D.E. Publicado em 05/12/2014 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento parcial aos recursos de apelação interpostos por Renato Franchi, João Batista Guarino e Orlando Sanches Filho, para reduzir a pena-base em conformidade com o disposto na Súmula nº 444 do STJ, bem como negar provimento ao recurso de apelação interposto por Alexandre Nardini Dias, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Sentença (fls. 789/801): condenou Renato Franchi, João Batista Guarino, Orlando Sanches Filho e Alexandre Nardini Dias como incursos nas penas do art. 168-A, § 1º, inc. I, c.c. o artigo 71, ambos do Código Penal, eis que, durante o período compreendido entre 02/2002 a 09/2003, na qualidade de diretores da empresa INDÚSTRIA NARDINI S/A, descontaram da remuneração de seus empregados valores referentes às contribuições previdenciárias e não os repassaram, na época própria, à Previdência Social.
Apelações de Orlando, Alexandre, João e Renato (fls. 816/834, 1042/1058, 1151/1167 e 1261/1279): postulam, em síntese, a reforma da r. sentença, arguindo (i) não ter havido dolo específico nas respectiva condutas; (ii) ter restado configurada a inexigibilidade de conduta diversa; (iii) que inexistia bens suficientes para sanar o débito; (iv) que é descabida a prisão por dívida tributária; (v) que a punibilidade deve ser extinta por conta do pagamento do débito; e, subsidiariamente, que é necessário reduzir a pena fixada pelo Juízo a quo.
Contrarrazões do Ministério Público Federal a fls. 1379/1405: pelo desprovimento do recurso.
Parecer da Procuradoria Regional da República (Dr. Elton Venturi, fls. 1409/1420 e 1659): pelo parcial provimento do recurso das defesas de Orlando, Renato e João, apenas para que seja aplicado o entendimento da Súmula nº 444 do STJ, e pelo desprovimento da apelação de Alexandre.
É o relatório.
À revisão.
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VOTO
O EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR FEDERAL COTRIM GUIMARÃES (RELATOR):
Preliminarmente, rechaço o argumento de inépcia da inicial. E o faço por dois motivos.
Primeiro, pois, consoante entendimento tranquilo da jurisprudência pátria, descabe alegação de inépcia da denúncia após a prolação da sentença condenatória, em razão da preclusão da matéria. Nesse sentido:
Segundo, porque a denúncia contém exposição clara e objetiva dos fatos ditos delituosos, com narração de todos os elementos essenciais e circunstanciais que lhes são inerentes, atendendo aos requisitos descritos no artigo 41 do Código de Processo Penal, bem como permitindo aos réus o exercício pleno do direito de defesa assegurado pela Constituição Federal.
O fato de a denúncia imputar a todos os corréus, administradores da mesma empresa, a mesma conduta, não o fazendo de forma individualizada, não a torna inepta.
Com efeito, tratando-se de crime societário, como o do artigo 168-A do Código Penal, não se pode exigir que o órgão de acusação tenha, já de início, condições de individualizar a conduta de cada corréu. Bem por isso, a jurisprudência tem admitido, nos crimes societários, a mitigação dos requisitos da inicial acusatória, não se impondo a narração pormenorizada da conduta de cada um dos agentes. Nesse sentido:
Isto dito, passo à análise do mérito.
De partida, explicito que a materialidade e a autoria delitivas, assim como o dolo genérico dos acusados, restaram plenamente comprovados após ter fim a instrução criminal.
Com efeito, a materialidade encontra-se demonstrada nos autos a partir do procedimento administrativo acostado aos autos a fls. 11/107, do qual ressalto a NFLD nº 35.638.874-3 (fls. 14).
A autoria também restou incontroversa, haja vista o que consta nas Atas de Assembleias Gerais Extraordinárias (fls. 42/47), bem como em face da extensa prova oral colhida no curso da instrução criminal.
Ademais, em conformidade com a já remansosa jurisprudência, relembro ser dispensável o dolo específico para a configuração da apropriação indébita previdenciária (animus rem sibi habendi), bastando à sua consumação o dolo genérico.
Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça:
Dando continuidade à análise dos argumentos trazidos à baila pelo recorrente, noto não ser possível extrair dos autos elementos aptos a caracterizar a figura da inexigibilidade de conduta diversa.
A jurisprudência pátria vem admitindo a incidência desta causa supralegal para elidir o juízo de reprovabilidade da conduta tipicamente descrita no art. 168-A ou, ainda que mais raramente, também no 337-A, ambos do Código Penal, mas apenas nos casos em que verificadas dificuldades financeiras insuperáveis. Nesta linha, cito acórdãos desta Segunda Turma: TRF3, Segunda Turma, ACR 33719, Relator Desembargador Federal Nelton dos Santos, DJ 12/01/2012; ACR 32054, Relator Desembargador Federal Cotrim Guimarães, DJ 25/04/08.
No caso em apreço, contudo, a defesa de nenhum dos apelantes logrou se desincumbir do ônus imposto pelo art. 156, do Código de Processo Penal, ou seja, de provar as circunstâncias de adversidade econômica invencível para a entidade, por razões alheias à gestão. Com efeito, as alegações de penúria financeira não restaram comprovadas nos autos.
Neste passo, saliento que o ônus de comprovar a aludida excludente de culpabilidade era da defesa, e não do Ministério Público.
Não se olvida o teor dos depoimentos colhidos durante a instrução criminal, além de documentação acostada aos autos, que apontam para eventuais (e pontuais) dificuldades financeiras enfrentadas pela empresa. Contudo, não há prova de que tal dificuldade inviabilizasse o pagamento das contribuições devidas. Na verdade, tudo leva a crer que omissão reiterada de contribuições previdenciárias não decorreu da suposta fragilidade da saúde financeira da empresa, mas sim de um modus operandi que os recorrentes implantaram na administração do estabelecimento, priorizando outros pagamentos em prejuízo aos devidos à Previdência Social.
Reitero, ainda, o disposto pelo Parquet, quando bem dispôs que "(...) as ações judiciais intentadas em face da empresa administrada pelos réus referem-se, em sua esmagadora maioria, a períodos anteriores ao do débito tratado (...)", tendo de forma também acurada observado não constar nos autos comprovação de que os réus tenham se desfeito de patrimônio próprio para arcar com as dívidas empresariais (764/766).
Ainda neste ponto, saliento as declarações da testemunha Paulo Roberto da Silva (fls. 535), funcionário do aludido estabelecimento, o qual esclareceu que, pelo menos desde 1998, a empresa não enfrentava dificuldades financeiras.
Em relação à ausência de bens para sanar o débito, haja vista suposta indisponibilidade que recaia sobre os bens da empresa, ressalto, de início, que os réus deveriam, se possível fosse - e nos autos não há prova do contrário, ter utilizado bens pessoais para arcar com as obrigações frente a Previdência Social. O que não fizeram.
Assim, não reconheço a figura excepcional, mantendo a condenação.
Noutro giro, também não há como correlacionar as sanções impostas pelo tipo previsto no art. 168-A, do Código Penal, à espécie de prisão por dívida, como argumentam os apelantes.
Tal dispositivo não criminaliza o sujeito que simplesmente apresenta débito perante à Previdência Social, mas sim aquele que confere, de forma livre e consciente, destinação ilícita à cota previdenciária descontada do pagamento feito aos segurados. Nota-se, evidentemente, que a reprovabilidade de sua conduta distancia-se demasiadamente do mero devedor civil.
A propósito, a questão já foi objeto de amplo debate perante Supremo Tribunal Federal, que assegurou a plena harmonia do tipo em questão com os preceitos constitucionais, consoante corrobora o seguinte julgado:
Por fim, não há que se falar em extinção da punibilidade em decorrência do pagamento do débito, uma vez que no presente caso há informe da Procuradoria da Fazenda noticiando que o débito não foi pago, nem se encontra em regime de parcelamento, mas sim alcançando o montante de R$ 2.885.592,27 (dois milhões, oitocentos e oitenta e cinco mil, quinhentos e noventa e dois reais e vinte e sete centavos), atualizado em 08/2014 (fls. 1554/1557).
No tocante à pena imposta aos apelantes, contudo, entendo deva ser reformada em parte a r. sentença.
À primeira fase da dosimetria da pena, o nobre magistrado considerou o expressivo prejuízo causado à Previdência Social, que em 10.2003 era de R$ 1.173.178,79, bem como, em relação a Renato, João e Orlando, inquéritos policiais e condenações criminais não transitadas em julgado, daí por que fixou a pena de Alexandre em 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão, e 15 (quinze) dias-multa, e a pena de Renato, Orlando e João em 03 (três) anos de reclusão e 20 (vinte) dias-multa.
Uma vez que em relação a Renato, Orlando e João foram utilizadas para exasperação da pena-base ações penais ainda em curso, o que não é possível conforme entendimento sedimentado na Súmula nº 444 do Superior Tribunal de Justiça, reformo a r. sentença neste ponto e fixo-lhes a pena, provisoriamente, tal qual imposta ao corréu Alexandre, qual seja de 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão, e 15 (quinze) dias-multa.
À segunda fase, os apelantes postulam o reconhecimento da atenuante prevista no art. 65, II, "a", do Código Penal.
Contudo, não há como dar acolhida a tal pleito, visto que o crime que lesa a Previdência Social não é cometido por relevante valor social, mas pelo contrário, em relevante prejuízo à sociedade.
Ademais, não tendo os réus providenciado sequer o ingresso no regime oficial de parcelamento do débito, quando então se poderia vislumbrar circunstância benéfica não expressa em lei, não há como conceder tal atenuante.
Por derradeiro, correto o reconhecimento da continuidade delitiva, seguido da exasperação da pena em 1/6 (um sexto), já que os delitos foram reiterados por mais de um ano (fevereiro de 2002 a setembro de 2003) (ACR 00001277020064036122, TRF3 - SEGUNDA TURMA, DATA:16/06/2011).
Isto posto, fixo a pena de todos os apelantes em 02 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão em regime aberto, substituindo-as conforme realizado pelo Juízo a quo, ou seja, por duas penas restritivas de direitos consistentes em prestação pecuniária a entidade de cunho reconhecidamente social, no valor de 06 (seis) salários mínimos vigentes à época dos fatos, a ser atualizado, e prestação de serviços à comunidade, pelo prazo da condenação, à razão de uma hora de tarefa por dia de pena, na qual os acusados deverão executar tarefas gratuitas em entidade pública do local de sua residência, a ser especificada quando da execução, e 17 (dezessete) dias-multa à razão de 1/3 do salário mínimo na data em que findou a continuidade delitiva, com atualização monetária ao tempo do pagamento.
Conclusão
Ante o exposto, dou provimento parcial aos recursos interpostos pela defesa de Orlando, Renato e João Batista, para reduzir a pena-base, consoante o disposto na Súmula nº 444 do STJ, bem como nego provimento ao recurso de Alexandre.
É o voto.
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