Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 05/12/2014
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0005459-48.2010.4.03.6002/MS
2010.60.02.005459-6/MS
RELATOR : Desembargador Federal PEIXOTO JUNIOR
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : ARALDO VERON
ADVOGADO : FREDERICO ALUISIO CARVALHO SOARES (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00054594820104036002 2 Vr DOURADOS/MS

EMENTA

PENAL. DELITO DE INCÊNDIO. PROVA. SENTENÇA DE ABSOLVIÇÃO.
- Caso que é de recurso do Ministério Público Federal com vistas à condenação do acusado como incurso no artigo 250, §1º, inciso II, do Código Penal, por suposta conduta causando incêndio em casas destinadas a habitação em reserva indígena.
- Materialidade que se comprova, não havendo, porém, provas suficientes da autoria delitiva. Absolvição mantida.
- Recurso desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso da acusação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 25 de novembro de 2014.
Peixoto Junior
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0005459-48.2010.4.03.6002/MS
2010.60.02.005459-6/MS
RELATOR : Desembargador Federal PEIXOTO JUNIOR
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : ARALDO VERON
ADVOGADO : FREDERICO ALUISIO CARVALHO SOARES (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00054594820104036002 2 Vr DOURADOS/MS

RELATÓRIO

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL PEIXOTO JUNIOR: - Araldo Veron foi denunciado como incurso nos artigos 147, 250, §1º, inciso II, "a", ambos do Código Penal, e 15 da Lei n° 10.826/03, descritos os fatos nestes termos pela denúncia que como apresentada se transcreve:


"Consta dos inclusos autos que, em fevereiro de 2010, na Aldeia Taquara, Reserva Indígena, em Juti/MS, o denunciado ARALDO VERON, dolosamente e consciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, ameaçou indígenas de morte, efetuou disparos de arma de fogo em local habitado e causou incêndio em casas destinadas a habitação.
Verificou-se que, nas condições de tempo e lugar acima mencionadas, iniciou-se uma disputa pelo cargo de professor, até então ocupado por DIRCE VERON, irmã do denunciado, retirada da função pelo demais indígenas por conta da insatisfação com a forma supostamente rude desta de lidar com seus alunos. A irmã do denunciado não aceitou deixar o cargo, gerando um clima de tensão na comunidade.
Além disso, constam informações de que já havia um desconforto entre a família dos VERON e o atual cacique, FRANCISCO GONÇALVES, pois aqueles negavam a legitimidade deste, alegando que, os filhos do antigo cacique, MARCOS VERON, é que deveriam assumir tal função.
Em razão disso, e especialmente motivado pela retirada de sua irmã do cargo de professora, o denunciado passou a ameaçar vários indígenas de morte e a intimidá-los disparando arma de fogo próximo a locais onde se reuniam e queimando casas.
O cacique FRANCISCO GONÇALVES e sua esposa ZENILDA ISNALDE GONÇALVES representaram em face do denunciado em razão das ameaças sofridas (fls. 11 e 16), pois, após ter se reunido com DIRCE VERON pelos motivos já expostos, passou a ser intimidado pelo denunciado, que efetuou disparos de arma de fogo em frente à sua residência, ocasião em que gritou que o mataria, bem como a sua esposa, dizendo que faria com ela o mesmo que foi feito com o pai desta, assassinado há vinte anos.
DILSON DOS SANTOS PEREIRA também representou em face do denunciado (f. 20) pois, por ter sido indicado para suceder DIRCE VERON como professor na referida aldeia, o denunciado passou a ameaçá-lo dizendo que "caso o declarante aparecesse na escola para dar aulas o próprio ARALDO o mataria".
Além das ameaças, com o intuito de intimidar seus desafetos, o denunciado incendiou três casas, que, embora desocupadas no momento, eram destinadas a moradia. As casas pertenciam a ANASTÁCIO PERALTA, CESAR ISNARDE e FIRMINO MARTINEZ e, embora as testemunhas afirmem não ter visto o denunciado ateando fogo nas casas, é fato notório na comunidade de que ele seria o responsável, sendo que inclusive chegou a dizer que queimaria a casa de quem não gostasse, segundo relatos do cacique (f. 11).
ANASTÁCIO PERALTA afirmou que, no final de 2009, durante manifestação no prédio da FUNAI, houve um princípio de discussão com ARALDO e, algum tempo depois, sua casa foi incendiada, o que, segundo comentários, ocorreu em razão do denunciado culpar ANASTÁCIO por sua prisão na ocasião dos protestos.
CESAR ISNARDE afirmou que o denunciado falava pela aldeia que queria a terra onde estava sua casa e que, na mesma época, disse à sua esposa "que o mataria e o deixaria estendido no campo de futebol para intimidar o capitão da aldeia" (f. 24). Algum tempo depois a casa de CESAR foi queimada com todos os pertences dentro.
O laudo realizado no local onde ficavam as residências (f. 30-38) confirmou a presença de resquícios de incêndio, mas não precisou mais detalhes devido ao tempo decorrido desde os fatos e também aos materiais utilizados pelos indígenas na construção de suas casas, geralmente madeira e sapê, que desaparecem com facilidade no ambiente.
Ouvido, o denunciado negou os fatos que lhe são imputados, dizendo que não possui arma de fogo, nunca ameaçou os indígenas em questão e, quanto ao incêndio das casas, afirmou que na época houve um incêndio no "Capão do Mato" e em razão disso as residências podem ter pegado fogo (f. 55/56).
As alegações do denunciado não merecem crédito, pois é notório que é pessoa violenta, tanto que CESAR ISNARDE e a merendeira da escola onde trabalhava DIRCE VERON, CILENE ISNARDE GONSALVES, mesmo tendo confirmado que sofreram ameaças não quiseram representar contra o acusado por medo das consequências.
Quanto aos incêndios, também não tem fundamento a alegação do denunciado, uma vez que o laudo, com referência à queima que apresentava mais vestígios, concluiu que "a queima foi pontual e localizada não apresentando sinais de que ocorreu deriva de, chamas para a vegetação campestre circunvizinha" (f. 34).
Dessa forma, o denunciado, ameaçou indígenas de morte, efetuou disparos de arma de fogo em local habitado e causou incêndio em casas destinadas a habitação.
Agindo assim, ARALDO VERON praticou os delitos de ameaça, incêndio e disparo de arma de fogo, previstos respectivamente nos artigos 147 e 250, §1º, inciso II, "a", ambos do Código Penal e no artigo 15 da Lei nº 10.826/03.
Deixa-se de denunciar o acusado pelo deito previsto no art. 163 do Código Penal pelo qual fora indiciado (f. 48) em razão da prevalência do art. 250 do mesmo código, norma específica em relação àquela.
A autoria e a materialidade podem ser extraídas da Representação de f. 04, Termo de Declarações das vítimas e testemunhas (f. 08-11; 16-25) e Laudo de Exame de Local (f. 30/38)."
Sobreveio a prolação de sentença declarando a extinção da punibilidade do delito do artigo 147 do Código Penal pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal, e absolvendo o acusado quanto aos delitos dos artigos 250, §1º, inciso II, do Código Penal, e 15 da Lei 10.826/03, com fundamento no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.
Recorre o Ministério Público Federal com vistas a condenação do acusado por delito do artigo 250, §1º, inciso II, do Código Penal, alegando haver provas suficientes da autoria delitiva.
Com contrarrazões subiram os autos.
O parecer ministerial é pelo provimento do recurso.
É o relatório.
À revisão.
Peixoto Junior
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0005459-48.2010.4.03.6002/MS
2010.60.02.005459-6/MS
RELATOR : Desembargador Federal PEIXOTO JUNIOR
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : ARALDO VERON
ADVOGADO : FREDERICO ALUISIO CARVALHO SOARES (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00054594820104036002 2 Vr DOURADOS/MS

VOTO

Cuida-se de recurso interposto pelo Ministério Público Federal com vistas à condenação de Araldo Veron como incurso no artigo 250, §1º, inciso II, do Código Penal, por suposta conduta do acusado causando incêndio em casas destinadas a habitação em reserva indígena, impugnando a acusação os fundamentos da sentença que o absolveu nestes termos:
"A acusação entende que a conduta de disparo de arma de fogo não restou corroborada com as provas produzidas no processo penal.
No entanto, pela prova compilada nos autos, é imperioso inferir que não restou demonstrada de forma certa e inconteste a materialidade do crime de disparo de arma de fogo, bem como a respectiva autoria e a da conduta de incêndio, como segue discorrido.
Como se infere do IPL n. 0056/2010, foi instaurado procedimento em razão da denúncia telefônica onde relata às autoridades' que o réu "queimou três casas na Aldeia Taquara e deu vários tiros no local" e "prometeu matar os agentes de saúde e a todo mundo na aldeia".
O exame pericial atesta a existência material do crime de incêndio, como se vislumbra do laudo pericial às fl. 35/38, nos seguintes termos:
III.3 - Local Examinado: ...três locais onde supostamente ocorrem incêndios nas residências dos senhores Anastácio Peralta, Cesar Isnarde e Firmino Martinez ...
(...)
2. Houve destruição parcial ou total das casas? Quando?
Ocorreu queima total de material lenhoso nas áreas apresentadas para exame. Embora não seja possível determinar com exatidão quando ocorreu a queimada das supostas residências, parece claro que a mais recente queima aconteceu a suposta residência do senhor César Isnarde devido a maior quantidade de resquícios de materiais lenhosos queimados, fuligens e presença de arames de amarração.
(...)
Lado outro, as testemunhas que prestaram declaração naquela fase preliminar não souberam dar certeza da ocorrência do crime de disparo de arma de fogo e da autoria do acusado.
Luciana Iturve, em suas declarações (fl. 08/09), informa que no dia presenciou o réu portando arma e ouviu os disparos, afirmando:
(...) "Que Araldo trazia uma espingarda nas costas e disse que iria matar o cacique e sua esposa Zenilda, em razão do fato e a comunidade querer irar sua irmã Dirce do cargo de professora; (...) Que ao ouvir as palavras de Araldo todos correram; Que a declarante enquanto corria viu Araldo disparar sete tiros para cima; (...)
As vítimas Francisco Gonçalves e Zenilda Isnarde Gonçalves, igualmente, ao prestar esclarecimentos (fl. 10/11 e 16/17), reiteram tais fatos, nos seguintes termos:
Francisco Gonçalves: (...) Que há aproximadamente 2 meses o declarante estava em uma reunião indígena no Paraná quando Araldo Veron passou em frente à sua casa na Aldeia Taquara, onde estavam vários índios, entre eles Luciana Iturve, Zenilda Isnarde e Dilson Pereira e começou a gritar que mataria Zenilda e o declarante, e pelo que ficou sabendo, fez alguns disparos para cima; (...)
Zenilda Isnalde Gonçalves: Que em fevereiro de 2010 a declarante estava reunida em sua casa com outros indígenas quando chegou Araldo Veron; Que Araldo Veron disse à declarante iria acabar como seu pai, que morreu assassinado. Disse também que a declarante e seu marido Francisco Gonçalves 'acabariam na sua mão', dando a entender que mataria os dois; Que nesse mesmo dia Araldo Veron disparou tiros para cima, na proximidade da casa da declarante; (...)
Das testemunhas restantes, somente uma confirmou tal versão, em que pese não estar presente no local dos fatos.
Cilene Isnarde, que estava presente no local, declara 'que Araldo gritou que estava armado, mas a declarante não se lembra de ter ouvido tiros' (fl. 18/19).
Já Dilson dos Santos Pereira, apesar de afirmar que não presenciou o fato, declara que naquele momento estava em sua casa, que é próxima à casa de
Zenilda Isnarde, e "ouviu movimentação estranha e, inclusive, tiros" (fl. 20/21) .
O réu, ao ser ali interrogado, nega todos os fatos, especialmente possuir arma de fogo e efetuar disparos em via pública, bem como ter queimado as casas na aldeia, como narrado acima pelas testemunhas (fl. 55/56).
No interrogatório judicial, nas duas oportunidades realizadas durante e após a oitiva das testemunhas, além de manter a tese de negativa dos fatos, o réu apresenta nova versão, imputando a autoria das acusações às vítimas e testemunhas, inclusive afirmando que foram estas que proferiram ameaças e fizeram intrigas, decorrente da disputa pelo cargo de professor na escola e em razão de guerra política pelo poder na aldeia (fl. 153/159 e 287/290).
Os elementos indiciários colhidos no inquérito policial não foram corroborados em juízo, para ter validade jurídica para corroborar a materialidade e autoria dos crimes.
As testemunhas supracitadas foram ouvidas em juízo e não mantiveram integralmente as declarações acima registradas, especialmente por não se mostrarem isentas, considerando que todas estavam envolvidas na disputa da liderança da tribo, como afirmara o acusado, bem como não elucidaram ou deram certeza de que existiram os disparos de tiro e ser o réu o autor deste fato e do incêndio das casas na aldeia.
Luciana Iturve, a qual afirmou perante a autoridade policial que presenciou o réu portando arma de fogo no dia dos fatos, igualmente confirma que havia disputa pela liderança da aldeia entre o réu e o cacique à época, Francisco Gonçalves, mantendo ainda a declaração de que os fatos praticados pelo réu foram em razão desse conflito (fl. 173/176 e 280/281).
Cesar Isnarde relata que não ficou sabendo sobre o fato de o réu ter efetuado disparos em via pública na comunidade. Em relação ao crime de incêndio, declarou que a mãe lhe disse que o réu falou pessoalmente para ela que iria incendiar a casa do mesmo, e todos na ladeia acreditam que foi o acusado, mas não viu e ninguém afirma ter visto o réu colocar fogo nas casas. Já no segundo depoimento, confirma a ocorrência de disputa política como causa das intrigas envolvendo os fatos (fl. 160/162 e 277/279).
Cilene Isnarde Gonçalves, igualmente, declara no seu depoimento judicial que no dia dos fatos não morava na aldeia nem presenciou o ocorrido, mas apenas soube através de seus familiares que o réu tinha efetuado disparos de arma de fogo. E acrescenta que ficou sabendo dos fatos por terceiros, de que houve 'tiroteio' e 'queimado a casa do seu filho César Isnarde, de Anastácio Peralta e o Firmino Martinez' e que tinha sido o réu (fl. 163/166).
Lado outro, Francisco Gonçalves, líder à época, corrobora a tese de que entre o mesmo, seus familiares (testemunhas acima) e o réu há conflito pela liderança na aldeia, incluindo a disputa do cargo de professor referido. Porém, quanto aos fatos, relata que não estava presente e não soube da ocorrência de disparos de arma de fogo imputado ao réu (fl. 170/172 e 270/271).
Sua esposa, Zenilde Isnarde Gonçalves (fl. 177/179), confirma os fatos e que estes decorreram da disputa pelo cargo de professor da escola da aldeia, que seria assumido pelo Dilson Pereira dos Santos, seu sobrinho. Porém, ao responder sobre os disparos de arma de fogo, relata de forma genérica que "eles começaram, a se atirar assim... (sic)". Igualmente, em relação ao incêndio, aduz que "nós ficamos sabendo porque ele alcoolizado né, começou a falar que já queimou essa casa e via queimar mais 12 casas (sic)". O segundo depoimento também se mostrou duvidoso, porquanto acrescentou que os tiros efetuados pelo réu foram juntos com 'fogos/foguetes' (fl. 272/173).
Dilson dos Santos Pereira, por seu turno, admite em parte a versão apresentada pelo réu. Assim, aduz que os conflitos ocorrem em razão da disputa pelo cargo de professor na escola da aldeia, porquanto foi indicado pela comunidade para ocupar o cargo que era exercido pelo sobrinho do réu. Outrossim, reitera o seu depoimento policial, aduzindo que não presenciou os disparos de tiro nem sabe quem efetuou, mas ouviu porque mora perto do local e soube posteriormente que teria sido o grupo do réu. Já no tocante ao crime de incêndio, também confirma que não presenciou o fato, mas soube que tinha sido o réu (fl. 167/169). Ratifica no segundo depoimento a afirmação de que não sabe quem efetuou os tiros (fl. 274/276).
Como se infere, a tese do acusado encontra amparo na prova judicial referenciada.
As pessoas envolvidas nos conflitos pela liderança na aldeia foram os mesmos que denunciaram à autoridade policial, portanto, estão envolvidas nos fatos que deram ensejo à denuncia dos crimes imputados ao acusado.
Logo, não se mostram isentas para que seus depoimentos possam contribuir para a busca da verdade real.
Ademais, as versões por elas apresentadas em JUIZO não se revelam coesas e, sim, imprecisas e lacunosas, o que não possibilita imprimir certeza, tanto da existência dos disparos de arma de fogo, como ter sido o réu o autor das condutas aqui lhe imputadas (crimes de incêndio e disparo de arma de fogo).
A prova da materialidade do crime de disparo de arma de fogo e a autoria dos crimes imputados ao réu está baseada em meros indícios.
Segundo os postulados processuais penais, a prova indiciária justifica o início da persecução penal (art. 155, CPP\ sendo juridicamente imprestável para validar um decreto condenatório.
O processo penal é um mecanismo jurídico de restrição das liberdades públicas do indivíduo, sempre com vista ao bem maior da sociedade, a pacificação social.
Assim, vigora o principio da certeza e não pode ser baseado em ilações ou deduções, o que inviabiliza a emissão de juízo condenatório tão somente embasado em prova indiciária ou incerta.
In casu, imperando a dúvida quanto à realização da conduta de disparo de arma de fogo e incêndio pelo réu, aplica-se a máxima constitucional da "NÃO CULPA" e o princípio processual in dubio pro reo, porque cabe a acusação produzir prova irrefutável do crime e autoria.
As palavras oportunas de Nelson Hungria de que: "a verossimilhança, por maior que seja, não é jamais a verdade ou a certeza, e somente esta autoriza uma sentença condenatória. Condenar um possível delinquente é condenar um possível inocente" (in COMENTÁRIOS AO CÓDIGO PENAL, vol. V, Ed. Forense, p. 65), aplicam-se plenamente ao caso.
Nesse sentido, orienta a jurisprudência:
"Aplicação do princípio "in dúbio pro reo". Autoria pelo apelante sinaliza como mera possibilidade. Tal não é bastante para condenação criminal, exigente de certeza plena. Como afirmou Carrara, a prova para condenar, deve ser certa com a lógica e exata como a matemática". Deram parcial provimento. Unânime (RJTJESRS 177/136). (IN Código de Processo Penal Interpretado - Júlio Fabbrini Mirabete - Editora Atlas - 11a edição - 2003- p. 1004).
Logo, deve ser acolhido o pleito de absolvição formulado pela acusação e igualmente reconhecida a incerteza da prova da materialidade do crime de disparo de arma de fogo e da autoria de ambas as condutas imputada ao acusado (art. 250, §1°, 11, CP e art. 15 da Lei 10.586/03).
A improcedência da denúncia é medida que se impõe no caso em testilha."

A materialidade delitiva, como não deixou de reconhecer o juiz "a quo", está devidamente comprovada pelo laudo de fls. 30/38, cingindo-se a controvérsia à autoria delitiva.

Alega o Ministério Público Federal que a autoria do delito imputado está devidamente demonstrada pela prova testemunhal produzida, mormente pelos depoimentos das testemunhas Luciana Iturve e Zenilda Isnarde Gonçalves:


"DEPOENTE: Olha, essa casa do César, do Firmino e Anastácio foi queimada mesmo [...]
JUIZ: Tá. Mas quem colocou fogo na casa?
DEPOENTE: Olha, esse fogo foi ele mesmo que colocou na casa do Senhor Firmino...
JUIZ: Foi o Araldo que colocou fogo?
DEPOENTE: É.
JUIZ: Como que a senhora sabe que foi o Araldo?
DEPOENTE: Foi ele por que ele estava bêbado né, embriagado e colocou fogo no mato né, bem perto da casa do Senhor Firmino e queimou tudo né, bem perto da casa do Senhor Firmino e queimou tudo, não restou nada." (Zenilda Isnarde Gonçalves - fl. 263)
"JUIZ: [...] Então vamos por parte, vamos começar pelo crime de incêndio, consta no processo que ele colocou fogo na casa do Anastácio Peralta, do César Isnarde e do Firmino Martinez, o quê a senhora sabe informar sobre esses incêndios?
DEPOENTE: Que nós estávamos lá mesmo, que [...] ele estava lá, naquele tempo ele estava bravo com a Zenilda, por que ele queria ser professor né, e o povo indígena de lá não queria ele como professor, aí ele começou a beber a cachaça dele, aí começou a queimar as casas, começou a ameaçar a Zenilda Isnarde, porque ela é agente de saúde da [...] de lá, aí ele andou bebendo a cachaça dele e queimando a casa também." (Luciana Iturve - fl. 271)

Verifica-se nos depoimentos transcritos que as testemunhas não esclareceram se viram ou não o réu praticar a conduta que lhe fora imputada, convindo sublinhar que, ao ser indagada pelo juiz de primeiro grau como sabia que foi o acusado quem ateou fogo nas casas, a testemunha Zenilda Isnarde Gonçalves teceu declarações que não elucidam o que fora perguntado, apenas dizendo que o acusado estava embriagado e ateou fogo, observando-se que o Ministério Público Federal não formulou perguntas à testemunha que pudessem aclarar o ponto, quanto ao outro depoimento também não tendo a testemunha Luciana Iturve esclarecido se presenciou o acusado praticar a conduta imputada, somente dizendo que o réu começou a beber e a queimar as casas, igualmente sem perguntas complementares do órgão ministerial.

Quanto aos depoimentos das demais testemunhas de acusação ouvidas em juízo, constata-se que não presenciaram os fatos. Com efeito, César Isnarde afirmou que não viu quem queimou as casas e que acredita que foi o acusado (fls. 161/163); Cilene Isnarde aduziu que não estava presente no momento dos fatos e que ficou sabendo do incêndio no outro dia (fls. 164/167); Dilson dos Santos Pereira declarou que não viu quem queimou as casas mas que a maioria fala que foi o acusado (fls. 168/170); Francisco Gonçalves relatou que não estava na aldeia no dia em que a casa foi queimada e que ficou sabendo por outras pessoas (fls. 171/173); e Anastácio Pereira disse que uma das casas queimadas era sua mas que à época estava viajando e ficou sabendo dos fatos pela liderança (mídia de fl. 223).

No quadro que se apresenta, não se infirma a hipótese de as declarações das testemunhas Zenilda Isnarde Gonçalves e Luciana Iturve - referidas no recurso ministerial - terem sido prestadas com base em informações obtidas de terceiros, vale dizer, sem conhecimento direto dos fatos, tratando-se de prova indireta que como tal depende de elementos de corroboração para ministrar a certeza do delito que, no caso vertente, inexistem.

Observo por fim não haver no caso fato notório nenhum, o que a acusação como tal designa tendo fundamentos no quadro acima descrito de depoimentos indicando o réu como autor do delito todavia sem suficientes esclarecimentos das razões do suposto conhecimento manifestado, ademais fato notório é exatamente aquele que não depende de prova e tudo quanto se põe no caso é justamente a exigência de prova e prova de certeza da autoria delitiva imputada, a todas as luzes desvelando-se a inconsistência e impropriedade da alegação.

Concluo, destarte, pela manutenção do decreto absolutório.

Diante do exposto, nego provimento ao recurso.

É o voto.


Peixoto Junior
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