, a autoria e o dolo, resta mantida a condenação do réu pela importação ilegal de lidocaína. A transnacionalidade resta provada pela importação do produto do Paraguai, com sua apreensão ainda em Foz do Iguaçu, fronteira com aquele país.
(...)
(ACR 50001994520114047002, JOSÉ PAULO BALTAZAR JUNIOR, TRF4 - SÉTIMA TURMA, D.E. 13/11/2013 - destaquei).
Materialidade e autoria
A materialidade foi devidamente comprovada pelo laudo de exame de substância (fls. 149/155), que atesta ser lidocaína a substância apreendida.
A autoria, pela certeza proporcionada pela prisão em flagrante dos acusados e pelos elementos colhidos nos autos, em especial a prova oral produzida em contraditório durante a instrução processual.
Consta dos autos que policiais rodoviários estaduais, após receberem uma denúncia anônima, efetuaram diligências na rodovia MS 162, Km 13, e encontraram dois sacos com mais de 20 kg de pó branco em cada um, posteriormente identificado como lidocaína, escondidos em barrancos daquela estrada, num lugar conhecido como "Picadinha". Nesse local, com base na descrição física fornecida anonimamente, os policiais abordaram AMARILDO que, indagado a respeito dos fatos, afirmou ter sido contratado por um indivíduo de nome Miguel (CARLOS MIGUEL) para transportar anabolizante para cavalos.
AMARILDO relatou à autoridade policial que, após aceitar o serviço que lhe fora proposto, e pelo qual receberia R$ 500,00, foi levado por JOSÉ VITORINO e CARLOS MIGUEL até o assentamento Itamaraty, onde entrou em um ônibus com destino a Dourados/MS, enquanto eles (JOSÉ VITORINO e CARLOS MIGUEL) seguiram em um automóvel para o mesmo local. Lá chegando, AMARILDO aguardaria a chegada de "Zé do Bode" (JOSÉ VITORINO) para que ambos fossem ao encontro de CARLOS MIGUEL, em um bar, com o fim de entregar-lhe a lidocaína. Desse depoimento, chama à atenção, ainda, o fato de AMARILDO ter admitido "na semana passada na sexta feira juntamente com um tal de DIEGO que veio lhe mostrando a estrada trouxe pela primeira vez a substância (fls. 09/10).
Por sua vez, CARLOS MIGUEL (fls. 14/16) disse na fase policial ter sido contratado por uma pessoa chamada Claudio para "trazer anabolizantes para engorda de cavalos e gado até Dourados". Como AMARILDO estava necessitado, CARLOS MIGUEL ofereceu-lhe o serviço, pelo qual cada um receberia R$ 1.000,00 (mil reais). Em relação a JOSÉ VITORINO (Zé do Bode), conquanto CARLOS MIGUEL tenha narrado a sua participação no transporte da lidocaína, disse que ele nada sabia "a respeito do negócio dos anabolizantes".
Em Juízo, tanto AMARILDO (fls. 278/279) como CARLOS MIGUEL (fls. 282/283), mantiveram a confissão realizada em sede policial, assim como a tese de que não sabiam a natureza da substância que transportavam. Nesse ponto, merece destaque a mudança na versão apresentada por AMARILDO em Juízo, que de forma curiosa, para se dizer o mínimo, excluiu totalmente de sua narrativa a participação de JOSÉ VITORINO no transporte da substância. Além disso, AMARILDO, ao contrário do que havia dito à autoridade policial e aderindo à tese de CARLOS MIGUEL, passou a afirmar ter sido contratado por um tal Claudio Boiadeiro, fato inexistente em sua versão inicial.
JOSÉ VITORINO, a seu turno, negou participação no delito dizendo que estava conduzindo o veículo de CARLOS MIGUEL a pedido desse acusado, já que ele não teria habilitação (fls. 280/281).
No entanto, a negativa de JOSÉ VITORINO e as versões que tentam inocentá-lo, não merecem credibilidade, visto que dissociadas dos demais elementos colhidos nos autos.
A testemunha, Hilário Santos Rodrigues (fls. 284/285), policial rodoviário estadual que conduziu os presos em flagrante, afirmou, sob o crivo do contraditório, que "o co-réu Amarildo mencionou que Zé do Bode iria apanhá-lo de carro para levá-lo até a pessoa que aguardava na cidade de Dourados; Que a Polícia abordou o veículo que levaria o co-réu Amarildo; Que referido veículo da marca Fiesta, estava sendo conduzido pelo co-réu José Vitorino conhecido como Zé do Bode; Que Zé do Bode estava sozinho no veículo Fiesta; (...) o co-réu José Vitorino confessou que foi buscar anabolizante para cavalo ao co-réu Carlos Miguel em Dourados; Que não se recorda de quem era o carro; Que o co-réu Carlos Miguel confessou que aguardava os co-réus Amarildo e José Vitorino (...)".
Em sede policial, essa testemunha já havia relatado o envolvimento de JOSÉ VITORINO (Zé do Bode) no transporte da lidocaína e na logística engendrada pelos envolvidos (fls. 02/04).
No mesmo sentido, foi o depoimento do policial rodoviário militar João Tiago Sampaio Vieira - ratificado em Juízo - do qual extraio (fls. 03/04):
"(...) QUE "ZÉ DO BODE" então pediu para que AMARILDO pegasse um ônibus de Ponta Porã a Dourados e descesse na região da Picadinha, que lá então iria apanhá-lo, com um carro branco, rumando então para Campo Grande; (...) QUE como o carro de "ZÉ DO BODE" estaria lotado, este ainda solicitou a Amarildo para que levasse dois sacos que supostamente conteriam ração especial para cavalos; QUE seriam os sacos encontrados pelos policiais; QUE, segundo AMARILDO, os referidos sacos conteriam anabolizantes para cavalos, que seriam misturados à ração. QUE enquanto conversavam na Base, perceberam um veículo Fiesta Branco , com placa de São Paulo, que já havia passado pelo local; QUE, então decidiram abordar o referido veículo; QUE AMARILDO identificou o motorista do veículo , de nome JOSÈ VITORINO, como sendo o mencionado "ZÉ DO BODE"; QUE então longe do AMARILDO, começaram a questionar "ZÉ DO BODE; QUE, inicialmente este negou qualquer envolvimento, mas depois, quando solicitado o apoio da PM2, confirmou que AMARILDO estaria trazendo anabolizantes para cavalos; QUE "ZÉ DO BODE" confirmou o envolvimento de mais duas pessoas (...)".
Outrossim, não se mostra verossímil a alegação de JOSÉ VITORINO, na fase de investigação, de que teria sido mera coincidência, não só o fato de ter encontrado AMARILDO no Posto Policial, mas também o dele estar relacionado a Miguel (referindo-se a CARLOS MIGUEL), dono do carro que conduzia (fls. 12/13).
Outro indicativo da participação de JOSÉ VITORINO, é o fato dele ter sido abordado pelos policiais no local do delito, em atitude suspeita, conduzindo o carro que tinha as mesmas características daquele citado por AMARILDO ao ser preso.
Desse modo, extrai-se do conjunto probatório provas suficientes acerca da participação efetiva de JOSÉ VITORINO nos fatos narrados na denúncia, sendo procedente o inconformismo do Ministério Público Federal nesse ponto.
E nem se alegue que os réus não sabiam da natureza da substância transportada imaginando se tratar de anabolizantes para cavalos. Primeiro, porque o transporte de anabolizantes, à margem das disposições regulamentares, também configura crime, inclusive com pena superior àquela prevista para o tráfico de drogas. Segundo, porque ainda que verdadeira a tese de desconhecimento da substância - o que as provas refutam, o fato é que os réus assumiram o risco de produzir o resultado (tráfico de drogas), caracterizando o dolo eventual (CP, art. 18, I, segunda parte, do Código Penal).
Importa observar nesse ponto, conforme registro feito pelo Ministério Público Federal (fls. 346), que CARLOS MIGUEL, nos dois dias que antecederam sua prisão (13 e 14.10.2007), efetuou ligações de seu celular para o telefone (67) 9937-1312 (laudo de fls. 75/81), registrado em nome da mãe de Carlos Isabel Oliveira Blanco, preso em flagrante no dia 15.07.2008, em um "laboratório" utilizado para o refino de cocaína em Ponta Porã/MS. Esse fato é mais um elemento a demonstrar que a natureza da substância transportada era, sim, de conhecimento dos acusados.
Configuradas a materialidade e a autoria em relação aos três réus, não existindo dúvidas de que tinham plena consciência do caráter ilícito dos fatos praticados, passo ao exame da dosimetria da pena.
Dosimetria da pena: JOSÉ VITORINO
O art. 59 do Código Penal prevê que a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do agente, os motivos, as circunstâncias e consequências do crime, bem como o comportamento da vítima, devem orientar o juiz na fixação da pena, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime.
No caso de tráfico de drogas e crimes correlatos, no entanto, o art. 42 da Lei nº 11.343/2006 dispõe que o juiz, na fixação das penas, "considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente". Assim, às oito circunstâncias judiciais previstas nesse dispositivo do Código Penal, a Lei de Drogas acrescentou mais duas (a natureza e a quantidade da droga), as quais, juntamente com a personalidade e a conduta social do agente, devem preponderar sobre as demais.
Foram apreendidos 49.8 kg (quarenta e nove quilos e oitocentos gramas) de lidocaína, quantidade bastante elevada e que permite o incremento de um grande volume de cocaína e, assim, o lucro daqueles que se dedicam ao tráfico de drogas.
Dessa forma, embora as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal não sejam desfavoráveis a JOSÉ VITORINO, a quantidade da droga apreendida justifica a fixação da pena-base acima do mínimo legal, nos termos do art. 42 da Lei nº 11.343/2006.
Assim, fixo a pena-base em 7 (sete) anos de reclusão e 700 (setecentos) dias-multa, com fundamento nas razões acima explicitadas.
Na segunda fase, a pena permanece inalterada, diante da ausência de agravantes e atenuantes. Nesse ponto, consigno que o réu negou os fatos a ele imputados, não se aplicando a circunstância atenuante referente à confissão.
Na terceira fase, o caráter transnacional do tráfico restou devidamente comprovado, visto que CARLOS MIGUEL admitiu ter sido contratado para trazer uma substância do Paraguai (fls. 15) que, de fato, estava acondicionada em sacos de nylon indicando essa procedência (fls. 20). Somado a isso, o local do flagrante (Dourados/MS) é conhecida rota de entrada de droga no país, reforçando a conclusão da transnacionalidade. Em razão da presença de apenas uma das hipóteses do art. 40 da Lei nº 11.343/2006, aplico à pena o aumento de 1/6 (um sexto), na esteira dos precedentes deste Tribunal (ACR 0015974-90.2011.4.03.6105, Primeira Turma, v.u., Rel. Juiz Federal Convocado Márcio Mesquita, j. 15.04.2014, e-DJF3 Judicial 1 24.04.2014).
Nesse sentido, confira-se:
PENAL. PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. TRÁFICO DE DROGAS. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL. TRASNACIONALIDADE DO DELITO EVIDENCIADA.
1- Compete à Justiça Federal o processo e julgamento dos crimes previstos nos artigos 33 a 37 da Lei 11.343/2006, desde que caracterizada a transnacionalidade do delito, nos termos do art. 70, caput, da referida lei.
2- É notório fato de a cidade de Corumbá/MS ser rota de entrada da droga no país, posto que faz fronteira com importante região produtora de cocaína.
3- A origem estrangeira da droga, por si só, não é hábil a caracterizar o tráfico internacional da droga. Entretanto, os elementos de convicção amealhados na persecução penal, bem assim a forma de transporte, a quantidade e o modo de acondicionamento da droga apreendida evidenciam a transnacionalidade do delito.
4- Ainda que paire dúvidas acerca da comprovação da internacionalidade da conduta durante a instrução em juízo, consigno que a competência do juízo é fixada à luz das alegações deduzidas na inicial, conforme obtempera a teoria da asserção, aplicável também ao processo penal, sob pena de se chegar à indesejável situação na qual o processo tramita durante longos anos, desenvolve-se toda a atividade probatória para, ao final, concluir-se pela incompetência absoluta do juízo e consequente nulidade de todo o processo.
5- Recurso em sentido estrito provido.
(TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, RSE 0001258-07.2010.4.03.6004, Rel. JUIZ CONVOCADO PAULO DOMINGUES, julgado em 27/08/2013, e-DJF3 Judicial 1 DATA:30/08/2013)
Assim, aplicando-se a causa de aumento de pena decorrente da transnacionalidade do delito (Lei nº 11.343/2006, art. 40, I) no patamar de 1/6 (um sexto), a pena de JOSÉ VITORINO passa a ser de 8 (oito) anos e 2 (dois) meses de reclusão e 816 (oitocentos e dezesseis) dias-multa.
No que concerne à causa de diminuição, de acordo com a norma do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, as penas do tráfico de drogas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique a atividades criminosas nem integre organização criminosa. Saliente-se que esses quatro requisitos devem concorrer cumulativamente para que a minorante seja aplicada.
No caso em exame, JOSÉ VITORINO é primário e não ostenta maus antecedentes. Não obstante isso, o modus operandi utilizado por ele e pelos outros corréus denota que integram organização criminosa voltada ao tráfico transnacional de drogas, ainda que circunstancialmente. A forma de divisão de tarefas, assim como a do transporte da droga - ora de carro, noutro momento em transporte público - indica a existência de um grupo ajustado e organizado para a prática do tráfico, o que impede a aplicação da referida causa de diminuição.
Assim, ante a ausência de outras causas de aumento ou de diminuição, a pena de JOSÉ VITORINO resta definitivamente fixada em 8 (oito) anos e 2 (dois) meses de reclusão e 816 (oitocentos e dezesseis) dias-multa. Fixo o valor de cada dia-multa no mínimo legal, face à ausência de elementos que autorizem a elevação desse patamar.
Dosimetria da pena: AMARILDO e CARLOS MIGUEL
A pena-base, para cada um dos réus, foi fixada em 6 (seis) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa, acima do mínimo legal (a pena privativa de liberdade), em razão da quantidade da droga, nos termos do art. 42 da Lei nº 11.343/2006. No entanto, ainda que a sentença esteja devidamente fundamentada, procede, nesse ponto, o inconformismo do Ministério Público Federal.
Como já exposto, na fixação das penas no caso de tráfico de drogas e crimes correlatos, a natureza e a quantidade da droga, bem como a personalidade e a conduta social do agente deverão preponderar sobre as demais circunstâncias previstas no art. 59 do Código Penal (Lei nº 11.343/2006, art. 42).
No caso em exame, embora não sejam desfavoráveis as circunstâncias do art. 59 do Código Penal, a significativa quantidade de lidocaína 49.8 kg (quarenta e nove quilos e oitocentos gramas), bastante elevada para os padrões, justifica a fixação da pena-base em patamar superior àquele estabelecido na sentença.
Assim, acolhendo o recurso do Ministério Público Federal, fixo a pena-base em 7 (sete) anos de reclusão e 700 (setecentos) dias-multa, com fundamento nas razões acima explicitadas.
Na segunda fase de dosimetria, foi acertada a aplicação da atenuante da confissão (CP, art. 65, III, "d"), tendo em vista que os acusados AMARILDO e CARLOS MIGUEL, em juízo, admitiram o transporte da droga e essa admissão foi considerada na fundamentação da sentença condenatória.
Anoto que a confissão deve ser avaliada conforme a força de convencimento que nela se contém e o seu cotejo com o conjunto probatório, de modo que, tendo servido ao juiz para fundamentar a condenação, não pode ser desconsiderada para o efeito de atenuar a pena. Conquanto AMARILDO e CARLOS MIGUEL não tenham admitido que a substância que transportavam era lidocaína, o fato é que a confissão, ainda que parcial, também enseja a aplicação da atenuante prevista no art. 65, III, "d", do Código Penal.
Nesse sentido, confira-se:
..EMEN: HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. CONDENAÇÃO CONFIRMADA EM SEDE DE APELAÇÃO. IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DE RECURSO ESPECIAL. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. CONFISSÃO ESPONTÂNEA PARCIAL. UTILIZAÇÃO PARA EMBASAR A SENTENÇA. INCIDÊNCIA DA ATENUANTE. OBRIGATORIEDADE. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTA NO § 4º DO ART. 33 DA LEI N.º 11.343/06. NÃO INCIDÊNCIA. DEDICAÇÃO ÀS ATIVIDADES CRIMINOSAS. ENVOLVIMENTO COM O CRIME ORGANIZADO. AFERIÇÃO. REVOLVIMENTO FÁTICO- PROBATÓRIO. INVIABILIDADE. REGIME INICIAL DIVERSO DO FECHADO. POSSIBILIDADE EM TESE. CASO CONCRETO. QUANTIDADE DE DROGAS. INVIABILIDADE. NÃO CONHECIMENTO. CONCESSÃO, DE OFÍCIO.
(...)
2. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, se a confissão do réu, ainda que parcial ou retratada, for utilizada pelo magistrado para fundamentar a condenação, deve incidir a respectiva atenuante.
(...)(HC 201303779353, MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, STJ - SEXTA TURMA, DJE DATA:18/08/2014 ..DTPB:. destaquei)
Ocorrendo a circunstância atenuante prevista no art. 65, inciso III, alínea "d", do Código Penal, a pena de AMARILDO e CARLOS MIGUEL deve ser reduzida em 1/6 (um sexto), considerando-se a circunstância em que ocorreu e o grau de efetividade para a elucidação dos fatos, ficando estabelecida, na segunda fase da dosimetria da pena, em 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão e 584 (quinhentos e oitenta e quatro) dias-multa.
Na terceira fase, em face do reconhecimento da transnacionalidade aplico a causa de aumento no patamar de 1/6, conforme já exposto, o que resulta na pena de 6 (seis) anos, 9 (nove) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 681 (seiscentos e oitenta) e um dias-multa.
No que concerne à causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, o juízo a quo aplicou-a para ambos os réus, reduzindo a pena no patamar de metade, considerando que preenchiam os requisitos legais.
Todavia, conforme já fundamentado no tópico referente à pena de JOSÉ VITORINO, o modus operandi dos acusados denota que integram organização criminosa voltada ao tráfico transnacional de drogas, ainda que circunstancialmente. A maneira como procediam ao transportar a droga - utilizando meios de transporte diversos com vistas a dificultar possível fiscalização, bem como a divisão de tarefas e à submissão a ordens superiores, demonstra a existência de uma organização voltada a um objetivo comum - o tráfico de droga.
Portanto, procede em parte a apelação do Ministério Público Federal para afastar-se a causa de diminuição da pena em relação aos acusados AMARILDO e CARLOS MIGUEL.
Assim, ante a ausência de outras causas de aumento ou diminuição, a pena de AMARILDO e CARLOS MIGUEL fica definitivamente fixada em 6 (seis) anos, 9 (nove) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 681 (seiscentos e oitenta e um) dias-multa, que mantenho no mínimo legal.
Regime de cumprimento da pena privativa de liberdade
Em relação ao regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade, observo que esse capítulo da sentença fundamentou-se na vedação apriorística a que se refere o art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90.
O Supremo Tribunal Federal, entretanto, declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90, com a redação dada pela Lei nº 11.464/2007, afastando a obrigatória fixação do regime inicial fechado aos condenados por crimes hediondos ou a eles equiparados. O regime inicial de cumprimento da pena, nesses casos, deve observar o disposto no art. 33, § 2º, do Código Penal, sendo possível a fixação de regime inicial mais severo se as condições subjetivas forem desfavoráveis ao réu, fundadas em "elementos concretos e individualizados, aptos a demonstrar a necessidade de maior rigor da medida privativa de liberdade do indivíduo, nos termos do § 3º do art. 33, c/c o art. 59 do Código Penal" (HC nº 111.840/ES, Pleno, maioria, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 27.06.2012, DJe 16.12.2013).
No caso em exame, a pena definitivamente fixada para JOSÉ VITORINO supera 8 (oito) anos de reclusão, de modo que o regime inicial de cumprimento é o fechado, nos termos do art. 33, § 2º, "a", do Código Penal. Quanto a AMARILDO e CARLOS MIGUEL embora a pena fixada não tenha superado os 8 (oito) anos de reclusão, a fixação do regime inicial fechado justifica-se, tendo em vista a gravidade concreta do delito, caracterizada pela expressiva quantidade (quase cinquenta quilos) de lidocaína, substância capaz de quadriplicar o volume da cocaína, droga altamente viciante e nociva à saúde.
Substituição da pena
Como as penas aplicadas para os três acusados superam 4 (quatro) anos de reclusão, não há que se falar em conversão, ante a inexistência do requisito objetivo previsto no art. 44, I, do Código Penal.
Detração
A sentença que se examina é anterior à vigência da Lei nº 12.736, de 30.11.2012, que acrescentou o § 2º ao art. 387 do Código de Processo Penal, dispondo que "o tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação, no Brasil ou no estrangeiro, seja computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade". Em razão disso, o Juízo de primeiro grau não estava obrigado a fazer esse cálculo.
Considerando as penas ora estabelecidas, assim como o período em que os acusados estão presos, com a ressalva de que JOSÉ VITORINO foi solto em 30.09.2008, determino que o Juízo das Execuções responsável pela fiscalização do cumprimento da pena imposta seja imediatamente comunicado acerca do teor deste julgamento, a fim de que proceda às verificações necessárias quanto ao regime de cumprimento.
Posto isso, conheço parcialmente do recurso interposto por AMARILDO SENA DORNELLES e, na parte conhecida, NEGO-LHE provimento e DOU PROVIMENTO à apelação do Ministério Público Federal para condenar o réu JOSÉ VITORINO GONÇALVES SOBRINHO pela prática do delito previsto no art. 33, § 1º, I, c.c o art. 40, I, ambos da Lei nº 11.343/2006; elevar a pena-base dos réus AMARILDO SENA DORNELLES e CARLOS MIGUEL DUTRA; aplicar a atenuante da confissão aos réus AMARILDO SENA DORNELLES e CARLOS MIGUEL DUTRA no patamar de 1/6 (um sexto) e afastar a causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006.
Após o trânsito em julgado, em virtude da pena e do regime de cumprimento ora estabelecidos, expeça-se mandado de prisão em desfavor de José Vitorino Gonçalves Sobrinho.
É o voto.
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