Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 03/12/2014
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0010798-93.2008.4.03.6119/SP
2008.61.19.010798-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal LUIZ STEFANINI
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : JACY JOSE FERREIRA
ADVOGADO : SP104094 MARIO MIURA e outro
EXTINTA A PUNIBILIDADE : NORBERTO RODRIGUES RAMOS falecido
: CARLOS ALBERTO MICELI falecido
No. ORIG. : 00107989320084036119 4 Vr GUARULHOS/SP

EMENTA

PENAL - ART. 171, §3º, DO CP - SENTENÇA ABSOLUTÓRIA - MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVA COMPROVADAS - AUSÊNCIA DE PROVAS QUANTO AO DOLO DO ACUSADO - MANUTENÇÃO DO DECISUM - ELEMENTO COGNITIVO E VOLITIVO NÃO DEMONSTRADO - IMPROVIMENTO DA APELAÇÃO MINISTERIAL.
1. Materialidade comprovada por procedimento administrativo em apenso, que atesta que o acusado recebeu benefício previdenciário indevido de 13/09/1999 a 31/05/2008, porquanto trabalhou na empresa "Indústrias Villares Ltda." apenas no período de 08/09/1970 a 10/08/1973, e não até 10/08/1976, tal como informado. No tocante aos salários-de-contribuição da empresa "Irmãos Borlenghi Ltda.", apresentados quando do requerimento, estes não condizem com os efetivamente recebidos pelo beneficiário.
2. Autoria comprovada pelos interrogatórios do réu, que confirmam o recebimento do benefício previdenciário indevido, corroborados pelo depoimento testemunhal prestado em juízo, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.
3. Não há como afirmar, sem sombra de dúvidas, que o apelado tinha consciência de que a atuação de Norberto se daria de forma fraudulenta, ou mesmo de que o tenha contratado com a finalidade de obter, para si, benefício previdenciário que sabia indevido.
4. Ainda que o réu tenha fornecido suas carteiras de trabalho para que Norberto realizasse a contagem de tempo de serviço, bem como tenha efetuado o pagamento de 03 (três) salários de benefício àquele, após a concessão de sua aposentadoria, não há como presumir que o apelado tenha agido em conluio com Norberto, sob pena de odiosa responsabilização objetiva.
5. Em relação à constatação de que os salários-de-contribuição da empresa "Irmãos Borlenghi Ltda." eram menores que os indicados quando do requerimento do benefício previdenciário, não há como infirmar a versão do apelado no sentido de que desconhecia referida irregularidade. A acusação não colacionou ao presente feito prova em sentido contrário, tratando-se, ainda, de questão técnica, aritmética, figurando o réu como pessoa simples, que cursou somente o ensino fundamental em uma fazenda, antes de se mudar para São Paulo no ano de 1692.
6. No tocante ao tempo de serviço prestado para a "Indústria Villares S/A", não há como presumir que o réu tenha realizado alterações indevidas em suas carteiras de trabalho antes de entregá-las a Norberto, tampouco afirmar, com certeza, que o apelado sabia que Norberto iria proceder de forma fraudulenta, vez que cabia a este a reunião de documentos e a efetivação de requerimentos perante o INSS. Além de vasta documentação trabalhista de terceiros, foram localizados na casa de Norberto diversos carimbos e livros para registro de empregados.
7. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer (art. 156 do CPP), no caso, à acusação, que aduz que o réu tinha ciência da ilicitude dos meios empregados para a obtenção do benefício indevido.
8. Se o benefício está sendo pago, significa que houve deferimento na esfera administrativa, presumindo-se sua legitimidade até prova em contrário, não figurando razoável, por conseguinte, a exigência de que todos os beneficiários devem se dirigir à polícia ou à autarquia previdenciária com a finalidade de verificar se há ou não fraude no procedimento de concessão.
9. Aplicação do princípio in dubio pro reo.
10. Manutenção da r. sentença.
11. Improvimento da apelação.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.



São Paulo, 25 de novembro de 2014.
LUIZ STEFANINI
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0010798-93.2008.4.03.6119/SP
2008.61.19.010798-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal LUIZ STEFANINI
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : JACY JOSE FERREIRA
ADVOGADO : SP104094 MARIO MIURA e outro
EXTINTA A PUNIBILIDADE : NORBERTO RODRIGUES RAMOS falecido
: CARLOS ALBERTO MICELI falecido
No. ORIG. : 00107989320084036119 4 Vr GUARULHOS/SP

VOTO

A materialidade do delito previsto no art. 171, §3º, do Código Penal não foi objeto de impugnação pelas partes, razão pela qual resta mantida, no ponto, a fundamentação exarada pelo MM. Juízo a quo (fls. 273/275), verbis:

"I - MATERIALIDADE O crime de estelionato, como imputado ao acusado, vem descrito no artigo 171, §3º, do Código Penal, nos seguintes termos:
Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.
§3º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência.
Nos autos do procedimento administrativo nº 35393.000291/2008-18, apenso a estes autos, relativo ao benefício previdenciário NB 42/114.932.734-8, DER 13/09/1999, em nome de JACY JOSÉ FERREIRA (Apenso I ao IPL 14-0843/2008-5), apurou-se as irregularidades na concessão. Para concessão do benefício previdenciário nº 42/114.932.734-8 (aposentadoria por tempo de serviço), foram apresentadas duas CTPS´s, conforme demonstra o 'Comprovante de Restituição de Documentos'. No Apenso I ao IPL 14-0843/2008-5 consta cópia apenas de uma delas, qual seja, a CTPS nº 062828, que se encontra no envelope de fl. 26 daquele Apenso. Quando da auditagem do benefício previdenciário em questão, constatou-se que, embora tenha sido considerado o período de 08/09/1970 a 10/08/1976 trabalhado na empresa Indústria Villares S/A para concessão do benefício (fl. 11 do Apenso I), o período efetivamente trabalhado foi de 08/09/1970 a 10/08/1973, conforme Declaração emitida pela empresa (fls. 43/44 do Apenso I) e Relatórios de fls. 102/103 e 180/182 do Apenso I. Além disso, apurou-se que os salários-de-contribuição da empresa Irmãos Borlenghi Ltda. (fl. 08 do Apenso I) apresentados quando do requerimento não condizem com os efetivamente recebidos pelo beneficiário, conforme pesquisa de fls. 113/114 do Apenso I e Relatórios de fls. 102/103 e 180/182 do Apenso I. Nos Relatórios de fls. 102/103 e 180/182 do Apenso I constou, ainda, que os vínculos empregatícios com as empresas Cia Transportadora Paulista, no período de 04/09/1964 a 19/11/1964, e Conservadora Limpeza e Conservação Ltda., no período de 01/02/1965 a 08/05/1966, não foram comprovados. Passo a analisar cada uma das irregularidades apuradas na esfera administrativa, a fim de se constatar se também caracterizam o ilícito penal. Os períodos considerados fraudulentos são os seguintes: i) 11/08/1973 a 10/08/1976 (Indústria Villares S/A), ii) 04/09/1964 a 19/11/1964 (Cia Transportadora Paulista), iii) 01/02/1965 a 08/05/1966 (Conservadora Limpeza e Conservação Ltda.). Com relação aos itens ii e iii, de fato, conforme consta no relatório de fls. 102/103 do Anexo I, especificamente no item 2, subitem 'a', não ficaram comprovados os vínculos empregatícios do segurado com as empresas CIA Transportadora Paulista (período de 04/09/1964 a 19/11/1964) e Conservadora Limpeza e Conservação Ltda. (período de 01/02/1965 a 08/05/1966), haja vista que o segurado não apresentou nenhum documento comprobatório. Informa-se ainda que tais documentos foram exigidos em 13/08/2007, conforme carta de exigência de folha 27, e não apresentados até a presente data. Contudo, também não ficou comprovado que JACY JOSÉ FERREIRA não trabalhou naquelas duas empresas. Pelo contrário, há indícios de que ele tenha trabalhado, diante da afirmação do acusado em seu interrogatório, mas sem a devida anotação na CTPS, o que, como é sabido, é prática comum em nosso país. Assim, embora a falta de prova dos vínculos seja suficiente ao indeferimento do benefício previdenciário, não o é na esfera penal, onde se exige provas cabais. No presente caso, seria imprescindível que se comprovasse a inexistência dos vínculos empregatícios, o que não ocorreu. E isso porque, caso o acusado tenha trabalhado naquelas duas empresas, o tempo de contribuição é devido, não havendo o que se falar em fraude. Portanto, a falta de comprovação dos vínculos empregatícios com as empresas Cia Transportadora Paulista, no período de 04/09/1964 a 19/11/1964, e Conservadora Limpeza e Conservação Ltda., no período de 01/02/1965 a 08/05/1966, não devem ser considerados períodos fraudulentos, por ausência de provas. Em contrapartida, restou suficientemente comprovado, pelos documentos de fls. 43, 44, 110, que o acusado trabalhou na empresa Indústrias Villares Ltda. (item i) apenas e tão-somente no período de [sic] 11/08/1973 a 10/08/1973 e não até 10/08/1976, o que foi, inclusive, ratificado por JACY JOSÉ FERREIRA em seu interrogatório judicial, que afirmou que trabalhou 3 anos naquela empresa e não 6. No tocante aos salários-de-contribuição da empresa Irmãos Borlenghi Ltda. (fl. 08 do Apenso I) apresentados quando do requerimento, estes não condizem com os efetivamente recebidos pelo beneficiário, conforme pesquisa de fls. 113/114 do Apenso I e Relatórios de fls. 102/103 e 180/182 do Apenso I. Vale salientar que, cerca de três meses antes do requerimento do benefício previdenciário NB 42/114.932.734-8 (DER 13/09/1999), também em nome de JACY JOSÉ FERREIRA, havia sido protocolado o pedido de aposentadoria por tempo de contribuição NB 113.818.781-3 (DER 18/06/1999), conforme fls. 01/11 do Anexo II ao IPL nº 14-0843/08. No Resumo de Documentos para Cálculo de Tempo de Serviço constou a seguinte anotação a caneta: 'Rescisão 10/08/73 e não 10/08/76 conforme consta a saída à fl. 11' (fl. 16 do mencionado Anexo II). Assim, em 24/06/1999, foi expedida carta de exigência para o segurado JACY JOSÉ FERREIRA, na qual foi solicitado que ele apresentasse declaração e ficha de registro de empregado da empresa Indústrias Villares S/A e a nova relação de salários contendo os valores corretos a partir de 12/98, face a alteração do teto a partir da citada data (fl. 18 do Anexo II). Contudo, a exigência não foi cumprida e o benefício foi indeferido por tal motivo (fl. 19 do Anexo II). Portanto, o que se verifica é que naquele primeiro pedido administrativo foi constatada irregularidade no período trabalhado na empresa Indústrias Villares S/A. Todavia, a despeito dos motivos, embora se tratasse da mesma irregularidade, no segundo pedido administrativo ela passou desapercebida, sendo o benefício concedido. Considerando que o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição nº 114.932.734-8 foi concedido com o total de 31 anos na DER (fl. 15 e 102 do Anexo I), sem os períodos irregulares acima mencionados o acusado JACY não teria direito à concessão do benefício previdenciário de aposentadoria por tempo de serviço, tem-se que foi recebido indevidamente, restando comprovada a materialidade delitiva." - grifo nosso.
A autoria delitiva também restou demonstrada, porquanto o réu confirmou, em inquérito (fls. 25/26) e em juízo (mídia de fl. 234), ter recebido o benefício previdenciário indevido.

Outrossim, a testemunha de acusação Emilio Sakai Tanikawa, servidor do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), informou, em juízo (fls. 231 e 234), que tomou conhecimento dos fatos narrados pela denúncia ao trabalhar no setor de monitoramento da agência do INSS em Guarulhos/SP, revisando procedimentos. Afirmou que as irregularidades do caso em tela consistiram em um vínculo empregatício de 03 (três) anos que foi fraudado; uma relação de salários que não condizia com os dados da pesquisa externa e do CNIS (Cadastro Nacional de Informações Sociais); e ausência de comprovação de dois vínculos empregatícios. Disse, ainda, que o beneficiário foi notificado para que comprovasse os vínculos, mas assim não procedeu, razão pela qual o benefício previdenciário foi suspenso.

Nesse diapasão, perante a autoridade policial (fls. 25/26), JACY JOSÉ afirmou o quanto segue:

"QUE trabalhou na empresa IRMÃO BOLENGUI, nos períodos mencionados nos documentos que apresentou, por ocasião de seu pedido de benefício previdenciário. QUE também trabalhou na empresa BALLON COMESTÍVEIS e PREST-O-LITE. QUE trabalhou pouco tempo na empresa CIA TRANSPORTADORA PAULISTA e CONSERVADORA LIMPEZA e CONSERVAÇÃO LTDA., entretanto não conseguiu comprovar esses vínculos, uma vez que não localizou essas empresas. QUE trabalhou na empresa INDÚSTRIA VILLARES. QUE obteve pessoalmente a declaração de fls. 43. QUE a empresa procedeu à anotação de sua carteira na época em que foi contratado. QUE somente requereu a carta de tempo trabalhado na empresa. QUE não providenciou o documento de fls. 44, referente a informações sobre atividades exercidas em condições especiais. QUE contratou os serviços de NORBERTO RODRIGUES RAMOS, pessoa essa que conheceu na igreja que frequentava. QUE NORBERTO foi a residência do declarante, uma vez que o mesmo dizia que trabalhava com intermediação de benefícios previdenciários. QUE apresentou duas carteiras a NORBERTO. QUE jamais foi a qualquer escritório de NORBERTO. QUE se compromete a procurar em suas anotações o número de telefone de NORBERTO, no prazo de 15 (quinze) dias. QUE não se recorda se trabalhou na INDÚSTRIA VILLARES até 1973 ou 1976. QUE não conhece ROBERTO RIVERA MERAIO. QUE reconhece como sua a assinatura no campo 'assinatura do outorgante' na procuração de fls. 03. QUE não conhece SÉRGIO PAULO DOS SANTOS. QUE chegou a procurar NORBERTO no endereço da procuração de fls. 03, entretanto, no referido endereço (R. Itinguçu, 1879) funciona atualmente uma loja. QUE pagou 3 (três) salários de benefício a NORBERTO. QUE para entregar o dinheiro a NORBERTO foi a residência deste, localizada na Vila Ré, entretanto, não se recorda o nome da rua. QUE se compromete a informar o número e o nome da rua onde NORBERTO morava no prazo de 15 (quinze) dias. QUE NORBERTO não deu cartão de visitas ou qualquer recibo." - grifo nosso.
Em juízo (mídia de fl. 234), o réu informou, em síntese:

"Que estava aposentado, não está mais e também não está trabalhando. Parou de trabalhar em 1999 e a aposentadoria foi 'cortada' em 2008. Está sendo sustentado pelos filhos. Mora com a filha e o genro, que sustenta a casa. Não tem outra fonte de renda. Tem esposa. Estudou somente até o primário, na fazenda. Veio para São Paulo em 1962, para trabalhar. Questionado em que locais trabalhou, disse que trabalhou em várias empresas sem registro. Depois trabalhou na Transportadora Paulista durante 3 meses. Depois trabalhou na empresa Conservadora e Conservação Ltda. durante 1 ano e 3 meses. Dessas duas empresas não conseguiu confirmar tempo de serviço porque desapareceram. Conseguiu comprovar tempo das empresas Irmãos Bolenghi, onde trabalhou 3 vezes, Balloon Comestíveis, onde trabalhou 2 vezes, Elevadores Atlas, que é a Villares. Foi nesta que deu o problema de alteração, que não sabia. Indagado sobre a alteração, disse que, até aí, não sabia de nada. Conheceu o NORBERTO na igreja. Ele até era uma pessoa de confiança da igreja e mexia com aposentadoria. Deu seus dois documentos, as duas carteiras profissionais, para ele fazer a contagem. Em três meses que ele ficou com as carteiras, recebeu uma carta do INSS falando que estava aposentado. Questionado se trabalhou na Villares realmente por três anos apenas, respondeu que foi lá por diversas vezes para tirar documentos para confirmar o tempo de trabalho. Como fazia muito tempo, não sabia o tempo certo de trabalho. Foi lá por diversas vezes, mas deu a alteração que está aí. Trabalhou de 70 a 73 e deu alteração de 70 a 76, mas, até aí, não sabia de nada que havia acontecido, porque ficou aposentado 10 anos sem saber como o NORBERTO ou o advogado ou o escritório fez o trabalho. Mais uma vez questionado se trabalhou 3 ou 6 anos na Villares, disse que, na realidade, trabalhou os 3 anos, porque foi comprovado por documento, mas essa alteração desconhece. Depois que o INSS falou que estava irregular, aí é que foi atrás de documentos confirmando o tempo de trabalho. Antes, quando o NORBERTO o aposentou, ele é quem foi atrás de tudo isso. Não sabia de nada. Questionado onde trabalhou no período de 73 a 76, respondeu que não sabe de nada. Questionado se não se lembra onde trabalhou nessa época, disse que entrou na Elevadores Atlas, na Avenida do Estado, no Ipiranga. Depois foi transferido para Santo Amaro. Até aí, não sabia o tempo certo que havia trabalhado. Após o INSS comunicar que estava irregular, foi tomar conhecimento do tempo de trabalho. Questionado onde foi trabalhar depois que saiu da Villares, respondeu que foi para a Irmãos Borlenghi, onde trabalhou 3 vezes, sendo na última vez 15 anos. Questionado se tem conhecimento sobre os salários-de-contribuição serem menores do que os indicados na documentação, respondeu que não. Deu os documentos para NORBERTO na sua casa (do réu). Nem sabia que ele tinha escritório de fazer aposentadoria. Quando foi pagar pelos serviços, três salários, foi na casa de NORBERTO. Conheceu apenas a casa, não conheceu escritório, advogado, só NORBERTO, que era amigo da igreja. Até hoje freqüente a mesma igreja. Pagou três salários para ele. Não se lembra quanto, pois foi há 10 anos. Depois que o benefício cessou, tentou várias vezes comprovar o tempo de serviço, mas não conseguia a documentação. Pelo que fala na documentação parece que estavam juntos, mas só o conhecia da igreja e deu os documentos para ele. Não conhece Carlos Alberto Miceli. Tem conhecimento que NORBERTO faleceu há uns 2 meses, mas nem foi ao velório, pois sua família ficou bastante chateada com o que ele fez. Mesmo sendo da mesma igreja, não foram ao velório. Depois que ele (NORBERTO) obteve o benefício, devolveu um documento só, a carteira que está no INSS até hoje. Questionado se o vínculo está nessa carteira, respondeu que acha que esse erro deve estar na carteira que ele desapareceu. Ele não devolveu essa carteira para o réu. Só devolveu a carteira que está no INSS de Guarulhos. Não sabe se outras pessoas passaram pelo mesmo problema. Sempre foi cozinheiro. Entrou como ajudante, passou a cozinheiro, mestre e aposentou-se como líder de cozinha. Nunca foi preso ou processado antes. É pastor na igreja. Atende mais de 700 pessoas. Às perguntas da acusação, disse que se aposentou com 57 anos de idade. Quando parou de receber a aposentadoria, estava recebendo R$ 1.700,00. Questionado se recebia isso quando trabalhado, disse que sim. Começou ganhando menos cozinheiro e foi aumentado. Quando recebeu a carta de aposentadoria, estava recebendo R$ 500,00. Foi aumentando. Indagado sobre o benefício anteriormente indeferido (113.818.721-3) pela falta de requisitos, o acusado disse que não tem conhecimento. Disse que trabalhava em São Paulo e o benefício foi aqui em Guarulhos, mas não sabe por que. Não assinou nenhum documento para o Norberto, nem recibo, nem nada. O único documento que recebeu foi a declaração do INSS já aposentado. Na época, NORBERTO deu apenas um telefonema dizendo que o réu estava aposentado." - fls. 275-v./276-v., grifo nosso.
Pois bem.

Em relação ao dolo do réu, objeto do apelo ministerial, tenho que não restou comprovado, devendo ser mantida a r. sentença, senão vejamos.

Com efeito, da análise dos autos, verifica-se que não há como afirmar, sem sombra de dúvidas, que JACY JOSÉ tinha consciência de que a atuação de Norberto se daria de forma fraudulenta, ou mesmo de que o tenha contratado com a finalidade de obter, para si, benefício previdenciário que sabia indevido.

Nesse sentido, ainda que JACY JOSÉ tenha fornecido suas carteiras de trabalho para que Norberto realizasse a contagem de tempo de serviço, bem como tenha efetuado o pagamento de 03 (três) salários de benefício àquele, após a concessão de sua aposentadoria, não há como presumir que o apelado tenha agido em conluio com Norberto, sob pena de odiosa responsabilização objetiva.

Isso porque, em relação à constatação de que os salários-de-contribuição da empresa "Irmãos Borlenghi Ltda." eram menores que os indicados quando do requerimento do benefício previdenciário em tela, tenho que não há como infirmar a versão de JACY JOSÉ, no sentido de que desconhecia referida irregularidade. Primeiro, por não ter a acusação colacionado ao presente feito prova em sentido contrário; segundo por se tratar de questão técnica, aritmética, figurando o réu como pessoa simples, que cursou somente o ensino fundamental em uma fazenda, antes de se mudar para São Paulo no ano de 1692 (mídia de fl. 234).

Ademais, a r. sentença reconheceu a ausência de materialidade delitiva em relação à não comprovação dos vínculos empregatícios de JACY JOSÉ com a "CIA Transportadora Paulista" (período de 04/09/1964 a 19/11/1964) e com a "Conservadora Limpeza e Conservação Ltda." (período de 01/02/1965 a 08/05/1966), ao concluir que "seria imprescindível que se comprovasse a inexistência dos vínculos empregatícios, o que não ocorreu. E isso porque, caso o acusado tenha trabalhado naquelas duas empresas, o tempo de contribuição é devido, não havendo o que se falar em fraude." - fl. 274.

Nesse diapasão, o réu esclareceu, em inquérito e em juízo, que efetivamente trabalhou para referidas empresas, não conseguindo comprovar os vínculos por não ter localizado os estabelecimentos, possivelmente pelo encerramento de suas atividades, o que se mostra compreensível, dado o tempo decorrido entre a alegada prestação de serviços (anos de 1964 a 1966) e a exigência de comprovação feita pelo INSS (ano de 2007 - fl. 27 do Apenso I).

Assim sendo, também por este viés, não seria possível comprovar que JACY JOSÉ agiu dolosamente.

No tocante ao tempo de serviço prestado para a "Indústria Villares S/A", o acusado afirmou, desde a fase policial, não se recordar se o vínculo empregatício teria se findado em 1973 ou em 1976. Em juízo, porém, após ser questionando especificamente em relação à questão, disse que havia trabalhado por 03 (três) anos no local, nos termos da declaração prestada pela empresa, e que não se recordava das datas ante o tempo decorrido desde então.

Neste ponto, ressalte-se que este Relator não ignora o fato de soar estranha a afirmação do réu no sentido de não se recordar de referido lapso temporal de 03 (três) anos, que se deu entre os anos de 1973 e 1976, conquanto tenha afirmado com clareza, ao ser interrogado em juízo, que laborou na empresa "CIA Transportadora Paulista" por 03 (três) meses e na empresa "Conservadora Limpeza e Conservação Ltda." por 01 (um) ano e 03 (três) meses, sendo que referidos vínculos teriam ocorrido em data anterior, qual seja, entre os anos de 1964 a 1966.

Em contrapartida, não há como presumir que JACY JOSÉ tenha realizado alterações indevidas em suas carteiras de trabalho antes de entregá-las a Norberto, tampouco afirmar, com certeza, que o réu sabia que Norberto iria proceder de forma fraudulenta, vez que cabia a este a reunião de documentos e a efetivação de requerimentos perante o INSS, conforme Auto de Apresentação e Apreensão de fls. 62/68, que comprova que, além de vasta documentação trabalhista de terceiros, foram localizados na casa de Norberto diversos carimbos e livros para registro de empregados.

Outrossim, como bem observado pela Procuradoria Regional da República em parecer de fls. 304-v./305:

"Consigne-se que três meses antes do requerimento efetuado em 13.09.1999, resultante no deferimento irregular do benefício em 29.09.1999 (fls. 96 do Apenso III), houve outro pedido de aposentadoria por tempo de contribuição efetuado por pessoa distinta, com poderes para tanto (DER 18.06.1999), sede na qual houve exigência para que Jacy apresentasse declaração e ficha de registro de empregado da empresa Indústria Villares S/A, em 24.06.1999. Extrai-se que a carta de comunicação endereçada a Jacy não esclarecia a existência de divergência quanto à data de rescisão, pelo que não se pode afirmar que neste momento o acusado obteve ciência da irregularidade (fls. 01/11, 16, 18 e 19 do Apenso II). Ante o não cumprimento da exigência, o benefício foi, então, indeferido em 27.09.1999 (dois dias antes do deferimento do pedido formulado em 13.09.1999).
Há, ainda, anotação nos documentos fornecidos pelo próprio INSS de que a CTPS apresentada informava término do vínculo em 10.08.1973, ou seja, era regular, enquanto a informação cadastrada no sistema CNIS indicava o ano de 1976. Portanto, há indicativo minimamente concreto de que Jacy entregou seus documentos a Norberto contendo informações verídicas quanto aos vínculos empregatícios, desconhecendo-se o modo pelo qual Norberto logrou afirmar que a rescisão teria ocorrido no ano de 1976."

Por fim, tenho que a afirmação da acusação de que "a defesa sequer fez prova que o réu não sabia da natureza ilícita do benefício previdenciário" não merece guarida, vez que a prova da alegação incumbirá a quem a fizer (art. 156 do CPP), no caso, à acusação, que aduz que o réu tinha ciência da ilicitude dos meios empregados para a obtenção do benefício indevido.

Também não merece prosperar a argumentação de que o réu não se importou com a falta de uma de suas carteiras de trabalho, a qual não fora devolvida por Norberto, não tendo procurado a Polícia ou se dirigido à Previdência Social para verificar a regularidade de seu benefício, o que evidenciaria o elemento cognitivo e volitivo.

Ora, se o benefício está sendo pago, significa que houve deferimento na esfera administrativa, presumindo-se sua legitimidade até prova em contrário, não figurando razoável, por conseguinte, a exigência de que todos os beneficiários devem se dirigir à polícia ou à autarquia previdenciária com a finalidade de verificar se há ou não fraude no procedimento de concessão.

Portanto, ante a ausência de elementos suficientes e aptos a comprovar que JACY JOSÉ FERREIRA entregou a Norberto documentação trabalhista adulterada, ou que o apelado contratou Norberto com a finalidade de obter, para si, benefício previdenciário fraudulento, ou ainda de que tinha ciência da fraude que seria empregada para a obtenção do referido benefício, agindo livremente de acordo com esse entendimento, de rigor a manutenção da r. sentença absolutória, nos termos do art. 386, inc. VII, do CPP, aplicando-se, in casu, o princípio in dubio pro reo.

Ante o exposto, nego provimento à apelação.

É como voto.

LUIZ STEFANINI
Desembargador Federal


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Data e Hora: 22/10/2014 14:57:46